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Proc. nº 512/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A, recorrente no presente processo, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa contra B, acção que seguiu a forma ordinária em que pediu que o seu despedimento fosse considerado ilícito e a ré fosse condenada a reintegrá-lo e a pagar-lhe as retribuições que deveria ter percebido entre a data do despedimento e a data da produção da sentença.
A ré contestou, concluindo pela total improcedência da acção.
Julgada a causa com gravação da prova, o Tribunal de 1ª instância proferiu sentença absolvendo a ré dos pedidos por improcedência total da acção.
2. Inconformado, o autor e ora recorrente interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo pedido a reapreciação da prova gravada.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 10 de Outubro de
2001, recusou a reapreciação da prova gravada por entender que não se deveria ter procedido à gravação, não consentida então no Processo Laboral. Consequentemente, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença impugnada.
3. O autor voltou a não se conformar com esta decisão e interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. No âmbito das conclusões das respectivas alegações, suscitou as seguintes questões de constitucionalidade: a) As disposições dos artigos 67º do Código de Processo do Trabalho e
653º, nº 2, e 712º, nº 5, do Código de Processo Civil, se interpretadas e aplicadas como o foram no acórdão recorrido padecem de inconstitucionalidade por violarem o dever de fundamentação das decisões judiciais (artigo 208º da Constituição) e os princípios da certeza e da segurança judiciais e da protecção da confiança (artigo 2º da Constituição); b) A norma do artigo 342º do Código Civil interpretada e aplicada da forma como o fez o acórdão recorrido, apesar de a própria decisão da 1ª instância ter reconhecido a grande dificuldade de prova por parte do autor será materialmente inconstitucional por violar o princípio da igualdade em sentido material, consagrado nos artigos 13º da Constituição e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; c) Os artigos 63º e seguintes do Código de Processo do Trabalho e 24º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, quando interpretados e aplicados no sentido de impedirem a gravação da prova são inconstitucionais por violarem os princípios ínsitos na ideia de Estado de Direito consagrada no artigo 2º da Constituição, sendo certo que o despacho da 1ª instância que ordenou a gravação da audiência fez caso julgado formal (artigo 672º do Código de Processo Civil); d) O artigo 334º, nºs 1 e 2, do Código Civil, interpretado e aplicado de forma a não exigir respostas não fundamentadas aos quesitos é inconstitucional por violar o princípio da igualdade (artigos 13º da Constituição e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
O Supremo Tribunal de Justiça negou a revista em acórdão de 6 de Junho de 2002, sustentando, quanto às questões de constitucionalidade suscitadas, o seguinte entendimento: a) Relativamente à alegada violação do dever de fundamentação, a 1ª instância apresentou fundamentação e o autor não reclamou de tal fundamentação no momento processualmente adequado embora o pudesse fazer; b) O autor não logrou provar que era prática na ré englobar em algumas facturas valores dispendidos sem cobrança de recibo nem que a ré arquitectou qualquer plano para mover um procedimento disciplinar, tal como lhe caberia; c) À data em que ocorreu o julgamento na 1ª instância não era admissível a gravação da prova que só viria a ser introduzida no Processo de Trabalho pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de
2000 e apenas se aplicou nos termos do artigo 3º aos processos instaurados a partir desse data (cfr. o artigo 68º do novo Código de Processo do Trabalho, aprovado por este Decreto-Lei) e, ao contrário do que sustenta o recorrente, o despacho que ordenou a gravação da audiência em 1ª instância não fez caso julgado formal (artigo 672º do Código de Processo Civil), no sentido de impor à instância superior – o Tribunal da Relação de Lisboa – a reapreciação da prova; d) Não foi feita nenhuma interpretação nem se procedeu a nenhuma aplicação inconstitucional do artigo 342º do Código Civil uma vez que à ré só cabia a prova dos fundamentos da justa causa do despedimento, o que logrou fazer, consentindo ao autor provar os factos por ele trazidos ao processo que, alegadamente, degradariam a ilicitude da sua conduta, sem o que, então sim, se violaria o princípio da igualdade.
4. É deste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que vem o presente recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional.
O recorrente identificou como normas cuja constitucionalidade pretende ver apreciada os artigos 67º, 653º, nº 2, 712º, nº 5, do Código de Processo Civil, 342º do Código Civil e 63º e seguintes do Código de Processo do Trabalho e 24º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro. Segundo o recorrente, tais normas violarão os artigos 208º, 13º, 20º e 2º da Constituição e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O recorrente sustentou ainda que arguira as questões de inconstitucionalidade, designadamente, nas alegações dos recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa e de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
No Tribunal Constitucional a relatora proferiu despacho ao abrigo do artigo 75º-A, nº 5, da Lei do Tribunal Constitucional, convidando o recorrente a indicar com precisão as normas cuja inconstitucionalidade havia suscitado durante o processo e as peças processuais em que suscitara tal questão. Em cumprimento deste despacho, o recorrente veio especificar o seguinte: a) Um grupo de normas cuja inconstitucionalidade arguiu é constituído pelos artigos 67º e 83º do anterior Código de Processo do Trabalho, e 24 do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 21 de Dezembro, interpretados no sentido de que não deveria ter havido gravação da prova em 1ª instância e não haveria lugar à reapreciação da prova pela 2ª instância; as normas e princípios constitucionais violados foram os artigos 2º (princípios da certeza e da segurança jurídicas
ínsitos na ideia de Estado de Direito) e 20º da Constituição (acesso ao Direito e tutela jurisdicional, designadamente na vertende de garantia de efectivo duplo grau de jurisdição) e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (direito a um processo justo e equitativo), vigente na ordem jurídica interna por força do artigo 8º, nº 2, da Constituição; esta questão foi suscitada nas alegações do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça; b) Um segundo grupo de normas cuja inconstitucionalidade arguiu é constituído pelos artigos 67º do Código de Processo do Trabalho e 653º, nº 2, e
712º do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de considerarem bastante uma mera referência formal, abstracta e genérica aos meios de prova alegadamente considerados; os preceitos e princípios constitucionais violados foram os artigos 2º (princípios da certeza e da segurança jurídicas ínsitos na ideia de Estado de Direito) e 208º da Constituição (princípio da adequada fundamentação das decisões judiciais) e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (direito a um processo justo e equitativo), vigente na ordem jurídica interna por força do artigo 8º, nº 2, da Constituição; esta questão foi suscitada nas alegações do recurso de apelação e, de forma mais desenvolvida, nas alegações do recurso de revista; c) Finalmente, o terceiro grupo de normas cuja inconstitucionalidade arguiu é constituído pelo artigo 342º do Código Civil (regra do ónus da prova), interpretado e aplicado como significando que 'mesmo naqueles casos em que a prova de determinados factos é, pela própria natureza das coisas, virtualmente impossível para o autor, enquanto a prova do facto contrário está perfeita e facilmente ao alcance do réu não se deveria verificar qualquer inversão do ónus da prova, favorecendo assim aberta e infundadamente uma das partes do conflito e, ainda por cima, a parte económica e socialmente mais poderosa'; as normas e princípios constitucionais violados foram os artigos 13º da Constituição, que consagra o princípio da igualdade em termos substanciais, e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (direito a um processo justo e equitativo), vigente na ordem jurídica interna por força do artigo 8º, nº 2, da Constituição; esta questão foi suscitada nas alegações do recurso de revista.
Cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentação
5. Uma questão suscitada pelo recorrente diz respeito à interpretação dos artigos 63º e ss. do anterior Código de Processo do Trabalho e
24º do Decreto-Lei nº 329-A/95 (aditado pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro), interpretados no sentido de que não deveria ter havido gravação da prova em 1ª instância e não haveria, por isso, lugar à reapreciação da prova pela 2ª instância. As normas constitucionais cuja violação é apontada são os artigos 2º e 20º da Constituição. O recorrente refere ainda o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, vigente na ordem jurídica interna por força do artigo 8º, nº 2, da Constituição.
Porém, antes mesmo de analisarmos a primeira questão suscitada é, desde já, de afastar a relevância como parâmetro autónomo de juízo de constitucionalidade da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no âmbito do recurso previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. E isto, mesmo independentemente de saber se tal questão poderia ser apreciada no âmbito de um recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo
70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, desde logo porque os direitos consagrados na referida norma têm expressão directa e suficiente na Constituição portuguesa, nos artigos 2º e 20º, sendo uma decorrência dos princípios do Estado de direito democrático e do acesso ao Direito (neste sentido, cfr., por exemplo, Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 352/98, D.R., II Série, de 14 de Julho de 1998, e nº 632/99, D.R., II Série, de 20 de Março de
2000).
6. Por outro lado, a questão suscitada pelo recorrente é duvidosamente uma questão de constitucionalidade normativa. Com efeito, é desde logo muito discutível que tal questão tenha uma efectiva natureza normativa, na medida em que o seu pressuposto é apenas uma interpretação do direito ordinário quanto ao âmbito temporal de vigência do novo Código de Processo do Trabalho nos termos dos artigos 3º e 24º do Decreto-Lei nº 329-A/95 e 63º e ss. do próprio Código de Processo do Trabalho. Além disso, a dimensão material invocada quanto ao impedimento da gravação da prova não é questionada em si mesma, mas apenas porque na 1ª instância foi admitida a gravação da prova e uma alteração da posição do tribunal de recurso ofenderia o caso julgado e a confiança. Ora, este modo de colocar a questão de constitucionalidade implica uma de duas conclusões: ou o recorrente invoca a violação da Constituição pela decisão judicial – o que não é uma questão de constitucionalidade normativa – ou se refere a uma dimensão normativa de normas processuais sobre o caso julgado que não está contida nas normas que invoca nem na suposta interpretação das mesmas levada a cabo pelo tribunal recorrido. Em suma: ou se entende que não se delimita, em conexão com as dimensões invocadas, uma questão de constitucionalidade normativa precisa, procurando-se apenas questionar procedimentos decisórios a que se atribui uma forma normativa não devidamente identificada, o que sempre suscitará o não conhecimento; ou se entende que se suscita uma questão orientada para a norma do caso, a qual, no entanto, não se articula com os preceitos legais relativos ao caso julgado. Nesta última hipótese, o recorrente pretenderá extrair de normas sobre a aplicação das leis no tempo dimensões normativas processuais que elas não comportam, o que sempre levará a concluir pela natureza manifestamente infundada da questão de constitucionalidade suscitada.
7. Uma outra questão suscitada pelo recorrente refere-se ao artigo 342º do Código Civil, interpretado no sentido de que, nos casos em que a 'prova de determinados factos é, pela própria natureza das coisas, virtualmente impossível para o autor, enquanto a prova do facto contrário está perfeita e facilmente ao alcance do réu não se deveria verificar qualquer ónus de prova'. Sendo manifesto que não é esta a formulação normativa explícita fundamentadora da ratio decidendi, também é duvidoso que o tribunal a quo se tenha apoiado implicitamente num tal critério, embora ainda se pudesse admitir, caso a prova dos factos invocados pelo recorrente fosse efectivamente impossível, que as consequências do acórdão recorrido seriam eventualmente essas. Todavia, o acórdão recorrido considerou que os factos relacionados com eventuais práticas da entidade patronal no que se refere ao englobamento em facturas de valores despendidos sem cobrança de recibo ou a arquitectura de um plano para
'enredar' o recorrente num procedimento disciplinar extravasariam a decisão que justificou o despedimento (fundamentada no desvirtuamento das quantias reais constantes de certas facturas) só podendo vir a 'enfraquecer ou diminuir a gravidade' dos factos anteriormente citados e constantes da nota de culpa. Por outro lado, o tribunal recorrido entendeu que 'impor à Ré que fosse além da demonstração desses factos, libertando o Autor da demonstração daqueles por ele trazidos ao processo em ordem ao enfraquecimento da gravidade da sua conduta, essa sim, seria atitude que traduziria grave desequilíbrio da posição das partes face ao litígio'. Assim, é muito duvidoso que a questão da dificuldade da prova dos factos alegados pelo recorrente pudesse ter sido ponderada pelo tribunal recorrido nos termos invocados, sendo certo que para esse tribunal, uma vez realizada a prova pela entidade patronal da justa causa do despedimento em face do comportamento culposo do trabalhador (na verdade, desde logo do seu comportamento ilícito), caberia ao recorrente demonstrar factos que 'enfraquecessem' a gravidade da sua conduta. Nesta perspectiva, não existiria uma total coincidência entre a dimensão normativa invocada e a aplicada, tendo de se concluir que o recorrente confunde o plano do critério normativo com o das consequências que considera verificadas, mas que o tribunal recorrido não associou ao critério normativo utilizado como uma sua implicação lógica. Todavia, mesmo que se admita que, de uma certa forma, o critério normativo utilizado implica a consequência lógica de um dever de provar factos muito difíceis de provar para um trabalhador despedido, ainda assim, tal como sustentou o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 389/99, D.R., II Série, de 8 de Novembro de 1999, num caso paralelo, relativo à mesma norma, mas em que se discutia o ónus da prova de factos pertencentes ao foro íntimo, ter-se-ia de concluir 'se o recorrente considera que a inconstitucionalidade decorre de lhe ser imposto um ónus impossível de cumprir, sempre se dirá que estas alternativas transfeririam essa impossibilidade para a parte contrária, com a agravante de, em regra, se traduzirem na necessidade de fazer prova de factos negativos ...'. Deste modo, mesmo que se aceite que, de algum modo, a dimensão interpretativa suscitada seja uma implicação lógica do critério normativo da decisão, não se poderá vislumbrar qualquer violação da igualdade, na medida em que os indícios de ilicitude e de culpa do comportamento do agente pela prática de factos que objectivamente põem em causa a confiança do empregador colocam, naturalmente, o recorrente numa posição diferente perante a Ordem Jurídica, de alguma desvantagem, relativamente à outra parte, não sendo razoável em termos de igualdade que seja transferido o ónus da prova de factos negativos para quem logrou demonstrar que foram praticados factos ilícitos e culposos.
8. Por último, invoca o recorrente a inconstitucionalidade dos artigos 63º e ss. do CPT, e 653º, nº 2, e 712º, nº 5, do CPC, por violarem os artigos 208º e
2º da Constituição, que consagram, respectivamente, o dever de fundamentação de decisões judiciais (que não sejam de mero expediente) o princípio do Estado de direito democrático (que tem ínsito o princípio da confiança), na medida em que tais normas teriam sido interpretadas na decisão recorrida. A colocação do problema nestes termos, após a invocação do modo concreto como a decisão foi realizada, poderia levar a concluir que é a esta decisão e não a qualquer critério normativo que é imputada a inconstitucionalidade . Com efeito, o recorrente refere-se, sobretudo, ao facto de o tribunal recorrido não ter feito análise crítica das provas e não a qualquer explícito entendimento do tribunal recorrido nos termos do qual tal não seria necessário. Apesar disso, o recorrente alega que a decisão 'privilegiou um entendimento de natureza meramente formal, em detrimento de um entendimento de natureza material, onde os destinatários da decisão pudessem vislumbrar o percurso logico-cognitivo da convicção do Tribunal de 1ª instância'. Deste modo, ainda se poderá divisar uma questão de constitucionalidade normativa em que ao Tribunal Constitucional é dado apreciar um critério de dever ser utilizado efectivamente pelo julgador e não o concreto juízo ou a concreta ponderação de que este se prevaleceu. No entanto, a ratio decidendi do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi, quanto à questão da fundamentação da decisão de 1ª instância, mais complexa. Baseou-se, para além da afirmação de que 'não se pode dizer que falta fundamentação', ainda no argumento segundo o qual 'uma eventual deficiência na fundamentação da matéria de facto não determinava a nulidade da sentença ... e que no caso nenhuma das partes reclamou da fundamentação após a leitura do despacho que respondeu à matéria do questionário, como era imposto pelo artigo
67º, nº 1, do CPT/81, sendo ainda certo que, nos termos do nº 2 do preceito, só
é admissível recurso do despacho que decidir a reclamação referida no nº 1 no caso de ter havido falta absoluta de motivação'. É, assim, esta a ratio decidendi do acórdão recorrido. Logo, se é verdade que ela tem globalmente como pressuposto a existência de fundamentação em face dos preceitos legais aplicáveis, ainda assim, também engloba, em alternativa, a justificação de que a não apresentação de reclamação teria precludido a questão da falta de fundamentação. Torna-se, assim, um prius a análise da constitucionalidade desta norma já que a sua eventual não inconstitucionalidade dispensará o Tribunal Constitucional de apreciar a outra questão relacionada com a fundamentação da sentença. Com efeito, a persistência da validade deste critério normativo torna irrelevante para a subsistência da decisão a que o tribunal recorrido chegou um hipotético juízo de inconstitucionalidade quanto ao critério normativo pelo qual foi elaborada a fundamentação da decisão de 1ª instância. Por estas razões, a questão de constitucionalidade do artigo 67º, nºs 1 e 2, do CPT será analisada prioritariamente, preceito que, entre todos os invocados – os artigos 63º e ss. do CPT – é o que efectivamente diz respeito à questão suscitada.
9. Quanto a esta última questão, também é suscitado o problema de saber se ainda viola o dever constitucional de fundamentação de sentenças ou o princípio do Estado de direito democrático exigir-se, após o exame previsto no artigo
653º, nº 2, do Código de Processo Civil, a apresentação de reclamação relativa à fundamentação da sentença e só se admitir recurso do despacho que decidir tal reclamação no caso de ter havido falta absoluta de motivação e não meramente fundamentação deficiente. Em resposta a esta questão, dir-se-á, em primeiro lugar, que não é, obviamente, inconstitucional a exigência de reclamação após o exame da decisão sobre a matéria de facto, na medida em que se dá ao tribunal que a proferir a possibilidade de colmatar eventuais insuficiências ou obscuridades de fundamentação quanto aos factos. Por conseguinte, tal exigência insere-se na lógica geral de exaustão dos meios de impugnação, como expressão de aproveitamento dos actos processuais e de autocontrolo pelo próprio tribunal das bases do seu decidir. Nem tão-pouco é inconstitucional que a reclamação preceda obrigatoriamente qualquer recurso, na mesma lógica de contenção processual, evitando a reanálise a todo o tempo dos problemas. Questão posterior e autónoma é já a de saber se a ulterior restrição da admissibilidade do recurso aos casos de absoluta falta de motivação afecta o núcleo essencial do direito ao recurso. Porém, sobre esta última questão não terá o Tribunal Constitucional de se pronunciar na medida em que, de todo o modo, o ora recorrente não chegou a reclamar, como lhe era imposto, o que sempre lhe seria exigível pela norma em causa (artigo 67º, nº 1, do CPT). Uma tal reclamação, no caso da invocada insuficiência da fundamentação, ou mesmo que esteja em causa uma ausência absoluta de motivação, não é, por isso, uma exigência restritiva do acesso ao Direito e do próprio direito ao recurso, justificando-se, como se referiu, pela lógica de aproveitamento de actos processuais e de autocontrolo dos fundamentos do decidir. Assim, a exigência de reclamação por aplicação do artigo 67º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho não atenta contra qualquer princípio ou norma constitucionais. Por outro lado, nesta perspectiva, a questão ulterior suscitada pelo recorrente relativamente ao artigo 67º, nº 2, torna-se prematura. Na medida em que o recorrente não deu ao tribunal recorrido, com a sua reclamação, oportunidade para este colmatar eventuais deficiências da fundamentação da decisão proferida,
é inútil discutir por antecipação a questão da irrecorribilidade da reclamação que poderia, aliás, vir a ser desnecessária no caso concreto. Nestes termos, há que concluir pela não inconstitucionalidade do artigo 67º, nºs
1 e 2, do Código de Processo do Trabalho, com a dimensão interpretativa aplicável no caso concreto e que foi suscitada pelo recorrente.
10. Como atrás se referiu, a não inconstitucionalidade da exigência prévia de reclamação implica a inutilidade do conhecimento da questão da constitucionalidade do critério normativo pelo qual foi pautada a fundamentação da decisão de 1ª instância, pelo que o Tribunal Constitucional não se pronunciará sobre ela. Sobre esta questão não é necessário ouvir o recorrente (artigo 3º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional), uma vez que ele já se pronunciou sobre ela, ao discutir, inclusivamente, no plano da constitucionalidade o ónus processual de apresentação de reclamação (ónus que, repete-se, torna precisamente inútil a questão de constitucionalidade referente à fundamentação da decisão recorrida).
III Decisão
11. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 67º e 83º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 272-A/81, de 30 de Setembro, 24º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 21 de Dezembro, 342º do Código Civil, e 67º, nºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro. b) Não tomar conhecimento, por inutilidade, das normas constantes dos artigos 653º, nº 2 e 712º, nº 5, do Código de Processo Civil, na dimensão interpretativa suscitada. c) Indeferir o presente recurso e confirmar a decisão recorrida na parte respeitante às questões de constitucionalidade suscitadas.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 12 de Fevereiro de 2003 Maria Fernanda Palma Mário Torres Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida