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Processo n.º 15/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
no n.º 4 do art.º 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC), do despacho do relator, no Tribunal da Relação do Porto, que lhe
indeferiu o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional de acórdão do mesmo Tribunal da Relação.
2 – Fundamentando a sua reclamação, a reclamante discorre do
seguinte jeito:
«1°
Ao alegarem em sede de recurso, fez inserir nas alegações os pontos 6 e 7 das
conclusões.
2°
Nestes se diz que:
“6). — Dar como provado um dado montante certo – e não por equidade! – para
“ajudas de custo” ilegais, quando se tem de concluir, como se faz na douta
fundamentação, que “malgré l’éffort”, mais se não consegue porque “Parte da
actividade do CICCPN e dos pagamentos efectuados no período de tempo em questão
não se encontram reflectidos no sistema de contabilidade geral (designadamente
as “ajudas de custo” que, na sua maioria, (!!) não têm suporte em qualquer
documento próprio de deslocação), (sic – com sublinhado e enfático, nossos!)
é dar como provado o todo, partindo da parte (“a maioria”)
Isto chama-se contradição insanável da fundamentação e violação da regra da
“certeza” histórica da condenação, face à regra do “in dubio pro reo” – cfr. a
sindicabilidade neste caso, no aresto do SJ200506160015765, de 16-06-2005,
relatado pelo Cons. PEREIRA MADEIRA, sob pena de, atendendo à literalidade do
art. 410º nº 2, se estar a fazer deste, interpretação ferida de
inconstitucionalidade, por preterição do “direito a recurso” e da presunção de
inocência, previsto no art. 32º da C. Rep.
7) – Dar como assente que “segundo a factualidade constante da mesma peça
processual, a falsidade de dada acta e de dados actos terão sido praticados no
decurso da Auditoria levada a cabo pelo I.E.F.P.”, se isso não ressalta da
matéria dada como provada, e daí partir para considerar que esse “crime”,
reportado a um documento elaborado há mais de 5 anos, e que, na tese do douto
tribunal, é “autónomo” do de peculato, não está prescrito, é desconsiderar o
princípio do “in dubio pro reo” quanto a facto extintivo da infracção – apud C.
Ferreira, Lições, vol. II, pág. 43, como Ac. Rel. Lxª, de 22.06.83, in C.J.,
VIII, tomo 3, pág. 189.“
3°
Desatendida essa arguição, fez apresentar recurso,
4°
Indicando que a razão legal da divergência era a interpretação que o douto
Tribunal tinha dado às normas ali citadas, – “na linha dos pontos 6 e 7 das
conclusões de recurso”,
5º
por deficiente interpretação das mesmas face a imperativo
constitucional.
6º
Indicou, pois, a norma que se julga estar ferida de inconstitucionalidade, se
permitisse tal leitura e interpretação.
7º
E explicitou qual a norma da lei fundamental que, assim, legitimava a
inconstitucionalidade do juízo decisório (doc. nº 1).
8º
Porque o douto Tribunal “a quo” não percebesse essa formulação,
9º
E embora não tivesse feito rejeição inicial,
10º
Fez convite a esclarecimento (doc. nº 2).
11º
Seguidamente e porque se entendeu não necessitar de explicitação, aquilo que não
fora motivo de não recebimento, passou a sê-lo. (doc. nº 3).
Ora,
12º
O legislador o que pretende de modo a poder ser proferida eventual decisão
sumária – é a fundamentação jurídica,
13º
Traduzida esta na indicação da norma aplicada, sentido da sua aplicação, razão
da desconformidade entre o sentido em que a norma foi interpretada (ou
aplicada), e como a mesma deveria ser entendida, em dado contexto sistemático.
14º
Isso foi referenciado no inicial requerimento de alegações de recurso,
15º
pois se fez remissão para a fundamentação apresentada, a qual não mereceu
acolhimento.
16º
Como o recurso subia nos autos,
17º
e nestes constava a discussão sobre a questão ora apreciada nesse Venerando
Tribunal,
18º
nem sequer por mera adesão, mas por reprodução do já antes alegado,
19º
ou seja, a economia de meios que levaram à consideração do regime dos artigos
705, 713, nºs 5 e 6 do C.P.C.,
20º
restringiu a fundamentação – não das alegações – dos pressupostos de
admissibilidade do recurso, designadamente quanto ao interesse em agir na
interposição do mesmos, sobre àquela matéria já apreciada, porque exposta e com
amplitude.
21º
Parece, pois, que há causa de pedir explícita e pedido no requerimento de
abertura de instância de recurso, e estão assentes os demais pressupostos
processuais da instância a iniciar, quer subjectivos quer objectivos.
22º
O meio de reagir parece ser o idóneo, por reagir contra decisão que é
definitiva, atento o novo regime de competência do relator, após nova redacção
dada ao C.P.P.,
23º
já que não tem a ver com a procedência da discordância quanto ao tema da decisão
em 1ª instância.
Assim, vem requerer a V. Ex.ª que Se digne ordenar a subida do recurso de fls.
5789, de molde a que a questão de mérito sobre constitucionalidade venha a poder
ser analisada em sede própria, esse Venerando Tribunal Constitucional».
3 – O despacho reclamado tem o seguinte teor:
«Apresentou a recorrente A., a fls. 5789 requerimento de apresentação
de recurso, depreendendo-se que se trata de recurso para o Tribunal
Constitucional dada a alusão feita a um preceito da Lei nº 28/82 de 15/11.
A peça em questão não satisfaz minimamente os requisitos exigidos pelo art.
75º-A da Lei nº 28/82 de 15/11, motivo pelo qual foi a recorrente convidada a
completá-lo, ao abrigo do disposto no nº 5 do referido art. 75º-A.
Não obstante, a recorrente não correspondeu a esse convite.
Assim, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 76º, da Lei nº 28/82, vai
indeferido o requerimento em análise.
Notifique».
4 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional
pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação, dizendo:
«A presente reclamação carece manifestamente de fundamento: não tendo, na
verdade, a recorrente aproveitado o convite que lhe foi endereçado para suprir
as manifestas insuficiências do requerimento de interposição de recurso,
abstendo-se de o aperfeiçoar, é evidente que cumpria ao relator, no Tribunal “a
quo”, rejeitar liminarmente tal recurso, nos termos do nº 2 do art. 76º da Lei
nº 28/82».
5 – Consta ainda dos autos que a reclamante dirigiu ao relator do
referido tribunal da relação requerimento do seguinte teor:
“Dra. A., arguida nos autos, vem, esclarecida que está a douta
decisão, e na linha dos pontos 6 e 7 das conclusões de recurso, apresentar
recurso do mesmo douto acórdão. O regime é de subida imediata, nos autos e com
efeito suspensivo, nos termos do disposto no art.º 73.º, n.º 3, da Lei n.º
28/82, de 15/11”.
6 – Apreciando o requerimento referido na alínea anterior, o relator
do mesmo tribunal da relação proferiu o seguinte despacho, de que a reclamante
foi notificada:
“Ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 75.º-A da Lei n.º 28/82 de
15/11, convido a requerente a, em 10 dias, observar integralmente o disposto nos
n.ºs 1 e 2 do mesmo preceito legal”.
7 – A reclamante não respondeu ao convite referido no número
anterior.
B – Fundamentação
8 – Como resulta do relatado, a reclamante interpôs recurso de
acórdão do Tribunal da Relação do Porto para o Tribunal Constitucional,
limitando-se a afirmar no requerimento de interposição de recurso a sua vontade
de recorrer e a indicar que o regime do recurso era o “de subida imediata nos
autos e com efeito suspensivo”.
Dispõe o n.º 1 do art.º 75.º-A da LTC que “o recurso para o Tribunal
Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea
do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie”.
E o n.º 2 do mesmo artigo diz, por seu lado, que “sendo o recurso
interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, do
requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional
ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o
recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade”.
Ora, a reclamante, no seu requerimento de interposição de recurso
para o Tribunal Constitucional de acórdão do Tribunal da Relação do Porto, para
além do mais exigível nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, não indicou também
nem a alínea do n.º 1 daquele art.º 70.º da LTC nem a norma cuja
inconstitucionalidade pretendia ver apreciada.
Dadas estas faltas, o relator, no tribunal a quo, convidou o
recorrente, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 75.º-A da LTC, a prestar as
indicações exigidas por aqueles preceitos, no prazo de 10 dias.
A recorrente não as prestou. Esta atitude omissiva é cominada com o
efeito jurídico estatuído no n.º 7 do mesmo artigo: “o recurso é logo julgado
deserto”.
Assim sendo, o recurso da reclamante não poderia prosseguir.
É certo que o relator, no tribunal a quo, não julgou o recurso
deserto mas antes indeferiu o requerimento de interposição do recurso.
Conquanto os efeitos jurídicos decorrentes destas diferentes
pronúncias não sejam totalmente coincidentes (dado a deserção pressupor, até o
momento em que tenha lugar, a pendência de recurso e o indeferimento do
requerimento de interposição de recurso rejeitar a sua própria interposição), o
certo é que, quanto à impossibilidade do recurso de constitucionalidade poder
prosseguir, ambos os efeitos se equiparam.
Ora, é esta a situação que importa relevar na apreciação da
reclamação.
Por isso esta não pode deixar de ser indeferida.
C – Decisão
9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos