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Proc. nº 289/93
2ª Secção
Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. O A. propôs, no Tribunal Cível de
Lisboa (8º Juízo), uma acção declarativa ordinária contra o banco B., pedindo
ao tribunal nomeadamente que: (a) declarasse irregular a convocação da
assembleia geral e da assembleia especial daquela instituição de crédito,
realizadas em 17 de Agosto de 1989; (b) anulasse ou declarasse nulas as
deliberações aí tomadas; (c) determinasse o cancelamento do registo dessas
deliberações; (d) e ordenasse a convocação de novas assembleias, com a mesma
ordem de trabalhos.
O banco contestou, deduzindo excepções e
pedindo que se julgasse improcedente a acção. Houve réplica e tréplica.
Por saneador-sentença de 28 de Julho de
1990, o tribunal, além de julgar procedente uma excepção que não importa aqui
analisar, julgou improcedente a acção, absolvendo o Réu do pedido.
2. O autor recorreu para o Tribunal
de Relação de Lisboa, que, por acordão de 31 de Outubro de 1991, confirmou
integralmente a sentença. Recorreu também para o Supremo Tribunal de Justiça,
mas este, por acórdão de 23 de Março de 1993, negou-lhe a revista.
3. É desta última decisão que vem agora
interposto o presente recurso, em que o autor pede a apreciação da
inconstitucionalidade do artigo 34º do Decreto-Lei nº 42.641, de 12 de Novembro
de 1959.
Ambas as partes apresentaram extensas
alegações, apoiadas em pareceres universitários juntos aos autos. O recorrente
conclui que são inconstitucionais as normas do artigo em causa. O banco
recorrido alega que o recorrente procurou introduzir na discussão matéria não
alegada ou já definitivamente excluída dos autos, a qual não poderá, por isso,
ser aqui tida em conta; alega ainda que o recorrente pretende, no fundo, uma
apreciação abstracta da constitucionalidade da norma em questão, pelo que não
poderá conhecer-se do recurso; mas acrescenta que aquela norma não é
inconstitucional.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
5. Comecemos por determinar o objecto do
recurso.
A acção intentada no Tribunal Cível de
Lisboa centrava-se na questão da aplicação do artigo 34º do Decreto-Lei nº
42.641: o autor teria sido impedido de participar nas já referidas assembleias
do banco, por não ser titular de um número suficiente de acções.
À data dos factos referidos no autos, o
artigo 34º do Decreto-Lei nº 42.641 tinha a seguinte redacção:
Artigo 34º - A assembleia geral dos bancos não pode ser constituída por mais de
300 accionistas.
§ 1º - Feito o depósito das acções dentro do prazo estabelecido para tomar parte
numa assembleia geral, o presidente deste ou o conselho de administração, no
caso de aquele não estar ainda eleito, verificará se o número de membros da
referida assembleia poderá exceder 300 e, podendo, organizará uma lista dos
depositantes com a indicação do número de votos que cabe a cada um.
§ 2º - Obtida a soma dos votos possíveis, será a mesma dividida por 300 e
considerados imediatamente apurados como membros da assembleia geral os
accionistas que tiverem um número de votos igual ou superior ao quociente.
§ 3º - Os accionistas que não estiverem nas condições do parágrafo anterior
serão convidados a agrupar--se de forma que cada grupo fique com o número de
votos igual ou superior ao quociente a que se refere o mesmo parágrafo,
passando os accionistas procuração a um, que será o seu representante na
assembleia. Para este efeito, e não obstante qualquer disposição estatutária em
contrário, pode um accionista representar vários.
§ 4º - A lista dos accionistas a que se refere o parágrafo anterior será
publicada com antecedência mínima de oito dias, em relação à data marcada para a
assembleia geral, em dois jornais da localidade da sede do banco, se os houver,
e também num jornal da capital, se a sede não for nesta, e ainda no Diário do
Governo, se a sede for no continente.
§ 5º - As procurações passadas para o fim do § 3º serão apresentadas na sede do
banco até ao último dia útil antes daquele em que a assembleia houver de reunir.
No caso dos autos, o recorrente, sendo
detentor de 600 acções do tipo B do banco B., foi impedido de participar nas
assembleias geral e especial do dia 17 de Agosto de 1989, porque a essas 600
acções apenas correspondiam 6 votos, e os montantes mínimos fixados para a
presença dos accionistas naquelas assembleias, nos termos deste artigo, eram
respectivamente de 782 e 357 votos. A questão de inconstitucionalidade que
invoca decorre precisamente da impossibilidade de participarem directamente nas
assembleias gerais os accionistas com um número de votos inferior ao que é
apurado nos termos das disposições conjugadas do corpo e parágrafos 1º, 2º e 3º,
daquele artigo 34º.
Portanto, só a constitucionalidade destas
disposições cabe aqui apreciar, excluindo-se do âmbito do presente recurso a
apreciação dos parágrafos 4º e 5º, que se referem respectivamente à publicidade
da lista dos accionistas que só agrupados e mediante representante poderão
participar na assembleia, e ao prazo de apresentação das correspondentes
procurações. É certo que o recorrente refere também que essa lista dos
accionistas a agrupar não foi divulgada com suficiente antecedência, pelo que
não pôde exercer esse direito de agrupamento; mas esta questão não é de
inconstitucionalidade, mas sim de ilegalidade, conforme adiante se mostrará.
Em suma, o presente recurso tem por
objecto apenas a apreciação da constitucionalidade do artigo 34º e seus
parágrafos 1º, 2º e 3º, do Decreto-Lei nº 42.641.
6. O recorrido sustenta que não
pode conhecer-se do recurso, baseando-se nas razões seguintes (foi suprimida a
numeração dos parágrafos):
O recorrente procura [...] fazer passar a mensagem de que o artigo
34º do Decreto-Lei nº 42.641 pecaria contra a igualdade por, ao fixar a fasquia
da participação directa numa assembleia geral num investimento de 250.000 c.,
perpetrar uma distorção excessiva, desproporcional e, como tal, arbitrária.
Acontece, porém, que estamos em sede de fiscalização concreta da
constitucionalidade; o Venerando Tribunal Constitucional não vai pois
ocupar-se do artigo 34º do Decreto-Lei nº 42.641, em geral - o que poderia
levar a ponderar a tal hipótese dos 250.000 c. - mas, tão-só, da sua aplicação
nos presentes autos.
Ora o Recorrente alega deter não 78.200 acções do B. mas (apenas)
600, num valor que não alcançará os 2.000 c. e que correspondia a 0,0024% do
capital social do banco.
Tal como o próprio Recorrente apresenta o seu problema ao
Venerando Tribunal Constitucional, já não haveria aqui a «desproporção
arbitrária» geradora de inconstitucionalidade.
Ao procurar levantar - hábil e doutamente embora - o problema das
78.200 acções e dos 250.000 c., o Recorrente está, na verdade, a sus-citar uma
questão de fiscalização abstracta de constitucionalidade, o que não lhe é
permitido.
7. A isto, o recorrente responde
nomeadamente:
Ao contrário do que o banco recorrido afirma na sua questão prévia,
o autor não pretende a declaração de inconstitucionalidade da norma em sede de
fiscalização abstracta. O recorrente pede, sim, a declaração da
inconstitucionalidade no caso concreto, e só, destes autos com a subsequente
reforma da deliberação recorrida, a qual deve ser substituída por outra, em
conformidade com o juízo de inconstitucionalidade a produzir.
[...]
[...] E assim se conclui que o objecto do processo constitucional é
a pretensão do recorrente fundamentada em normas constitucionais, que se
deduzem perante o Tribunal Constitucional, solicitando um juízo de
legitimidade ou ilegitimidade relativamente a determinados actos normativos. O
que se pede, é que o Tribunal Constitucional profira uma sentença relativa à
conformidade ou desconformidade constitucional do artº 34º do Decreto-Lei nº
42.641. E para tal é absolutamente irrelevante o facto do autor/recorrente ter
600 acções, 6.000 acções, 60.000 acções ou mesmo 600.000 acções, valor últi-mo
que já lhe permitiria ter acesso à assembleia geral.
8. Nesta matéria, a razão está do lado do
recorrente.
Efectivamente, na fiscalização concreta
de constitucionalidade não relevam propriamente os factos concretos a que foi
aplicada a norma a fiscalizar, mas antes o sentido com que tal norma foi
aplicada a esses factos. A norma é sempre abstracta por definição, mas é
aplicável a factos concretos. Esses factos são um elemento exterior ao conteúdo
da norma, e no momento em que a interpreta tendo em vista a sua aplicação ou a
sua desaplicação a tais factos, o tribunal continua a ter perante si uma norma
abstracta.
Quando aprecia a constitucionalidade de
uma norma jurídica, o tribunal está sempre a apreciar a constitucionalidade de
uma norma abstracta. Só que esta apreciação pode ocorrer em duas situações
distintas: (1) ou porque é necessária para decidir um caso concreto que foi
submetido ao tribunal, (2) ou porque o tribunal foi chamado a apreciar apenas a
constitucionalidade dessa norma, não tendo qualquer caso concreto a decidir
nessa ocasião. Na primeira hipótese, temos a fiscalização concreta de
constitucionalidade (artigo 280º da Constituição), e na segunda hipótese temos a
fiscalização abstracta (artigo 281º da Constituição). Como nota unanimemente a
doutrina constitucionalista, está-se aqui perante uma classificação quanto às
circunstâncias ou ao modo como se manifesta a fiscalização (ver, por todos,
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 2ª ed., Coimbra, 1983,
pág. 312).
Daqui resulta que, na fiscalização de
constitucionalidade, é irrelevante o conjunto de concretas circunstâncias de
facto a que a norma vai ser aplicada ou desaplicada. A sua constitucionalidade
ou inconstitucionalidade é apreciada tendo apenas em conta um sentido
normativo, portanto abstracto. Mas é evidente que a norma tem sempre de conter,
como pressuposto da sua própria aplicação, a previsão de um conjunto de factos
abstractamente considerados. Esses pressupostos de facto não se confundem
com os factos concretos que o tribunal apura: pelo contrário, a aplicação do
direito vem a ser precisamente a subsunção dos factos concretos aos factos
abstractos previstos na norma.
Assim, por exemplo, no presente caso, não
interessa à apreciação da constitucionalidade da norma em causa saber se o
autor dispunha de 600 acções; o que interessa é saber se o tribunal a quo a
interpretou com o sentido de que ela era aplicável a quem dispusesse de 600
acções; e se com esse sentido ela é ou não inconstitucional. Mas, assim
considerada, a norma em causa é efectivamente a norma que o recorrente pretende
ver apreciada pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta de
constitucionalidade, assim improcedendo esta questão prévia suscitada pelo
banco recorrido.
9. Outra questão prévia foi suscitada: a
de que o recorrente «pretende introduzir agora 'factos' não alegados ou já
excluídos, definitivamente, dos autos, com relevo para pretensas exclusões de
accionistas que não ele e para a matéria atinente às convocatórias; nada disso
pode ser tido em conta».
A este respeito, cabe notar que o
presente recurso não tem nem pode ter por objecto a apreciação de qualquer
matéria de facto: nos presentes autos, ao Tribunal Constitucional compete
apenas apreciar a constitucionalidade de normas jurídicas, pelo que a referência
à apreciação de quaisquer questões de facto é de todo em todo irrelevante. Tais
referências que eventualmente sejam feitas quer pelo recorrente, quer pelo
recorrido, são totalmente impertinentes e não podem ser tidas em consideração no
presente recurso. Mas, se não podem ser tidas em consideração no recurso, também
em nada poderão afectar a decisão. E, sendo assim, esta segunda questão prévia
também não obsta ao conhecimento do recurso.
10. Finalmente, é preciso esclarecer que
o artigo 34º do Decreto-Lei nº 42.641 já não se encontra em vigor. Foi revogado
pelo artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, que aprovou
um novo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras,
regulando o processo de estabelecimento e o exercício da actividade de umas e
outras (artigo 1º). Neste novo regime, não se encontra qualquer limitação ao
número de presenças de accionistas com direito a voto nas instituições de
crédito. Esta matéria passou, portanto, a seguir as regras gerais do Código das
Sociedades Comerciais (aprovado pelo Decreto-Lei nº 408/82, de 29 de Setembro),
que no artigo 379º, n.os 1 e 5, estabelece respectivamente o seguinte: «têm
direito de estar presentes na assembleia geral e aí discutir e votar os
accionistas que, segundo a lei e o contrato, tiverem direito a, pelo menos, um
voto»; e «sempre que o contrato de sociedade exija a posse de um certo número
de acções para conferir voto, poderão os accionistas possuidores de menor
número de acções agrupar-se de forma a completarem o número exigido ou um número
superior e fazer-se representar por um dos agrupados».
Mas, não estando já em vigor o artigo 34º
em causa, não deixou de ser validamente aplicado ao caso dos autos, e assim
mantém-se a necessidade de apreciar a sua eventual inconstitucionalidade.
Cumpre, pois, conhecer do objecto do
presente recurso.
11. Como vimos, a decisão recorrida
aplicou o artigo 34º do Decreto-Lei nº 42.641 somente na parte em que dispõe que
os accionistas com um número de votos inferior ao quociente indicado no § 2º
somente poderão participar na assembleia geral se estiverem agrupados e
representados nos termos do § 3º. Conforme se concluiu na sentença recorrida,
«foi com base nesta norma que [...] o autor foi impedido de participar nas
assembleias, por ter um número de votos muito inferior».
Sobre esta matéria, o Supremo Tribunal de
Justiça ponderou o seguinte:
Mas será o aludido art. 34º do Dec.-Lei 42.641 inconstitucional, ao
dispor que a assembleia geral dos bancos não pode ser constituída por mais de
300 accionistas?
A violação da lei fundamental traduzir-se-ia, num primeiro escalão,
em não ser admissível a participação de todos os accionistas com direito a voto
- o que ofenderia o princípio da igualdade.
De facto, o art. 13º da Constituição institui o princípio da
igualdade social dos cidadãos e a proibição de discriminação. Mas a regra deve
ter uma leitura correcta: induz a tratar com igualdade o que é igual, mas
desigualmente o que é desigual, de modo a conseguir-se maior equilíbrio,
equidade e justiça. Não significa igualdade absoluta em todas as situações nem
proíbe desigualdades devidamente fundadas (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., I, 150); o que deve
arredar-se são desigualdades arbitrárias e injustificadas.
Ora, a limitação do número de accionistas destinou-se a evitar que a
discussão e votação dos assuntos fossem muito dificultadas devido à intervenção
de um elevadíssimo número de pessoas participantes na assembleia sem prejuízo de
um justo equilíbrio das forças representativas do capital (preâmbulo do Dec.
16.274 de 22/12/1928 cujo art. 2º foi o antecedente deste art. 34º).
Saliente-se que esta limitação respeita a sociedades bancárias, e
que, pelo facto de o capital ser muitíssimo vultuoso e susceptível de se
encontrar disseminado por inúmeros accionistas pode acarretar dificuldades na
própria expressão da vontade social. A limitação tendo em consideração o número
de acções detidas explica-se pois por razões de racionalidade, de
praticabilidade, de eficiência, e porque, na impossibilidade de atender a
todos, deve dar-se preferência a quem mais tem a perder, ou seja, os maiores
accionistas.
Pode discordar-se do número prescrito ou ainda do cálculo
subsequente que conduz ao número de presenças na assembleia, mas, não sendo
eles arbitrários, essa discordância entra no âmbito da política legislativa, de
que não há que curar.
Aliás, o grupo de pequenos e médios accionistas não fica privado de
intervir nas assembleias porque se pode agrupar e fazer representar.
Como salienta o Prof. Ferrer Correia no Parecer [junto aos autos],
é este direito de agrupamento e não o direito de voto que é inar-redável, o que
até impressivamente se colhe, como já se referiu, das acções preferenciais sem
voto. Nem o direito de voto está incindivelmente ligado à qualidade de
accionista, nem o de participação na assembleia, que pode igualmente ser
afastado, como resulta dos arts. 379º nº 2 e 343º do Cód. Soc. Comerciais.
Já Cunha Gonçalves, em anotação ao correspondente artigo sobre as
assembleias gerais, sublinhava que as restrições ao número de accionistas não
são injustas porque a verdadeira justiça consiste em terem desigual tratamento
os que estão em condições desiguais, devendo os maiores interessados ter
preponderância nas assembleias visto que mais têm a perder, e elas quanto mais
numerosas são, mais desordenadas, turbulentas e improfícuas (Comentário ao
Código Comercial Português, I, 1914, 357).
Num segundo escalão, esgrime-se com o desrespeito dos artigos 62º e
16º, nº 2, da Constituição, este último na medida em que acolhe o artº 17º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem. Têm eles o objectivo de garantir a
todos o direito à propriedade privada, tanto numa dimensão económica e social,
como de direito, liberdade e garantia fundamental.
O princípio do direito à propriedade confere a todas as pessoas a
faculdade de aquisição, fruição e transmissão dela, além da proibição da
privação arbitrária.
Ora, o impedimento de intervir e votar nas assembleias das
sociedades bancárias, nas circunstâncias e condições acima previstas, não
ofende os direitos sociais dos accionistas, de forma constitucionalmente
arbitrária. Não só porque fundada em motivos razoáveis como se enumerou, mas
também porque, em substituição é conferido ao accionista o direito de se agrupar
com outros e, dessa forma, se fazer representar e votar.
Nem o art. 34º o priva da propriedade ou titularidade das acções e
apenas estabelece algumas limitações ao seu exercício.
Não houve assim violação dos arts. 13º, 16º e 62º da Constituição,
ou 17º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. O recorrente cita ainda o
art. 296º da Constituição, respeitante à lei-quadro da reprivatização de bens
nacionalizados. Mas para além de ela não contender com o art. 34º, foi aditada
na revisão constitucional de 1989, e a transformação do B.T.A. de empresa
pública em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos operou-se
por decreto-lei de 1988.
12. A isto, o recorrente opõe os
seguintes argumentos (foram eliminadas as notas de rodapé):
a) Quanto à violação do princípio da
igualdade:
Estruturando assim o princípio da igualdade, é possível avançar a
interrogação fundamental: há ou não arbítrio, existe ou não tratamento desigual
de situações essencialmente iguais, verifica-se ou não discrimi-nação arbitrária
com base em critérios objectivos e subjectivos (Constituição, artigo 13º:
'condição social, situação económica') constitucionalmente proibidos? Mesmo
considerando o princípio da igualdade como princípio da proibição do arbítrio,
é insustentável, em face da Constituição Portuguesa, a diferenciação entre
accionistas com base na qualidade de ser titular ou não ser titular de centenas
de milhar de acções, i.e., um investimento superior a várias centenas de
milhar de contos (mais do que 250.000 contos), sendo certo que também não há
fundamentos de racionalidade material extraídos do Direito Societário que
justifiquem a exclusão de direitos societários aos accionistas titulares de um
menor número de acções [...].
Esta desconformidade [da norma do artigo 34º relativamente ao
princípio da igualdade do artigo 13º da Constituição] atesta-se no facto de o
legislador, ao proibir a presença dos pequenos e médios accionistas nas
assembleias gerais das instituições de crédito, estar a tratar desigualmente
situações que não têm em si factores determinantes de diferenciação. Na verdade
não se compaginam como totalmente iguais a situação dos grandes accionistas
capitalistas com a dos pequenos e médios accionistas. Mas o que é certo é que a
proibição de estes participarem nas assembleias gerais dos bancos, apesar de
se fundamentar nesta diversidade material, é claramente excessiva e inadequada.
[...]
Torna-se fácil de ver que a presente tese sobre a natureza
inconstitucional do artº 34º não se baseia na ideia simplista de que a cada
acção corresponde um voto e que todos os accionistas devem poder votar na
assembleia geral (e que qualquer outra solução seria a violação de valores
constitucional-[mente] eleitos). Antes pelo contrá-rio, aceitamos uma limitação
à presença dos accionistas, desde que baseada em critério de razoabilida-de,
como acontece em outros ramos jurídicos. O que não se pode aceitar é que esse
critério - necessariamente económico - se traduza no valor proibitivo de
muitas centenas de milhares de contos (mais do que 250.000 contos) i.e., o
número de acções (72.800 acções) exigidas no caso concreto, valor que não
encontra fundamento material suficiente à luz do Direito Constitucional vigente
para justificar a discriminação presente.
b) Quanto à violação do artº 62º da
Constituição:
Ora, por intermédio das limitações impostas pelas normas do artigo
34º, um grupo de accionistas - os que possuem menos de 72.800 acções (entre os
quais se conta o autor) - viram-se impossibilitados de exercer vários direitos
sociais relacionados com a sua presença nas assembleias gerais. Desde logo, o
direito social autónomo de cada accionista tomar parte, fisicamente, nas
assembleias gerais; consequentemente, todos os outros direitos sociais só
exercitáveis através daquela presença: o direito à informação, o direito de
apresentar propostas, o direito de designar os membros dos órgãos sociais, o
direito de ser designado para os órgãos sociais (embora este direito só
tendencialmente seja cerceado) e o direito de voto.
E o que é certo é que não é dado aos accionistas privados destes
direitos qualquer compensação. Ficam simplesmente, esvaziados, e em boa parte,
de um conjunto de direitos por um acto legislativo do Poder.
[...]
Está, portanto, demonstrada a inconstitucionalidade material,
directa e por acção das normas do artigo 34º, do Decreto-Lei nº 42.641, ao
limitar a fruição sem justificação ou compensação, do direito patrimonial
próprio da titularidade de uma participação social, violando deste modo o
comando normativo do artº 62º da Constituição.
c) Quanto à violação dos princípios da
proporcionalidade e justiça:
Trata-se aqui de uma questão de «medida», ou melhor, de «desmedida»
para se alcançar um fim [...].
Efectivamente, sempre será possível ao legislador através de um
outro qualquer método limitar o acesso dos accionistas às assembleias gerais
sem: 1) impedir a maioria dos accionistas de o fazerem; 2) impedir o
agrupamento daqueles que por si não têm o direito a participar.
Há um total desequilíbrio entre a medida legislativa de 1928
adoptada para a realização de um fim que, aliás, é privado e os valores
(públicos e privados) constitucionalmente tutelados e que são violados.
Por outras palavras, a medida legislativa em causa não é apta, nem
proporcionada, nem conforme aos fins que poderiam, eventualmente, justificar a
sua adopção. A considerar constitucionalmente correcta (e não consideramos), a
limitação sempre poderia ser realizada de outro modo. [...] A
desproporcionalidade é acentuada precisamente pela regulamentação do direito de
agrupamento, pela escandalosa limitação temporal do seu exercício (poucas
horas, como vimos). [...]
Desta análise, facilmente se conclui que foram violados os
restantes elementos conducentes a uma maior operacionalidade prática do
princípio da proporcionalidade: a) a necessidade material, b) a exigibilidade
espacial, c) a exigibilidade temporal, e d) a exigibilidade pessoal.
[...]
As regras que regulamentam no âmbito dos bancos o direito ao
agrupamento de accionistas com direito a voto, como sucedâneo do exercício
directo do mesmo, não dão consagração prática a esse direito, agravando ainda
mais a situação dos pequenos e médios accionistas, numa clara e evidente
violação de direitos e princípios constitucionalmente tutelados, como sejam:
- o da 'igualdade', artº 13º da Constituição,
- o da 'propriedade privada', artº 62º da Constituição,
- o da 'justiça', com consagração nos arts. 1º, 2º, 9º e 288º, als. d) e e) da
Constituição
- e o da 'proporcionalidade global e concreta', com consagração entre ou-tros,
no nº 2 do artº 18º e no nº 4 do artº 19º da Constituição.
13. E o banco recorrido contrapõe (foi
também suprimida a numeração dos parágrafos):
O artigo 34º do Decreto-Lei nº 42.641 visa racionalizar o
funcionamento das assembleias gerais dos grandes bancos, que têm dezenas de
milhares de accionistas: não é pensável que elas possam decorrer em estádios
desportivos. E assim, ele exige que quem detenha menos de 1/300 do capital
social se agrupe com outros accionistas e se faça representar na assembleia.
Trata-se duma medida totalmente razoável, que não prejudica os
pequenos accionistas, apenas os levando a agrupar. A cifra «1/300» poderá ser
demasiado elevada: é questão de política legislativa e não de
constitucionalidade. O legislador comercial tem margem constitucional para
conformar este tipo de situações.
[...]
O artigo 34º não retira qualquer direito aos accionistas; apenas
regula o exercício do direito de participar na assembleia, requerendo, em certos
casos, que se proceda a um prévio agrupamento, com representação.
Além disso, o Recorrente adquiriu acções já despojadas do direito
de participar pessoalmente na assembleia; logo nada lhe foi tirado em termos de
pensar numa compensação.
Por fim: é ponto assente o de que a lei comum e os estatutos
sociais podem estabelecer diversas categorias de acções, com diferentes
direitos; por maioria de razão o poderá fazer uma lei especial.
[...]
Nas suas doutas alegações, o Recorrente cita, como tendo sido
violados, diversos artigos da Constituição que nada têm a ver com os presentes
autos: artigos 1º, 2º, 9º, 18º, nº 2, 19º, nº 4, e 288º d) e e).
Também a douta argumentação expendida em torno das datas das
convocatórias não tem lugar nos autos: basta ver que ela assenta em «factos»
que, rejeitados definitivamente pela Relação, não podem, agora, ser invocados ou
alegados.
14. Para apreciar a constitucionalidade
da norma em apreço, é conveniente ter em conta três níveis de significação isto
é, três aspectos do sentido com que o tribunal recorrido a aplicou. Esses três
níveis de significação só por artifício de análise podem ser aqui separados, uma
vez que o tribunal os reuniu na interpretação que perfilhou; mas, estando
incindivelmente unidos e logicamente ligados entre si, bastará que um deles seja
constitucionalmente inadmissível para se poder concluir pela
inconstitucionalidade da norma.
Esses três níveis ou aspectos são os
seguintes:
a) Se a norma é inconstitucional, na
medida em que limita a 300 o número de accionistas presentes nas assembleias;
b) Se a norma é inconstitucional na
medida em que fixa um critério de selecção segundo o qual apenas poderão
participar directamente nelas os accionistas que individualmente ou em grupo,
sejam titulares de um número de acções que lhes confiram mais de 1/300 da soma
de votos possíveis, quando mais de 300 accionistas pretenderem tomar parte nos
trabalhos e tal seja necessário para reduzir a esta cifra o número total de
participantes;
c) Se a norma é inconstitucional na
medida em que desse critério resulta excluída a participação dos accionistas
que individualmente não disponham desse limite mínimo de votos, mesmo que o
total dos interessados em participar na assembleia seja efectivamente inferior a
300 ou tal não seja necessário para reduzir a 300 o número total de
participantes.
15. No primeiro nível de significação
referido, quando considerado isoladamente, parece inquestionável que não se
verifica inconstitucionalidade. De facto, se bem que possa ser discutido, do
ponto de vista da política legislativa, a vantagem de limitar o número dos
participantes na assembleia geral de uma instituição de crédito, não parece que
a previsão de um limite máximo de 300 participantes possa, em si, contender com
qualquer norma ou princípio da Constituição. Fixar esse limite em 250, 300 ou
350 participantes, por exemplo, será uma questão de política legislativa, e o
próprio recorrente não contesta a sua legitimidade constitucional: afasta
expressamente, como já se viu, «a ideia simplista de que a cada acção
corresponde um voto e que todos os accionistas devem poder votar na assembleia
geral [...]. Antes pelo contrário, aceitamos uma limitação à presença dos
accionistas, desde que baseada em critério de razoabilidade, como acontece em
outros ramos jurídicos».
A finalidade do legislador ao fixar em
300 o número máximo de presenças é evitar que a discussão e votação das matérias
possam ser prejudicadas ou até impedidas pela intervenção dos muito milhares de
accionistas com direito a voto. Se bem que esta finalidade pudesse, em tese
geral, ser alcançada por restrições de outro tipo, que não chegassem à solução
extrema de impedir a presença de todos os interessados na assembleia geral (por
exemplo, um critério que limitasse o uso da palavra e que restringisse o tempo
concedido para tal efeito, em função do número de votos atribuídos a cada
accionista), não se poderá dizer que a limitação a 300 do número de presentes
constitua em si uma restrição intolerável do direito dos pequenos accionistas,
desde que, como aqui acontece, fique sempre salvaguardado o direito de estes se
poderem agrupar e participar através de um representante por eles escolhido.
O recorrente contrapõe que na prática não
foi assegurado aos eventualmente interessados o exercício desse direito de
agrupamento e participação através de representante, por terem disposto apenas
de um dia útil para o efeito. Mas, conforme já se referiu no nº 5 deste acórdão,
tal questão escapa ao poder de cognição do Tribunal Constitucional, que só tem
competência para apreciar a constitucionalidade de normas. Os parágrafos 4º e 5º
do artigo 34º impõem que a lista de accionistas a agrupar deverá ser publicada
com uma antecedência mínima de oito dias, e que as procurações necessárias
deverão ser apresentadas até ao último dia útil antes da assembleia geral. Se
assim não aconteceu (segundo o recorrente alega), estamos perante uma mera
questão de ilegalidade, e não de inconstitucionalidade. Não se trata de saber
se as normas constantes daqueles parágrafos 4º e 5º são inconstitucionais, mas
sim de saber se, face aos factos apurados, tais normas foram ou não violadas
pelo banco, no caso das assembleias em causa. Questão de ilegalidade que somente
aos tribunais comuns, e não ao Tribunal Constitucional, caberia apreciar.
16. Passemos assim ao segundo nível de
significação da norma em questão: se ela é inconstitucional na medida em que
fixa um critério de selecção segundo o qual apenas poderão participar
directamente nelas os accionistas que individualmente ou em grupo, sejam
titulares de um número de acções que lhes confiram mais de 1/300 da soma de
votos possíveis, quando mais de 300 accionistas pretenderem tomar parte nos
trabalhos e tal se torne necessário para reduzir a 300 o número de
participantes.
Segundo o recorrente, haverá aqui uma
violação do princípio da igualdade: ao proibir a presença de accionistas que não
disponham de pelo menos 1/300 da soma de votos possíveis, estar-se-ia afinal a
impedir a participação de accionistas com um valor ainda bastante elevado em
acções, sem que houvesse razão para tal diferença de tratamento face aos que
dispõem de um número de votos superior àquele limite.
Mas, se é certo que o capital investido
por esses pequenos accionistas impedidos de participar pode ser ainda bastante
elevado em termos absolutos, tal valor também não deixa de ser uma pequena
fracção do capital total da sociedade.
E consequentemente não deixa de haver
também aqui uma certa margem de discricionariedade para o legislador. O número
de accionistas que, em concreto, dispõem de uma quantidade de votos acima ou
abaixo daquele limite de 1/300 traduz a distribuição do capital do banco e,
portanto, uma desigualdade de situação económico-patrimonial, a que não pode
deixar de corresponder, do ponto de vista jurídico, um tratamento desigual.
Ora, com um tratamento desigual de situações desiguais, não há violação do
princípio da igualdade.
Mas, admitindo-se como se admitiu, que só
300 accionistas poderão participar na assembleia, haverá necessidade de
encontrar um critério que limite a 300 esses participantes, se o número total
dos que pretendem participar for superior.
Vários são os critérios possíveis (ordem
de chegada, sorteio, etc.), mas o mais racional, atendendo ao facto de as
decisões serem tomadas em função do número de votos de que cada accionista
dispõe, é limitar as presenças precisamente em função desse número de votos.
Então, será preciso aceitar que aqueles que isoladamente ou em grupo disponham
de 1/300 dos votos possíveis terão de ser admitidos a participar, em prejuízo
dos que dispõem de menos votos, mesmo que a estes ainda corresponda um
investimento bastante elevado em acções (mas menos elevado que o dos admitidos).
Consequentemente, e em si mesmo
considerado, este critério de determinação do número mínimo de votos exigível
para se poder participar na assembleia geral também não viola a Constituição, e
designadamente o princípio da igualdade, se houver necessidade de limitar o
número dos que pretendam participar na assembleia geral.
Sob esta condição - mas só sob esta
condição - , será, pois, de subscrever integralmente o parecer do Prof. Ferrer
Correia, assim sintetizado a fls. 369 dos autos:
A privação do direito de participação e voto na
assembleia geral dos bancos não representa de modo algum uma atitude arbitrária
do
legislador. Com efeito:
a) Essa medida legislativa encontra-se plenamente justificada pela
finalidade que o legislador com ela se propôs: garantir a eficiência do
procedimento deliberativo nas assembleias dos bancos;
b) É legítimo e adequado o critério de diferenciação apontado pelo
legislador, que se baseia no número de acções de que cada accionista é titular,
para efeitos de apuramento dos accionistas habilitados a participar na
assembleia. Com efeito, por aplicação deste critério, virão a estar presentes na
assembleia os sócios que mais empenhados estão na vida da sociedade, por terem
arriscado em maior medida o seu capital no empreendimento societário - o que
está de acordo com os princípios que enformam a regulamentação das sociedades
anónimas;
c) o direito de participação e voto na assembleia geral das
sociedades anónimas não constitui um direito indissociável da qualidade de
accionista. De todo o modo, a norma do artigo 34º não retira, de todo em todo,
o direito de interven-ção na assembleia aos accionistas que não possam aí
participar individualmente: estes podem sempre fazer chegar a sua voz (e voto)
ao órgão deliberativo, utilizando o direito de agrupamento que o legislador lhes
confere.
Mas este critério legal de selecção não
pode ter consequências perversas, por forma a que, na prática, apenas uma
ínfima minoria de accionistas venha a participar na assembleia geral.
O direito não pode fechar os olhos às
realidades económicas: esquecer que nas sociedades bancárias há normalmente
um reduzido número de grandes accionistas e uma multidão de accionistas que no
seu conjunto dispõem de uma fracção relativamente pequena do capital social
representado por acções que conferem direito a voto. Ora, se por tal motivo a
influência desses accionistas nas deliberações a tomar já é, à partida,
reduzido, e até insignificante, a lei não deve reduzi-lo ainda mais,
fechando-lhes também a porta que dá acesso à assembleia geral.
17. Esta última consideração não pode ser
afastada. Mas leva-nos a apreciar o artigo 34º do Decreto-Lei nº 42.641 no
terceiro nível de significação indicado: se a norma é inconstitucional na
medida em que, do critério adoptado resulta excluída a participação dos
accionistas que individualmente não disponham desse limite mínimo de votos,
mesmo que o total dos interessados em participar na assembleia seja
efectivamente inferior a 300 ou tal seja necessário para reduzir a 300 o número
total de participantes, sabido, como é, por um lado, que, hoje em dia, muitos
accionistas depositam as respectivas acções independentemente de qualquer
intenção de efectiva participação na assembleia geral do banco; e que, por outro
lado, a grande maioria dos pequenos accionistas não manifesta a vontade - nem
tem a possibilidade prática - de se agrupar para esse efeito.
Vimos que o artigo 34º do Decreto-Lei nº
42.641 não se limita a fixar um limite (neste caso 300) às presenças de
accionistas na assembleia geral; fixa também o critério que garante que tal
limite não possa ser excedido.
Com efeito, segundo os parágrafos 2º e 3º
daquele artigo, os accionistas que não tenham pelo menos um número de votos
correspondente a 1/300 do número de votos possíveis, só poderão participar
através de representante que reúna uma soma de votos superior àquele aquele
mínimo, em resultado do agrupamento de accionistas assim realizado (v.g., no
caso dos autos, invoca-se que apenas oito accionistas - número inferior ao de
membros do Conselho de Administração - seriam detentores das 78.200 acções, com
valor de mercado aproximado dos 250.000 contos, que dariam acesso directo à
assembleia geral).
No entanto, uma consequência decorre
necessariamente daqui: é que se este critério garante que os accionistas
presentes na assembleia geral nunca sejam mais de 300, já não garante que esse
número não seja inferior, e até substancialmente inferior.
Na verdade, basta que um número
apreciável de accionistas não tenham oportunidade efectiva de constituir estes
grupos de voto, para ficarem impedidos de participar na assembleia. Esta poderá
na prática funcionar com um número muito reduzido de accionistas (ainda que
estes detenham a maioria dos votos possíveis), dificultando ou impedindo assim
a protecção dos interesses de muitos pequenos accionistas que não puderam
encontrar outros com quem se pudessem agrupar para este efeito.
Ou seja, há aqui um excesso legislativo
em relação à ponderação de interesses que, segundo a óptica do legislador,
justifica as apontadas limitações à participação dos pequenos accionistas.
Se essas restrições poderão considerar-se
justificadas pela necessidade de evitar um mau funcionamento da assembleia geral
quando nela pretendam participar muitos milhares de accionistas; se, portanto, é
adequado e conveniente, segundo a opção política do legislador, reduzir a 300 o
número de presentes; então já não se justificarão essas restrições quando na
assembleia geral não pretendam efectivamente participar mais de 300 accionistas
- e isto, seja qual for o número de votos de que cada um deles disponha.
Isto é, se o legislador pretende limitar
a 300 o número de accionistas presentes, o critério adoptado não pode apenas
impedir que esse número seja superior a 300; tem também de permitir que esse
número seja próximo ou igual a 300 - como, por exemplo, resultaria se se
limitasse a participação na assembleia geral aos trezentos maiores accionistas
ou grupos de accionistas.
18. O critério constante dos
parágrafos 1º, 2º e 3º deste artigo 34º implica uma diferenciação arbitrária, e
portanto constitucionalmente inaceitável, entre os accionistas que disponham de
1/300 ou mais dos votos possíveis, e os demais accionistas: arbitrária porque -
para evitar que mais de 300 pessoas estejam presentes na assembleia geral -
acaba desnecessariamente por impedir que nela estejam presentes ou sequer
representados os pequenos accionistas que não tenham oportunidade de
agrupar-se, mesmo quando o número total dos que pretendam participar na
assembleia geral seja inferior ao limite de 300 estabelecido pelo legislador.
Conforme se notou já em extensa
jurisprudência do Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade (artigo 13º
da Constituição), «proibindo embora qualquer discriminação constitucionalmente
ilegítima, bem como qualquer privilégio ou preferência arbitrária, não proíbe em
absoluto qualquer diferenciação de tratamento, desde que materialmente fundada e
não baseada em motivo constitucionalmente impróprio» (Acórdão nº 340/92, Diário
da República, II Série, de 17 de Novembro de 1992; v., sobre a matéria, Gomes
Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª
edição, pág. 125-128, Coimbra, 1993, e J. Casalta Nabais, «Os direitos
fundamentais na jurisprudência do Tribunal Constitucional», Boletim da
Faculdade de Direito de Coimbra, sep., Coimbra, 1990, págs. 43 e segs.: «A
jurisprudência do T.C. e o princípio da igualdade»). Só que a norma em causa vai
para além do fundamento material que invoca, estabelecendo com isso uma
diferenciação arbitrária entre os accionistas, a pretexto de eles terem um
número maior ou menor de acções.
19. Mas, havendo aqui igualmente um
excesso em relação à «justa medida» para atingir os fins visados, a norma em
causa viola também o princípio da proporcionalidade, directamente decorrente do
princípio do Estado de direito democrático (artigo 2º da Constituição).
Efectivamente, aquela medida restritiva é
também desproporcionada face aos objectivos do legislador. Este foi para além do
necessário e do adequado na definição do critério que permite restringir a 300 o
número de presenças, impedindo injustamente, e sem motivo razoável, que muitos
pequenos accionistas participem na assembleia geral.
Há aqui, na verdade, um excesso
legislativo, uma vez que a disposição legal em causa vai para lá da
necessidade, da adequação e da «justa medida» em relação aos fins pretendidos
(sobre o princípio da proporcionalidade, do ponto de vista histórico, doutrinal,
e com abundantes referências à jurisprudência do Tribunal Constitucional, nas
suas três dimensões de «necessidade», «adequação», e «proporcionalidade em
sentido estrito», veja-se o verbete «Proporcionalidade, Princípio da», de
Vitalino Canas, Dicionário Jurídico da Administração Pública, 6º Volume,
separata, Lisboa, 1994).
20. Estando assim demonstrada a
inconstitucionalidade da norma em causa por este fundamento, desnecessário se
torna apreciar demoradamente outros fundamentos invocados pelo recorrente, como
sejam a violação do direito de propriedade (artigo 62º da Constituição) ou do
princípio da justiça, entendido como decorrência do princípio do Estado de
direito democrático.
III - DECISÃO
21. Assim, e pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional - por violação
do preceituado no artigo 13º, quando conjugado com o artigo 2º da Constituição -
a norma constante do artigo 34º, parágrafos 1º, 2º e 3º do Decreto-Lei nº
42.641, de 12 de Novembro de 1959, enquanto impede a participação pessoal, na
assembleia geral dos bancos, aos accionistas que não disponham de 1/300 da soma
dos votos possíveis, quando o total dos que pretendam efectivamente participar
nessa assembleia seja inferior ao limite de trezentos accionistas estabelecido
no parágrafo 1º do mesmo artigo, ou quando tal não seja necessário para reduzir
a trezentos o número de participantes;
b) E, consequentemente, conceder
provimento ao recurso.
Lisboa, 20 de Dezembro de 1995
Luís Nunes de Almeida
Messias Bento
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
José de Sousa e Brito
José Manuel Cardoso da Costa