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Processo n.ºs707/11, 724/11,
910/11, 21/12 e 22/12
Plenário
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. No processo n.º 707/11, um grupo de 8 deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores requer a declaração, com força obrigatória geral, «da inconstitucionalidade da norma contida no n.º 4 do artigo 2.º da Lei n.º 49/2001 [49/2011], de 7 de setembro – “Aprova uma sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos no ano de 2011, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro”, por violação do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa».
O pedido tem os seguintes fundamentos:
«1. A Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, aprova uma sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos no ano de 2011, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, como decorre do seu artigo 1.º. 2. Dispõe o n.º 4 do artigo 2.º da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro:
(…)
3. Tal normativo não é admissível à luz dos seguintes preceitos constitucionais e/ou legais:
A Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º que as Regiões Autónomas têm o poder de “dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afetá-las às suas despesas;”
O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, na redação da Lei n.º 2/2009, de 12 de janeiro, estabelece no artigo 19.º, n.º 1 que “A Região dispõe, para as suas despesas, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, das receitas fiscais nela cobradas ou geradas, de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com o princípio da solidariedade nacional, bem como de outras receitas que lhes sejam atribuídas”.
Acresce que o n.º 2, alínea b), do mesmo artigo refere que “Constituem, em especial, receitas da Região:
- Todos os impostos, taxas, multas, coimas e adicionais cobrados no seu território, incluindo o imposto do selo, os direitos aduaneiros e demais imposições cobradas pela alfândega, nomeadamente impostos e diferenciais de preços sobre a gasolina e outros derivados do petróleo;”
A Lei de Finanças das Regiões Autónomas, na redação da Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro, dispõe no artigo 15.º n.º 1 que “De harmonia com o disposto na Constituição e nos respetivos Estatutos Político-Administrativos, as Regiões Autónomas têm direito à entrega pelo Governo da República das receitas fiscais relativas aos impostos que devam pertencer-lhes, nos termos dos artigos seguintes, bem como a outras receitas que lhes sejam atribuídas por lei.”
Ainda em sede da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, destaca- se o disposto no artigo 19.º alínea a), que estabelece que “Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares:
- Devido por pessoas singulares consideradas fiscalmente residentes em cada Região, independentemente do local em que exerçam a respetiva atividade;”
Refira-se, por último, o artigo 25.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, o qual tem como epígrafe “Impostos extraordinários, e que estatui que “Os impostos extraordinários liquidados como adicionais ou sobre matéria coletável ou a coleta de outros impostos constituem receita da circunscrição a que tenham sido afetados os impostos principais sobre que incidiram.”
Assim, a norma vertida no n.º 4, do artigo 2.º, da Lei n.º 49/2011, de 7 setembro, consubstancia uma inconstitucionalidade material por violação do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa, bem como uma ilegalidade, por violação do n.º 1 e n.º 2, alínea b), do artigo 19.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e do n.º 1 do artigo 15.º, da aliena a) do artigo 19.º e do artigo 25.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas».
2. No processo n.º 724/11, um grupo de 7 deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores requer a declaração, com força obrigatória geral, da «inconstitucionalidade do nº 4 do artigo 2º da Lei nº 49/2011 de 7 de setembro, por violação da alínea j) do nº 1 do artigo 227º da CRP»; da «inconstitucionalidade da interpretação do artigo 88.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, na redação dada pela Lei nº 22/2011, de 20 de maio, de acordo com a qual um imposto extraordinário liquidado como imposto adicional é uma receita do Estado, mesmo que o imposto principal seja receita duma Região Autónoma, por violação da alínea j) do nº 1 do artigo 227º da CRP»; da «ilegalidade do nº 4 do artigo 2º da Lei nº 49/2011, de 7 de setembro por violação do artigo 19º do EPARAA».
Os pedidos são formulados com os seguintes fundamentos:
«1º
A CRP estabelece, na alínea j), do nº 1 do artigo 227º, que as Regiões Autónomas dispõem “nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas (...)”.
2º
A “Constituição fiscal”, como capítulo ou parte da “Constituição económica” no que respeita às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, procede a uma repartição da receita fiscal entre o Estado e as Regiões Autónomas, de acordo com a norma da alínea j) do nº 1 do artigo 227º.
3º
As receitas fiscais geradas ou cobradas no território das Regiões Autónomas constituem uma receita própria de cada uma das Regiões – ou territórios fiscais, se preferirmos utilizar outra terminologia - nos termos do que dispuserem a Lei de finanças das Regiões Autónomas e os respetivos Estatutos Político-Administrativos.
4º
O direito à perceção, pelas Regiões Autónomas, das receitas fiscais geradas ou cobradas no território de cada uma delas, respetivamente, e o poder de afetá-las às suas despesas constitui um direito das Regiões Autónomas, cf. o disposto na alínea g) do nº 2 do artigo 281º da CRP.
5º
Inequivocamente milita neste sentido o nº 1 do artigo 7º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), aprovado pela Lei nº 2/2009, de 12 de janeiro que, sob a epígrafe “Direitos da Região”, estabelece que “são direitos da Região, para além dos enumerados no nº 1 do artigo 227º da Constituição” os que elenca nas alíneas deste nº 1, bem como nos números 2 e 3.
6º
A citada norma constante da alínea j), do nº 1 do artigo 227º da CRP constitui uma norma de repartição objetiva de receitas públicas entre o Estado e as Regiões Autónomas.
7º
Sem impor qualquer distinção quanto à natureza das receitas tributárias a repartir entre aqueles dois entes públicos.
8º
Apenas submetendo o poder de disposição das receitas fiscais, por cada Região Autónoma, à disciplina legal dos Estatutos Político-Administrativos e da Lei de finanças das Regiões Autónomas.
9º
A evolução histórica desta norma constitucional aponta no sentido de que o legislador constitucional pretendeu reforçar a esfera de proteção das Regiões Autónomas quanto à específica repartição das receitas fiscais entre o Estado e as Regiões Autónomas.
10º
Pelo Acórdão 11/83, o Tribunal Constitucional não se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1º e 3º do Decreto nº 32-III da Assembleia da República, estando em causa, no pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade formulado pelo Senhor Presidente da República – no que ao caso interessa – a criação dum imposto extraordinário, cujo produto revertia integralmente para o Estado.
11º
À data da prolação daquele Acórdão, a redação na norma constitucional equivalente à norma constante da atual alínea j), do nº 1 do artigo 227º era a seguinte:
Artigo 229º
f) “Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, e dispor das receitas fiscais nela cobradas e de outras que lhe sejam atribuídas, e afetá-las às suas despesas”
12º
Naquele Acórdão, o Tribunal Constitucional decidiu que a esfera de proteção da norma constitucional acima transcrita não protegia os impostos extraordinários lançados pelo Estado, como o imposto em causa naquele aresto.
13º
A norma constitucional hoje em vigor quanto à repartição das receitas fiscais entre o Estado e as Regiões Autónomas estabelece que as receitas fiscais cobradas ou geradas no território de cada Região Autónoma constituem uma receita própria regional - o poder dispor - desde que o respetivo Estatuto Político-Administrativo e a Lei de finanças das Regiões Autónomas estabeleçam as regras quanto a essa repartição.
14º
Repare-se que já não se trata duma simples atribuição de receitas tributárias, como decorria da redação da alínea f) do artigo 229º da CRP (na redação em vigor em 1983), mas sim dum verdadeiro e próprio poder de disposição a coberto de previsão cumulativa no Estatuto Político-Administrativo e na Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
15º
O EPARAA, no seu artigo 19º, sob a epígrafe “Receitas da Região”, estabelece que a Região Autónoma dos Açores dispõe, “para as suas despesas, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, das receitas fiscais nela geradas ou cobradas”, identificando como receitas da Região “todos os impostos, taxas, multas, coimas e adicionais cobrados no seu território”, cf. a alínea b) do nº 2 daquele artigo.
16º
A norma constante deste artigo 19º do EPARAA é uma norma estatutária “proprio sensu”, recolhendo a sua credencial constitucional na alínea j) do nº 1 do artigo 227º que funciona como norma habilitante para que os Estatutos disponham quanto, não apenas a matéria fiscal, mas também quanto às regras de distribuição das receitas fiscais entre o Estado e a Região Autónoma e ao poder de disposição daquelas receitas por parte do ente regional.
17º
Deste modo, a norma do artigo 19º do EPARAA não é, nem pode ser considerada, como um cavaleiro de estatuto (ver por todos J. J. GOMES CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da Constituição, 7.ª ed., Coimbra, 2003, p. 772).
18º
As disposições constantes desta norma incluem-se no âmbito daquilo a que a jurisprudência deste Tribunal Constitucional entende como estatutário por natureza (cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 460/99).
19º
Numa interpretação conjugada da alínea j) do nº 1 do artigo 227º da CRP e do número 1 e da alínea b) do nº 2 do artigo 19º do EPARAA, todas as receitas fiscais geradas ou cobradas no território da Região Autónoma dos Açores constituem uma receita própria da Região, que dela pode dispor, sem qualquer distinção quanto à natureza dessa receita fiscal: ordinária ou extraordinária ou, na terminologia do artigo 19º do EPARAA, “impostos, taxas, multas, coimas e adicionais”, respetivamente.
20º
Apenas a Lei de Finanças das Regiões Autónomas (LFRA) - Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de fevereiro, alterada pela Lei Orgânica nº 1/2010, de 29 de março e pela Lei Orgânica nº 2/2010, de 16 de junho - estabelece uma diferenciação quanto à natureza ordinária ou extraordinária das receitas fiscais das regiões autónomas.
21 º
Com efeito, o artigo 25º da LFRA, nos seus nº 1 e 2, reforça o princípio constitucional da titularidade das regiões autónomas sobre as receitas nelas cobradas ou geradas, estabelecendo que os impostos extraordinários, autónomos ou não, são receitas da circunscrição a que tenham sido afetados os impostos principais, ou de acordo com a localização dos bens, da celebração do contrato ou da situação dos bens garantes, de qualquer obrigação principal ou acessória sobre que incidam.
22º
Já o nº 3 do artigo 25º da LFRA estabelece:
Artigo 25º
3. “Os impostos extraordinários podem, de acordo com o diploma que os criar, ser afetados exclusivamente a uma ou mais circunscrições se a situação excecional que os legítima ocorrer ou se verificar apenas nessa ou nessas circunscrições”.
23º
Porém, há que compatibilizar a interpretação da norma constante deste nº 3 do artigo 25º da LFRA com a norma de repartição da receita pública entre o Estado e as Regiões Autónomas da alínea j), do nº 1 do artigo 227º da CRP, sob pena de inconstitucionalidade.
24º
A Lei de Finanças das Regiões Autónomas é uma Lei que tem por objeto a “definição dos meios de que dispõem as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira para a concretização da autonomia financeira consagrada na Constituição”, cf. o seu artigo 1º.
25º
Nesta medida, a norma do número 3 do artigo 25º da LFRA apenas respeita a alínea j), do nº 1 do artigo 227º da CRP, se interpretada no sentido de autorizar a arrecadação da totalidade da receita pela Região Autónoma (circunscrição, cf. a alínea b) do artigo 17º da LFR) em cujo território o imposto extraordinário foi lançado e cobrado. Em todas as outras situações, as Regiões Autónomas dispõem das receitas decorrentes dos impostos gerados ou cobrados no respetivo território, independentemente da sua natureza.
26º
A Lei nº 49/2011, de 7 de setembro, aprovou “uma sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos no ano de 2011, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro”.
27º
A designada “sobretaxa extraordinária” não é mais do que um adicional a um imposto – no caso, ao IRS., tal como o configura a alínea b) do nº 2 do artigo 19º do EPARAA e o nº 1 do artigo 25º da LFR.
28º
Atente-se que o artigo 25º da LFRA distingue entre “impostos extraordinários liquidados como adicionais” e “impostos extraordinários autónomos”, cf. o seu nº 1 e 2.
29º
Nos termos do disposto no nº 1 daquele artigo 25º, os “impostos extraordinários liquidados como adicionais” constituem receita da circunscrição a que tenham sido afetados os impostos principais sobre que incidiram.
30º
Ora, nos termos conjugados do disposto no artigo 19º da LFRA e da alínea b) do nº 2 do artigo 19º do EPARAA, o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) constitui receita da Região Autónoma dos Açores.
31º
Sendo o imposto principal receita da Região Autónoma dos Açores, então o seu adicional – ainda que extraordinário - é também receita regional, cf. o nº 1 do artigo 25º da LFRA.
32º
A natureza de imposto extraordinário liquidado como adicional da designada “sobretaxa extraordinária” resulta clara da exposição de motivos da proposta de Lei nº 1/XII in www.parlamento.pt na qual se refere que “a inserção sistemática material da sobretaxa extraordinária em sede de IRS, com a manutenção das características essenciais deste imposto, e a sua aplicação apenas à parte do rendimento coletável que excede o valor anual da retribuição mensal garantida por sujeito passivo asseguram o cumprimento dos princípios constitucionais sobre tributação do rendimento pessoal” (sublinhado nosso).
33º
O próprio autor da proposta de Lei - o Governo da República - assume a natureza desta sobretaxa como um imposto extraordinário liquidado como adicional ao IRS, com “a manutenção das características essenciais deste imposto”.
34º
Isto é, a “sobretaxa extraordinária” não é um imposto extraordinário autónomo.
35º
O legislador, invoca, no nº 4 do artigo 2º da Lei nº 49/2011, de 7 de setembro, o artigo 88.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 22/2011, de 20 de maio, para fazer reverter a totalidade da receita da sobretaxa extraordinária para o Orçamento do Estado.
36º
Contudo, aquela norma da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, não pode ser interpretada no sentido que lhe dá agora o legislador, permitindo uma apropriação pelo Estado de receita fiscal, atribuída pela alínea j) do nº 1 do artigo 227º da CRP à Região Autónoma dos Açores - in casu.
37º
Por isso mesmo, a norma do nº 4 do artigo 2º da Lei nº 49/2011, de 7 de setembro, ofende a alínea j) do nº 1 do artigo 227º da CRP o artigo 19º do EPARAA, padecendo, assim, dos vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade, respetivamente, cf. a alínea g) do nº 2 do artigo 281º da CRP.
38º
Tal como é inconstitucional a interpretação do artigo 88.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 22/2011, de 20 de maio, de acordo com a qual um imposto extraordinário liquidado como imposto adicional é uma receita do Estado, mesmo que o imposto principal seja receita duma Região Autónoma».
3. No processo n.º 910/11, um grupo de 7 deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores requer a declaração, com força obrigatória geral, «da inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 141.º-A e 185.º-A, aditados pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de dezembro – “Procede à segunda alteração à Lei do Orçamento do Estado para 2011, aprovada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (…)”, por violação do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º e no artigo 238.º da Constituição da República Portuguesa».
O pedido é formulado com os seguintes fundamentos:
«1. A Lei n.º 60-A/201 1, de 30 de novembro, procede à segunda alteração à Lei do Orçamento do Estado para 2011, aprovada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pela Lei n.º 48/2011, de 26 de agosto; altera o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, e o artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Impostos (CIMI) e procede à alteração do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, como decorre do seu artigo 1.º.
2. Dispõe o artigo 141.º-A da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro:
(…)
3. Acresce mencionar que norma de teor idêntico, nomeadamente no que concerne ao disposto na alínea a) do artigo acima plasmado, consta no n.º 4 do artigo 2.º da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro - Aprova uma sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos no ano de 2011, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, tendo sido objeto de pedido de fiscalização abstrata sucessiva, datado de 26 de setembro de 201 1, o qual foi subscrito por um grupo de Deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
4. Por sua vez, dispõe o artigo 185.º-A da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro:
(…)
5. Tais normativos, isto é, artigos 141.º-A e 185.º-A, aditados pelo artigo 4.º, da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, não são admissíveis à luz dos seguintes preceitos constitucionais e/ou legais:
A Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º que as Regiões Autónomas têm o poder de “dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afetá-las às suas despesas;”
O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, “lei de valor reforçado”, na redação da Lei n.º 2/2009, de 12 de janeiro, estabelece no artigo 19.º, n.º 1 que “A Região dispõe, para as suas despesas, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, das receitas fiscais nela cobradas ou geradas, de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com o princípio da solidariedade nacional, bem como de outras receitas que lhes sejam atribuídas”.
Acresce que o n.º 2, alínea b), do mesmo artigo refere que “Constituem, em especial, receitas da Região:
- Todos os impostos, taxas, multas, coimas e adicionais cobrados no seu território, incluindo o imposto do selo, os direitos aduaneiros e demais imposições cobradas pela alfândega, nomeadamente impostos e diferenciais de preços sobre a gasolina e outros derivados do petróleo;”
A Lei de Finanças das Regiões Autónomas – Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro – também “lei com valor reforçado”, dispõe no artigo 15.º n.º 1 que “De harmonia com o disposto na Constituição e nos respetivas Estatutos Político- Administrativos, as Regiões Autónomas têm direito à entrega pelo Governo da República das receitas fiscais relativas aos impostos que devam pertencer-lhes, nos termos dos artigos seguintes, bem como a outras receitas que lhes sejam atribuídas por lei”.
Ainda em sede da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, destaca-se o disposto no artigo 19.º alínea a), que estabelece que “Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares:
- Devido por pessoas singulares consideradas fiscalmente residentes em cada Região, independentemente do local em que exerçam a respetiva atividade”;
Importa, por último, nesta sede, referir o artigo 25.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, o qual tem como epígrafe “Impostos extraordinários, que estatui que “Os impostos extraordinários liquidados como adicionais ou sobre matéria coletável ou a coleta de outros impostos constituem receita da circunscrição a que tenham sido afetados os impostos principais sobre que incidiram”.
Por outro lado, a Constituição da República Portuguesa, respetivamente no artigo 238.º (“Património e finanças locais”), dispõe no n.º 1, o seguinte:
“As autarquias locais têm património e finanças próprios”.
Acrescentando o n.º 2 do artigo supra referido o seguinte:
“O regime das finanças locais será estabelecido por lei e visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau.”
Por sua vez, a Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, na redação da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro), diploma que consagra o preceito constitucional acima referido, dispõe na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º (“Repartição de recursos públicos entre o Estado e os municípios”) o seguinte:
“A repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios, tendo em vista atingir os objetivos de equilíbrio financeiro horizontal e vertical, é obtida através das seguintes formas de participação:
c) Uma participação variável de 5% no IRS, determinada nos termos do artigo 20.º, dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS”.
Acresce que o artigo 10.º da Lei das Finanças Locais, sob a epígrafe “Receitas municipais”, dispõe na alínea d) o seguinte:
“Constituem receitas dos municípios:
d) O produto da participação nos recursos públicos determinada nos termos do disposto nos artigos 19.º e seguintes”;
Por fim, estatui o n.º 1 do artigo 25.º da Lei das Finanças Locais, o qual tem como epígrafe “Transferências financeiras para os municípios”, o seguinte:
“São anualmente inscritos no Orçamento do Estado os montantes das transferências financeiras correspondentes às receitas municipais previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 19.º.”
6. Assim, atendendo a que o ordenamento jurídico vigente consagra, expressamente, a atribuição às Regiões das receitas de IRS nelas geradas, não se compreende, nem se pode aceitar que o Orçamento do Estado ouse dispor de receitas da titularidade da Região, atribuindo-as a sujeito jurídico distinto, mesmo que se trate de municípios da Região.
7. Nestes termos, as normas vertidas nos artigos 141.º-A e 185.º-A, aditados pelo artigo 4.º, da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, consubstanciam, simultaneamente, uma inconstitucionalidade material por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j) e artigo 238.º da Constituição da República Portuguesa e uma ilegalidade por violação dos normativos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, Lei das Finanças das Regiões Autónomas e Lei das Finanças Locais supra mencionados».
4. No processo n.º 21/12, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira pede, por meio de resolução aprovada em sessão plenária em 15 de dezembro de 2001, «a declaração de inconstitucionalidade da norma vertida no n.º 4, do artigo 2.º, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, por violação do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa, bem como a declaração de ilegalidade da mesma norma, por violação da alínea b) do artigo 108.º, e alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 112.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e do n.º 1 do artigo 18.º, da alínea a) do artigo 19.º e do n.º 1 do artigo 25.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro, na redação dada pela Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março».
A resolução tem o seguinte conteúdo:
«A Lei nº 49/2011, de 7 de setembro aprova uma sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos no ano de 2011, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de novembro, como decorre do seu artigo 1º.
Dispõe o nº 4 do artigo 2º da referida Lei nº 49/201 1, de 7 de setembro:
(…)
Tal normativo não é admissível à luz dos seguintes preceitos constitucionais e/ou legais:
i A Constituição da Repúb1ica Portuguesa (CRP) estabelece na alínea j) do nº 1 do artigo 227º que as Regiões Autónomas têm o poder de “dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-1as às suas despesas;”
ii O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira define no seu Artigo 108º, que constituem receitas da Região:
….…………………………………………………………..…………………
b) Todos os impostos, taxas, mu1tas, coimas e adicionais cobrados ou gerados no seu território….”.
Por sua vez o Artigo 112º do mesmo Estatuto retira qualquer dúvida sobre o facto de o Imposto Extraordinário caber no tipo de impostos que são considerados receita tradicional da Região as receitas provenientes de:
1- ……………………………………………………………………….
a) Do imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares;
………………………………………………………………………..….
d) Dos Impostos Extraordinários;
iii A lei de finanças das Regiões Autónomas, Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de fevereiro, na redação dada pela Lei Orgânica nº 1/2010, de 29 de março, dispõe no artigo 18º nº 1 que “De harmonia com o disposto na Constituição e nos respetivos Estatutos Político-Administrativos, as Regiões Autónomas têm direito à entrega pelo Governo da República das receitas fiscais relativas aos impostos que devam pertencer-lhes, nos termos dos artigos seguintes, bem como a outras receitas que lhes sejam atribuídas por lei.”
Na mesma lei orgânica o corpo e alínea a) do artigo 19º, estabelece, respetivamente, que “Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares”:
“a) Devido por pessoas singulares consideradas fiscalmente residentes em cada Região, independentemente do local em que exerçam a respetiva atividade;
……………………………………………………………….………………
Também o artigo 25º, nº 1, da referida lei orgânica, o qual tem como epígrafe “Impostos extraordinários, estatui que os impostos extraordinários liquidados como adicionais ou sobre matéria coletável ou a coleta de outros impostos constituem receita da circunscrição a que tenham sido afetados os impostos principais sobre que incidiram.”
Não restam dúvidas que a sobretaxa extraordinária, estabelecida pela Lei nº 49/2011, de 7 de setembro, constitui receita da Região Autónoma e não do Estado».
5. No processo n.º 22/12, um grupo de 9 deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira requer a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade e/ou da ilegalidade do «artigo 2.º n.º 4 da Lei número 49/2011 de 7 de setembro» e do «artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011 de 30 de novembro [dezembro], ao aditar à Lei do Orçamento de Estado para 2011 os artigos 141.º-A e 185.º-A», por «violação dos direitos das Regiões Autónomas, maxime da Região Autónoma da Madeira» («por violação dos artigos 227.º n.º 1 alíneas j) e p) e 232.º n.º 1 da Constituição da República e do n.º 3 do artigo 107.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e dos artigos 6.º, 18.º, 19.º, 62.º, 63.º e 88.º da Lei das Finanças Regionais»). Deve entender-se que, não obstante ser requerida a apreciação da disposição legal que adita os artigos 141.º-A e 185.º-A, estes é que verdadeiramente constituem o objeto do pedido.
O pedido é feito com os seguintes fundamentos:
«OBJETO
A Assembleia da República aprovou a Lei n.º 49/2011 de 7 de setembro, publicada no número 172 da I Série do Diário da República que introduz uma sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos no ano 2011, alterando em consequência o Código de Imposto sobre o Rendimento das pessoas singulares (CIRS), aprovado pelo Decreto-lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, onde se dispôs no artigo 2º que:
(…)
A Assembleia da República, através da Lei n.º 60-A/2011 de 30 de novembro, publicada no número 230 da I Série do Diário da República alterou a Lei do Orçamento de Estado para 2011, aprovado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e o Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, que aprova um conjunto de medidas adicionais de redução de despesa com vista à consolidação orçamental prevista no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013, determinando no artigo 4º que:
(…)
As Leis em questão e os seus artigos especificamente transcritos entraram em vigor e destinam-se a ter efeitos imediatos.
SOBRETAXA DE IRS - ENQUADRAMENTO
Com o normativo do n.º 4 do artigo 2º da Lei 49/2011 de 7 de setembro e da primeira parte do artigo 4º da Lei n.º 60-A/2011, a Assembleia da República aprovou uma receita extraordinária para o exercício orçamental de 2011, através da criação de uma sobretaxa de 3,5%, a incidir sobre o englobamento dos rendimentos das pessoas singulares nas várias categorias, incluindo os resultantes de gratificações, mais-valias, atividades de elevado valor acrescentado e ainda outros acréscimos extraordinários, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos na lei. A receita resultante desta sobretaxa especialmente criada face às condições económico-financeiras, por força das disposições acima transcritas, reverte integralmente para o Orçamento do Estado.
Fundamenta essa “reversão” o artigo 88º do Lei do Enquadramento Orçamental (Lei n.º 91/2001 de 20 de agosto, alterada pela Lei n.º 22/2011 de 20 de maio (…) onde se diz que:
(…)
Posteriormente, a Lei n.º 60-A/2011 acrescentou a fundamentação da referida “reversão de receita”, o disposto nos artigos 10º-A e 10º-B da mesma Lei de enquadramento orçamental, agora considerada com a redação resultante da Lei n.º 52/2011 de 13 de outubro, onde se determina que:
(…)
Conforme resulta deste conjunto de dispositivos, preveem-se a adoção de medidas de caráter excecional, em decorrência das obrigações que o Estado português assumiu no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e em especial no dever de evitar os défices orçamentais excessivos (artigo 125º) […]. Essa obrigação justifica, nos termos do princípio da solidariedade recíproca, que excecionalmente, segundo o artigo 88º, haja redução das transferências do Orçamento do Estado para os subsetores públicos (como é o caso das Regiões Autónomas) e, em conformidade o artigo 10º-B em vigor desde 14 de outubro de 2011, “obriga todos os subscritores, através dos seus organismos, a contribuírem proporcionalmente para a realização do princípio da estabilidade orçamental de modo a evitar situações de desigualdade.
As medidas excecionais de redução de transferências do Estado, para além de terem como limite os compromissos assumidos no âmbito do sistema de solidariedade e de segurança social, exigem a comprovação dos pressupostos exigidos no n.º 2 do artigo 88º, ou seja, da verificação de:
circunstâncias excecionais imperiosamente exigidas pela rigorosa observância das obrigações decorrentes do Programa de Estabilidade e Crescimento
princípios da proporcionalidade, não arbítrio e solidariedade reciproca
audição prévia dos órgãos constitucional e legalmente competentes dos subsetores envolvidos.
É nosso entendimento que esses pressupostos impõem, em primeiro lugar, que as medidas concretas a ser aplicadas tenham que estar fundamentadas na imperiosa exigência das obrigações decorrentes do PEC (ou da não verificação dos défices excessivos, prevista nesse procedimento específico), ou seja a apresentação da inevitabilidade da referida medida adotada, necessariamente reduzida ao menor custo possível e não atingível através de outros mecanismos ou medidas que a Assembleia da República poderia adotar, com uma avaliação comparativa de várias soluções, respeitando assim o não arbítrio, a proporcionalidade e a solidariedade recíproca
Em segundo lugar, a Assembleia da República tem o dever de audição prévia dos órgãos constitucionais competente em matéria orçamental, financeiro e fiscal do subsetor em causa. Não se trata apenas da concretização do dever de constitucional previsto no artigo 229º n.º 2, mas é uma expressa concretização do princípio da estabilidade das relações financeiras previsto no artigo 6º da Lei das Finanças Regionais.
Acresce que a introdução do novo artigo 10º-B na Lei do Enquadramento Orçamental (vigente apenas depois de 14 de outubro de 2011 – vide artigo 7º da Lei n.º 52/2011, já referida) não nos parecendo inovar nesta matéria de responsabilidade recíproca na estabilidade orçamental nunca seria de aplicar à receita resultante de uma sobretaxa criada pela Lei n.º 49/2011 que entrou em vigor no início de setembro ou seja, antes da publicação daquela lei.
PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS NAS RECEITAS DE IRS – ENQUADRAMENTO
Como segunda medida, consagrada através da última Lei acima identificada (aditamento de um novo artigo 185ºA à Lei do Orçamento de 2011), é publicada uma “norma interpretativa”(…) que deduz à receita cobrada na Região Autónoma o montante variável de receita proveniente de IRS que for atribuído aos Municípios sedeados no seu território. Pela Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, alterada pelas Leis n 22-A/2007, de 29 de junho, 67-A/2007, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, e 55-A/2010, de 31 de dezembro) no capítulo da repartição de recursos públicos entre o Estado e os Municípios, tendo em vista atingir os objetivos de equilíbrio financeiro horizontal e vertical, é admitida uma participação variável de 5% no IRS, determinada nos termos do artigo 20º, dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no nº 1 do artigo 78º do Código do IRS. (artigo 19º n.º 1 alínea c).
Pela forma prevista no artigo 20º, os Municípios podem deliberar ser compensados até 5% da receita do IRS de contribuintes domiciliados na respetiva circunscrição territorial, montante que lhes será transferido pelo Estado. Tratou-se de uma introdução legislativa que veio consagrar uma antiga reivindicação do poder local, no sentido de que ao aumento das suas competências por transferências do Estado, correspondesse um aumento de receita, nomeadamente uma participação no imposto sobre o rendimento.
Essa possibilidade no que diz respeito aos Municípios sedeados nas Regiões Autónomas tem sido de difícil concretizar, já que anualmente o Governo da República tem vindo a recusar essa afetação, não transferindo para os Municípios da Madeira e dos Açores, com o argumento de que deve ser o orçamento da respetiva Região Autónoma a suportar essa afetação. A interpretação ora publicada faz responsabilizar as Regiões por essa afetação, na medida em que deduz à receita de IRS cobrada em cada Região o montante que for transferido pelo Estado para cada Município sedeado nesses territórios.
Note-se ainda que o fato da norma ter sido publicada como interpretativa faz reportar os seus efeitos à data da entrada em vigor do citado artigo 20º da Lei das Finanças Locais, ou seja a janeiro de 2007, sendo lícito ao Governo da República deduzir os montantes eventualmente compensados desde então aos Municípios das Regiões Autónomas.
OS DIREITOS DAS REGIÕES AUTÓNOMAS - A RECEITA PROVENIENTE DE IRS COMO RECEITA PRÓPRIA
A lei constitucional confere legitimidade a um décimo dos deputados da Assembleia Legislativa para suscitar ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade e ilegalidade de quaisquer normas (artigo 291º n.º 2 alínea g) in fine). Essa legitimidade, embora tendo como causa os direitos das Regiões Autónomas, no caso de se pretender a declaração de inconstitucionalidade, ou a violação do Estatuto político administrativo da respetiva Região, no pedido de ilegalidade, opera em relação a qualquer das decisões do Tribunal Constitucional previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 281º da CRP.
Assim é pressuposto para aferir da possibilidade deste pedido, determinar que direitos das Regiões Autónomas estão a ser violados por parte das normas em causa.
A Constituição da República Portuguesa consagra a autonomia política e administrativa dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, constituindo-as como Regiões Autónomas dotadas de Estatuto Político-Administrativo e de órgãos de governo próprio (artigo 6º n.º 2). Para além dessa capacidade de auto governação e da remissão para um diploma de valor reforçado na hierarquia legislativa do Estado português, a Constituição consagra expressamente um conjunto de direitos e poderes às Regiões Autónomas, sem prejuízo da sua especificação ou desenvolvimento em sede de Estatuto.
Nesta matéria, importa destacar o poder que a CRP reconhece às Regiões Autónomas de “dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afetá-las às suas despesas” (alínea j) do n.º 1 do artigo 227º), de aprovar o orçamento regional (alínea p) do n.º 1 do artigo 227º) e de participar na definição e execução da política fiscal (alínea r) do n.º l do artigo 227º).
Os direitos da Região Autónoma que resultam destas normas constitucionais são fundamentalmente, no que ao caso importa, o poder de dispor, da forma como livremente resultar do orçamento que as Regiões aprovam, das receitas fiscais nelas cobradas.
A Constituição porém acrescenta que o poder de dispor das “receitas fiscais nela cobradas ou geradas” é determinado nos termos dos Estatutos e da lei das Finanças Regionais. Essa remissão constitucional para leis de hierarquia inferior eleva a forma de disposição que resultar dessas duas leis a princípio constitucional e nessa matéria toma-o superior à legislação ordinária.
O Estatuto Político Administrativo da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91 de 5 de junho (posteriormente alterado pela Lei nº 130/99, de 21 de agosto), fixa no n.º 3 do artigo 107º que “a Região dispõe, nos termos do Estatuto e da lei, das receitas fiscais nela cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhe sejam atribuídas e afeta-as às suas despesas”.
De forma ainda mais precisa a Lei das Finanças Regionais (Lei Orgânica n.º 1/2007 de 19 de fevereiro, alterada pela Lei (Orgânica n.º 1/2010 de 29 de março) consagra alguns princípios que caracterizam a autonomia financeira das Regiões (…) e fixa no artigo 19º que
(…)
Da conjugação destes preceitos é inequívoco que é direito constitucional da Região Autónoma dispor da receita proveniente do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, nela fiscalmente residentes ou retido por entidades empregadoras com sede ou domicílio fiscal no território da Região.
Consagra-se, desta forma, o princípio de que é receita regional toda a receita cobrada a título de IRS no território da Região. Mas além da titularidade da receita, fixa-se que “de harmonia com o disposto na Constituição e nos respetivos Estatutos Político-Administrativos, as Regiões Autónomas têm direito à entrega pelo Governo da República das receitas fiscais relativas aos impostos que devam pertencer-lhes, nos termos dos artigos seguintes, bem como a outras receitas que lhes sejam atribuídas por lei”, (artigo 18º n.º 1 da LFR).
Pelos princípios constitucionais a disposição de toda a receita fiscal proveniente de IRS cobrado na Região, constitui a obrigação do Estado “entregar” essa receita e confere o poder à Região determinar a sua aplicação às despesas que entender no quadro da sua autonomia orçamental.
É indubitável que estamos em presença de direitos da Região Autónoma, para a qual se confere aos signatários a legitimidade de arguir as suas violações no plano constitucional e legal.
Como é referido pela doutrina é matéria de importância fundamental para a determinação dos limites da autonomia político-administrativa das Regiões o seu financiamento (MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, in Constituição da República Portuguesa anotada, Tomo III, pag. 325, Coimbra Editora, 2007), Consideram esses autores que apesar da Constituição ter traçado para o financiamento das Regiões Autónomas um desenho de “regiona1ismo cooperativo” isso não significa que “não haja espaço para uma leitura que privilegie as receitas próprias das Regiões - objeto de normas concretizadoras” (como os citados preceitos da LFR) “em detrimento das que lhes são proporcionadas pelas transferências estaduais”. Deve ser entendido que o núcleo estruturante da capacidade financeira das Regiões Autónomas está nas receitas que sejam consideradas próprias, assim definidas de forma garantística constituindo o âmago da autonomia financeira constitucionalmente consagrada.
O Tribunal Constitucional tem aliás deixado clara uma orientação que reputamos importante para discernir esta matéria. Na vasta jurisprudência constitucional publicada sobre o relacionamento financeiro entre os denominados subsetores da administração pública financeira, tem persistido a ideia de que a Constituição garante um conjunto de receitas próprias a cada um deles, núcleo essencial intocável pela legislação ordinária. No Acórdão n.º 11/83 (melhor precisado no seu conteúdo pelo Acórdão n.º 141/85) veio referir que “as disposições constitucionais não podem deixar de ser interpretadas no sentido de consentirem o lançamento de impostos de caráter extraordinário cujo produto reverta inteiramente para o Estado, quando ocorram circunstâncias excecionais, nomeadamente de crise económico-financeira, que justifiquem esse comportamento legislativo”, já que “o legislador constitucional, ao estabelecer os princípios constantes dos artigos atrás mencionados, teve basicamente presente um quadro de normalidade financeira e, consequentemente, tão-só os impostos ordinários correntes, razão pela qual devem poder haver-se por excluídos daquele quadro os impostos extraordinários e não permanentes ditados por razões de manifesta excecionalidade (…). A jurisprudência constitucional admite que a receita de impostos extraordinários possa ser afetada a um dos setores da administração financeira pública (com os precisos limites que o Acórdão n.º 141/85 veio referir) quando razões de necessidade financeira o determinem. Também no sentido do que dispõe o artigo 25º da LFR, remetendo para a necessidade de ser criado um imposto extraordinário para acudir a circunstâncias excecionais de necessidades de financiamento.
Alargando essa hipótese de recurso a meios extraordinários o artigo 88º da LFR veio admitir ser possível ao Estado não cumprir com as transferências previstas para as Regiões quando razões resultantes dos compromissos internacionais assim o justifiquem.
Questão diferente porém é a afetação ao Orçamento do Estado da receita resultante de uma sobretaxa de um imposto que é receita regional pela norma estatutária e orgânica. Não nos parece de todo admissível constitucionalmente que parte da receita proveniente de um dos impostos, cuja receita cobrada ou gerada na Região é de sua titularidade, possa reverter para um outro subsetor da administração financeira. Admitir que por via de lei ordinária a Assembleia da República possa distinguir receita fiscal, definindo outro destino de arrecadação, pela via da criação de uma sobretaxa, é permitir esvaziar uma das fontes de financiamento principais das Regiões Autónomas e pressuposto da sua autonomia financeira e orçamental. A garantia constitucional que configura um direito da Região Autónoma seria assim irremediavelmente esvaziada.
No fundo, a Constituição assegura a autonomia financeira das Regiões com um grupo fundamental de receitas, cuja fonte principal são as receitas fiscais nelas cobradas e geradas. Esse valor é o que permite à Região perspetivar as suas despesas com estabilidade e segurança. Há assim um núcleo de receitas próprias que constitui um princípio constitucional do poder de dispor de receitas próprias e que fundamentam o financiamento das Regiões Autónomas e que não pode ser alterado ou violado pela legislação ordinária.
Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal, n.º 567/2004 de 23 de novembro de 2004 é necessário assegurar que as Regiões continuem a dispor do poder orçamental que lhes é atribuído, não ficando impedidas nem de tomar autonomamente as decisões de afetação das receitas às suas despesas [cf. o artigo 227º, nº 1. alínea j), da Constituição], ou seja, de decidir quais as finalidades das despesas, quais os serviços que recebem os créditos orçamentais e o seu volume, nem de definir autonomamente as suas fontes de receitas próprias.
Acresce que, por outro lado. a possibilidade legalmente prevista no referido artigo 88º da FLR que fundamenta o artigo 2º da Lei n.º 49/2011, diz respeito à excecionalidade de redução de transferências do Estado para as Regiões Autónomas, com os limites e pressupostos acima citados, mas aí não se prevê nem se admite a retenção de verbas que sejam receitas próprias das Regiões, como é a receita resultante de IRS (em taxa normal ou sobretaxa).
OS DIREITOS DAS REGIÕES AUTÓNOMAS - O PODER ORÇAMENTAL
Ao lado do “direito” de dispor das suas receitas próprias, entendido com um direito de titularidade (ou propriedade), esse poder regional de disposição envolve também a exclusividade de afetação dessas receitas às despesas que entender. Esse é o cerne da autonomia orçamental, também consagrada na alínea p) do n.º 1 do artigo 227º da CRP.
A autonomia orçamental traduz-se “na existência de orçamentos próprios, aprovados pelas assembleias legislativas regionais (artigo 232º n.º 1) e que apenas se relacionam com o orçamento de Estado na medida em que este fixa o montante das transferências para cada Região e também os limites do endividamento regional. Coerentemente com a amplitude com que foi consagrada a independência orçamental das Regiões (para usar uma expressão cara a SOUSA FRANCO) o orçamento regional está sujeito a uma disciplina própria ainda que o Tribunal Constitucional tenha entendido que certos preceitos da lei de enquadramento do Orçamento lhe sejam aplicáveis (Acórdão n.º 206/87) e tenha sido, mais tarde, aprovada uma lei de enquadramento orçamental (Lei n.º 91/2001 de 20 de agosto) cujos princípios são aplicáveis a todos os orçamentos do setor público administrativo (in, op cit. pag. 330).
A competência exclusiva das Assembleias Legislativas Regionais para aprovar os orçamentos da respetiva Região está assegurada constitucionalmente (artigo 232º n.º 1 da CRP). Como se refere no Acórdão n.º 206/87 deste Tribunal, já citado “a competência, em absoluto inalienável da esfera parlamentar (historicamente, o poder parlamentar de votar o orçamento precedeu o próprio poder legislativo parlamentar), só é plenamente afirmada quando os parlamentares autorizam as receitas e as despesas públicas, pelo período financeiro (em regra, um ano), com um mínimo de especificação. De facto, «se as receitas e as despesas fossem previstas em globo e não discriminadamente, o orçamento não nos indicaria as diversas fontes donde o Estado vai tirar os seus recursos, nem os diversos gastos que cada serviço público há de realizar. Quer dizer: não teríamos, verdadeiramente, uma exposição do plano financeiro.» (Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas. p. 44.)
Da mesma forma não é só a especificação mínima que a CRP assegura à definição dos Parlamentos Regionais mas também a forma de afetação das receitas às despesas, sendo exatamente nesse aspeto que reside a autonomia financeira, e em especial orçamental. Ao admitir-se que o Governo da República “retenha” verbas do IRS cobradas no território das Regiões Autónomas, porque compensa em igual montante os Municípios aí sedeados, nos termos da Lei das Finanças Locais, está a permitir-se que a Administração central determine a afetação de receitas próprias que só às Regiões caberá decidir, nomeadamente através da competência exclusiva das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.
É certo que a Lei das Finanças Locais permitiu essa compensação aos Municípios por conta do IRS, mas deverá sempre entender-se que essa possibilidade não pode contundir [contender] com as garantias constitucionais das Regiões Autónomas, devendo ser os Parlamentos Regionais a prever essa compensação e a forma de relacionamento entre os orçamentos regionais e os municipais sedeados no seu território.
A própria Lei das Finanças Regionais, como lei orgânica, determina nos seus artigos 62º e 63º que:
(…)
Como resulta destas disposições as receitas fiscais das Regiões Autónomas não podem ser afetas às Autarquias locais, o que sendo um direito de natureza constitucional está claramente violado na norma do artigo 4º da Lei n.º 60-A/2011.
Noutro importante Acórdão n.º 260/98 do Tribunal Constitucionalidade já se conclui pela inconstitucionalidade da retenção na fonte, por parte da administração central, de uma parcela das receitas da sisa e das transferências resultantes do Fundo de Equilíbrio Financeiro que eram receita municipal, para pagamento de dívidas das autarquias locais a determinada empresa, pois havia verdadeira substituição dos princípios [municípios] pela administração central, nas relações com um terceiro, o que nos parecer ser situação semelhante à que ora se coloca à consideração desse Tribunal.
Por último, a consideração de que a norma em causa é interpretativa põe necessariamente em causa o princípio da estabilidade das relações financeiras previsto no artigo 6º da LFR».
6. Em 7 de outubro de 2011 e em 13 e 16 de janeiro de 2012, os processos n.ºs 724/11, 910/11, 21/12 e 22/12 foram incorporados nos autos relativos ao processo n.º 707/11, mediante despacho do Presidente do Tribunal Constitucional.
7. Notificada para se pronunciar, querendo, sobre os pedidos, a Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos em todos os processos.
8. Debatido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional e fixada a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver, procedeu-se à distribuição do processo, cumprindo agora formular a decisão.
II. Fundamentação
1. Os requerentes questionam a norma do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro (Aprova uma sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos no ano de 2011, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro), por violação dos artigos 227.º, n.º 1, alíneas j) e p), e 232.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), do artigo 19.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), dos artigos 107.º, n.º 3, 108.º, alínea b), e 112.º, n.º 1, alíneas a) e d) do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM) e dos artigos 6.º, 18.º, 19.º, 25.º, n.º 1, 62.º, 63.º e 88.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro, alterada pela Lei n.º 1/2010, de 29 de março).
O n.º 4 do artigo 2.º (Disposições transitórias e finais) da Lei n.º 49/2011 tem a seguinte redação.
«4 – Nos termos do artigo 88.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 22/2011, de 20 de maio, a receita da sobretaxa extraordinária reverte integralmente para o Orçamento do Estado».
Os requerentes questionam também a interpretação do artigo 88.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto (Lei de Enquadramento Orçamental, na redação da Lei n.º 22/2011, de 20 de maio), de acordo com a qual um imposto extraordinário liquidado como imposto adicional é uma receita do Estado, mesmo que o imposto principal seja receita de uma Região Autónoma, por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP.
Aquele artigo 88.º (Transferências do Orçamento do Estado) tem a seguinte redação:
«1 – Para assegurar o estrito cumprimento dos princípios da estabilidade orçamental e da solidariedade recíproca, decorrentes do artigo 126.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, a lei do Orçamento pode determinar transferências do Orçamento do Estado de montante inferior àquele que resultaria das leis financeiras especialmente aplicáveis a cada subsetor, sem prejuízo dos compromissos assumidos pelo Estado no âmbito do sistema de solidariedade e de segurança social.
2 – A possibilidade de redução prevista no número anterior depende sempre da verificação de circunstâncias excecionais imperiosamente exigidas pela rigorosa observância das obrigações decorrentes do Programa de Estabilidade e Crescimento e dos princípios da proporcionalidade, não arbítrio e solidariedade recíproca e carece de audição prévia dos órgãos constitucional e legalmente competentes dos subsetores envolvidos».
Os requerentes questionam ainda as normas dos artigos 141.º-A (Receita da sobretaxa extraordinária) e 185.º-A (Norma interpretativa) da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pela Lei n.º 48/2011, de 26 de agosto, aditados àquela Lei pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de dezembro, por violação dos artigos 227.º, n.º 1, alíneas j) e p), 232.º, n.º 1, e 238.º da CRP, do artigo 107.º, n.º 3, do EPARAM e dos artigos 6.º, 18.º, 19.º, 25.º, n.º 1, 62.º, 63.º e 88.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
Aquelas disposições legais têm, respetivamente, a seguinte redação:
«A receita da sobretaxa extraordinária constante do mapa I, anexo à presente lei e que dela faz parte integrante:
a) Reverte integralmente para o Orçamento do Estado, nos termos dos artigos 10.º-A, 10.º-B e 88.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 52/2011, de 13 de outubro;
b) Nos termos da alínea anterior, não releva para efeitos de cálculo das subvenções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º e no artigo 30.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, alterada pelas Leis n.ºs 22-A/2007, de 29 de junho, 67-A/2007, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, e 55-A/2010, de 31 de dezembro»;
«Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, alterada pelas Leis n.ºs 22-A/2007, de 29 de junho, 67-A/2007, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, e 55-A/2010, de 31 de dezembro, a participação variável de 5 % no IRS a favor das autarquias locais das regiões autónomas é deduzida à receita de IRS cobrada na respetiva região autónoma, devendo o Estado proceder diretamente à sua entrega às autarquias locais».
2. Segundo o artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da CRP, as Assembleias Legislativas das regiões autónomas ou um décimo dos deputados à respetiva Assembleia Legislativa podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral, «quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do respetivo estatuto».
2.1. Nos processos 21/12 e 22/12 é requerida a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011 e das normas dos artigos 141.º-A e 185.º-A da Lei n.º 55-A/2010, por violação de normas da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (artigos 6.º, 18.º, 19.º, 25.º, n.º 1, 62.º, 63.º e 88.º). Os pedidos são feitos, respetivamente, pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e por um grupo de deputados a esta Assembleia. Os requerentes não têm, porém, legitimidade para requer a declaração de ilegalidade daquelas normas com fundamento em violação da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, face ao estatuído no artigo 281.º, n.º 2, alínea g), parte final, da CRP.
As Assembleias Legislativas das regiões autónomas ou um décimo dos deputados à respetiva Assembleia Legislativa têm legitimidade para requerer a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, somente se o pedido se fundar em violação do respetivo estatuto. Tal obsta, por conseguinte, a que se tome conhecimento daquelas questões de ilegalidade.
2.2. Nos processos n.ºs 910/11 e 22/12 é requerida a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 141.º-A, alínea b), da Lei n.º 55-A/2010, aditado a esta Lei pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011. Os pedidos são feitos, respetivamente, por um grupo de deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores e por um grupo de deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. Os requerentes não têm, porém, legitimidade para requer a declaração de inconstitucionalidade daquela norma, face ao estatuído no artigo 281.º, n.º 2, alínea g), primeira parte, da CRP.
Os deputados à respetiva Assembleia Legislativa têm legitimidade para requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, se o pedido se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas, o que não se pode dar por verificado atento o teor da alínea b) daquele artigo 141.º Segundo esta disposição, a receita da sobretaxa extraordinária prevista no artigo 72.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singular (aditado pela Lei n.º 49/2011) não releva para efeitos de cálculo das subvenções previstas nos artigos 19.º, n.º 1, alínea a), e 30.º da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro) – subvenção geral em favor dos municípios determinada a partir do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) e participação nos impostos do Estado por parte das freguesias (a qual constitui o Fundo de Financiamento das Freguesias – FFF), respetivamente. Estas normas da Lei das Finanças Locais são normas gerais que incidem sobre a repartição de recursos públicos entre o Estado e as autarquias locais (municípios em geral, por um lado, e freguesias em geral, por outro), pelo que a norma questionada poderá pôr em causa direitos das autarquias locais, mas não especificamente direitos das regiões autónomas, designadamente o direito de dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas (artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP). E tal obsta ao conhecimento daquela questão de inconstitucionalidade.
3. Em alguns dos processos é requerida a declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade da mesma norma por violação de disposição constitucional e de preceitos estatutários dos quais «não resulta qualquer discrepância significativa de sentido normativo», o que justifica que não se tome conhecimento das questões de ilegalidade (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 499/2008, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
3.1. Nos processos n.ºs 724/11 e 22/12 é requerida a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP, por um lado, e dos artigos 19.º, nomeadamente do n.º 1, do EPARAA e 107.º, n.º 3, do EPARAM, por outro.
O artigo 19.º, n.º 1, do EPARAA, nos termos do qual a Região dispõe, para as suas despesas, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, das receitas fiscais nela cobradas, e o artigo 107.º, n.º 3, do EPARAM, de acordo com o qual a Região dispõe, nos termos do Estatuto e da lei, das receitas fiscais nela cobradas ou geradas, limitam-se a reproduzir o conteúdo do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição.
3.2. No processo n.º 22/12 é requerida a declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 141.º-A e 185.º-A da Lei n.º 55-A/2010 com fundamento em violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP, por um lado, e do artigo 107.º, n.º 3, do EPARAM, por outro. Dispondo este artigo que a Região dispõe, nos termos do Estatuto e da lei, das receitas fiscais nela cobradas ou geradas, replica o conteúdo do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição.
4. No Processo n.º 724/11 é requerida a declaração, com força obrigatória geral, da «inconstitucionalidade da interpretação do artigo 88.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 22/2011, de 20 de maio, de acordo com a qual um imposto extraordinário liquidado como imposto adicional é uma receita do Estado, mesmo que o imposto principal seja receita duma Região Autónoma, por violação da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP». Trata-se, porém, de questão que o Tribunal não poderá conhecer.
Segundo a argumentação dos requerentes, ao invocar no artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011 o artigo 88.º da Lei n.º 91/2001, na redação dada pela Lei n.º 22/2011, o legislador estaria a interpretar esta disposição legal no sentido de permitir uma apropriação pelo Estado de receita fiscal que a alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP atribui à Região Autónoma dos Açores. Independentemente de estar a ser questionada uma interpretação normativa que o do legislador terá feito quando elaborou o artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, a verdade é que o artigo 88.º daquela lei (Lei de Enquadramento Orçamental) é referido somente para justificar (legitimar) a consequência prevista no n.º 4 do artigo 2.º: a reversão integral para o Orçamento do Estado da receita da sobretaxa extraordinária criada por aquela lei. Lê-se até na Proposta de Lei n.º 1/XII, que esteve na origem do diploma que aprovou a sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos no ano de 2011 (Lei n.º 49/2011), que a iniciativa legislativa ia «implicar uma alteração das regras das transferências do Orçamento do Estado para as administrações regionais e locais, permitida e prevista no artigo 88.º da Lei de Enquadramento Orçamental, que, sendo uma lei de valor reforçado, possibilita que sejam excecionalmente alteradas as transferências decorrentes da Lei de Finanças das Regiões Autónomas e da Lei das Finanças Locais, caso se verifiquem circunstâncias especiais como as que se verificam atualmente».
5. Face ao exposto, o Tribunal irá conhecer das questões de inconstitucionalidade suscitadas e para as quais os requerentes têm legitimidade processual, assim como das questões de ilegalidade estatutária (apreciando estas últimas questões na medida em que não são consumidas pelas questões de constitucionalidade). Por um lado, das questões da inconstitucionalidade dos artigos 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011 e 141.º-A, alínea a), e 185.º-A da Lei do Orçamento de Estado para 2011; por outro, da questão da ilegalidade daquele artigo 2.º, n.º 4, por violação de normas estatutárias que não se limitam a repetir o teor de disposições constitucionais.
6. O Orçamento de Estado para 2011 foi aprovado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro. Posteriormente, a Lei n.º 49/2011 aprovou uma sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos no ano de 2011, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aditando ao mesmo o artigo 72.º-A (Sobretaxa extraordinária), que tem a seguinte redação:
«1 — Sobre a parte do rendimento coletável de IRS que resulte do englobamento nos termos do artigo 22.º, acrescido dos rendimentos sujeitos às taxas especiais constantes dos n.ºs 3, 4, 6 e 10 do artigo 72.º, auferido por sujeitos passivos residentes em território português, que exceda, por sujeito passivo, o valor anual da retribuição mínima mensal garantida, incide a sobretaxa extraordinária de 3,5 %.
2 — À coleta da sobretaxa extraordinária são deduzidas apenas:
a) 2,5 % do valor da retribuição mínima mensal garantida por cada dependente ou afilhado civil que não seja sujeito passivo de IRS;
b) As importâncias retidas nos termos do artigo 99.º -A, que, quando superiores à sobretaxa devida, conferem direito ao reembolso da diferença».
De acordo com o n.º 4 do artigo 2.º da Lei n.º 49/2011, a receita da sobretaxa extraordinária reverte integralmente para o Orçamento do Estado, o que foi depois reiterado no artigo 141.º-A, alínea a), aditado à da Lei do Orçamento de Estado para 2011 pela Lei n.º 60-A/2011, nos termos do qual a receita da sobretaxa extraordinária reverte integralmente para o Orçamento do Estado.
A questão de constitucionalidade posta pelos requerentes é a de saber se estas normas, que estatuem a reversão integral para o Orçamento do Estado das receitas da sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos em 2011, violam o artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP, nos termos do qual as regiões autónomas têm o poder de dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas. A argumentação dos requerentes louva-se, fundamentalmente, na evolução histórica do preceito, designadamente em alterações introduzidas pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, e no teor (literal) da norma constitucional, essencialmente na parte em que faz referência aos estatutos e à lei de finanças das regiões autónomas. Argumentam até, de forma expressa, que todas as receitas cobradas ou geradas nas regiões autónomas constituem receita própria de cada uma das regiões, desde que os respetivos estatutos político-administrativos e a lei de finanças das regiões autónomas estabeleçam regras nesse sentido (cf. supra ponto 2. do Relatório). E que a remissão constitucional para estas leis de hierarquia inferior eleva a forma de disposição que resultar dessas duas leis a princípio constitucional e nessa matéria torna-o superior à legislação ordinária (cf. supra ponto 5. do Relatório).
É este entendimento que importa, desde já, refutar.
6.1. O «direito de disposição regional das receitas fiscais» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, Coimbra Editora 2010, anotação ao artigo 227.º, ponto XXVI) está previsto na CRP desde 1976. A redação da norma que o consagra manteve-se sem alterações significativas até à revisão constitucional de 1997: as regiões autónomas têm a atribuição/o poder, a definir nos respetivos estatutos, de dispor das receitas fiscais nelas cobradas (e de outras que lhes sejam atribuídas) e afetá-las às suas despesas (na versão primitiva e na da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro, correspondia à alínea f) do n.º 1 artigo 229.º; na versão da Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de julho, correspondia à alínea i) do n.º 1 do artigo 229.º). Com a revisão constitucional de 1997, aquele direito passou a estar previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º na redação ainda hoje em vigor, que se distingue das anteriores face ao inciso «nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas», à especificação das receitas fiscais «geradas» nas regiões autónomas e ao alargamento do direito de disposição à «participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efetiva solidariedade nacional» (cf. artigo 150.º, n.ºs 1, 6 e 7, da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro).
Face à argumentação dos requerentes, a alteração que importa considerar tem a ver com a especificação feita no sentido de as regiões autónomas terem o poder, a definir nos respetivos estatutos, de dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas. Só que a alteração não tem o sentido que os requerentes lhe dão.
A remissão da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º para os estatutos das regiões autónomas nada acrescenta ao disposto no proémio do n.º 1 do mesmo artigo, nos termos do qual já resulta que os poderes das regiões devem ser definidos nos respetivos estatutos (assim, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. alínea d) do ponto IX). E, por seu turno, esta remissão confere aos estatutos uma função de mera definição dos poderes regionais especificados nas diversas alíneas do n.º 1, sendo chamados a concretizar e a tornar exequíveis os diversos poderes das regiões (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., anotação ao artigo 227.º, ponto II., e Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., alínea c) do ponto I). Nomeadamente o poder de dispor das receitas fiscais cobradas ou geradas nas regiões, sem prejuízo de se dever entender que este poder está garantido ainda que os estatutos o não definam e que a regulação das relações financeiras entre a República e as regiões autónomas não é matéria materialmente estatutária (cf. infra ponto 8.).
Da mesma forma, a remissão que é feita para a lei de finanças das regiões autónomas confere a esta lei uma função de mera concretização do poder que as regiões têm de dispor das receitas fiscais nelas cobradas, tornando-o exequível. Ao que não é alheia a circunstância de a revisão constitucional de 1997 ter optado por deferir a uma lei específica, de valor reforçado, incluída na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, a regulação das relações financeiras entre a República e as regiões autónomas (cf. artigos 229.º, n.º 3, 112.º, n.º 3, e 166.º, n.º 2, e 164.º, alínea t), da CRP e infra ponto 8.).
Subsiste, por isso, a questão de saber se as regiões autónomas têm o poder de dispor das receitas da sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos em 2011, face ao disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP. Independentemente, portanto, do disposto nos estatutos político-administrativos e na Lei das Finanças das Regiões Autónomas, uma vez que as normas estatutárias e as desta lei não têm uma função criadora dos poderes das regiões autónomas, estando-lhes naturalmente vedada a criação de poderes não enquadráveis em poderes constitucionalmente fixados (assim, a propósito da referência aos estatutos que é feita no proémio, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., anotação ao artigo 227.º, ponto IV. e Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., alínea c) do ponto I).
6.2. Face ao então disposto no artigo 229.º, n.º 1, alínea f), da CRP, o Tribunal já apreciou a conformidade constitucional da norma de acordo com a qual o produto de um imposto extraordinário revertia «integralmente para o Estado», interpretado este inciso no sentido de excluir as regiões autónomas da participação nas receitas. O Tribunal não se pronunciou pela inconstitucionalidade da norma no Acórdão n.º 11/83, (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), fundando a pronúncia no seguinte:
«É que as disposições constitucionais acima citadas [artigos 229.º, n.º 1, alínea f), e 255.º, este último relativo aos municípios] não podem deixar de ser interpretadas no sentido de consentirem o lançamento de impostos de caráter extraordinário cujo produto reverta inteiramente para o Estado, quando ocorram circunstâncias excecionais, nomeadamente de crise económico-financeira, que justifiquem esse comportamento legislativo.
Decerto que o legislador constitucional, ao estabelecer os princípios constantes dos artigos atrás mencionados, teve basicamente presente um quadro de normalidade financeira e, consequentemente, tão-só os impostos ordinários correntes, razão pela qual devem poder haver-se por excluídos daquele quadro os impostos extraordinários e não permanentes ditados por razões de manifesta excecionalidade».
Este entendimento, reiterado nos Acórdãos n.ºs 66/84 e 141/85 (disponíveis no mesmo sítio), tem sido alvo de críticas doutrinais, coincidentes com a declaração de voto então aposta ao primeiro acórdão pelo Conselheiro Vital Moreira, que assentam fundamentalmente no seguinte: não há fundamento constitucional para distinguir impostos ordinários de impostos extraordinários, pouco importando a normalidade ou a anormalidade das receitas, antes interessando a sua natureza de receitas fiscais; não é compreensível que a Constituição queira excluir os impostos extraordinários, na medida em que isso significaria permitir ao Estado que etiquetasse um imposto de extraordinário quando lhe aprouvesse; se a Constituição pretendesse excluir os impostos extraordinários, tê-lo-ia feito expressamente (Teixeira Ribeiro, “Anotação” ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/83, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 116.º, N.º 3713, p. 250 e s., Paz Ferreira, “O Redimensionamento dos Poderes Económicos e Financeiros das Regiões Autónomas Portuguesas Pela Jurisprudência Constitucional”, Estudos de Direito Regional, Lex, 1997, p. 580 e ss., e, mais recentemente, Nuno Cunha Rodrigues, “O imposto extraordinário e as regiões autónomas”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 4, Número 3, p. 62 e ss.).
6.3. O artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP atribui às regiões autónomas o poder de dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, tendo em vista a autonomia financeira regional. Ao atribuir o poder de afetar as receitas cobradas ou geradas nas regiões autónomas às suas despesas assegura o poder de aprovação (a liberdade de conformação) de um orçamento próprio (cf. artigos 227.º, n.º 1, alínea p), e 232.º, n.º 1, segunda parte, da CRP). A norma constitucional «outorga às regiões autónomas uma autêntica autonomia financeira, permitindo-lhes afetar as receitas próprias às suas despesas – no fundo, trata-se da liberdade de conformação de um orçamento próprio –, ao mesmo tempo que esclarece serem receitas próprias regionais as receitas fiscais cobradas [ou geradas] no respetivo território» (Lobo Xavier, “As receitas regionais e as receitas das outras parcelas do território nacional: concretização ou violação do princípio da igualdade?”, Direito e Justiça, Vol. X, Tomo I, 1996, p. 177. Assim, também, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 499/2008 disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
A norma constitucional sobre reserva regional das receitas tributárias cobradas ou geradas nas regiões autónomas, na medida em que pretende garantir um poder orçamental autónomo relativamente aos órgãos da República e, concomitantemente, a autonomia financeira destas pessoas coletivas territoriais, consente o lançamento de impostos de caráter extraordinário cujo produto reverta inteiramente para o Estado (para o Orçamento do Estado). Consente o lançamento de um imposto que afete logo a receita, excecionalmente, à prossecução de uma finalidade específica de âmbito nacional, caso em que a receita fiscal cobrada ou gerada nas regiões autónomas não poderá ser afetada às suas despesas. Este tipo de impostos, porque vão além do quadro de normalidade financeira, onde se inscrevem os impostos ordinários correntes, não subtrai às regiões autónomas as receitas fiscais que tornam efetivo o poder de aprovação (a liberdade de conformação) de um orçamento próprio, financiado com receitas regionais próprias, constitucionalmente enquadrado na autonomia financeira regional.
6.4. A receita da sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos em 2011, aprovada pela Lei n.º 49/2011, cobrada nas regiões autónomas, está fora do âmbito de aplicação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP. Admitir o poder de disposição desta receita fiscal, por apelo a normas estatutárias e da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, corresponderia à criação, por via dos estatutos e desta lei, de um poder não enquadrável em poderes constitucionalmente fixados.
A sobretaxa em causa é de facto um imposto extraordinário (ou, se se preferir um adicional extraordinário a um imposto), o que é comprovável para lá da etiqueta “sobretaxa extraordinária”. Em primeiro lugar, é justificada pela ocorrência de circunstâncias excecionais na Exposição de motivos da Proposta de Lei que deu origem àquele diploma, onde se lê o seguinte: «A prossecução do interesse público, em face da difícil situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um maior ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais adicionais, inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental, que permitirão a obtenção de receita fiscal adicional estimada em cerca de oitocentos milhões de euros já em 2011 (…). A deterioração da conjuntura económico-financeira de Portugal e o agravamento da crise da dívida soberana na Europa, tornam não apenas imperioso como também razoável que o Governo proceda, por razões de superior interesse público constitucionalmente tutelado, à adoção imediata de medidas fiscais adicionais com impacto em 2011» (Proposta de Lei n.º 1/XII). Em segundo lugar, a sobretaxa tem caráter marcadamente temporário ao incidir exclusivamente sobre os rendimentos auferidos em 2011, o que é assumido expressamente naquela Exposição de motivos e tem letra de lei no n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 49/2011, nos termos do qual o artigo que a cria aplica-se apenas aos rendimentos auferidos durante o ano de 2011, cessando a sua vigência após a produção de todos os seus efeitos em relação ao ano fiscal em curso. A reversão integral do produto da sobretaxa a favor do Orçamento do Estado não contende, de facto, com as receitas fiscais cobradas ou geradas nas regiões autónomas que foram afetadas às suas despesas nos termos do orçamento regional de 2011.
Por outro lado, há uma afetação prévia da receita em causa à prossecução de uma finalidade específica a nível nacional que obsta à afetação da mesma às despesas das regiões autónomas. Lê-se na Proposta de Lei n.º 1/XII que o lançamento da sobretaxa «é uma medida que tem um caráter assumidamente extraordinário e imprescindível para acelerar o esforço de consolidação orçamental e cumprir o objetivo decisivo de um défice orçamental de 5,9% para este ano, respeitando rigorosamente o compromisso assumido pelo Estado português no âmbito dos memorandos de entendimento celebrados com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu». E os artigos 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011 e 145.º-A, alínea b), da Lei n.º 55-A/2010 justificam mesmo aquela reversão por apelo ao artigo 88.º da Lei de Enquadramento Orçamental, de cujo n.º 1 decorre a necessidade de «assegurar o estrito cumprimento dos princípios da estabilidade orçamental e da solidariedade recíproca, decorrentes do artigo 126.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do Pacto de Estabilidade e Crescimento».
6.5. Ainda que assim não se entenda, uma interpretação da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP que não desconsidere outras normas e princípios constitucionais levaria sempre a concluir que podem reverter para o Orçamento do Estado receitas fiscais extraordinárias cobradas ou geradas nas regiões autónomas, quando ocorram circunstâncias excecionais, nomeadamente de crise económico-financeira. Segundo o estatuído no n.º 2 do artigo 225.º da CRP, a autonomia das regiões visa também o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses, pelo que o princípio da solidariedade nacional «não pode ser perspetivado por forma a dele se extrair uma só direccionalidade, qual seja a da solidariedade representar unicamente a imposição de obrigações do Estado para com as Regiões Autónomas», tornando-se inequívoco que «não poderão deixar de ser ponderados também os interesses das populações do território nacional no seu todo» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/2007, cujo entendimento foi reiterado nos Acórdãos n.ºs 581/2007 e 499/2008, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt. Na doutrina, no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., anotação ao artigo 229.º, ponto II).
O entendimento de que «a ideia de solidariedade coenvolve a de reciprocidade» (Acórdão n.º 581/2007) e que esta coenvolve a contribuição das regiões «para o cumprimento dos objetivos de política económica a que o Estado Português esteja vinculado por força de tratados ou acordos internacionais, nomeadamente os que decorrem de políticas comuns ou coordenadas de crescimento, emprego e estabilidade e de política monetária comum da União Europeia» tem até expressão na própria Lei de Finanças das Regiões Autónomas (artigo 7.º, n.ºs 1 e 2).
6.6. Tendo em conta o que vem de ser dito, é de concluir que as normas em apreciação não violam o disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP ao estatuírem a reversão integral para o Orçamento do Estado das receitas da sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos em 2011. E não violam também os artigos 227.º, n.º 1, alínea p), e 232.º, n.º 1, da CRP, na parte em que dispõem sobre o poder de aprovação do orçamento regional por parte da Assembleia Legislativa da região autónoma.
7. A Lei n.º 60/2011 veio aditar ao Orçamento de Estado para 2011 o artigo 185.º-A que, segundo a própria epígrafe, é uma norma interpretativa. Interpretativa da alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º (Repartição de recursos públicos entre o Estado e os municípios) da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 7/2007, de 15 de janeiro, cuja redação é a seguinte:
«1 - A repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios, tendo em vista atingir os objetivos de equilíbrio financeiro horizontal e vertical, é obtida através das seguintes formas de participação:
(…)
c) Uma participação variável de 5% no IRS, determinada nos termos do artigo 20.º, dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS».
O artigo 20.º (Participação variável no IRS) determina, para o que agora releva, que:
«1 - Os municípios têm direito, em cada ano, a uma participação variável até 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, relativa aos rendimentos do ano imediatamente anterior, calculada sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS.
2 - A participação referida no número anterior depende de deliberação sobre a percentagem de IRS pretendida pelo município, a qual deve ser comunicada por via eletrónica pela respetiva câmara municipal à Direção-Geral dos Impostos, até 31 de dezembro do ano anterior àquele a que respeitam os rendimentos.
3 - A ausência da comunicação a que se refere o número anterior ou a receção da comunicação para além do prazo aí estabelecido equivale à falta de deliberação.
(…)
7 - O produto da participação variável no IRS é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respetivo apuramento pela Direção-Geral dos Impostos».
Por seu turno, o artigo 63.º (Adaptação às Regiões Autónomas) da mesma lei dispõe, no n.º 3, que:
«A aplicação às Regiões Autónomas do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º e no artigo 20.º da presente lei efetua-se mediante decreto legislativo regional».
A Lei n.º 60-A/2011, ao aditar o artigo 185.º-A à Lei do Orçamento de Estado para 2011, estabelece que «a participação variável de 5 % no IRS a favor das autarquias locais das regiões autónomas é deduzida à receita de IRS cobrada na respetiva região autónoma, devendo o Estado proceder diretamente à sua entrega às autarquias locais». Significa isto que uma parte das receitas de IRS cobradas ou geradas nas regiões é entregue diretamente pelo Estado às autarquias locais da região autónoma respetiva e não à região autónoma.
Aquela norma está inserida no Orçamento de Estado para 2011, apontando no sentido de se tratar de uma disposição orçamental com vigência anual (artigo 106.º, n.º 1, da CRP), o que sai reforçado por o seu conteúdo ter sido replicado no artigo 212.º do Orçamento de Estado para 2012, aprovado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro. Independentemente da questão de saber se a norma em causa tem natureza interpretativa ou se é apenas parcialmente interpretativa, por dispor que a «participação variável de 5 % no IRS a favor das autarquias locais das regiões autónomas é deduzida à receita de IRS cobrada na respetiva região autónoma», o conteúdo daquele artigo 185.º-A não coincide com o do artigo 63.º, n.º 3, da Lei das Finanças Locais, nos termos do qual a aplicação às regiões autónomas do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º e no artigo 20.º desta lei se efetua mediante decreto legislativo regional. A razão de o Tribunal ter decidido não declarar a inconstitucionalidade dos artigos 19.º, n.º 1, alínea c), 20.º e 59.º da Lei das Finanças Locais, na sua aplicação aos Municípios da Região Autónoma da Madeira, assentou precisamente no estatuído naquele artigo 63.º, n.º 3, por fazer depender da «vontade expressa dos órgãos regionais, plasmada num decreto-legislativo regional» a entrega aos seus municípios da participação no IRS (Acórdão n.º 499/2008, já citado. Vai no mesmo sentido um Acórdão recente do Supremo Tribunal Administrativo, tirado em 28-06-2012 no Processo 0272/12, disponível em www.dgsi.pt).
A questão de constitucionalidade, tal como posta pelos requerentes, não tem a ver fundamentalmente com a parte da norma que se refere à entrega por parte do Estado da participação das autarquias locais da região autónoma respetiva no IRS. Tem antes a ver com a conformidade constitucional do artigo 185.º-A da Lei do Orçamento de Estado para 2011, na parte em que dispõe que «a participação variável de 5 % no IRS a favor das autarquias locais das regiões autónomas é deduzida à receita de IRS cobrada na respetiva região autónoma», face ao disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP.
7.1. A questão de constitucionalidade não é nova, se atentarmos no Parecer da Comissão Constitucional n.º 28/78, mediante o qual não houve pronúncia pela inconstitucionalidade de um Decreto da Assembleia da República sobre «Finanças locais» (Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 7, 1980, p. 3 e ss.):
«19. A primeira questão que se pode suscitar é a de saber se ao atribuir aos municípios a totalidade do produto de certos impostos diretos cobrados na respetiva circunscrição e ao fazer participar a totalidade dos municípios numa determinada percentagem de outros impostos diretos cobrados no conjunto do país, o Decreto n.º 183/I não viola o preceituado na alínea f) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição [alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º].
Esta última disposição determina que, entre as atribuições das regiões autónomas, a definir nos respetivos estatutos, se encontra a de «dispor das receitas fiscais nelas cobradas e de outras que lhes sejam atribuídas e afetá-las às suas despesas».
Ao atribuir diretamente aos municípios certas receitas fiscais cobradas nas regiões autónomas, estar-se-ia, assim, a subtrair a estas a faculdade de disposição que lhes é assegurada pela Lei Fundamental.
Como resulta da própria letra do artigo 229.º [227.º], é nos estatutos das regiões autónomas que se há de procurar a «definição» das atribuições nele enunciadas.
(…)
Verifica-se, assim, que o poder de disposição das receitas fiscais atribuído às regiões autónomas pelo artigo 229.º [227.º] foi sempre entendido como não prejudicando o regime das finanças locais a instituir posteriormente.
(…)
O problema reduz-se, assim, a saber como pode o Estado satisfazer simultaneamente o direito das regiões a dispor das receitas fiscais nelas cobradas e o direito dos municípios a participar nas receitas provenientes de impostos diretos.
Mas, quanto a esta questão, parece não poder levantar-se qualquer dúvida.
O direito atribuído às regiões não pode deixar de se encontrar negativamente delimitado pelo direito atribuído aos municípios.
É que, enquanto o artigo 229.º [227.º] se refere genericamente a todas as receitas fiscais, o artigo 255.º [254.º] se refere especificamente a apenas uma parte de certas receitas fiscais, os impostos diretos.
Nestes termos, às regiões autónomas cabe dispor das receitas fiscais nelas cobradas, salvo daquela parte destas que se destina a assegurar a participação dos municípios nas receitas provenientes de certos impostos, nos termos da Constituição e da lei».
Por outro lado, é reiterado o entendimento doutrinal de que um dos limites do direito de disposição regional das receitas fiscais (para afetação às despesas das regiões) decorre do direito das autarquias locais (designadamente os municípios) a receitas fiscais próprias (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., anotação ao artigo 227.º, ponto XXVI., Paz Ferreira, ob. cit., p. 579, e Maria Luisa Duarte, “As Receitas Tributárias das Regiões Autónomas”, Estudos de Direito Regional, Lex, 1997, p. 507).
7.2. Face ao estatuído nos artigos 254.º e 238.º da CRP os municípios participam, por direito próprio, nas receitas provenientes dos impostos diretos e têm finanças próprias. Este imperativo de autonomia financeira das autarquias locais tem, por isso, de se compatibilizar com o poder que as regiões autónomas têm de dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas para afetação às suas despesas.
O princípio do Estado unitário (artigo 6.º da CRP) compatibiliza o regime autonómico insular com a autonomia das autarquias locais e, consequentemente, duas diferentes sedes de autonomia financeira – a das regiões autónomas (artigos 227.º, n.º 1, alínea j), e 232.º, n.º 1, da CRP) e a das autarquias locais (artigos 238.º e 254.º da CRP). Às regiões autónomas é garantido o poder de dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas afetando-as às suas despesas, com exclusão das que caibam, por direito próprio, aos municípios.
Reiterando o entendimento que se extrai do Parecer da Comissão Constitucional citado, importa concluir que o direito atribuído às regiões no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), não pode deixar de se encontrar negativamente delimitado pelo direito atribuído aos municípios. Assim sendo, o artigo 185.º-A da Lei do Orçamento do Estado para 2011 não viola esta norma constitucional, já que as autarquias locais das regiões autónomas participam no IRS nelas cobrado por direito próprio. Independentemente do disposto nos estatutos das regiões autónomas e na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (cf. supra ponto 6.1.).
7.3. Além de não padecer do vício de inconstitucionalidade por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP, o artigo 185.º-A da Lei do Orçamento do Estado para 2011 não desrespeita o artigo 238.º da CRP. Diferentemente do que está subjacente à argumentação dos requerentes no Processo n.º 910/11, a remissão que o n.º 2 deste artigo faz para a lei, estatuindo que o regime das finanças locais será estabelecido por lei, não leva à integração das normas da Lei das Finanças Locais no artigo 238.º, elevando-as a parâmetro de aferição da conformidade constitucional.
8. Os requerentes põem ainda a questão da ilegalidade do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 19.º do EPARAA (Receitas da região), nos termos do qual constituem, em especial, receitas da Região todos os impostos (…) e adicionais cobrados no seu território; e das alíneas b) do artigo 108.º (Receitas) e a) e d) do n.º 1 do artigo 112.º (Receitas fiscais) do EPARAM, segundos as quais constituem receitas da Região todos os impostos (…) e adicionais cobrados ou gerados no seu território e são receitas fiscais da Região, nos termos da lei, as relativas ou que resultem, nomeadamente do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e dos impostos extraordinários. Sucede, porém, que estas normas, embora formalmente inseridas nos estatutos político-administrativos, não são materialmente estatutárias.
O Tribunal tem entendido, reiteradamente, que o âmbito da reserva de lei estatutária «não se determina em função do conteúdo concreto de um estatuto vigente; não ocorre violação da “reserva de estatuto” sempre que uma norma o contrarie». Esta violação existirá somente se a «norma constante do estatuto pertencer ao âmbito material estatutário – ou seja: se ela regular questão materialmente estatutária» (Acórdãos n.ºs 162/99, 567/2004, 581/2007 e 238/2008, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt. Na doutrina, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., anotação ao artigo 226.º, alínea b) do ponto IV).
E fora da reserva de estatuto está necessariamente a matéria das “relações financeiras entre a República e as regiões autónomas”, por ser matéria reservada à competência legislativa da Assembleia da República o “regime de finanças das regiões autónomas”, de acordo com o estatuído nos artigos 164.º, alínea t), e 229.º, n.º 3, da CRP (Acórdãos n.ºs 162/99, 567/2004, 581/2007 e 238/2008. Na doutrina, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., anotação ao artigo 227.º, alínea i) do ponto VIII). Se, por um lado, só é possível reconhecer valor reforçado às normas incluídas no estatuto que revistam natureza materialmente estatutária, por outro, o âmbito material da reserva de estatuto encontra-se delimitado negativamente pelo princípio da reserva de lei da Assembleia da República (na conclusão, Acórdão n.º 238/2008).
Não pode, pois, concluir-se pela ilegalidade do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, tendo em conta o disposto no artigo 19.º, n.º 2, alínea b) do EPARAA e nos artigos 108.º, alínea b), e 112.º, n.º 1, alíneas a) e d), do EPARAM.
III. Decisão
Face ao exposto decide-se:
a) Não conhecer das questões da ilegalidade do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, e dos artigos 141.º-A e 185.º-A, aditados à Lei do Orçamento de Estado para 2011, pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de dezembro, com fundamento em violação de disposições da Lei de Finanças das Regiões Autónomas;
b) Não conhecer da questão da inconstitucionalidade do artigo 141.º-A, alínea b), aditado à Lei do Orçamento de Estado para 2011, pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de dezembro;
c) Não conhecer da questão da ilegalidade do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, com fundamento em violação do artigo 19.º, n.º 1, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e do artigo 107.º, n.º 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, bem como da questão da ilegalidade dos artigos 141.º-A e 185.º-A, aditados à Lei do Orçamento de Estado para 2011 pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de dezembro, com fundamento em violação do artigo 107.º, n.º 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
d) Não conhecer da questão da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 88.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 22/2011, de 20 de maio, de acordo com a qual um imposto extraordinário liquidado como imposto adicional é uma receita do Estado, mesmo que o imposto principal seja receita duma Região Autónoma;
e) Não declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, e dos artigos 141.º-A, alínea a), e 185.º-A, aditados à Lei do Orçamento de Estado para 2011 pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de dezembro;
f) Não declarar, com força obrigatória geral, a ilegalidade, do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro.
Lisboa, 25 de setembro de 2012.- Maria João Antunes (relativamente ao decidido na alínea c), concluo antes pela ilegitimidade dos requerentes, pelas razões constantes da declaração aposta ao Acórdão n.º 187/2012) – Carlos Fernandes Cadilha (com declaração idêntica à aposta no Acórdão n.º 187/2012 quanto à decisão da alínea c) – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro – Vítor Gomes (com declaração, quanto ao n.º 8 do acórdão, semelhante à aposta no acórdão n.º 581/2007) – Maria Lúcia Amaral – J. Cunha Barbosa – João Cura Mariano (vencido quanto às alíneas e) e f) da decisão pelas razões e nos termos da declaração de voto junta) – Catarina Sarmento e Castro (parcialmente vencida quanto à alínea e) da decisão, nos termos da declaração de voto junta) – Rui Manuel Moura Ramos.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Pronunciei-me pela inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, e do artigo 141.º-A, alínea a), aditado à Lei do Orçamento do Estado para 2011 pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, no segmento em que se determina que a receita da sobretaxa extraordinária cobrada nas regiões autónomas reverte integralmente para o Orçamento do Estado.
Visando o lançamento deste imposto o cumprimento de um défice orçamental de 5,9% nas contas do Estado Português de 2011, de forma a respeitar o compromisso assumido no âmbito dos Memorandos celebrados com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, a disposição pelas regiões autónomas das respetivas receitas nelas cobradas não compromete essa finalidade, uma vez que as contas das regiões se integram na Conta Geral do Estado. Uma captação das receitas desta sobretaxa extraordinária pelas regiões não deixará, por isso, de contribuir para a consolidação das contas públicas de modo a serem cumpridos os objetivos traçados nos referidos Memorandos, não se verificando qualquer rutura dos deveres de solidariedade entre todos os portugueses.
Daí que não haja motivo que justifique a não aplicação a esta sobretaxa do poder conferido às regiões pelo artigo 227.º, n.º 1, j), da Constituição, pelo que o mesmo foi violado pelas normas constantes do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, e do artigo 141.º-A, alínea a), aditado à Lei do Orçamento do Estado para 2011 pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, estando as mesmas feridas do vício de inconstitucionalidade, o qual consome a ilegalidade resultante da violação simultânea do disposto no artigo 112.º do EPARAM.- João Cura Mariano.
Declaração de Voto
Votei parcialmente vencida relativamente ao decidido na alínea e) da decisão, quando não declara a inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, e do artigo 141.º-A, alínea a), aditado à Lei do Orçamento de Estado para 2011 pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de dezembro, pelas razões seguintes:
1. Pelo disposto no n.º 4 do artigo 2.º da Lei n.º 49/2011, bem como no referido artigo 141.º-A, alínea a), aditado à da Lei do Orçamento de Estado para 2011, - que determinam que a receita da sobretaxa extraordinária reverte integralmente para o Orçamento do Estado – estabelece-se a reversão integral para o Orçamento do Estado das receitas da sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS auferidos em 2011, o que, em meu entender, viola o artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição, segundo o qual as regiões autónomas têm o poder de dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas.
2. Do disposto na alínea j) do n.º 1, do artigo 227.º, resulta que a Constituição reservou às regiões autónomas as receitas geradas pelos impostos nelas cobrados aos seus habitantes, sendo estes impostos, quer os ordinários, quer os extraordinários.
Não partilho, por isso, a posição daqueles que defendem que pode um imposto extraordinário, em virtude de o ser, reverter integralmente para o Estado, excluindo as regiões autónomas da participação nas receitas por ele geradas.
A meu ver (e na linha de posições jurisprudenciais minoritárias, mas também de alguma doutrina, mencionadas no Acórdão), a Constituição não distingue entre imposto ordinário e extraordinário no que respeita ao direito de disposição regional das receitas fiscais.
O caráter temporário (incide exclusivamente sobre os rendimentos auferidos em 2011) e excecional da sobretaxa não justifica que esta possa reverter totalmente para o Orçamento do Estado, contrariando o disposto no art. 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição. Ou seja, a titularidade da receita não muda apenas em função da excecionalidade da sobretaxa. Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, «As regiões autónomas têm direito a dispor de todas as receitas fiscais cobradas no respetivo arquipélago (n.º 1/j, 2.ª parte), o que abrange todos os impostos independentemente da sua natureza específica (impostos diretos ou indiretos, ordinários ou extraordinários, etc.)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol II, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2006 p. 675).
3. E não se argumente que sendo um dos limites admitidos ao direito de disposição regional das receitas fiscais aquele que decorre de uma receita se encontrar consignada a favor de uma determinada entidade pública autónoma, que tal justificaria a presente opção legislativa, já que esta receita não integra tal categoria.
Desde logo, pois de modo algum se poderá, a meu ver, considerar «consignada» a receita da sobretaxa em questão, apenas pelo facto de a sua imposição ser justificada por circunstâncias excecionais que obrigam a um esforço para acelerar a consolidação orçamental e cumprimento do objetivo traçado para o défice orçamental. O ter como meta um tal objetivo genérico não faz do produto da sobretaxa uma receita «consignada». Pelo que não pode obstar a que esta receita, ainda que extraordinária, deva ser utilizada para realização de finalidades prosseguidas pelas regiões autónomas, no quadro determinado pelo artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição.
4. Também não creio que a melhor leitura da ideia de dupla «direcionalidade» do princípio da solidariedade nacional (dupla «direcionalidade», que se não rejeita liminarmente) - aflorado não apenas na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, como no art. 225.º, n.º 2 (e a que se refere o Acórdão n.º 11/2007) -, seja a que conduz a que esta deva ser entendida como fator decisivo que obrigaria, sempre, à solidariedade da região autónoma para com o Estado, impondo-se que a região prescinda, em qualquer caso, de receitas a que teria direito, ainda que as circunstâncias mostrassem que ela própria se encontrava em dificuldade. Não será excessivo sublinhar que a norma do 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição, pretendeu, antes de mais, assegurar a efetiva solidariedade da República para com as regiões autónomas. Se são, ainda assim, pensáveis limites a este dever de solidariedade, por maioria de razão existirão limites à solidariedade destas relativamente à República, não podendo este princípio justificar, sem mais, desvios ao disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição. Afinal, a solidariedade supõe, em primeiro lugar, a imposição de obrigações ao mais forte para ajuda ao mais fraco, ainda que para este possam resultar também limitações (e, nessa medida, algum grau de reciprocidade). Ora, à delimitação constitucional do sistema fiscal das regiões autónomas, ao equilíbrio que a Constituição procura para as relações destas com o Estado, não é alheia a circunstância do caráter ultraperiférico das regiões autónomas, o que resulta, quer (como delineou Saldanha Sanches), «(n)um sub-sistema em relação ao que vigora no conjunto do espaço nacional, adaptado às condições específicas do espaço regional, criando condições fiscais mais vantajosas para as empresas que aí exercem a sua atividade ou para os contribuintes que aí residem» (Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 107), quer num quadro específico de solidariedade primacialmente pensada para atenuar as desvantagens e assimetrias regionais.
5. Não se aceita, igualmente, que o poder de disposição das receitas fiscais por parte das regiões autónomas, constitucionalmente consagrado, tenha por único fim permitir que estas disponham de um efetivo poder de aprovação/conformação de um orçamento próprio, e que, não sendo este poder inviabilizado pela norma agora em apreço, isso justifique que não se considere violado o artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição. Se é garante da autonomia financeira regional, o poder de dispor das receitas fiscais cobradas e geradas na região autónoma é mais do que isso: é um poder nuclear da autonomia regional. Subtraí-lo, traduz-se numa amputação de autogoverno dificilmente conciliável com juízos de ponderação relativos a circunstâncias excecionais e, seguramente, a meu ver, não poderia ocorrer nos termos apresentados, como julgo haver demonstrado.
6. Entendo, pelas razões sumariamente expostas, que é inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 4, da Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, e do artigo 141.º-A, alínea a), aditado à Lei do Orçamento de Estado para 2011 pelo artigo 4.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de dezembro.
Catarina Sarmento e Castro