Imprimir acórdão
Proc. nº 806/02 TC – 1ª Secção Rel.: Consº Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – A, com os sinais dos autos, reclama do despacho documentado a fls. 26 que não admitiu o recurso que interpôs do acórdão de fls. 19 e segs. para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70º nº 1 alínea g) da LTC.
Na sua reclamação formula as seguintes conclusões:
'1 – Oportunamente o recorrente requereu a anulação do Acórdão do TCA de 19.2.1998, uma vez que o mesmo tinha sido proferido com a presença do agente do MP, ao abrigo do artº 15º da LPTA (que permitia a presença dos agentes do MP nas sessões de julgamento e a sua audição na discussão), preceito este que foi declarado inconstitucional com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional – Acórdão 157/2001, in DR, nº 108, I-A, de 10.5.2001.
II – Por Acórdão de 23.5.2002, o TCA indeferiu a nulidade do Ac. De
19.2.1998.
III – Consequentemente e ao abrigo do artº 70º, nº 1, alínea g) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
IV – O Juiz do TCA, por despacho de 24.10.2002, não admitiu tal recurso, 'por ilegalidade na sua interposição'.
V – Acontece que o Acórdão do TCA de 19.12.2002 confirmou uma sentença do TAC de Lisboa que julgou este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do recurso contencioso interposto do acto administrativo do Conselho Superior da Magistratura que expulsou o recorrente da magistratura por delito de opinião; e que o dito Acórdão do TCA de 19.12.2002 foi proferido com a presença e intervenção da agente do MP F.., sendo certo que o ora recorrente não teve sequer a possibilidade de estar e muito menos de intervir.
VI – Verifica-se assim que o Acórdão do TCA de 23.5.2002 aceita conhecer da nulidade do Acórdão do TCA de 19.2.1998, assente na presença e intervenção da agente do MP Maria Manuela Flores Ferreira na sessão de julgamento (desacompanhada da recorrente) e indefere-a .
VII – Tal como o juiz do TCA refere – e muito bem – no seu despacho de 24.10.2002, ora reclamado, acórdão do 23.5.2002 que decidiu tal nulidade, considera-se complemento ou parte integrante do Ac de 19.2.98.
VIII – Daí que, perante a oportunidade de se pronunciar sobre a validade de uma decisão jurisdicional proferida com a presença e intervenção da agente do MP F... na sessão de julgamento, o que constitui nulidade, o TCA, ao indeferir esta nulidade, afirma a constitucionalidade do artº 15º da LPTA, num momento em que esta disposição legal já estava afastada do ordenamento jurídico português desde o momento da sua entrada em vigor, ou seja desde 1985.
IX – Assim, dizer que 'não vislumbra' que o Acórdão de 23.5.2002 tenha feito aplicação de norma anteriormente julgada inconstitucional é não só julgar como válida a aplicação do artº 15º da LPTA pelo Ac. De 19.2.98, sabendo que esta disposição legal foi declarada pelo TC inconstitucional desde a sua entrada em vigor em 1985, como também entender como válida a aplicação do artº
15º apesar do recorrente ter invocado a sai inconstitucionalidade por requerimentos de 15.102001 e de 13.11.2001 – fls. 102/121 e 125 dos autos.
X – Por isso o despacho do juiz do TCA de 24.10.2002 que não admite o recurso para o Tribunal Constitucional é ilegal, devendo ser revogado com a admissão do referido recurso.
XI – Como decidido pelo Tribunal Constitucional (Plenário), Acórdão nº 518/98, de 15 de Julho, Processo 45/98 – 2ª Secção, in BMJ 479, págs. 190 e seguintes, a competência para dizer se houve ou não desrespeito por determinada declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, pertence ao próprio Tribunal Constitucional.
XII – Por outro lado, constitui jurisprudência pacífica do TC ser admissível o recurso de constitucionalidade, previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, que tenha por objecto ajuizar do não acatamento, em decisões dos tribunais, de declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral – Acórdão do Tribunal Constitucional (Plenário) nº 528/96, de
28 de Março de 1996, Processo nº 627/95, in BMJ 455, págs 213 e seguintes.
....................................................................................................................'
O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2 – Resulta dos autos:
- Em 16/10/2001, o reclamante apresentou um requerimento no Proc. nº
148/97 do TAC de Lisboa pedindo a anulação do Acórdão de 19/2/98 proferido nesse processo pelo TCA por, na respectiva sessão de julgamento, ter estado presente e intervindo o representante do Ministério Público contra o decidido pelo Acórdão nº 157/2001, de 10/0572001, do Tribunal Constitucional, que declarou com força obrigatória geral a norma do artigo 15º da LPTA, declaração essa que produz efeitos desde a entrada em vigor desta norma.
- Por despacho de fls. 17 o Juiz do TAC de Lisboa considerou este Tribunal incompetente para decidir sobre a alegada nulidade de acórdão do TCA.
- Os autos foram remetido para o TCA que, por acórdão de fls. 21 e segs. indeferiu a aludida arguição de nulidade, nos seguintes termos:
'Diga-se a propósito que, na sessão de julgamento em que foi votado o acórdão em questão (19.02.98), ainda o artº 15º da LPTA não havia sido julgado inconstitucional com 'força obrigatória geral', sendo certo que a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, em princípio, não afecta 'os casos julgados' – cfr. artº 282º da CRP. Por outra via, essa questão de inconstitucionalidade não fora colocada à apreciação do tribunal, pelo que sobre ela não tinha o tribunal que emitir, nomeadamente no Acórdão em questão, qualquer pronúncia (cfr. artº 660º nº 2 do CPC). Embora o recorrente não mencione a disposição legal em que fundamenta o pedido de nulidade do Acórdão, o certo é que as 'causas de nulidade das sentenças' ou Acórdãos são as taxativamente indicadas no artº 668º nº 1 do CPC, disposição esta que não contempla a situação invocada pelo recorrente, como determinante da arguida nulidade. Por outra via, a invocada nulidade do Acórdão em causa em caso algum podia ser suscitada, como acontece no caso em apreço, após o seu trânsito (cfr. nomeadamente artº 668º nº 3, 669º e 677º e segs. do CPC.). Indefere-se por conseguinte a invocada nulidade do Acórdão proferido neste TCA em 19.02.98.' Foi deste Acórdão que o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do artº 70º, nº 1, al. g), da Lei nº 28/82', por nele se ter recusado 'fazer aplicação da declaração com força obrigatória geral do artº 15º da LPTA, declaração efectuada pelo Tribunal Constitucional – Acórdão nº
157/2001, in DR nº 108, I-A, de 10/5/2001'. O recurso não foi admitido pelo despacho agora reclamado com o fundamento de que
'não se vislumbra que ele [acórdão] tenha feito aplicação de qualquer norma anteriormente julgada inconstitucional'.
3 – Nos termos do artigo 70º nº 1 alínea g) da LTC – norma ao abrigo do qual o recurso foi interposto – cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais 'apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou legal pelo próprio Tribunal Constitucional'. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, o julgamento de inconstitucionalidade ou de ilegalidade referido no artigo 70º nº 1 alínea g) da LTC, abrange quer as decisões que o Tribunal tenha proferido em fiscalização concreta quer as decisões que julguem a norma em causa inconstitucional ou ilegal com força obrigatória geral. Pressuposto do recurso é, pois e antes de mais, que a decisão impugnada tenha feito aplicação, como razão de decidir, da norma em causa. Neste, como em todos os casos de fiscalização concreta, cabe ao tribunal recorrido, no despacho que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, apreciar a verificação dos pressupostos do recurso (artigo 76º nºs 1 e 2 da LTC). Ora, no caso, entendeu o TCA que o acórdão impugnado não fizera aplicação da norma do artigo 15º da LPTA - norma que fora julgada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão do TC nº 157/2001 – razão bastante para o recurso não ser admitido. E é inquestionável esta asserção. Com efeito, como se deixou relatado, anos depois do acórdão do TCA, de 19/2/98, ter transitado em julgado, o reclamante veio arguir a nulidade dessa decisão, com fundamento na presença do Ministério Público na respectiva sessão de julgamento e no referido Acórdão do TC nº 157/2001 que, muito posteriormente, viera declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que previa aquela presença (o artigo 15º da LPTA). Ora, no acórdão do TCA recorrido, a arguição da nulidade foi indeferida por duas ordens de razões: por um lado, por se tratar de situação não contemplada no artigo 668º nº 1 do CPC que fixa, taxativamente, as causas de nulidade de sentença; por outro, por, em caso algum, se poder arguir nulidade de uma decisão após o seu trânsito, de acordo com o disposto nos artigos 668º nº 3, 669º e 677º e segs. do CPC.
É, assim, patente que não há qualquer aplicação, explícita ou implícita, da norma contida no artigo 15º da LPTA, desde logo porque a decisão é de não conhecimento da questão. As normas fundantes do acórdão recorrido são, exclusivamente as que constam dos citados artigos 668º nºs 1 e 3, 669º e 677º e segs. do CPC. O despacho reclamado não merece, assim, qualquer censura.
4 – Decisão: Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa, 19 de Fevereiro de 2003 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa