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Proc. n.º 101/02 Acórdão nº 259/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por acórdão de 25 de Maio de 1999 (fls. 668 e seguintes), o Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Santarém absolveu os arguidos M..., F... e J..., quer da acusação da prática de crime de abuso de confiança agravado, contra eles deduzida pelo Ministério Público e acompanhada pelo assistente O
..., quer do pedido de indemnização por este formulado.
2. Deste acórdão interpôs o assistente O ...recurso para o Tribunal da Relação de Évora (fls. 683), tendo apresentado alegações (fls. 684 e seguintes) em que descreveu a matéria de facto apurada (fls. 684 e seguintes) e o percurso dos autos (fls. 690 e seguintes) e se pronunciou sobre o enquadramento jurídico-penal dos factos (fls. 700 e seguintes) – tendo, quanto a este último aspecto, abordado a 'questão do acordo para reparação e entrega do veículo'
(fls. 701 e seguintes), a 'questão da apropriação ilegítima' (fls. 705 e seguintes) e a 'questão do valor do bem' (fls. 715 e seguintes) –, a indemnização (fls. 716 e seguintes) e a violação do artigo 377º do Código de Processo Penal pelo acórdão recorrido (fls. 722 e seguintes). Concluiu da seguinte forma:
'[...]
1 - Os autos contêm elementos probatórios suficientes, que evidenciam sem margem para dúvida razoável: a) que o recorrente celebrou com os arguidos F... e V... um acordo, nos termos do qual, em compensação do pagamento de honorários que lhe eram devidos pelo primeiro, os arguidos se comprometiam a colocar estofos novos e interiores em pele, a arranjar toda a estrutura de chapa e a pintar o veículo com a matricula..., propriedade dele, recorrente; b) que a fim de realizar-se tal conserto, o recorrente, em meados de Abril de
1992, em Lisboa, entregou o veículo aos arguidos V... e M...; c) que os arguidos F.. e V... se comprometeram a entregar a viatura ao recorrente no prazo de um mês; d) que, ultrapassado o referido prazo, os arguidos, apesar de intimados por muitas e diversas vezes, pessoal e telefonicamente, pelo recorrente para lhe entregarem o veículo, não o fizeram, sendo que o arguido V... era visto a conduzi-lo e a transportar-se nele; e) que nunca os arguidos F..., V... e J... comunicaram ao recorrente, às autoridades policiais ou de polícia criminal o local onde se encontrava o veículo; f) que só em 29 de Fevereiro de 1996 o arguido V..., após o segundo adiamento da audiência de julgamento, veio indicar aos autos o paradeiro da viatura, cuja valia, à data da entrega ao arguido, Esc. 2.500.000$00; g) que só naquele mês e ano o referido V... fez depositar o veículo na oficina de ..., onde veio a ser encontrado, pois que antes nem a GNR de Sintra, que se deslocou ao local, nem qualquer das outras corporações oficiadas para o efeito, aí a encontraram; h) que quando foi entregue ao recorrente, em 15 de Julho de 1997, a viatura apresentava mais 6.563 Km do que quando este a entregara ao arguido V...; i) que este arguido passou a dispor da viatura como se sua fora, com o propósito de a não restituir ao seu legítimo dono, agindo contra a vontade deste, não lhe dando o destino para que a tinha recebido, apropriando-se da sua substância e da sua função, e contando para o efeito com a cumplicidade do arguido J..., ocultando-a do recorrente, de tal modo que, oficiadas para tanto, nunca as autoridades policiais e de polícia criminal lograram encontrá-la;
2 - neste quadro, cometeram os arguidos V..., como autor material, e J..., como cúmplice, um crime de abuso de confiança, na forma agravada, p.p. pelo artº
300°, nºs 1 e 2, do Código Penal de 1982, verificando-se, quanto ao segundo, o disposto no artº 27° do mesmo diploma legal;
3 - dando por verificada a entrega do veículo ao arguido V..., por título não translativo de propriedade, mas não reconhecendo que este acordou com o recorrente o conserto do mesmo e se apropriou ilegitimamente da substância e da função da viatura, agindo com dolo e contra a vontade daquele, o acórdão recorrido errou notoriamente na apreciação da prova, violando, assim, o disposto no artº 374°, n° 2, do Código de Processo Penal;
4 - assim, devem os arguidos F..., V... e J..., ser condenados, solidariamente, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 377° do CPP , 483°, 496°, 562°,
564° e 566° do Código Civil, a pagar ao recorrente uma indemnização, a título de ressarcimento dos prejuízos morais e patrimoniais que lhe causaram, no valor de Esc. 8.102.798$00, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento;
5 - mais devem os arguidos V... e J... ser condenados, solidariamente, nos termos das supracitadas disposições legais e atento o princípio da indemnização do dano de privação do uso, a pagar ao recorrente o montante de Esc.
8.108.100$00, acrescido de juros nos precisos termos acima referidos, a título de entrega do valor obtido pelo primeiro daqueles arguidos com a utilização ilícita do veículo;
6 - mesmo seguindo pela via da irresponsabilidade criminal de todos os arguidos, como seguiu, deveria o tribunal a quo, nos termos do artº 377° do Código de Processo Penal, tê-los condenado ao pagamento das referidas indemnizações, tanto mais que dá por verificado que houve incumprimento de um contrato e danos daí resultantes.
7 - não o tendo feito, violou o tribunal a quo o disposto no referido artº 377° do CPP;
8 - parece, todavia, não se ter provado qualquer responsabilidade da arguida M...;
9 - os autos contêm todos os elementos de prova necessários à boa decisão da causa, permitindo, assim, ao tribunal ad quem revogar a sentença recorrida e proferir acórdão que condene os arguidos nos termos desta conclusão.
[...].'
O Ministério Público respondeu (fls. 734 e seguintes), concluindo, entre o mais, que não se verificava qualquer erro notório na apreciação da prova, 'sendo certo que o mesmo tem de resultar por si só do texto da decisão recorrida e ser perceptível ao homem médio, sem recurso a outros elementos eventualmente existentes no processo – art. 410º n.º 2 do C.P.P.', bem como que
'não resultaram preenchidos perante a prova produzida todos os elementos típicos do crime em causa nestes autos, pelo que não poderia o tribunal colectivo deixar de absolver os arguidos, tal como fez'.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora emitiu o parecer de fls. 756 e seguintes, no qual sustentou não existir erro notório na apreciação da prova e não terem resultado preenchidos os elementos típicos do crime em causa no que se reporta aos arguidos M... e V..., mas verificar-se, de qualquer modo, alteração não substancial dos factos descritos na acusação relativamente ao arguido J... e violação do disposto no n.º 1 do artigo 358º do Código de Processo Penal, determinantes de nulidade da sentença nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do mesmo Código.
O assistente e recorrente respondeu a este parecer (fls. 762 e seguintes), tendo, entre o mais, sustentado que os factos apurados em audiência de julgamento e referentes à conduta do arguido J... se subsumiam totalmente no quadro fáctico-jurídico traçado na acusação.
3. Por acórdão de 5 de Junho de 2001 (fls. 800 e seguintes), o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao mencionado recurso interposto pelo assistente O..., mantendo integralmente o acórdão recorrido. Pode ler-se no texto do acórdão, para o que aqui releva, o seguinte:
'[...] Ao longo da motivação do seu recurso, o recorrente mistura duas questões bem distintas, quais sejam o erro de julgamento na matéria de facto e o vício previsto no art. 410° nº 2 c) do Cod Proc Penal [...]. Existe «erro de julgamento» quando o tribunal dá como «provado» certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ter sido considerado «não provado», ou, então, o contrário. E, para permitir que no recurso se impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, prevê o art. 363° a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência. Diferentemente, os vícios previstos no art. 410° nº 2 têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível o recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações prestadas durante o inquérito, a instrução, ou até mesmo no julgamento. Não se trata aqui de demonstrar que o tribunal errou no julgamento da matéria de facto, para o que a lei prevê mecanismos próprios (citado art. 363°) e que é uma questão distinta da dos vícios do referido art. 410° nº 2. Na hipótese de pretender invocar algum destes vícios, o recorrente, sob pena de rejeição, terá de indicar nas conclusões a norma jurídica violada – art. 412° nº
2 a). No caso de pretender impugnar a matéria de facto, e também sob pena de rejeição, o recorrente deverá especificar, também nas conclusões, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas – art. 412° nº 3 a) e b). E, nos termos do nº 4 do mesmo artigo, quando as provas tenham sido gravadas (como foi o caso), as especificações fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição. São as conclusões que definem e fixam o âmbito do recurso, nelas devendo ser enunciadas, embora de forma abreviada e concisa, todas as questões que o recorrente pretende submeter à apreciação e decisão do tribunal de recurso. Da análise das conclusões formuladas pelo recorrente [...] verifica-se que na 1ª conclusão o recorrente enumera os factos que deveriam ter sido considerados provados, alegando na 2ª conclusão que os arguidos V..., como autor material, e J..., como cúmplice, cometeram um crime de abuso de confiança agravado. O recorrente, portanto, e apesar de também dizer que houve erro notório na apreciação da prova quanto a um determinado facto provado e a um determinado facto não provado e que houve violação do art. 377°, alude à existência de um erro de julgamento, pelo que impugna a matéria de facto. Mas, sendo assim, que factos concretos foram incorrectamente julgados – art.
412° nº 3 a)? E que passagens da gravação impõem uma decisão da matéria de facto diferente da que foi acolhida pelo tribunal – art. 412° nº 3 b)? Discutindo o acerto da factualidade dada como provada e não provada no acórdão recorrido, e constando da acta da audiência de julgamento ter sido feita a gravação integral das declarações, não deu o recorrente cumprimento às exigências enunciadas, visto não ter especificado nas conclusões os factos concretos incorrectamente julgados, nem as provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que deveria ter feito por referência aos suportes técnicos respectivos. Com efeito, o recorrente apenas, e na motivação, alude a declarações e depoimentos prestados em sede de inquérito e alude às declarações do assistente em julgamento (referindo-as ao «Deck 1 de voltas 705 do lado A da Cassete II a final do lado B da Cassete II e Deck 2 de voltas 739 do lado A da Cassete II a final do lado B da Cassete II») e ao depoimento da testemunha Ludovina de Oliveira Florêncio (referindo-o à «Cassete III – lado A 359 a lado B 269»).
É certo que foi efectuada pelo Tribunal a transcrição das gravações nos termos do art. 101° nº 2, mas esta transcrição feita pela secretaria destina-se a que o Tribunal «ad quem» possa sindicar a decisão sobre a matéria de facto, não dispensando o recorrente de indicar as provas (com referência aos suportes magnéticos respectivos) e as passagens da transcrição que esta Relação devia reapreciar. O recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos do art. 412º nºs 3 e 4, como o demonstram as «conclusões» da motivação do recurso, pelo que o recurso deveria ser, em princípio, rejeitado, o que só não acontece por o recorrente impugnar igualmente matéria de direito. Deste modo, embora o tribunal recorrido tenha procedido à gravação das declarações e depoimentos prestados em audiência e, posteriormente à transcrição respectiva, esta Relação está objectivamente impedida de conhecer da matéria de facto, o que torna inevitável a improcedência do recurso nesta parte.
[...].'
4. José Armando de Oliveira Domingos arguiu a nulidade deste acórdão da Relação de Évora (fls. 819 e seguintes), tendo nomeadamente sustentado o seguinte:
'[...] In casu, o não conhecimento da matéria de facto decorreu de se haver entendido não ter o recorrente, nas suas conclusões, «indicado as provas (com referência aos suportes magnéticos respectivos) e as passagens da transcrição que esta Relação devia reapreciar». Interpretar o art. 412°, nºs 3 e 4 do CPP, no sentido de que o seu não cumprimento pelo recorrente, sem prévio convite à correcção da motivação, implica a rejeição do recurso, ou o não conhecimento da matéria de facto nele em crise, é interpretação que «afecta desproporcionadamente uma das dimensões do direito» de acesso aos tribunais, sendo, por isso, materialmente inconstitucional.
[...] Dest'arte, e com o devido respeito por opinião contrária, decidindo-se no douto Acórdão não reapreciar a matéria de facto colocada em crise pelo ora arguente na sua motivação de recurso, por se haver entendido que este não deu cumprimento nas suas conclusões ao disposto no art. 412°, nºs 3 e 4 do CPP, sem que previamente se haja convidado o recorrente a corrigi-las, encontra-se aquela douta decisão ferida de nulidade, nos termos do disposto no art. 379°, n° 1, al. c) do CPP, sendo, ademais, inconstitucional aquela norma do art. 412°, nºs 3 e 4 do CPP, quando interpretada, como o foi no douto Acórdão, no sentido de que a Relação está impedida de reapreciar a matéria de facto colocada em crise no recurso, se o recorrente não cumpriu as especificações constantes daqueles preceitos legais. Nestes termos, requer a Vªs Exªs se dignem reconhecer a nulidade, determinando que o recorrente seja convidado a corrigir as suas conclusões em prazo que houverem por bem.
[...].'
O Ministério Público respondeu, em síntese, como segue (fls. 840 e seguintes):
'[...] Com efeito, o art. 412°, nº 3 do CPPenal dispõe que o recorrente, quando impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto deve especificar: a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas. E a verdade é que, como se sublinha no douto Acórdão desta Relação, o recorrente não cumpriu as prescrições estabelecidas nas alíneas a) e b), uma vez que, na motivação do seu recurso, não especifica os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem faz precisa referência às provas que, em seu entendimento, devem ser renovadas. Isto porque essa especificação nunca poderá bastar-se com uma referência genérica e imprecisa aos depoimentos de certas testemunhas, pois o nº 4 do mesmo art. 412° do CPPenal estatui expressamente que «quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição». Impugnando no seu recurso a matéria de facto, impondo-se, consequentemente, a confrontação entre a prova produzida e o alegado na motivação, mas não satisfazendo o recorrente essa exigência, não pode apreciar-se o thema decidendi, por ser impossível a dissecação ideológico-anatómica da prova.
[...] Não tendo o arguido feito essas especificações por referência aos suportes técnicos, como impõe o nº 4 do art. 412º do CPPenal, sempre terá o recurso de ser rejeitado no concernente à matéria de facto, por impossibilidade de conhecimento – art. 417º, nº 3, al. a) do CPPenal. Tal omissão do arguido consubstancia igualmente insuficiência de motivação e importa manifesta improcedência, com a consequente rejeição do recurso em matéria de facto, de harmonia com o art. 420º, n.º 1 do CPPenal.
[...].'
5. Por acórdão de 13 de Novembro de 2001 (fls. 850 e seguintes), o Tribunal da Relação de Évora julgou improcedente a nulidade invocada.
6. Inconformado com o acórdão da Relação de Évora de 5 de Junho de 2001
(supra, 3.), O ... dele interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (fls.
854 e seguintes), o que fez, em síntese, nos seguintes termos:
'[...]
2 - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do art. 412°, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal quando interpretadas, como o foram no douto Acórdão recorrido, no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação de recurso em que se impugne matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) do n° 3, e no n° 4 daquele preceito, tem como efeito o não conhecimento daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir tais deficiências;
3 - Tais normas, interpretadas no referido sentido, violam os arts 18°, 20°, n°
1 e 32°, n° 7 da Constituição;
4 - A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos apenas no requerimento de arguição de nulidades do douto Acórdão recorrido, pois que o recorrente não teve oportunidade processual para o fazer antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo. Com efeito,
5 - Trata-se, aqui, crê-se, de uma daquelas situações excepcionais susceptíveis de determinar a dispensa de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo [...].
[...]
7 - Neste quadro, é razoável que o recorrente esperasse ser convidado a suprir as deficiências que as conclusões da motivação eventualmente apresentassem, até por não ter tido possibilidade de auscultar a gravação integral da audiência de julgamento, pelo que não podia antecipar qualquer acusação de inconstitucionalidade do normativo em causa, se ele viesse a ser interpretado como realmente foi;
[...].'
O recorrente juntou alegações ao requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 857 e seguintes). O recurso foi admitido por despacho de fls. 865.
7. Já no Tribunal Constitucional, foi o recorrente notificado para produzir alegações, tendo sido dadas por inteiramente reproduzidas as prematuramente apresentadas e, por mera cautela, de novo juntas (fls. 868). Nas alegações (fls. 869 e seguintes), concluiu o recorrente do seguinte modo:
'1 – O artº 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal não comina com a rejeição, ou com o não conhecimento da matéria de facto impugnada, o recurso em cujas conclusões da motivação se não hajam indicado as menções constantes daquelas normas;
2 – Por seu turno, o art. 690º, nº 4 do Código de Processo Civil, ordenamento onde se não colocam, com a profundeza e alcance do ordenamento processual-penal, questões que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, determina o convite ao recorrente para suprir eventuais deficiências das suas conclusões de recurso;
3 – Os ofendidos têm direito de acesso aos tribunais criminais e a intervir no processo, nos termos da lei;
4 – Não conhecendo do recurso, na parte que versou a matéria de facto impugnada, por não se terem indicado nas conclusões da motivação as menções referidas nos nºs 3 e 4 do artº 412º do Código de Processo Penal, sem que se tenha convidado, previamente, o recorrente a suprir tal deficiência, fez o Acórdão recorrido a aplicação das citadas normas com uma interpretação que as fere de inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos arts 18º, 20º, nº 1 e 32º, nº 7 da Lei Fundamental. Nestes termos, devem as normas do art. 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal ser julgadas inconstitucionais quando interpretadas e aplicadas em termos de se não conhecer da matéria de facto impugnada no recurso, julgando-o improcedente nessa parte, se não tiverem sido indicadas nas conclusões da motivação as menções constantes daquelas normas, sem que ao recorrente seja previamente dada oportunidade de suprir o vício dessa falta de indicação, assim se fazendo, uma vez mais, Justiça!'
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou as contra-alegações de fls. 878 e seguintes, tendo concluído assim:
'1 – O ónus de especificação, por parte do recorrente que questiona a matéria de facto tida por provada, previsto nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, não tem natureza puramente secundária ou formal – visando apenas uma fácil apreensão do teor da impugnação já deduzida na alegação do recorrente
– conexionando-se antes com o adequado cumprimento do próprio ónus de impugnação da decisão proferida, que não pode considerar-se satisfatoriamente cumprido sem delimitação precisa do invocado «erro de julgamento» e análise e fundamentação concludentes da incorrecta valoração dos meios de prova efectivamente produzidos em juízo.
2 – Não pode considerar-se desproporcionado – e, portanto, violador do direito de acesso à justiça – a interpretação normativa que considera – face ao teor essencial de tais indicações para a inteligibilidade e concludência da própria impugnação deduzida – não ter cabimento a prolação de um despacho de aperfeiçoamento, visando facultar ao assistente-recorrente – através de um alargamento do prazo peremptório de que beneficiava para recorrer e motivar o seu recurso – a produção de uma adequada impugnação da decisão recorrida.
3 – Na verdade, não pode inferir-se da Lei Fundamental que tem – sempre e necessariamente – de ser facultado ao autor de uma peça processual deficiente a possibilidade de suprir o vício cometido, determinando o interesse na celeridade e economia processuais a não prolação de um despacho de aperfeiçoamento face à deficiências indesculpáveis e respeitantes a elementos ou indicações que revestem carácter essencial, por se conexionarem com a própria inteligibilidade e concludência da impugnação deduzida.
4 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.'
Cumpre apreciar.
II
8. Tal como delimitado pelo recorrente, constitui objecto do presente recurso a apreciação da conformidade constitucional – face ao que se dispõe nos artigos 18º, 20º, n.º 1, e 32º, n.º 7, da Constituição –, das normas do artigo
412º, n.º s 3 e 4 do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que se impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nestes preceitos tem como efeito o não conhecimento daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir o vício dessa falta de indicação (supra, 6. e 7.).
Determina o artigo 412º, n.º s 3 e 4 do Código de Processo Penal:
'Artigo 412º
(Motivação do recurso e conclusões)
[...]
3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.
[...].'
9. Atendendo a que o ora recorrente é assistente nos presentes autos, o objecto do recurso carece de uma delimitação adicional.
Na verdade, a questão de constitucionalidade que cumpre apreciar não pode ser a da genérica admissibilidade da rejeição, sem prévio convite à indicação das menções contidas nos n.º s 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, de um recurso em que se impugne a decisão sobre a matéria de facto sem indicação de tais menções nas conclusões da motivação.
A questão de constitucionalidade é, diversamente, a da admissibilidade dessa rejeição liminar, quando o recorrente seja assistente. Só neste sentido as normas dos n.º s 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal foram aplicadas na decisão recorrida – já que esta foi proferida na sequência de um recurso interposto por um assistente no processo –, pelo que só nesse sentido elas podem ser apreciadas pelo Tribunal Constitucional.
Por outro lado, e atendendo a que o tribunal recorrido ponderou o teor da própria motivação e não apenas o das conclusões da motivação do recurso perante si interposto – como o demonstra a referência, feita no acórdão recorrido, à circunstância de o recorrente ter aludido, na motivação, a declarações e depoimentos prestados em sede de inquérito, bem como a declarações do assistente em julgamento e ao depoimento da testemunha Ludovina de Oliveira Florêncio (supra, 3.) –, para poder concluir que o recorrente não havia impugnado a matéria de facto nos termos do artigo 412º, n.º s 3 e 4 do Código de Processo Penal, há que proceder a uma segunda delimitação do objecto do presente recurso.
E essa segunda delimitação traduz-se no seguinte: a questão de constitucionalidade que ora cumpre apreciar não é a da admissibilidade da rejeição liminar de um recurso interposto pelo assistente, quando nas conclusões da motivação se não proceda às especificações a que aludem os n.º s 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, mas, diversamente, a da admissibilidade dessa rejeição liminar quando também na própria motivação se não façam tais especificações.
Vejamos, então, se é constitucionalmente desconforme o entendimento segundo o qual a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o assistente impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 e no n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal tem como efeito o não conhecimento daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir o vício dessa falta de indicação, se também da motivação do recurso não constar tal indicação. Este é o objecto do presente recurso que, pelas razões expostas, não pode ser tão amplo como o apresentado pelo recorrente.
10. O Tribunal Constitucional ainda não apreciou a questão de constitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso, embora exista numerosa jurisprudência sobre a conformidade constitucional da rejeição liminar de um recurso em processo penal, quando o recorrente não tenha cumprido determinados ónus.
10.1. Assim, no acórdão n.º 275/99, de 5 de Maio (publicado no Diário da República, II Série, n.º 161, de 13 de Julho de 1999, p. 10157), o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20º, e
32º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 690º, n.º 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior à resultante dos Decretos-Leis n.º s
329/A-95 e 180/96, subsidiariamente aplicável em processo penal ainda regido pelo Código de 1929), quando, para o efeito de decidir que certa alegação não contem conclusões – o que implica o não conhecimento do recurso – ela se interpreta em termos de considerar relevante um critério baseado exclusivamente no número das conclusões formuladas ou das páginas por elas ocupadas, bem como julgar inconstitucional o artigo 690º, n.º 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior à resultante dos Decretos-Leis nºs 329/A-95 e 180/96, subsidiariamente aplicável ao processo penal ainda regido pelo Código de 1929), por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado nos n.º s 2 e 3 do artigo 18º, com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, quando interpretado no sentido de que a consequência aí prevista do não conhecimento do recurso se não restringe à parte das conclusões que se mostra efectivamente afectada. No acórdão n.º 532/2001, de 4 de Dezembro (publicado no Diário da República, II Série, n.º 23, de 28 de Janeiro de 2002, p. 1802), o Tribunal Constitucional reiterou o julgamento de inconstitucionalidade formulado no acórdão n.º 275/99, de 5 Maio.
10.2. Já no acórdão n.º 288/2000, de 17 de Maio (Proc. n.º 395/00), ainda inédito, o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32º, n.º 1 da Constituição, a interpretação normativa do art. 412º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que atribui ao deficiente cumprimento dos ónus que nele se prevêem o efeito da imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultada oportunidade processual de suprir o vício detectado.
10.3. No acórdão n.º 337/2000 (publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 167, de 21 de Julho de 2000, p. 3480), o Tribunal Constitucional decidiu declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante dos artigos 412º, n.º 1, e 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), quando interpretados no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação implicar a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência
10.4. Também no acórdão n.º 401/2001, de 26 de Setembro (publicado no Diário da República, II Série, n.º 258, de 7 de Novembro de 2001, p. 18422 ss), o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, o artigo 412º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) daquele preceito tem como efeito a rejeição liminar do recurso, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir tais deficiências. Neste último aresto cita-se numerosa jurisprudência relativa a questões conexas com a que estava a ser apreciada, tendo-se dito nomeadamente o seguinte:
'[...] Assim, pelo Acórdão n.º 337/00 (publicado no DR, I Série-A, de 21 de Julho de
2000), declarou-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da interpretação dos artigos 412º, n.º1, e 420º, n.º1, do Código de Processo Penal segundo a qual a falta de concisão das conclusões da motivação leva à rejeição do recurso interposto. No já citado Acórdão n.º 56/01, referiu-se que, tendo o artigo 412º, n.º 2 do Código de Processo Penal, em interpretação idêntica à ora em causa, já sido julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, em decisão tomada em recurso vindo do Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente podia razoavelmente esperar ser convidado a suprir as deficiências que as conclusões da motivação, acaso, apresentassem, dispensando-se, por isso, do ónus da suscitação da correspondente questão de inconstitucionalidade durante o processo. Noutras decisões – por exemplo, a decisão sumária n.º 117/01 –, foi renovado o julgamento de inconstitucionalidade dos artigos 59º, n.º 3 e 63º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, interpretados no sentido de que o recurso apresentado em processo de contra-ordenação sem conclusões ou com falta de indicação das razões do pedido nas conclusões deve ser imediatamente rejeitado sem que o recorrente seja previamente convidado a suprir a falta, vindo, na sequência desse julgamento em três casos concretos, a inconstitucionalidade de tal norma a ser declarada, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 265/01 (DR, I Série-A, de 16 de Julho de 2001). O que apenas pode reforçar, com base na solução desta questão de constitucionalidade – aliás, considerada já «questão simples» para o efeito do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional –, o argumento de maioria de razão para a norma em questão no presente recurso, a que se refere o Acórdão n.º 288/00. E também noutros arestos se tem acentuado que o Tribunal Constitucional não pode
«sufragar uma interpretação normativa assente numa rigidez formal que posterga, desrazoavelmente, as garantias constitucionais consagradas para o processo criminal» (Acórdão 66/01, ainda não publicado; cfr. o Acórdão 284/00, DR, II série, de 8 de Novembro de 2000, no qual se censura a «interpretação normativa que, não tendo uma unívoca decorrência do texto legal, conduz a acentuado formalismo que, por essa via, vai postergar uma garantia constitucional consagrada para o processo criminal»).
8. Ora, é justamente isto o que está em causa no presente recurso. Preceitua o artigo 32º, n.º 1 da Constituição que o processo penal assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso. E, como se sabe, a concretização legal de tais garantias constitucionais está submetida ao regime previsto, para os direitos, liberdades e garantias, no artigo 18º da Constituição, incluindo, designadamente, o respeito pela proporcionalidade das suas limitações. Ora, tal como a interpretação do no n.º 2 do artigo 412º e do artigo 420º, ambos do Código de Processo Penal, no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido, ou a interpretação dos artigos 63º, n.º 1 e 59º, n.º 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações no sentido da falta de indicação das razões do pedido nas conclusões da motivação ou a falta das próprias conclusões levar à rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido, sem que tenha havido prévio convite para proceder a tal indicação, também a solução normativa ora em questão – equivalente à última referida, aplicada ao processo penal – introduz um efeito cominatório irremediavelmente preclusivo do recurso, sem permitir prévio convite para aperfeiçoamento da deficiência formal detectada. Esta consequência imediata não pode deixar de ser considerada como limitação desproporcionada das garantias de defesa, e em particular do direito ao recurso, do arguido em processo penal, consagradas no artigo 32º, n.º 1 da Constituição. Tal imediato efeito preclusivo não se afigura, nem necessariamente imposto pelo preceito legal aplicável (que apenas se refere a um efeito preclusivo, sem excluir a concessão de oportunidade para suprir a falta detectada pelo órgão judicial), nem – o que é decisivo – justificado por qualquer outro interesse constitucionalmente atendível. Designadamente, não cabe, perante tal afectação das garantias de defesa previstas no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, argumentar com a celeridade processual. Para além de tal objectivo não ser incompatível com a concessão ao recorrente de oportunidade para suprir a deficiência detectada, não é admissível que a sua invocação – ou de outros topoi genéricos – baste para fundar soluções normativas que, como a presente, afectam desproporcionadamente as garantias de defesa do recorrente, na dimensão do direito ao recurso garantido pelo artigo
32º, n.º 1 da Constituição.
[...].'
10.5. Como facilmente se depreende da referência ao artigo 32º, n.º 1, da Constituição, a jurisprudência do Tribunal Constitucional acabada de mencionar versou sobre recursos interpostos por arguidos, tendo as questões de constitucionalidade sido perspectivadas à luz das garantias de defesa, e em particular do direito ao recurso, do arguido. A norma do artigo 32º, n.º 1, da Constituição não é aplicável ao assistente, nem existe qualquer preceito constitucional (nomeadamente, o n.º 7 deste mesmo artigo 32º, que expressamente se refere ao ofendido) ordenando a equiparação do estatuto do assistente ao do arguido. Bem diversamente, as formas de intervenção do ofendido no processo penal são remetidas, pela Constituição, para a lei ordinária (cfr., a este propósito, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º
579/2001, de 18 de Dezembro, publicado no Diário da República, II Série, n.º 39, de 15 de Fevereiro de 2002, p. 3050). A análise da questão sub judice não pode portanto cingir-se à jurisprudência anteriormente referenciada, havendo também que procurar apoio na jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa aos
ónus das partes nos recursos de natureza não penal. Com efeito, a posição do assistente num recurso interposto em processo penal, mesmo que não coincida com a dos recorrentes em processo civil, também não coincide com a do arguido. Tanto é assim que, no acórdão n.º 205/2001, de 9 de Maio (publicado no Diário da República, II Série, n.º 149, de 29 de Junho de
2001, p. 10794), o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a interpretação constante do acórdão de uniformização de jurisprudência de 30 de Outubro de 1997, aplicada na decisão então recorrida, que condicionava o recurso do assistente à demonstração de um concreto e próprio interesse em agir, quando, desacompanhado do Ministério Público, pretendesse impugnar a espécie e medida da pena aplicada. Não sendo a posição do assistente que recorre idêntica à do arguido que recorre, há que perspectivar a questão sub judice à luz do disposto no artigo 20º, n.º 1, da Constituição e não, obviamente, à luz do artigo 32º, n.º 1. O artigo 32º, n.º
7, da Constituição não assume, na dilucidação do problema que nos ocupa, utilidade acrescida face ao que se dispõe no artigo 20º, n.º 1. De qualquer modo, e mesmo que se considerasse que a jurisprudência acabada de mencionar poderia ser alargada ao recurso interposto pelo assistente, como decorrência do direito de acção que a este é conferido pelo artigo 20º, n.º 1, da Constituição, fácil é verificar que essa jurisprudência não chegou a admitir um genérico direito do arguido ao aperfeiçoamento de uma peça processual por si apresentada. Na verdade, tal jurisprudência censurou a inexistência de despacho de aperfeiçoamento quando, embora de modo deficiente ou incompleto, o arguido tivesse cumprido determinados ónus processuais, mas dela não pode retirar-se a conclusão de que o despacho de aperfeiçoamento serviria para facultar ao arguido um novo prazo para, pela primeira vez, impugnar a própria decisão proferida, ou mesmo indicar outros fundamentos de recurso. Dito de outro modo, considerou-se constitucionalmente desconforme a rejeição liminar de um recurso (portanto, sem prévio convite ao aperfeiçoamento) quando as conclusões da motivação faltassem, fossem em grande número ou ocupando muitas páginas, nelas se cumprisse deficientemente certos ónus ou se não procedesse a certas especificações, mas não chegou a afirmar-se, por exemplo, o direito do arguido a apresentar uma segunda motivação de recurso, quando na primeira não tivesse indicado os fundamentos do recurso, ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos.
11. Vejamos agora a pertinente jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa aos ónus das partes nos recursos de natureza não penal (ou contra-ordenacional).
11.1. No acórdão n.º 715/96, de 22 de Maio (publicado no Diário da República, II Série, n.º 65, de 18 de Março de 1997, p. 3271), o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 690º, n.º s
1 e 3, do Código de Processo Civil, que exigem que as alegações terminem pela formulação de conclusões em que se indiquem os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão (n.º 1 do artigo 690º do Código de Processo Civil) e que permitem que, caso as conclusões faltem, sejam deficientes ou obscuras, ou nelas se não especifique a norma jurídica violada, o juiz ou relator convide 'o recorrente a apresentá-las, completá-las ou esclarecê-las, sob pena de não se conhecer do recurso' (n.º 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil), por entender que elas não afectam substancialmente a defesa contra actos jurisdicionais, apenas impondo uma colaboração do recorrente na melhor formulação do problema jurídico, assegurando, em última instância, a defesa de direitos e a objectividade da sua realização.
11.2. No acórdão n.º 40/2000, de 26 de Janeiro (publicado no Diário da República, II Série, n.º 243, de 20 de Outubro de 2000, p. 16995), em que estava em causa um recurso interposto em processo administrativo, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 690º, n.º 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior à que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), 'quando interpretada no sentido de que a falta de concisão das conclusões poderá levar à rejeição do recurso, sem que exista um novo convite ao recorrente para o seu aperfeiçoamento'. Nesse aresto, disse o Tribunal Constitucional, nomeadamente, que 'não existe seguramente em nenhum caso tal direito constitucionalmente garantido a um segundo convite. E isto é tanto mais assim, fora do processo penal e contra-ordenacional, quando não há sequer um direito constitucionalmente garantido ao recurso de decisão jurisdicional'.
11.3. No acórdão n.º 374/2000, de 13 de Julho (publicado no Diário da República, II Série, n.º 285, de 12 de Dezembro de 2000, p. 19897), proferido num processo de natureza administrativa, considerou o Tribunal Constitucional não ser inconstitucional a norma do artigo 668º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, com referência ao n.º 4 do artigo 690º do mesmo Código, tendo dito nomeadamente o seguinte:
'[...] no caso em apreço - o que está em causa é o conteúdo mesmo das conclusões da alegação, ou seja, o facto de elas visarem, não a sentença recorrida, mas o acto administrativo inicialmente impugnado por via contenciosa, facto de onde o STA extraiu a conclusão de que o recurso não tinha por referência aquele que, no entender desse Tribunal, seria o objecto admissível de um recurso jurisdicional
- já que são as conclusões finais que delimitam o objecto do recurso. Ora, pretende o recorrente, em todo o caso, e no fundo, que uma interpretação do artigo 690º, n.º 4, do CPC, que não abranja, na obrigação de convite aí referida, esta situação, é inconstitucional, pelo que da omissão desse convite resulta a violação de um dever do tribunal, implicando a ocorrência da nulidade processual prevista e sancionada pela alínea d) do n.º1 do artigo 668º do Código de Processo Civil. Esta a questão de constitucionalidade agora em apreço. No entanto, a verdade é que há todo o lugar para distinguir entre os dois tipos de situações, postos em evidência, a saber: um, em que (para além de se tratar de processo punitivo) se está perante deficiências relativas apenas à
«formulação» das conclusões; e o outro, em que as «deficiências» são imputadas ao próprio conteúdo daquelas, resultando naturalmente de considerações que lhes são logicamente anteriores e são relativas à definição do objecto do recurso. Ora, nesta segunda situação (que é a do caso presente) tendo ela a ver com a identificação da questão posta ao tribunal - identificação essa que se não afigura deficiente, ambígua, obscura, complexa ou contraditória, e, a esse nível, não põe ao mesmo tribunal qualquer dificuldade de entendimento - não se vê que a Constituição possa impor àquele qualquer dever de convidar o interessado a corrigir ou completar a peça processual em causa (ou as suas conclusões). O tribunal há-de, naturalmente, poder extrair dessa peça as ilações que, em seu critério, ela impõe: isto é, há-de logo poder, a partir dela, emitir o seu julgamento. E se, o tribunal conclui, porventura, em termos ou num sentido que o interessado julga juridicamente incorrecto, o que então ocorrerá (do ponto de vista deste último) é um «erro de julgamento»: do facto, porém, de este haver eventualmente decorrido do modo como o mesmo interessado enunciou ou pôs certa questão numa peça processual, não pode ele (o interessado) pretender que, antes da decisão, haveria de ter sido convidado a corrigir tal peça. Assim, em qualquer caso, e por último, não colhe a arguição de inconstitucionalidade das normas do artigo 668º, nº 1, alínea d), com referência ao artigo 690º, nº 4, do Código de Processo Civil, no entendimento que lhe foi dado no caso, pelo acórdão do STA de 6 de Março de 1998, sub judicio. Na verdade, não se vê como tais normas, nesse entendimento, violem, seja o artigo
20º (direito de acesso aos tribunais), seja, muito menos, o artigo 205º, nº 1
(fundamentação das decisões judiciais), da Constituição.
[...].'
11.4. No acórdão n.º 403/2000, de 27 de Setembro (publicado no Diário da República, II Série, n.º 286, de 13 de Dezembro de 2000, p. 19953), em que se apreciou a conformidade constitucional da exigência, constante do artigo 72º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, de arguição de nulidades da sentença no próprio requerimento de interposição do recurso, sob pena de extemporaneidade, disse o Tribunal Constitucional o seguinte:
'[...] Sem prejuízo de, nas suas alegações, invocar tais nulidades como fundamentos do recurso, a exigência dessa invocação no próprio requerimento possibilita ao tribunal recorrido a sua mais rápida e clara detecção e consequente suprimento. Trata-se de formalidade que, sobretudo quando o requerimento de interposição do recurso e as alegações constam da mesma peça processual, pode parecer excessiva e inútil, mas que ainda se justifica por razões de celeridade e economia processual. Em terceiro lugar, refira-se que, além de não ser anómala face ao sistema processual civil e de se justificar por razões de economia e celeridade processual, a interpretação acolhida no acórdão recorrido não implica a constituição, para o recorrente, de um pesado ónus, que pudesse dificultar de modo especialmente oneroso o exercício do direito ao recurso. Ao interpor o recurso, sabe certamente a parte vencida quais os fundamentos do recurso que pretende invocar: assim sendo, a exigência de que os indique no próprio requerimento em nada constitui uma incumbência que não possa levar a cabo ao interpor o recurso. Tanto mais que, se se considerarem os prazos de interposição dos recursos, eles são perfeitamente razoáveis (artigo 75º do Código de Processo do Trabalho de 1981). Finalmente, alega o recorrente que a solução do acórdão recorrido é drástica, dado que optou pela solução do não conhecimento do objecto do recurso, por extemporaneidade, em vez de ter «admitido a possibilidade de o recorrente aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso», ou de «começar por dar ao recorrente a possibilidade de regularizar o requerimento» (cfr. parecer junto a fls. 1218 e segs.). Simplesmente, não pode considerar-se incluído, dentro do direito ao acesso aos tribunais, o direito à obtenção de um despacho de aperfeiçoamento, quando se verifiquem obstáculos ao conhecimento do objecto do recurso: casos há (vários, aliás, no Código de Processo Civil: cfr., por exemplo, artigos 687º, n.º 3, 1ª parte, ou 690º, n.º 3) em que, por impossibilidade de suprimento do vício, pela gravidade deste, ou por razões de disciplina da própria actividade processual, se justifica que o recorrente sofra imediatamente as consequências do inadequado exercício do direito ao recurso, sem lhe ser dada uma segunda oportunidade para o exercer adequadamente. Não se verificando qualquer justo impedimento para a não arguição atempada das nulidades da sentença, a possibilidade de convite à parte para sanar o vício, que o recorrente reivindica como corolário do princípio pro actione, enquadra-se ainda dentro da liberdade de conformação do legislador.
[...].'
11.5. No acórdão n.º 122/2002, de 14 de Março (Proc. n.º 447/01), ainda inédito, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo
690°-A do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de o recorrente, sob pena de rejeição do recurso tocante à matéria de facto, dever apresentar, em separado da alegação que produz, a transcrição dactilografada das passagens da gravação em que funda o erro na apreciação das provas. Lê-se o seguinte, no texto desse acórdão:
'[...] Cumprirá, desde logo, assinalar que, por se situar fora dos seus poderes cognitivos, este Tribunal não se pode pronunciar sobre a questão de saber se a interpretação levada a efeito pelo acórdão recorrido é a única, ou, ao menos, a mais consonante com o teor do nº 2 do art° 690º-A em apreço. Incumbe-lhe, isso sim, saber a norma resultante daquela interpretação é ofensiva do Diploma Básico, o que equivale a dizer que a questão ora sub iudicio consiste em dilucidar se será conflituante com a Constituição – designadamente por violação do que se preceitua no seu artigo 20° – um preceito que exija ao recorrente que impugna a matéria de facto em processo cujos meios probatórios constaram de gravação nele realizada e sob pena de rejeição do recurso, que proceda à transcrição, em escrito separado da alegação das passagens da gravação em que se esteia.
5. O direito processual constitui um encadeamento de actos com vista à consecução de um determinado objectivo, qual seja o de se obter uma decisão judicial que componha determinado litígio o que, consequentemente, impõe, por um lado, que as «partes» assumam posições equiparadas para desfrutarem de igualdade processual para discretear sobre as razões de facto e de direito apresentadas por uma e outra (cfr., sobre o ponto, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil I, 364 e 365, e Acórdão deste Tribunal nº 223/95, publicado na 2ª Série do Diário da República de 27 de Junho de 1995); e, por outro lado para se alcançar uma justa e equitativa decisão, mister é que haja determinada disciplina para, além do mais, se conseguir que a composição do litígio se não
«perca» por razões ligadas a um livre alvedrio das mesmas «partes», alvedrio esse que, no limite, poderia conduzir a uma «eternização» de actos com repercussão na não razoabilidade da tomada de decisão em tempo útil. Daí que o processo, todo o processo – aqui se incluindo obviamente, o processo civil –, para além de dever ser um due process of law (vejam-se, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal nºs 249/97 e 514/98, publicados na 2ª Série do jornal oficial de, respectivamente, 17 de Maio de 1997 e 10 de Novembro de 1998), tenha de obedecer a determinadas formalidades que, elas mesmas não podem deixar de ser consideradas, numa certa perspectiva, como constituindo, inclusivamente, factores ou meios de segurança, quer para as «partes», quer para o próprio tribunal. As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os estabelecimentos de prazos, requisitos de apresentação das peças processuais e efeitos cominatórios, são, pois, algo de inerente ao próprio processo. Ponto é, porém, que a exigência desses formalismos se não antolhe como algo que, mercê da extrema dificuldade que apresenta, vai representar um excesso ou uma intolerável desproporção que, ao fim e ao resto, apenas serve para acentuadamente dificultar o acesso aos tribunais, assim deixando, na prática, sem conteúdo útil a garantia postulada pelo nº 1 do artigo 20° da Constituição. Afora casos como esse, a exigência das formalidades processuais não poderá, desta arte, ser vista como a prescrição de obstáculos à livre e desmedida actuação processual das «partes». Na interpretação conferida pelo aresto sub specie à norma ínsita no nº 2 do art°
690º-A do Código de Processo Civil (e viu-se já que este Tribunal não poderá, no caso, aquilatar da sua «bondade» em sede de direito ordinário), o mesmo entendeu que, como acima se transcreveu, a transcrição em escrito dactilografado a apresentar em separado da alegação tinha um intuito louvável, justamente porque evitaria «a confusão que resultaria da sua inclusão na alegação de recurso», O que vale por dizer que, na óptica do tribunal a quo, aquela apresentação, no fundo, tinha por escopo facilitar a tarefa, quer do tribunal, quer dos próprios intervenientes processuais, maxime as «partes», que, dessa sorte, mais facilmente descortinariam os pontos de divergência sobre a matéria de facto invocados pelo recorrente. Sendo isto assim, então há-de concluir-se que a exigência alcançada pela interpretação sub specie constitucionis não se revela :
– por uma banda, desprovida de qualquer sentido útil, antes apresentando uma finalidade disciplinadora do processo, com o escopo de facilitar a missão do tribunal e dos próprios intervenientes processuais;
– por outra, como constituindo uma acentuada dificuldade imposta às «partes» , por isso que, na realidade das coisas, o labor de transcrição em escrito dactilografado das passagens da gravação em que o recorrente se funda é equivalente, quer ela ocorra em escrito separado, quer na própria peça processual da alegação;
– por outra, ainda, que seja desconforme com a justiça e equidade que devem ser apanágio do processo, como vertente do direito de acesso aos tribunais, ou uma diminuição das garantias dos recorrentes, pois que a dita exigência, de todo em todo, não coarcta a possibilidade de eles desfrutarem da possibilidade de acesso
à impugnação da matéria fáctica.
[...]'.
11.6. Ressalta desta jurisprudência que, no domínio não penal (ou contra-ordenacional), o Tribunal Constitucional tem entendido que do artigo 20º, n.º 1, da Constituição não decorre um genérico direito à obtenção de um despacho de aperfeiçoamento. Ao analisar os vários preceitos legais que consagram ónus processuais, tem o Tribunal Constitucional procurado averiguar se, por um lado, a consagração desses ónus se reveste de alguma utilidade, não redundando em mero formalismo, e se, por outro lado, o cumprimento de tais ónus se não reveste de excessiva dificuldade para as partes. Estando verificadas as duas condições, não resultaria violado o direito de acesso aos tribunais ou o princípio da proporcionalidade. Particularmente nítidos, a este se propósito, se revelam os acórdãos n.º s
403/2000, de 27 de Setembro, e 122/2002, de 14 de Março, que não consideram constitucionalmente exigível proferir um despacho de aperfeiçoamento quando o recorrente não tenha, respectivamente, arguido nulidades da sentença no próprio requerimento de interposição do recurso ou apresentado, em separado da alegação que produz, a transcrição dactilografada das passagens da gravação em que funda o erro na apreciação das provas: não só porque a consagração de tais ónus prossegue uma finalidade atendível, como também porque dela não decorrem especiais dificuldades para o recorrente. Uma outra situação parece justificar ainda que não seja proferido despacho de aperfeiçoamento, a ela se aludindo no acórdão n.º 374/2000, de 13 de Julho: aquela em que, da análise da peça processual oferecida pelo recorrente, decorre que se não está perante o deficiente cumprimento de um ónus (no caso, perante uma deficiente identificação do objecto do recurso), mas perante um pedido que não pode deixar de improceder. O despacho de aperfeiçoamento, na linha de pensamento deste acórdão, não serviria para o tribunal se substituir à vontade do recorrente, convidando-o a submeter à sua apreciação um objecto diverso.
12. A jurisprudência do Tribunal Constitucional, tanto a relativa aos recursos penais (ou contra-ordenacionais), como a relativa aos recursos não penais, aponta no sentido da não inconstitucionalidade da interpretação perfilhada pelo tribunal ora recorrido e que é, lembre-se, a de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o assistente impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 e no n.º
4 do artigo 412º do Código de Processo Penal tem como efeito o não conhecimento daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir o vício dessa falta de indicação, se também da motivação do recurso não constar tal indicação. Na verdade, e como salienta o Senhor Procurador-Geral Adjunto nas suas contra-alegações, as menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.º 3 e o n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal não traduzem um ónus de natureza puramente secundária ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão da matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre a matéria de facto. E, como se viu, nem da jurisprudência deste Tribunal relativa aos recursos de natureza penal (ou contra-ordenacional), nem da relativa aos recursos de natureza não penal, pode retirar-se que o despacho de aperfeiçoamento seja uma exigência constitucional, naqueles casos em que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação ou todos os fundamentos possíveis da motivação. Tal equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso. Identicamente, não há-de ao assistente reconhecer-se o direito de, por via de um despacho de aperfeiçoamento, beneficiar de novo prazo para impugnar a decisão da matéria de facto. Por outro lado, e tomando agora por referência a jurisprudência deste Tribunal relativa aos recursos não penais, não pode também considerar-se a interpretação acolhida no acórdão ora recorrido como estabelecendo um ónus desprovido de qualquer utilidade, na medida em que ele está funcionalmente dirigido à delimitação da matéria sobre a qual o tribunal ad quem se há-de pronunciar. Sendo a decisão da matéria de facto cindível, na medida em que existem tantos julgamentos quantos os pontos de facto submetidos à consideração do tribunal a quo, é evidente que, se o recorrente/assistente não cumprir as especificações a que aludem os n.º s 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, o tribunal ad quem desconhecerá a vontade do recorrente e pronunciar-se-á sobre um objecto da sua própria escolha, o que frontalmente contraria a própria ideia de recurso. Finalmente, e tomando ainda por referência esta última jurisprudência, não se vê em que medida tais especificações podem redundar num ónus excessivamente pesado para o recorrente/assistente, já que, pretendendo este impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há-de saber o que nesta decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação, podendo portanto expressá-lo na motivação. Conclui-se assim que não são inconstitucionais, à luz do disposto nos artigos
18º, 20º, n.º 1 e 32º, n.º 7, todos da Constituição, as normas do artigo 412º, n.º s 3 e 4 do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o assistente impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 e no n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal tem como efeito o não conhecimento daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir o vício dessa falta de indicação, se também da motivação do recurso não constar tal indicação.
III
13. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 18 de Junho de 2002- Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida