Imprimir acórdão
Processo n.º 47/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
A. recorreu para o Tribunal Constitucional de um acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça que julgou improcedente um anterior recurso interposto de decisão do
Tribunal da Relação de Lisboa.
O requerimento de recurso vinha formulado nos seguintes termos:
O recurso tem em vista ser declarada a violação dos arts. 379º-1-c) CPP e art.
32º da Lei Fundamental por ausência de exame crítico na 1ª instância conforme
conclusão 1ª:
1- O Tribunal da Relação não procedeu ao exame crítico da prova, maxime dos
depoimentos das testemunhas e do arguido: atentou contra o art. 379º-1-c) do
C.P.P. e 32º da C.R.P.
E tem em vista ser declarado que o art. 374º- 2, CPP viola os arts. 32º-1 e 205º
da C.R.P. e protocolo 7° - 2, da CEDH, conforme foi entendido pelo STJ e pelo
TRL in conclusão 9ª e 10ª:
9ª A interpretação dada ao art. 374º-2, pela Relação Lisboa é inconstitucional:
viola os arts. 32º- 1, e 205º da Lei Fundamental e Protocolo 7- 2º C.E.D.H.;
dispensou fundamentação ao arrepio do dever de fundamentação de decisão judicial
Ac. S.T.J. 17-6-2004 Proc. 5060/03 www.dgsi.pt- Proc. 04P1407, Ac. Trib. Const.
680/98 e 636/99, e
10ª - inverte o ónus da prova .... imputando responsabilização objectiva sem
nexo subjectivo a titulo de dolo, partindo da presunção de culpa - nos factos 2
e 3 provados - mas que afasta in fine - conforme facto A) não provado, e tem em
vista ser declarada a violação dos arts. 29º-6, 32º-1, e 202º-1, e Protocolo 7-
art. 2°, da CEDH. por banda dos arts. 410º-2, e 412º-3, CPP conforme conclusão
15
E, finalmente, ser declarada a inconstitucionalidade do art. 430º CPP por
violação dos arts. 29º-6, e 32º-1º CRP, art. 2° do Protocolo 7° e art. 6º- 1,
CEDH cfr. conclusão 16ª.
Após convite para aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso,
designadamente em vista à identificação das interpretações normativas dos
artigos 374º, nº 2, 410º, nº 2, 412º, nº 3, e 430º do Código de Processo Penal
que se consideravam ser inconstitucionais, o recorrente, em resposta, veio dizer
o seguinte:
[…] vem requerer que seja declarado que o artigo 374º, 2, CPP viola os arts
32º-1, e 205º da C.R.P. e Protocolo 7º-2 da CEDH, conforme foi entendido pelo
STJ e pelo TRL in conclusão 9ª e 10ª:
A interpretação dada ao art. 374º - 2, pela Relação de Lisboa é
inconstitucional: viola os arts. 32º - 1, e 205º da Lei Fundamental e Protocolo
7- 2º C.E.D.H.; dispensou fundamentação ao arrepio do dever de fundamentação de
decisão judicial - Ac. S.T.J. 17-6-2004 Proc. 5060/03 www.dgsi.pt - Proc.
04P1407, Ac. Trib. Const. 680/98 e 636/99, e inverte o Ónus da prova ....
imputando responsabilização objectiva sem nexo subjectivo a titulo de dolo,
partindo da presunção de culpa - nos factos 2 e 3 provados - mas que afasta in
fine - conforme facto A) não provado
Por decisão sumária proferida ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal
Constitucional, o relator não tomou conhecimento do objecto do recurso com os
seguintes fundamentos:
Do requerimento de interposição do recurso resulta que se pretende, em primeiro
lugar, que o Tribunal Constitucional constate a violação do artigo 379º, n.º 1,
alínea c), do Código de Processo Penal e do artigo 32º da Constituição, por não
ter o Tribunal da Relação procedido ao exame crítico da prova.
Ou seja, pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie, sob o ponto de vista
da sua conformidade constitucional e legal, a própria decisão do Tribunal da
Relação.
Ora, como claramente resulta das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, este Tribunal não possui competência para apreciar
decisões judiciais, em si mesmas consideradas, possuindo-a apenas relativamente
a normas ou interpretações normativas aplicadas nessas decisões.
Assim sendo, não pode conhecer-se do objecto do recurso de constitucionalidade,
no que diz respeito ao primeiro pedido formulado pelo recorrente.
Resulta do requerimento de interposição do recurso, em segundo lugar, que se
pretende a apreciação de uma certa interpretação do artigo 374º, n.º 2, do
Código de Processo Penal.
Como tal interpretação não se encontra identificada nesse requerimento,
convidou-se o recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 75º-A, n.º 6, da Lei
do Tribunal Constitucional, para proceder a tal identificação.
Simplesmente, na resposta a esse despacho, o recorrente persistiu em não
identificar tal interpretação normativa; ou seja, persistiu, após a prolação do
despacho de aperfeiçoamento, no não cumprimento do disposto no artigo 75º-A, n.º
1, 2ª parte, da Lei do Tribunal Constitucional (que justamente alude à
identificação da norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que
o Tribunal Constitucional aprecie).
Ora, não estando determinado o objecto do presente recurso, no que se refere ao
segundo pedido formulado pelo recorrente, não é logicamente possível dele
conhecer-se.
Resulta, em terceiro lugar, do requerimento de interposição do recurso, que o
recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade
constitucional dos artigos 410º, n.º 2, 412º, n.º 3, e 430º do Código de
Processo Penal.
Na medida em que, relativamente a estes preceitos, o recorrente, nesse
requerimento, remete para as conclusões 15ª e 16ª da motivação do recurso
interposto perante o Supremo Tribunal de Justiça, e, nestas conclusões, a
inconstitucionalidade foi imputada a certas interpretações dos mesmos preceitos,
convidou-se também o recorrente a proceder à identificação de tais
interpretações.
No entanto, o recorrente não o fez: a resposta ao despacho de aperfeiçoamento é
totalmente omissa quanto às interpretações dos artigos 410º, n.º 2, 412º, n.º 3,
e 430º do Código de Processo Penal que o recorrente considera inconstitucionais
e pretende que o Tribunal Constitucional aprecie; por outro lado, o recorrente
também não rejeita o pressuposto de que se partiu aquando da prolação do
despacho de aperfeiçoamento (o de que se pretendia, não a apreciação daqueles
preceitos, em si mesmos, mas a apreciação de certas interpretações normativas
reportadas àqueles preceitos).
Deste modo, não estando também determinado o objecto do presente recurso, no que
se refere a estes pedidos formulados pelo recorrente, não é igualmente possível
deles conhecer-se.
Acresce que, em qualquer dos casos, o recorrente reporta as
inconstitucionalidades à decisão do Tribunal da Relação, quando é certo que foi
interposto entretanto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e o recurso
para o Tribunal Constitucional daquela outra decisão encontra-se já precludido,
nem era admissível face ao princípio da exaustão dos recursos ordinários que
consta do artigo 70º, nº 2, da LTC.
Desta decisão vem o recorrente reclamar para a conferência, limitando-se a dizer
que «mantém ipsis verbis o teor do recurso cuja decisão sumária foi proferida em
13 de Fevereiro de 2008».
O Exmo Magistrado do Ministério Público, no seu parecer, pronunciou-se no
sentido do indeferimento da reclamação, por não ter o recorrente sequer indicado
as razões da sua discordância em relação à decisão reclamada.
II. Fundamentação
Através da decisão sumária ora reclamada entendeu-se ser de não conhecer do
objecto do recurso por se ter pretendido que o Tribunal Constitucional
apreciasse a própria conformidade constitucional da decisão da Relação, no que
se refere à aplicação do artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo
Penal, por não se ter identificado, mesmo após o convite do relator, as
interpretações normativas referenciadas aos artigos 374º, n.º 2, 410º, n.º 2,
412º, n.º 3, e 430º do Código de Processo Penal, e ainda por, em qualquer dos
casos, o recorrente ter reportado as inconstitucionalidades à decisão do
Tribunal da Relação, quando é certo que recurso para o Tribunal Constitucional
vem interposto da posterior decisão do Supremo Tribunal de Justiça.
Na reclamação para a conferência, o recorrente não explicita as razões da sua
discordância em relação ao julgado, limitando-se a remeter para os termos do
requerimento de interposição de recurso.
Considerando, porém, que tal requerimento não pode ter seguimento pelas razões
já apontadas e que não foram sequer contraditadas, a reclamação deverá
necessariamente improceder.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 12 de Março de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão