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Proc. nº 461/94
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - No Tribunal Judicial da comarca de S. Pedro do Sul, A. requereu
providência de injunção contra B. e mulher C., com vista a obter força
executiva para uma obrigação pecuniária do montante de 249.140$00, acrescida de
juros vencidos e vincendos, proveniente de mercadorias que lhes forneceu no
âmbito da sua actividade de comerciante a retalho.
Notificados os requeridos e não tendo por eles sido deduzida
oposição, o secretário judicial do tribunal, em conformidade com o disposto no
artigo 5º do Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, apôs no requerimento de
injunção a respectiva fórmula executória.
O credor e requerente instaurou então, no mesmo tribunal, com base
no título executivo decorrente daquela providência, execução para pagamento de
quantia certa.
Todavia, o senhor juiz, por despacho de 12 de Julho de 1994,
indeferiu liminarmente o requerimento inicial com base em desaplicação, com
fundamento em inconstitucionalidade, das normas dos artigos 2º e 6º, nº 2, do
Decreto-Lei nº 404/93.
Para tanto, e no essencial, suportou-se na seguinte linha
argumentativa:
'Deste modo, o processo é total ou parcialmente dirigido pelo Secretário
Judicial, a quem compete fazer uma apreciação do pedido, julgar sobre a
extemporaneidade de uma eventual oposição e, designadamente, sobre a ocorrência
de justo impedimento e a regularidade da notificação, na sequência do que lhe
poderá vir a conferir força executiva.
Esta competência atribuída ao Secretário Judicial é, em termos materiais, um
acto de administração de justiça.
Na verdade, é o Secretário Judicial quem, ao não admitir o pedido, ou ao
dar-lhe seguimento está a apreciar uma pretensão, formulando sobre ela um
juízo, de carácter jurisdicional. Aliás, o legislador não esconde que o
processo de injunção pretende substituir o processo declarativo sumaríssimo
(teoricamente para aliviar o juiz de pequenas causas), pelo que é inequívoco que
o papel conferido ao secretário judicial é o de substituir o juiz, praticando,
em vez deste, actos de administração de justiça.
Nos termos do artº 205º da C.R.P. a administração da justiça está confiada
em exclusivo aos tribunais, isto é aos juízes.
Assim, é evidente a inconstitucionalidade material do DL. 404/93 na parte em
que confere ao secretário judicial poderes para dirigir o processo de injunção,
por violação ao disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.
Face ao exposto, nos termos ao artº 207º, da CRP, não aplico os artºs 2º e
6º, nº 2, do Dec.Lei 404/93, de 10 de Dezembro, ao abrigo dos quais o Secretário
Judicial dirigiu o presente processo até esta fase, declarando expressamente a
inconstitucionalidade material dos citados artigos 2º e 6º, nº 2 daquele
Dec.Lei.
Não se aplicando estas normas, irremediavelmente feridas de
inconstitucionalidade, cai pela base todo o processo de injunção. Aquele vício
afecta-o `ab inicio'. Assim, terá que se considerar como não aplicável o
processo de injunção'.
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2 - Deste despacho, sob invocação do disposto nos artigos 69º, 70º,
nº 1, alínea a), 71º, nº 1, 72º, nºs 1, alínea a) e 3, 75º, nº 1 e 75º-A, nº 1,
da Lei do Tribunal Constitucional, trouxe o Ministério Público recurso
obrigatório a este Tribunal.
O senhor Procurador-Geral Adjunto fechou as alegações depois
oferecidas, com as conclusões seguintes:
'1º - A possibilidade, conferida ao secretário judicial pelo artigo 7º do
Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, de recusar o pedido de injunção quando
este se não adeque às finalidades tipificadas no artigo 1º constitui simples
decorrência de existir um evidente e ostensivo erro na forma de processo
escolhida pelo requerente, e não prolacção de qualquer decisão de mérito,
ainda que liminar, sobre a pretensão formulada.
2º - A aposição da fórmula executória, nos casos em que se consumou a
notificação por via postal do requerido e em que este não deduziu oposição, nos
termos do artigo 5º, em conjugação com os artigos 4º e 6º, nº 2, do mesmo
diploma legal, não representa a prolacção de qualquer decisão de natureza
jurisdicional que traduza composição do eventual litígio que oponha o credor
ao devedor, mas tão somente a certificação por aquele funcionário judicial de
que, tendo-se consumado a notificação do pedido de injunção ao requerido e não
tendo sido deduzida por este oposição, se mostra constituído, nos termos da
lei, título executivo extra-judicial.
3º - Não traduzindo a referida aposição da fórmula executória a prática de
qualquer acto jurisdicional de composição do litígio, não envolve qualquer
preclusão relativamente aos meios de defesa que, em processo executivo, ao
executado é lícito opor ao exequente o qual seguirá necessariamente a forma
sumária (artigo 465º, nº 2, do Código de Processo Civil), iniciando-se com a
citação do executado e comportando a eventual dedução de embargos nos amplos
termos consentidos pelo artigo 815º do Código de Processo Civil.
4º - O regime constante do Decreto-Lei nº 404/93 não implica, deste modo,
violação do preceituado nos artigos 205º e 206º da Constituição da República
Portuguesa, já que não resulta conferida ao secretário judicial qualquer
competência para proceder, à revelia do juiz, a uma composição do conflito de
interesses privados entre requerente e requerido no procedimento de injunção,
esgotando-se a actividade que lhe é consentida na mera certificação de que se
mostra criado, nos termos de lei, título executivo extra-judicial.
5º - O mesmo regime em nada ofende o princípio do contraditório, ínsito nos
artigos 2º e 20º da Lei Fundamental, já que não preclude ao requerido qualquer
direito de defesa: na verdade, se este não foi notificado, ou deduziu oposição,
seguem-se os termos do processo declarativo sumaríssimo, que naturalmente são
idóneos para assegurar tal direito; no caso contrário, a aposição da fórmula
executória em nada preclude a dedução de embargos de executado, nos amplos
termos permitidos pelo artigo 815º do Código de Processo Civil, já que
obviamente a execução a instaurar se não baseia em sentença.
O recorrido não produziu contralegação.
Passados os vistos de lei, cabe apreciar e decidir.
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II - A fundamentação
1 - Em conformidade com a sua exposição preambular, o Decreto-Lei nº
404/93, 'de natureza intercalar no que respeita à revisão da actual legislação
processual em curso, constitui um significativo esforço de adequação dos
trâmites processuais às exigências da realidade social presente, sem quebra ou
diminuição da certeza e da segurança do direito, obedecendo, designadamente, aos
princípios de celeridade, simplificação, desburocratização e modernização, que
hão-de informar a nova legislação processual civil'.
Em ordem a concretização destes objectivos foi instituída a
injunção como 'providência destinada a conferir força executória' ao
requerimento dirigido ao cumprimento efectivo de obrigações pecuniárias
decorrentes de contrato cujo valor não exceda metade da alçada do tribunal de 1ª
instância (artigo 1º).
O pedido de injunção é apresentado na secretaria do tribunal que
seria competente para a acção declarativa com o mesmo objecto (artigo 2º, nº 1).
Recebido o pedido, o secretario judicial do tribunal notifica o
requerido, por carta registada com aviso de recepção, devendo indicar, de forma
intelegível, o seu objecto e demais elementos úteis à compreensão do mesmo,
referindo, ainda, expressamente, o último dia do prazo para a oposição (artigo
4º).
Na falta de oposição, ou em caso de desistência da mesma, o
secretário judicial do tribunal apõe no requerimento de injunção a respectiva
fórmula executória (artigo 5º).
Se o requerido se opuser à pretensão no prazo de sete dias a contar
da notificação, ou se se frustar a notificação por via postal, o secretário
judicial do tribunal apresentará os autos à distribuição, sendo conclusos ao
juiz, o qual, se o estado do processo o permitir, designará, desde logo o dia
para julgamento, observando-se a tramitação estabelecida para o processo
sumaríssimo (artigo 6º).
A oposição da fórmula executória só poderá ser recusada quando o
pedido não se adeque às finalidades constantes do artigo 1º e nas situações em
que à secretaria é lícito não receber a petição, cabendo da recusa reclamação
para o juiz presidente do tribunal ou do respectivo juízo cível (artigo 7º).
Será que este quadro normativo confia aos secretarios judiciais,
como se sustenta na decisão recorrida, a 'prática de actos de administração da
justiça', incorrendo, consequentemente, em vício de inconstitucionalidade por
afronta ao artigo 205º da Constituição?
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2 - A figura da injunção instituída no Decreto-Lei 404/93, e as
questões de constitucionalidade que têm sido levantadas a propósito das soluções
ali definidas pelo legislador, foram já objecto de apreciação em diversas
decisões do Tribunal Constitucional, havendo sido firmada, a tal propósito, uma
jurisprudência uniforme e reiterada no sentido da inverificação naquele
articulado de qualquer ilegitimidade constitucional.
Com efeito, em todos os arestos até agora proferidos (cfr. Acórdãos
nºs 375/95, 394/95, 395/95, 396/95, 397/95, 398/95, todos de 27 de Junho de
1995, ainda inéditos), teve-se por inexistente qualquer inconstitucionalidade,
seja no tocante à competência atribuída ao secretário judicial para determinar
a notificação do requerido (artigo 4º), seja no tocante à competência que lhe é
concedida para a aposição da formula executória no requerimento de injunção
(artigo 5º) ou para a sua recusa (artigo 7º).
Não importa agora reproduzir a desenvolvida fundamentação que
naqueles arestos se contém, havendo tão somente que concluir, dando aqui por
acolhida tal fundamentação, no sentido da não inconstitucionalidade das normas
cuja aplicação foi recusada na decisão sob recurso.
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III - A decisão
Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso devendo o
despacho recorrido ser reformado em consonância com o presente julgamento da
questão de constitucionalidade.
Lisboa, 28 de Setembro de 1995
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Luís Nunes de Almeida