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Procº nº 99/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Da sentença proferida pelo Tribunal de comarca de Fafe em 28 de Maio de 2002 que o condenou na pena de dois anos de prisão - cuja execução ficou suspensa pelo período de cinco anos sob a condição de, naquele prazo, pagar a quantia de 110.5786,77 € - pela prática de factos que foram subsumidos ao cometimento de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, previsto e punível pelas disposições combinadas dos artigos 27º-B e 24º, nº 5, ambos do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA) aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº
394/93, de 24 de Novembro, recorreu o arguido A para o Tribunal da Relação de Guimarães, sendo que, na motivação de recurso apresentada, não suscitou a mínima questão de desconformidade com a Lei Fundamental reportadamente a qualquer norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional, surpreendendo-se nessa peça processual apenas, e para o que ora releva, as seguintes asserções:-
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É que ao dever constitucional e legalmente consagrado de manutenção dos postos de trabalho e correlativo pagamento das retribuições, opunha-se o dever da entrega à Segurança Social das contribuições devidas e retidas aos trabalhadores.
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À possibilidade de manter a laboração da empresa com o pagamento dos salários aos trabalhadores, embora nem sempre atempadamente, sacrificou o aqui Recorrente o dever de manter em dia as prestações sociais. Fê-lo na convicção de que desta forma não permitia o encerramento da empresa e a consequente extinção dos postos de trabalho.
Desta forma o Recorrente efectivou a preservação do interesse social e jurídico superior, que é aliás Direito fundamental consagrado na Constituição da República - a preservação dos postos de trabalho e consequente direito e acesso à retribuição - vide artºs 58º e 59º da CRP.
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A douta sentença ora posta em crise violou as normas constante[ ]s dos artºs 27º, al. b), 24º, nº 5 ambos do RJIFNA, aprovado pelo Dec.Lei nº
20-A/90, de 15.01, na redacção introduzida pelo D.L. nº 394/93, de 24/11, actualmente p. pelos artºs 105º da Lei nº 15/01 de 05.06 e art. 36º e 71º do C.P., art. 58º e 59º da Constituição da República'.
Tendo aquele tribunal de 2ª instância, por acórdão de 2 de Dezembro de 2002, negado provimento ao recurso, apresentou o arguido requerimento por intermédio do qual manifestava a sua vontade de, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, a fim de se 'ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artºs 58º e 59º d[a] CRP, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida', pois que tal 'interpretação viola os princípios constitucionais consagrados nos artºs 58º e 59º d[a] CRP'.
Por despacho proferido em 6 de Janeiro de 2003 pela Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de Guimarães não foi admitido o recurso intentado interpor para o Tribunal Constitucional, pois que o arguido, na sua motivação do recurso para aquele Tribunal de relação, 'não suscitou, de modo directo e perceptível, a questão de inconstitucionalidade de qualquer norma que tenha sido aplicada na sentença recorrida ou no acórdão de que pretende interpor recurso'.
É deste despacho que, pelo arguido, vem deduzida reclamação para o Tribunal Constitucional, esgrimindo com o argumento de que, após, na motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, ter escrito as asserções acima transcritas, se constatava que 'não houve pelo recorrente falta de fundamentação quando alega a ferida violação, já que pelo alegado resulta que a interpretação das normas jurídicas aplicadas que conduziram à condenação do arguido violaram os art.s da Constituição ora postos em causa', acrescentando que, 'desde logo porque omitindo a sentença qualquer interpretação e aplicação dos artigos citados ao caso sub judice subverteu a hierarquia das normas constitucionais e os princípios nela consignados na apreciação dos motivos do arguido para o seu comportamento' razão pela qual, 'dado o ora recorrente ter suscitado a inconstitucionalidade, dada a interpretação por omissão das normas Constitucionais violadas, falece qualquer razão que queira reduzir as motivações apresentadas como vagas e sem fundamento'.
Pronunciando-se sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional propugnou pelo respectivo indeferimento.
Cumpre decidir.
2. É por demais óbvia a improcedência da vertente reclamação.
Na verdade, para se lançar mão do recurso esteado na alínea b) do nº
1 do artº 70º da Lei nº 28/82, mister é que, antes da prolação da decisão que se deseja submeter à censura do Tribunal Constitucional, seja suscitada a desarmonia com o Diploma Básico por banda de uma qualquer norma ínsita no ordenamento jurídico infra-constitucional (ainda que essa norma seja alcançada mediante um processo interpretativo de determinado preceito), sendo que não relevam, para o para o presente caso, aquelas situações em que, quem posteriormente ao proferimento da decisão que pretende impugnar perante o aludido órgão de administração de justiça, não dispôs, de todo em todo, de oportunidade processual para efectivar a suscitação, ou foi confrontado, por parte dessa decisão, com uma interpretação normativa acentuadamente insólita e inusitada e com a qual um normal operador jurídico não podia, razoavelmente, contar.
Ora, como deflui do relato supra efectuado, as normas do ordenamento jurídico ordinário (entendida esta expressão no sentido de direito infra-constitucional) que constituíram a ratio juris do decidido na 1ª instância nunca, em momento algum, foram (e o local e momento processualmente relevantes seriam, in casu, os da motivação e respectiva apresentação atinente ao recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães), directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, questionadas pelo ora reclamante do ponto de vista da sua enfermidade constitucional.
Não se congregam, desta arte, os requisitos pressupositores do recurso querido interpor, motivo pelo qual se indefere a presente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 18 de Fevereiro de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida