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Processo nº 359/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, sendo recorrente A e recorridos o Ministro da Segurança Social e do Trabalho, a Fundação F... e outros, foi proferida, em 10 de Outubro de 2002, decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, com o seguinte teor:
'1. - A interpôs, no Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação do Despacho nº 52/94, de 16 de Março de 1994, do Ministro do Emprego e da Segurança Social (publicado no Diário da República, nº 75, II Série, de 30 de Março desse ano) que alterou a redacção do artigo 8º dos Estatutos da Fundação F..., respeitante à composição do respectivo Conselho de Administração, imputando-lhe vícios de forma – por preterição de formalidade essencial e falta de fundamentação –, bem como de usurpação de poder, vício de poder e violação de lei constitucional e de lei ordinária.
2. - O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão da sua 1ª Secção, de 9 de Junho de 1998, julgou procedente o problema prévio da irrecorribilidade do acto, dada a sua natureza normativa, questão entretanto suscitada, considerando-se prejudicado o conhecimento das restantes questões e, consequentemente, rejeitou o recurso por manifesta ilegalidade da sua interposição, nos termos do artigo
57º, § 4º, do RSTA (Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo – Decreto-Lei nº 41 234, de 20 de Agosto de 1975).
3. - Inconformada, interpôs a interessada recurso para o Pleno da Secção, o qual, por acórdão de 21 de Fevereiro de 2002, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão impugnada. Ao debruçar-se sobre a temática de constitucionalidade equacionada – segundo a qual o anterior acórdão teria violado o disposto no nº 4 do artigo 268º da Constituição, 'na medida em que infringe a garantia da tutela jurisdicional efectiva, inconstitucionalidade que aqui se deixa arguida para todos os efeitos, pois tal disposição, após a Revisão Constitucional de 1997, ampliou profundamente as garantias dos administrados, maxime o direito de impugnação contra actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, sendo que o conceito de recurso contencioso, a que aludia o nº 4 do artigo 268º, foi substituído pelo conceito de tutela jurisdicional efectiva' – o aresto ora sob recurso não surpreende semelhante vício. Como aí se escreve, a norma constitucional em causa, de garantia da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, 'não dispensa a necessidade de utilização dos meios e fórmulas processuais adequadas, estabelecidas na lei ordinária, não significando ou avalizando, de modo algum, que se possa interpôr recurso contencioso de actos de natureza normativa, cuja impugnabilidade é assegurada por outra via, através de meio processual próprio, o pedido de declaração de ilegalidade de normas, previsto nos artºs. 66º a 68º da LPTA. Ora, uma vez definido ser aquele despacho o objecto do recurso contencioso, é inegável que o mesmo tem natureza de acto normativo, dotado das características da generalidade e da abstracção, como bem se decidiu, o que, aliás, não é, dentro deste específico enquadramento, contrariado pela recorrente'.
4. - De novo inconformada, a interessada interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Pleno da Secção, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da norma 'ínsita no § 4º do artigo 57º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo – restrita à questão da irrecorribilidade – na interpretação que lhe é dada pelo Acórdão recorrido e o preceito constitucional que se tem por violado é o nº 4 do artigo 268º da Lei Fundamental; o princípio da tutela jurisdicional efectiva'.
5. - O recurso foi admitido o que, no entanto, não vincula o Tribunal Constitucional: nº 3 do artigo 76º daquela Lei nº 28/82.
6. - Neste Tribunal foi lavrado despacho, em 15 de Julho de 2002, nos termos e para os efeitos previstos nos nºs. 1, 6 e 7 do artigo 75º-A do mesmo diploma legal, com o objectivo de se especificar clara e inequivocamente a interpretação questionada. Em resposta, a recorrente apresentou um requerimento de vinte e cinco páginas e cento e quinze artigos, onde relata o andamento do processo, dando conta minuciosa das diversas questões suscitadas e apreciadas nos autos, convocando, designadamente, a jurisprudência constitucional atinente aos pressupostos do recurso de constitucionalidade. Concretamente, e no que ora interessa, no ponto 7 escreve:
'[...] a norma de que se vem pedir a fiscalização da constitucionalidade é a do
§ 4 do artigo 57º do RESTA, por violar – na interpretação dada pelo STA – o nº 4 do artigo 268º da CRP: é inconstitucional a interpretação que rejeita o recurso na sua globalidade com a inovação de que se trata de regulamento (acto normativo), deixando assim sem tutela jurisdicional o acto de aprovação tutelar que se encontra em despacho anterior, verdadeiro acto impugnado.'
7. - Entende-se, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, ser de proferir decisão sumária por não se poder tomar conhecimento do objecto do recurso, considerando não ter sido adequadamente suscitada durante o processo uma questão de constitucionalidade.
8. - Na verdade, ao Tribunal Constitucional competiria tomar conhecimento do objecto do recurso se lhe tivesse sido submetida uma questão de constitucionalidade normativa – o que, para a recorrente, implicaria suscitar o problema da adequação de uma dada norma, na sua globalidade ou em certa e específica dimensão, ao texto constitucional ou, em última análise, equacionar o acerto da interpretação dada a essa norma pela decisão recorrida. No caso vertente, no entanto, ao questionar-se a ponderação do decidido, na sua singularidade, imputa-se o eventual vício de inconstitucionalidade à própria decisão em si, pois que se pretende rediscuti-la, na medida em que esta teve o recurso como inadmissível ao entender que o mencionado Despacho nº 52/94 reveste-se da natureza de acto normativo. Por isso se sublinha, na resposta ao convite formulado ao abrigo do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, que o que interessa é 'avaliar apenas as relações entre os dois despachos – o de 1991 e o de 1994 [...]' – ou seja, entre o Despacho do Ministro do Emprego e da Segurança Social de 4 de Novembro de 1991 (publicado no Diário da República, II Série, de 22 desse mesmo mês) e o Despacho da mesma entidade, de 16 de Março de 1994 (já referenciado) – visto que, na tese da recorrente, não se pretendeu (com este último despacho) 'qualquer desiderato de instituir regulação autónoma ou inovadora, mas apenas o de proceder a mera republicação para não deixar dúvidas de interpretação [...]'. Ora, não foi esse o entendimento seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo, quer no acórdão da Primeira Secção do Contencioso Administrativo, quer no acórdão do respectivo Pleno, onde claramente se caracterizou o acto objecto dos recursos como acto de produção normativa e não acto de aplicação do ordenamento jurídico. Explicitamente, escreve-se no último dos arestos, corroborando o já ponderado no primeiro:
'[...] o despacho em apreço, que regulamenta a composição do Conselho de Administração da Fundação F..., é um acto que integra o ordenamento jurídico e não um acto de aplicação desse ordenamento, uma vez que a composição desse órgão só ficará definida em concreto mediante um acto ou actos de aplicação da disciplina normativa nele contida – os actos de cooptação e de designação dos representantes das várias instituições nele referidas.
É, pois, como tal, contenciosamente irrecorrível, razão pela qual o recurso dele interposto teria naturalmente que ser rejeitado por ilegalidade da sua interposição, nos termos do § 4º do art. 57º do RSTA.'
O Tribunal Constitucional não tem competência para exercer qualquer tipo de censura perante um juízo destes, na medida em que se pretende lavrar o mesmo em equívoco gerador de nulidade processual [alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil], do mesmo passo violando a garantia constitucional do recurso contencioso e da tutela jurisdicional efectiva, nos termos previstos no nº 4 do artigo 268ºda Constituição. É que não se trata de qualquer 'retrocesso' na defesa dessa garantia, como pretende, mas, quando muito – e hipoteticamente
–, de caso para queixa constitucional ou Verfassungsbeschwerde, figura que, como reconhece, não tem acolhimento no ordenamento jurídico nacional. Não estão, assim, reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, de indispensável verificação, nomeadamente o que respeita a controlo de normas e não de decisões judiciais.
9. - Em face do exposto e nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 unidades de conta.'
2. - Notificada, veio a recorrente reclamar do assim decidido para a conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A citado, defendendo a admissão do recurso.
Reiterando ter ocorrido interpretação da norma do § 4º do artigo 57º acima referido, entende ser a mesma inconstitucional, na medida em que rejeita o recurso do acto tutelar, na sua globalidade, com o argumento de se tratar de acto normativo, deste modo deixando sem tutela jurisdicional o acto de aprovação tutelar que se encontra em despacho anterior.
A este propósito, observa, designadamente, que semelhante interpretação da parte final do § 4º do artigo 57º do RSTA (relativa
à 'manifesta ilegalidade do recurso'), 'não é comportável pelo Tatbestand constitucional tal qual resulta do nº 4 do artigo 268º [da Constituição]'.
À matéria da reclamação responderam, ainda, a Fundação F... e o Ministro da Segurança Social e do Trabalho, ambos se pronunciando no sentido do seu indeferimento.
Equaciona ainda, este último recorrido, a questão da exaustão a que se refere o nº 2 do artigo 70º da Lei nº 28/82, por entender que não se encontram esgotadas todas as vias contenciosas ordinárias previstas na lei.
Ouvida a este respeito, a reclamante distingue entre os meios ordinários de impugnação contenciosa administrativa e a exigência do pressuposto de admissibilidade, que respeita ao esgotamento dos recursos ordinários: o que o nº 2 do artigo 70º impõe, na interpretação que lhe dá, é que, 'depois de opção pelo meio que se considere idóneo, se siga a cadeia de recursos ordinários antes da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional'.
3. - Considera-se que o problema da eventual falta de exaustão dos recursos ordinários possíveis não tem cabimento na lógica da tese professada na decisão sumária.
Na verdade, a ponderação feita pelo recorrido subentende a existência de um acto administrativo, como tal impugnado, ou seja, entronca em fundamentação decorrente da tese defendida pela reclamante que a decisão sumária não aceitou.
Por sua vez, e quanto a esta última, conclui-se que a argumentação expendida na reclamação nada adianta à anteriormente desenvolvida, que deu lugar àquela decisão: a recorrente não aceita o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo no sentido da irrecorribilidade contenciosa do acto impugnado, considerando a natureza normativa deste, como genérico e abstracto, como assim foi julgado, susceptível de ser aplicado a um número indefinido de casos, tantos quantas as situações de facto enquadráveis na sua previsão que, no futuro, venham a ocorrer – acto que se entendeu ser de produção normativa e não acto de aplicação do ordenamento, como se pondera no acórdão de Secção, de 9 de Junho de 1998, que seria confirmado no acórdão do Pleno, ora objecto do requerimento do recurso.
De qualquer modo, mesmo que se admitisse ser aquele o acto central do procedimento, 'que desenha inexoravelmente [...] o desfecho desse procedimento', como pretende a reclamante, citando Mário José de Araújo Torres in Cadernos da Justiça Administrativa, no 28 (Julho/Agosto de 2001), págs. 65, o certo é que perante o Tribunal a quo – ou seja, durante o processo
–, a ora reclamante não invocou uma questão de inconstitucionalidade normativa, apenas assacando a inconstitucionalidade à decisão jurisdicional recorrida, como resulta meridianamente das alegações então apresentadas.
Na verdade, consta do ponto AC das conclusões reformuladas (fls. 237 dos autos):
'Ao decidir como decidiu incorreu ainda o Acórdão subjudicio na violação do nº 4 do artigo 268º da Lei Fundamental, na medida em que infringe a garantia da tutela jurisdicional efectiva, inconstitucionalidade que aqui se deixa arguida para todos os efeitos, pois tal disposição, após a Revisão Constitucional de
1997, ampliou profundamente as garantias dos administrados, maxime o direito de impugnação contra actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, sendo que o conceito de recurso contencioso, a que aludia o nº 4 ao artigo 268º, foi substituído pelo conceito de tutela jurisdicional efectiva.'
Assim sendo, não foi suscitada durante o processo uma questão de constitucionalidade normativa o que, naturalmente, obsta a que se conheça do objecto do recurso.
4. - Em face do exposto, indefere-se a reclamação, confirmando-se, a conclusão da decisão sumária, no sentido do não conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 14 de Fevereiro de 2003 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida