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Proc. N.º 628/01 Proc. N.º 370/02 (Incorporado) Plenário Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Requerentes e Pedidos
A) Proc. N.º 628/01
1.1 O Procurador-Geral da República, com a legitimidade que lhe confere a alínea e), do n.º 2, do artigo 281º da Constituição da República Portuguesa, vem requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral: a. da norma constante do artigo 24º do Decreto Legislativo Regional n.º
16/98/A, de 6 de Novembro - embora, em rigor, se verifique que o pedido se dirige ao artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A -, na parte em que adaptou, dando-lhe nova redacção, o artigo 24º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril; b. de todas as normas que integram o Decreto Regulamentar Regional n.º
1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, que aprovou o Regulamento de Concursos do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensino Básico e Secundário na Região Autónoma dos Açores. Posteriormente, em complemento deste pedido, o requerente solicitou, ainda, a apreciação da constitucionalidade da nova redacção conferida pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, às normas constantes dos artigos 23º e 43º do mesmo Regulamento.
B) Proc. N.º 370/02
1.2. O Provedor de Justiça, com a legitimidade que lhe confere a alínea d), do n.º 2, do artigo 281º da Constituição da República Portuguesa, vem requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral: a. da norma contida no artigo 24º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, na redacção que lhe foi introduzida pelo artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, de 6 de Novembro, que o adaptou à Região Autónoma dos Açores; b. de todas as normas em vigor do Decreto Regulamentar Regional n.º
1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, a saber, das normas da versão originária deste diploma que permaneceram inalteradas após a entrada em vigor do Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, bem como daquelas que foram alteradas e aditadas por este último decreto regulamentar regional; c. das normas constantes dos seguintes artigos do Decreto Regulamentar Regional n.º1-A/2000/A, de 3 de Janeiro:
i. artigo 10º, n.º 1, n.º 4, alíneas a) e b), n.º 5, alíneas a) e b), n.º 6, alíneas a) e b), e artigo
25º, n.º 1, n.º 4, alíneas a) e c), e n.º 5, alíneas a), c) e e),
ii. artigo 23º, n.º 4, alíneas a) a d), e artigo 43º, n.º 1 e n.º 4, alíneas a) e b), na redacção que lhes foi dada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A; a. das normas constantes dos artigos 23º, n.º 4, alíneas a) a d), e 43º, n.º 4, alínea a), do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, na redacção que lhes foi dada pelo artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro.
2. Conteúdo das Normas
O artigo 24º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
139-A/90, de 30 de Abril (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º
105/97, de 29 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 1/98, de 2 de Janeiro de 1998), dispõe: Artigo 24.º Regulamentação
A regulamentação dos concursos previstos no presente Estatuto será objecto de decreto regulamentar, mediada a participação das organizações sindicais de pessoal docente.
O artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A alterou a redacção do artigo 24º daquele Estatuto nos termos seguintes: Artigo 24.º Regulamentação
A regulamentação dos concursos previstos no presente Estatuto será objecto de decreto regulamentar regional, com a participação das organizações sindicais de pessoal docente.
Por sua vez, ao abrigo desta habilitação, o Governo Regional emitiu o Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, o qual veio regulamentar os mecanismos do concurso de pessoal docente dos quadros da Região Autónoma dos Açores. Este diploma veio, por sua vez, a ser alterado pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, deles constando as restantes normas indicadas, nomeadamente os artigos 23º e 43º do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, na redacção que lhes foi dada pelo artigo
1º do Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A, cujo teor é o seguinte:
Artigo 23.º Candidatos
1 - Podem ser opositores ao concurso externo:
a) Docentes dos quadros de escola e de zona pedagógica que pretendam mudar de grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade;
b) Indivíduos detentores de habilitação profissional adequada para o exercício da actividade docente.
2 - Exclusivamente para os quadros de zona pedagógica, podem candidatar-se indivíduos portadores de habilitação própria, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - Condicionado à disponibilidade de meios humanos e materiais para garantia do processo de profissionalização em exercício, nos termos estabelecidos no artigo 122.º do Estatuto da Carreira Docente, e com o objectivo de satisfazer necessidades de grupos carenciados, podem ser fixados por portaria do secretário regional que tutele o sector da educação contingentes de lugares nos quadros de zona pedagógica, a serem preenchidos por indivíduos portadores de habilitação própria, nos termos da lei em vigor.
4 – Podem concorrer a provimento por período não inferior a três anos, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 25º do presente Regulamento, os candidatos que satisfaçam, pelo menos, uma das seguintes condições:
a) Tenham sido bolseiros da Região Autónoma dos Açores durante pelo menos um dos anos lectivos do curso que lhes confere habilitação para a docência;
b) Tenham realizado o estágio profissionalizante, mesmo quando este não seja remunerado, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores;
c) Tenham prestado pelo menos três anos de serviço docente, como docente profissionalizado, em escola da rede pública da Região Autónoma dos Açores;
d) Tenham acedido ao ensino superior, para o curso que lhe confere habilitação para a docência, integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores.
5 - Os opositores ao concurso devem preencher os requisitos gerais e específicos constantes do artigo 22.º do Estatuto da Carreira Docente.
6 - No âmbito da afectação às escolas em lugares disponíveis não considerados para efeito do concurso interno, os docentes dos quadros de escola que pretendam ser opositores em situação de prioridade devem candidatar-se nos termos do disposto no artigo 35.º do presente Regulamento.
Artigo 43.º Ordenação de candidatos
1 - A ordenação dos candidatos faz-se de acordo com a graduação profissional e académica, considerando os critérios de prioridade constantes do presente artigo.
2 - Para efeitos de graduação profissional constante do artigo 11.º do presente Regulamento, ter-se-á em conta a classificação profissional e o número de anos de serviço docente.
3 - Para efeitos de graduação académica constante do artigo 12.º do presente Regulamento, ter-se-ão em conta as classificações académicas e o número de anos de serviço docente, considerando, ainda, os escalões das habilitações próprias e suficientes, fixados na legislação em vigor.
4 - Na ordenação dos candidatos consideram-se as seguintes prioridades:
a) Candidato detentor de habilitação profissional, não pertencente aos quadros, que tenha sido opositor aos concursos externos para quadro de escola e ou quadro de zona pedagógica, concorrendo a provimento por período não inferior a três anos, e que se candidata nessa qualidade;
b) Candidato detentor de habilitação profissional, não pertencente aos quadros, que se encontre em qualquer das condições estabelecidas no n.º 4 do artigo 23º do presente Regulamento, e que se candidata nessa qualidade;
c) Candidato detentor de habilitação profissional, não pertencente aos quadros, que tenha sido opositor aos concursos externos para quadro de escola e ou quadro de zona pedagógica, e que se candidata nessa qualidade;
d) Candidato detentor de habilitação profissional, não pertencente aos quadros, e que se candidata nessa qualidade;
e) Candidato que tenha concorrido ao concurso externo para os quadros de zona pedagógica, com habilitação própria e que se candidata nessa qualidade;
f) Candidato portador de habilitação própria que se candidata nessa qualidade;
g) Candidato que tenha concorrido ao concurso externo para os quadros de zona pedagógica, com habilitação própria, para um grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade e que se candidata a outro grupo na qualidade de portador de habilitação suficiente;
h) Candidato portador de habilitação suficiente que deseje ser colocado em grupo, subgrupo, disciplina ou especialidade para que possua essa habilitação.
3. Fundamentação dos Pedidos A) Proc. n.º 628/01:
3.1. No seu pedido inicial, o Procurador-Geral da República considerou que a norma constante do artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, na parte em que introduziu uma modificação na redacção do artigo 24º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, estava afectada de
'inconstitucionalidade orgânica', por violação das disposições conjugadas dos artigos 227º, n.º 1, alínea d), e 232º, n.º 1, da Constituição, daí decorrendo,
'consequencialmente', a 'inconstitucionalidade orgânica' de todas as normas editadas ao abrigo de tal preceito, designadamente das constantes do Decreto Regulamentar Regional n.º 1/A/2000/A, de 3 de Janeiro.
Posteriormente, tendo o regulamento constante do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, sido modificado pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, veio o Procurador-Geral da República requerer, em complemento do pedido anterior, a apreciação da constitucionalidade da nova redacção das normas constantes dos artigos 23º e 43º do Regulamento de Concurso do Pessoal Docente da Educação do Pré-Escolar e Ensino Básico e Secundário, conferida por aquele último Decreto Regulamentar Regional, por traduzir igual exercício pelo Governo Regional do poder de regulamentar uma lei geral da República, emanada de um órgão de soberania, em violação do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 227º, n.º 1, alínea d), e 232º, n.º 1, da Constituição.
Fundamentou assim o seu pedido original:
'[...] O Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, aprovou o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário, estabelecendo o artigo 24º que a regulamentação dos concursos visando o recrutamento e selecção de pessoal docente será objecto de decreto regulamentar, mediante participação das organizações sindicais interessadas.
O Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, de 6 de Novembro, veio adaptar à Região Autónoma dos Açores o mencionado Estatuto – no uso da competência dos órgãos de Governo próprio das regiões, afirmada pelo artigo 5º do Decreto-Lei n.º 139-A/90 – prescrevendo que a regulamentação daqueles concursos seria objecto de decreto regulamentar regional – tendo tal tarefa sido efectivamente realizada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, que aprovou o referido regulamento de concurso do pessoal docente.
O artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, na parte em que confere redacção adaptada ao artigo 24º do Estatuto aprovado pelo citado Decreto-Lei n.º 139-A/90, padece de manifesta inconstitucionalidade orgânica.
Na verdade, resulta das disposições conjugadas dos artigos 227º, n.º
1, alínea d), e 232º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que é da exclusiva competência da assembleia legislativa regional o exercício da atribuição de regulamentar as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar.
Pelo que [...] é manifesto que o Governo Regional carece, em absoluto, de competência para regulamentar um decreto-lei que se configura como
'lei geral' da República [...].
E sendo consequencialmente inconstitucionais, pelo mesmo fundamento, todas as normas constantes do regulamento editado ao abrigo de tal 'lei habilitante' – e que integram o Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de
3 de Janeiro'
E acrescentou no pedido complementar:
'[...] Na verdade, sendo da exclusiva competência da assembleia legislativa regional o exercício da atribuição de regulamentar as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar, estão naturalmente afectadas de inconstitucionalidade orgânica as normas que consubstanciem a atribuição ou o exercício por parte do Governo Regional de competência para regulamentar um decreto-lei que se configura como
'lei geral da República'[...]'.
B) Processo 370/02:
3.2. Por sua vez, o Provedor de Justiça enunciou, no seu pedido, diversas questões de inconstitucionalidade.
a) Inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 24º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário adaptado à Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, na redacção que lhe foi introduzida pelo artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, de 6 de Novembro.
O Provedor teceu, a este propósito, as seguintes considerações:
'[...] O Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, que aprova,[...], o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário, consubstancia, no quadro constitucional em vigor à data da respectiva publicação, e para efeitos designadamente do estatuído no então art.º
115º, n.º 4, da Lei Fundamental, na sua versão de 1989, uma lei geral da República.
Conforme referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in
'Constituição da República Portuguesa Anotada', 3ª edição revista, 1993, p.
509), 'a definição constitucional [de lei geral da República] aponta para um conceito material de lei geral da República, isto é, uma lei que contém uma disciplina material, mais ou menos desenvolvida, de interesses globais extensivos a todo o território nacional'.
É o que indubitavelmente sucede com o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário.
[...]
Apesar de a exigência formal estabelecida novamente pelo actual art.º
112º, n.º 5, in fine, da Constituição, na redacção introduzida em 1997, não ser aplicável ao diploma em causa, por lhe ser anterior, sempre se dirá que o Decreto-Lei n.º 139-A/90, através do seu já citado art.º 5º, previu expressamente a respectiva aplicação às Regiões Autónomas, do que se infere, naturalmente e no contexto em análise, a sua aplicação a todo o território nacional.
Por outro lado, da leitura conjugada dos art.ºs 33º, n.º 1, alínea a), 2ª parte, 34º, n.º 1, parte final, 60º, alínea o), e 61º, n.º 1, do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 05 de Agosto, e subsequentes alterações, resultará a intenção do legislador regional de cometer ao Governo Regional – na medida em que determina que a mesma seja feita através de decreto regulamentar regional – a regulamentação a que alude o art.º 24º do Estatuto vigente para aquela Região, após a redacção que lhe foi dada pelo art.º 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A.
Na verdade, estabelecem as normas do Estatuto regional em causa uma relação biunívoca entre forma e órgão, reservando a forma de decreto regulamentar regional para actos do Governo autonómico.
Assim sendo, muito embora surjam sérias dúvidas sobre a compatibilidade de tal reserva com a Constituição, na medida em que o art.º
278º, n.º 2, da Lei Fundamental claramente prevê a existência de decretos regulamentares regionais de lei geral da República, logo da competência exclusiva da Assembleia Legislativa Regional, a verdade é que, no quadro do actual Estatuto Autonómico, a remissão para a forma de decreto regulamentar regional corresponde à atribuição do tratamento normativo da questão para a esfera do Governo Regional.
Em consequência, a regulamentação dos concursos em apreço veio a ser concretizada, pelo Governo Regional, através do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, entretanto alterado pelo art.º 1º do Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A [...]
Deste modo, o legislador regional permitiu que o Governo Regional dos Açores viesse a regulamentar um conjunto de disposições de uma lei geral da República, o Decreto-Lei n.º 139-A/90 [...], ao arrepio dos comandos constitucionais contidos conjugadamente nos art.ºs 232º, n.º 1, e 227º, n.º 1, alínea d), 2ª parte, da Lei Fundamental, que atribuem às Assembleias Legislativas Regionais a competência exclusiva na regulamentação das leis gerais emanadas dos órgãos de soberania.
Refira-se ainda, a propósito da adaptação do Estatuto em análise à Região Autónoma dos Açores, proporcionada pelo Decreto Legislativo Regional n.º
16/98/A, e conforme atestam os autores da Constituição anotada já citada, 'as leis gerais da República valem nas regiões por si mesmas, independentemente de acto de recepção ou de transformação regional; e mesmo que sejam 'transcritas' em diploma regional, isso não lhes retira a sua qualidade de leis gerais da República' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 854) [...].'
E, citando ainda o Acórdão n.º 278/01 deste Tribunal, concluiu o Provedor de Justiça pela inconstitucionalidade material do artigo 24º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, na redacção introduzida pelo artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, de 6 de Novembro, na medida em que remete a regulamentação de uma lei geral da República para acto do Governo Regional, por violação do disposto no artigo 232º, n.º 1, conjugado com o disposto no artigo 227º, n.º 1, alínea d), 2ª parte, da Constituição.
b) Inconstitucionalidade orgânica de todas as normas contidas no Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A, de
21 de Janeiro.
Fundamentou assim esta questão:
'Assente que parece estar, [...] a inconstitucionalidade do art.º 24º do Estatuto, na sua redacção aplicável à Região Autónoma dos Açores, é forçoso concluir pela inconstitucionalidade orgânica de todas as normas constantes do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de 03 de Janeiro, tanto na redacção originária como na que lhes foi concedida pelo art.º 1º do Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, por violação igualmente das disposições conjugadas constantes dos art.ºs 232º, n.º 1, e 227º, n.º 1, alínea d), 2ª parte, da Constituição.'
Todavia, para o caso de assim se não entender, o Provedor suscitou ainda outras questões de inconstitucionalidade.
c) Inconstitucionalidade orgânica das normas constantes do artigo
10º, n.º 1, n.º 4, alíneas a) e b), n.º 5, alíneas a) e b), n.º 6, alíneas a) e b), do artigo 25º, n.º 1, n.º 4, alíneas a) e c), n.º 5, alíneas a), c) e e), do artigo 23º, n.º 4, alíneas a) a d), e do artigo 43º, n.º 1 e n.º 4, alíneas a) e b), do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional n.º
4-A/2002/A, de 21 de Janeiro.
Considerou o Provedor que estas normas introduziram, 'no âmbito da matéria que regulamentam – os concursos previstos no Estatuto da Carreira do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário – uma verdadeira disciplina jurídica inovadora', ao estabelecer 'critérios de prioridade na ordenação dos candidatos', bem como ainda 'requisitos de candidatura à referida prioridade não previstos no mencionado Estatuto'.
'[...] Não entrando, para já, em outros aspectos destas normas que revelam eventual desconformidade à Constituição [...], não pode deixar de concluir-se [...], que a disciplina jurídica introduzida pelo Governo Regional no âmbito da matéria que envolve os concursos e contratos administrativos para os educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário dos estabelecimentos de educação ou de ensino públicos dos Açores, nos termos acima explicitados, é manifestamente inovadora face ao regime que consta do Estatuto em discussão, independentemente da admissibilidade, no plano constitucional, da pretensa adaptação à Região Autónoma, pelo Decreto Legislativo Regional 16/98-A.
[...]
A regulamentação levada a cabo pelo Governo Regional dos concursos previstos no Estatuto em discussão é, não só inovadora – introduzindo, [...], critérios de prioridade na ordenação dos candidatos e condições de acesso a essas prioridades não previstos na lei geral -, como alicerçada na invocação do interesse específico da Região em causa.
[...] Estabelecendo disciplina jurídica inovadora quanto à matéria dos concursos previstos no Estatuto em análise, invocando para tal o interesse específico da Região, [...] fez em termos substantivos o Governo Regional uso de uma das atribuições conferidas pela Constituição às Regiões Autónomas – a de legislar em matérias de interesse específico para aquelas, prevista no art.º 227º, n.º 1, alínea a), da Lei Fundamental – mas cujo exercício lhe está também constitucionalmente vedado, cabendo em exclusivo à Assembleia Legislativa Regional (cf. art.º 232º, n.º 1, conjugado com o citado art.º 227º, n.º 1, alínea a), do texto fundamental).'
E concluiu assim pela inconstitucionalidade orgânica das normas indicadas, por violação das disposições conjugadas constantes dos artigos 232º, n.º 1 e 227º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
d) Inconstitucionalidade material das normas contidas no artigo 23º, n.º 4, alíneas a) e d), no artigo 43º, n.º 4, alínea a), do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/, de 21 de Janeiro.
Considerou o Provedor que o teor das normas indicadas contrariava o disposto no artigo 13º da Constituição, pois que 'as condições impostas pelo art.º 23º, n.º 4, do diploma regulamentar em apreciação – ao permitirem que os cidadãos colocados em determinadas circunstâncias obtenham prioridade na respectiva colocação, em prejuízo daqueles que não as preenchem, e possibilitando assim que docentes com habilitações profissionais e académicas superiores sejam preteridos nessa colocação por candidatos que reúnem condições profissionais e académicas inferiores – promovem uma verdadeira diferenciação no tratamento da situação que visam regulamentar', restando apurar se tal 'medida de diferenciação' se mostraria legítima ou não.
Reconhecendo embora a legitimidade, do ponto de vista constitucional, do objectivo do Governo Regional, ou seja, o da 'estabilização dos quadros docentes dos Açores, com vista à promoção da educação e da qualidade do ensino na Região', não deixou de concluir pela impossibilidade de 'afirmar que a medida normativa em foco, tal como delineada pelo órgão regional, se revelará necessária e adequada à prossecução de tal objectivo', antes se configurando como 'uma solução desproporcionada e incongruente face ao fim almejado'.
Passou então a analisar em concreto essas medidas adoptadas, concluindo seguidamente que 'em vez de ter sido concebido um conjunto de medidas de incentivo à permanência de docentes na Região', complementando-as com medidas sancionatórias para os casos de incumprimento, o Governo Regional veio, através da alteração introduzida pelo artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional n.º
4-A/2002/A, limitar ainda mais - face à anterior redacção, introduzida pelo artigo 2º do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A – 'as possibilidades de ver satisfeito o seu objectivo de estabilização do ensino na Região'. E afirmou ainda, concluindo pela inconstitucionalidade das referidas normas:
'[...] a solução legal consubstanciada no actual art.º 23º, n.º 4, alíneas a) e d), do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, não só não se revelará necessária à prossecução do fim que a mesma visou alcançar, como se mostrará até, [...] desadequada, logo desproporcionada, face ao objectivo que a fundamentou.
[...]
O conteúdo do art.º 23º, n.º 4, não constitui qualquer ordenação de prioridades ou de preferências, antes esgota o universo possível de opositores aos concursos que visa regular, em termos de gozo de determinada prioridade.
[...]
Ao limitar o universo possível de opositores nessas condições, está a norma ora impugnada a transformar essa prioridade na concessão arbitrária de facilidade no acesso a cargos públicos.
[...]
Tal solução, constante do art.º 23º, n.º 4, do Decreto Regulamentar, não tem, nos termos expostos, justificação material, ultrapassando os limites da discricionariedade impostos ao legislador, e revelando-se desta feita manifestamente arbitrária, em violação do preceituado nos arts.º 13º e 2º da Constituição.
A argumentação exposta serve ainda para fundamentar a violação do princípio da igualdade no acesso à função pública, consubstanciado no art.º 47º, n.º 2, da Lei Fundamental.
[...]
A violação dos princípios da exigibilidade, adequação, e proporcionalidade da medida legislativa de que nos ocupamos, [...] torna ilegítima uma eventual restrição que se pretendesse fazer operar no âmbito do direito em foco, com tradução no preceituado no art.º 23º, n.º 4, do Decreto Regulamentar em análise – restrição essa que sempre seria formalmente ilegítima, atenta a reserva de lei que enquadra constitucionalmente as restrições aos direitos, liberdades e garantias, cuja previsão normativa não está na disponibilidade das Regiões Autónomas, muito menos ao alcance do poder regulamentar destas.
Raciocínio idêntico pode ser aplicado à norma contida no art.º 43º, n.º 4, a), do mesmo diploma, sendo certo que a mesma concede um benefício adicional a quem se pôde candidatar ao abrigo do disposto no art.º 23º, n.º 1, a) ou b), no âmbito da enumeração taxativa prevista no art.º 23º, n.º 4, tudo do diploma ora em apreço.
Assim, os art.ºs 23º, n.º 4, alíneas a) a d), e 43º, n.º 4, alínea a), do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de 03 de Janeiro, na versão hoje vigente, são inconstitucionais igualmente por violação das normas conjugadas constantes dos art.ºs 47º, n.º 2, e 18º, n.º 2, da Lei Fundamental.'
4. Respostas dos Órgãos Autores das Normas A) Proc. n.º 628/01:
4.1. O Presidente da Assembleia Legislativa dos Açores não apresentou qualquer resposta.
4.2. O Presidente do Governo Regional dos Açores veio, na respectiva resposta, juntar parecer do Professor Doutor Jorge Miranda e manifestar o entendimento de que o caso das normas em apreço '[...] insere-se de pleno na hipótese descrita de emanação de lei geral da República seguida de decreto legislativo regional – de lei geral da República que, por sinal, expressamente
(e, porventura, sem precisar de o fazer), reconhece a competência própria do
órgão de governo das Regiões Autónomas (artigo 5º do Decreto-Lei n.º 139-A/90, não deixado de mencionar pelo Procurador-Geral da República); e esta competência própria abrange tanto a legislativa como a regulamentária'.
No referido parecer, por seu turno, afirma-se, nomeadamente:
'[...] Que sucede quando sobre a mesma matéria dispõem, simultaneamente, lei geral da República e decreto legislativo regional? Um regulamento regional que se torne necessário deve referir-se à lei geral da República ou ao decreto legislativo regional?
Parece óbvio que se trata de regulamentação da legislação regional, até porque o poder regulamentário regional, não menos que o legislativo, pressupõe interesse específico. O diploma vem na sequência de decreto legislativo regional conexo com as suas normas e para as executar. E não se enxerga por que não deva ser assim, quer o decreto legislativo exequendo seja emanado pela Assembleia Legislativa sponte sua, seja para o efeito de adaptações previstas em lei geral da República.
Logo, o órgão competente, em qualquer caso, para fazer tal regulamento só pode ser o Governo Regional.
A atribuição de competência regulamentar à Assembleia Legislativa representa a priori um desvio ao princípio orgânico-formal da separação de poderes, visto que funções de natureza administrativa, em princípio, não devem caber a órgão de tipo parlamentar.
Ela resulta, porém, da dificuldade de discernir, em todas as circunstâncias, entre decisão legislativa complementar de outra decisão legislativa e execução regulamentar de decisão legislativa primária. E decorre da proeminência que a Constituição confere à Assembleia Legislativa dentro do sistema político regional (231º, n.º 3, 230º, n.º 4 e 232º).
O que se pretende é que seja a Assembleia Legislativa Regional a fazer a mediação entre a lei geral da República e a vida política, económica, social e cultural da Região. O que se pretende é que as normas regionais de correlação imediata com a lei geral da República provenham da Assembleia Legislativa Regional.
Ora, este desiderato tanto fica alcançado com a emissão de decreto regulamentar de regulamentação de lei geral como fica realizado com a publicação de decreto legislativo regional definidor de especialidades ou de adaptações regionais.
[...]
Em suma: tudo consiste, justamente, em saber se houve ou não mediação ou interposição da Assembleia Legislativa:
a) Se à lei geral da República se segue regulamento sem interposição de lei regional, a competência regulamentária pertence à Assembleia Legislativa;
b) Se se conjugam lei geral da República e decreto legislativo regional, a competência regulamentária é do Governo Regional. [...]'
E, após descrever o enquadramento normativo em causa, concluiu-se:
'[...] Aquilo que se passou foi a sucessão de três actos normativos: primeiro, uma lei geral da República; a seguir, uma lei regional que levou a cabo a adaptação de alguns dos seus preceitos à Região Autónoma; e, por último, um decreto regulamentar regional. Três actos normativos provindos de três órgãos diferentes e adequados à sua natureza: o Governo da República, a Assembleia Legislativa Regional e o Governo Regional.
Em relação directa e imediata com a lei geral da República encontra-se, por conseguinte, o decreto legislativo regional. Este não é um diploma de execução do Decreto-Lei n.º 139-A/90 (com as alterações supervenientes que sofreu), mas sim do Decreto legislativo regional n.º 16/98/A.
Não há aqui a regulamentação de uma lei geral da República, mas tão só a regulamentação de uma lei regional, conforme o art. 227º, n.º 1, alínea d) da Constituição admite. [...]'
Relativamente ao pedido complementar, o Presidente do Governo Regional dos Açores reiterou, na respectiva resposta, a posição já anteriormente adoptada quanto às restantes normas.
B) Proc. n.º 370/02:
4.3. O Presidente da Assembleia Legislativa Regional, na resposta, começou por procurar demonstrar, por um lado, a existência de interesse específico relativamente à matéria em questão e, por outro, que a matéria em causa não se encontra reservada aos órgãos de soberania. De seguida, constatando que a competência legislativa e regulamentar dos órgãos de governo próprio da Região não se encontra inibida pela emissão de uma lei geral da República, considerou que 'o que se pretende é que seja a Assembleia Legislativa Regional a fazer a mediação entre a lei geral da República e a vida política, económica, social e cultural da Região', ou seja, 'que as normas regionais de correlação imediata com a lei geral da República provenham da Assembleia Legislativa Regional'. Mediação esta que teria, no caso concreto, ficado assegurada, conforme esclarece:
'[...] E esta interposição da Assembleia Legislativa Regional ficou assegurada com a adaptação regional produzida pelo Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, de 6 de Novembro. Este não é um diploma de execução do Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, mas sim uma norma emanada da Assembleia Legislativa Regional.
No caso vertente não há a regulamentação de uma lei geral da República, mas tão só a regulamentação de uma lei regional, em conformidade com o admitido no art. 227º, n.º 1, al. d), 1ª parte, e art. 232º, n.º 1, a contrario.
Pelo que o Governo Regional está organicamente habilitado para emitir os respectivos decretos regulamentares de execução. [...]'
E, seguindo, aliás, de perto uma informação do Dr. Jorge Pereira da Silva, junta na resposta do Presidente do Governo Regional, apontou ainda outra razão para justificar esta possibilidade:
' [...] Na verdade, podendo a Assembleia Regional legislar nesta matéria, pode também limitar-se a fazer adaptações de carácter orgânico – a organização da Administração regional e dos serviços nela inseridos é, aliás, matéria de interesse específico, nos termos da alínea n) do artigo 228º da Constituição -, confiando a intervenção legislativa àquilo que, no essencial, já resultaria do artigo 5º do DL n.º 139-A/90, de 28 de Abril.
Não sendo esta matéria considerada de reserva de lei, a Assembleia Legislativa Regional pode, no uso da sua liberdade de conformação, optar por fazer uma mera adaptação orgânica, remetendo para o Governo Regional a regulamentação da matéria, ou proceder, ela própria, à emanação do regulamento em questão. [...]'
Finalmente, encerrou a sua resposta formulando as seguintes conclusões:
'1. O regime dos concursos do pessoal docente não constitui matéria reservada à competência legislativa da Assembleia da República, pelo que o Decreto Legislativo Regional n.º 16/89/A, de 6 de Novembro, não é organicamente inconstitucional.
2. O poder regulamentar atribuído ao Governo Regional pelo art. 24º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/89/A, de 6 de Novembro não ofende a competência reservada à Assembleia Regional, atribuída pelos arts.º 227º, n.º 1, al. d) e 232º, n.º 1, da CRP, porque a lei habilitante é 'legislação regional'.
3. O Governo Regional publicou o Decreto Regulamentar Regional n.º
1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, alterado pelo Decreto Regulamentar Regional n.º
4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, apenas regulamentou o Decreto Legislativo Regional n.º 16/89/A, de 6 de Novembro, e não o Decreto-Lei n.º 139/A/90, de 28 de Abril, pelo que aquela regulamentação é constitucional.'
4.4. O Presidente do Governo Regional juntou, na sua resposta, cópia do mesmo parecer do Professor Doutor Jorge Miranda junto à resposta no Processo n.º
628/01 e, ainda, um parecer dos Professores Doutores Sérvulo Correia e Rui Medeiros, bem como a já referida informação do Dr. Jorge Pereira da Silva, Adjunto do Gabinete do Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores.
O Parecer dos Professores Doutores Sérvulo Correia e Rui Medeiros debruçou-se apenas sobre a questão da inconstitucionalidade material, por confronto com o princípio da igualdade. Começando por distinguir a fiscalização da constitucionalidade do 'controlo do mérito da legislação', passou depois a analisar as condições estabelecidas pelas normas sindicadas, para concluir pela legitimidade dos fins, juridico-constitucionalmente tutelados, prosseguidos pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro. Formulou, nomeadamente, a seguinte conclusão:
'[...] a preferência introduzida no Regulamento Regional de Concurso do Pessoal Docente pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A não constitui uma preferência absoluta, só valendo, à partida, entre candidatos que se encontrem, [...] na mesma categoria [...] apontando antes no sentido da existência de um fundamento material razoável para a solução adoptada pelo Governo Regional. [...]'
Por sua vez, a informação elaborada pelo Dr. Jorge Pereira da Silva começou por afirmar que, no tocante à questão da competência regulamentar regional, a 'bipartição da alínea d) do n.º 1 do artigo 227º entre regulamentar a 'legislação regional' e regulamentar as 'leis gerais emanadas dos órgãos de soberania', com a consequente repartição de competência entre o órgão executivo e o órgão legislativo, não é tão clara como [...] pode parecer'. Entendeu que esses termos da 'bipartição' 'carecem de ser interpretados devidamente', concluindo que 'por 'legislação regional', se deve entender não apenas os decretos legislativos regionais, mas também aquelas leis e decretos-leis que tenham o seu âmbito territorial de aplicação limitado a uma ou a ambas as regiões autónomas'. Aplicando o mesmo critério do 'âmbito espacial de localização' às leis gerais emanadas dos órgãos de soberania, considerou que estas não são apenas as 'leis gerais da República', 'mas também as leis emanadas ao abrigo de uma competência absoluta ou relativamente reservada e, bem assim, as leis e decretos-leis que, versando sobre matéria concorrencial, se aplicam nas regiões autónomas em virtude do princípio da supletividade da legislação estadual, próprio dos Estados unitários'.
Prosseguiu assim o seu raciocínio:
'[...] [há] situações de fronteira, em que está em causa a regulamentação de complexos normativos em que existem simultaneamente diplomas nacionais (leis ou decretos-leis) e decretos legislativos regionais. É o que sucede, designadamente, quando um decreto legislativo regional procedeu à adaptação, em função das especificidades regionais, de um determinado regime aplicável à generalidade do território nacional. [...]
Para essas situações defendemos, [...] a necessidade de 'separar com rigor aquilo que constitui regulamentação das adaptações estabelecidas no diploma regional e aquilo que ainda é regulamentar o diploma regional'. [...] Ou o decreto legislativo regional se interpõe, efectivamente, entre o diploma nacional e o diploma regulamentar regional, estabelecendo uma solução diferente, ou então as faculdades regulamentárias pertencerão à Assembleia Legislativa Regional.
Cremos, em todo o caso, que na dúvida, deve prevalecer a competência do Governo Regional. Na verdade, afigura-se-nos que a competência regulamentar da Assembleia Legislativa Regional se deve considerar excepcional, devendo, por isso, ser entendida em termos restritivos. [...]
O caso vertente é, [...] um caso de fronteira. [...]
Uma coisa parece certa. É que o artigo 24º do ECD não pode ser interpretado no sentido de reservar aos órgãos de soberania (isto é, ao Governo da República) a regulamentação em causa, conforme previsto na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 227º.
[...] Mas existe uma outra razão pela qual se nos afigura possível que a Assembleia Legislativa Regional remeta para o Governo Regional as faculdades regulamentares previstas no artigo 24º do ECD. Na verdade, podendo [...] as assembleias regionais legislar nesta matéria, podem também limitar-se a fazer adaptações de carácter orgânico – a organização da Administração regional e dos serviços nela inseridos é, aliás, matéria de interesse específico, nos termos da alínea n) do artigo 228º da Constituição -, confiando a intervenção legislativa àquilo que, no essencial, já resultaria do artigo 5º do DL n.º 139-A/90, de 28 de Abril. Apesar de se apresentar na fronteira entre a regulamentação de uma lei geral emanada de um órgão de soberania – o ECD – e de uma lei regional – o DLR n.º
16/98/A, de 6 de Novembro -, a situação em causa acaba por pender mais para a regulamentação da legislação regional porque o artigo 24º foi objecto de uma adaptação concreta de carácter orgânico. Não sendo a matéria de reserva de lei – o próprio artigo 24º do ECD o demonstra -, a Assembleia Legislativa Regional pode, no uso da sua liberdade de conformação, optar por fazer uma mera adaptação orgânica, remetendo para o Governo Regional a regulamentação da matéria, ou proceder, ela própria, à emanação do regulamento em questão. [...]'
E, relativamente à questão da inconstitucionalidade material, atinente a uma eventual violação do princípio da igualdade, colocou a questão em termos de determinar se, 'para efeitos de acesso aos quadros do pessoal docente da Região Autónoma – é este o fim visado pelo autor da norma -, os candidatos que possuam uma especial ligação aos Açores – ligação essa traduzida num dos quatro factores constantes do n.º 4 do artigo 23º - são iguais ou são diferentes aos candidatos que não possuam qualquer ligação às ilhas açorianas', ou seja, saber 'se a existência de uma especial ligação aos Açores é ou não um termo de comparação adequado para diferenciar os candidatos aos lugares dos quadros de escola e aos quadros de zona pedagógica ou se, pelo contrário, estamos perante um termo de comparação arbitrário, injustificado ou inadequado'.
A informação concluiu pela não inconstitucionalidade das normas em causa, pelos fundamentos seguintes:
'[...] É evidente que [...] esse termo de comparação não funciona isoladamente, uma vez que ele não permite uma avaliação global dos candidatos. Funciona, isso sim, como critério secundário para a ordenação dos candidatos com habilitação profissional [...]. Ou seja, o critério da especial ligação aos Açores não se sobrepõe às qualificações profissionais dos candidatos, surgindo apenas em complemento destas, como forma de ordenação dos candidatos com idênticas qualificações.
[...]
Em consequência da diferença detectada entre os dois grupos de candidatos em confronto, nada se pode apontar à diferença de tratamento estabelecida, isto é, a preferência estabelecida em favor de determinados candidatos encontra justificação no facto de eles poderem contribuir mais para a prossecução de um objectivo importante do sistema escolar.
[...].'
E remata assim que 'o fim prosseguido pelo Governo Regional com a emanação do DRR n.º 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, e a partir do qual faz a comparação e a diferenciação dos candidatos (com idênticas habilitações profissionais), é um fim legítimo e com apoio constitucional'.
5. Memorando e Debate
Elaborado pelo Vice-Presidente do Tribunal, por delegação do Presidente, nos termos do nº2 do artigo 39º da Lei do Tribunal Constitucional, o memorando previsto no artigo 63º da referida Lei e entregue a todos os juizes, foi o mesmo submetido a debate e fixada a orientação do Tribunal. Cumpre, assim, decidir de harmonia com o que aí se estabeleceu.
II – FUNDAMENTOS
6. Questão da inconstitucionalidade do artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, de 6 de Novembro, na parte relativa ao artigo 24º do Estatuto.
6.1. Embora os requerentes apresentem as questões de forma diferente, na verdade suscitaram a questão de inconstitucionalidade das mesmas normas, referindo-as à violação das mesmas disposições constitucionais.
Assim, o Procurador-Geral da República entende que o artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, de 6 de Novembro, 'na parte em que confere redacção adaptada ao artigo 24º do Decreto-Lei n.º 139-A/90, padece de manifesta inconstitucionalidade orgânica', por violar o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 227º, n.º 1, alínea d), e 232º, n.º 1, da Constituição, segundo os quais 'é da exclusiva competência da assembleia legislativa regional o exercício da atribuição de regulamentar as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar'.
Ora, o que a norma em causa pretendeu fazer foi adaptar à Região uma norma constante de um Decreto-Lei, no caso, de uma lei geral da República. Essa norma adaptadora foi emitida pela Assembleia Legislativa Regional, fazendo parte do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, de 6 de Novembro. O que o Procurador-Geral da República, na verdade, questiona, não é, porém, essa produção da norma, mas sim, verdadeiramente, o respectivo conteúdo. O que ele questiona é a delegação de competência regulamentar a que a norma procede, a favor do Governo Regional.
Exactamente o que o Provedor de Justiça também questiona no seu pedido.
Com efeito, o Provedor de Justiça parte da verificação de que o Decreto-Lei n.º 139-A/90, que aprovou aquele Estatuto, é uma lei geral da República, de onde resulta a sua aplicação a todo o território nacional. E, como tal, a regulamentação da matéria nele prevista competiria, exclusivamente, nos termos das disposições conjugadas contidas nos artigos 232º, n.º 1, e 227º, n.º
1, alínea d), segunda parte, da Constituição, à Assembleia Legislativa Regional, não lhe sendo possível delegar essa mesma competência no Governo Regional.
O Provedor concluiu pela inconstitucionalidade material da mesma norma, isto é, do artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, de 6 de Novembro, que conferiu aquela redacção adaptada ao artigo 24º do Estatuto, na medida em que a referida redacção remeteu a regulamentação de uma lei geral da República para acto do Governo Regional. Ou seja, o Provedor questiona, igualmente, aquela delegação de competência regulamentar efectuada pela norma impugnada.
Por outro lado, fundam-se ambos requerentes nas seguintes normas constitucionais:
Artigo 227º
(Poderes das regiões autónomas)
1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:
[...]
d) Regulamentar a legislação regional e as leis gerais emanadas dos
órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar;
[...] Artigo 232º
(Competência da assembleia legislativa regional)
1. É da exclusiva competência da assembleia legislativa regional o exercício das atribuições referidas nas alíneas a), b) e c), na segunda parte da alínea d), na alínea f), na primeira parte da alínea i) e nas alínea l), n) e q) do nº 1 do artigo 227º, bem como a aprovação do orçamento regional, do plano de desenvolvimento económico e social e das contas da região e ainda a adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades da região.
[...]
6.2. Nas respectivas respostas, os órgãos regionais manifestaram-se, no essencial, no sentido da legitimidade daquela delegação de competência regulamentar. Consideraram, nomeadamente, que, não sendo matéria reservada à Assembleia da República, se tratava de matéria de interesse específico, sobre a qual a Assembleia Legislativa Regional podia legislar. Assim sendo, por maioria de razão, podia também a Assembleia Legislativa Regional 'limitar-se a fazer adaptações de carácter orgânico'; considerando ainda que, cabendo à Assembleia Legislativa Regional 'fazer a mediação entre a Lei Geral da República e a vida política, económica, social e cultural da Região', tal 'interposição' ficara assegurada com a adaptação regional efectuada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A. Este Decreto não constituía, assim, um diploma de execução do Estatuto, mas antes 'uma norma emanada da Assembleia Legislativa Regional', susceptível, portanto, de regulamentação pelo Governo Regional.
6.3. Sobre questão atinente à competência para o exercício do poder regulamentar pelas regiões autónomas, nomeadamente sobre o exercício do poder executivo próprio e das suas relações com as normas constitucionais de reserva de competência, se debruçou o Acórdão n.º 278/01 (Diário da República, II Série, de 27 de Setembro de 2001), no qual se pode ler:
'[...] A competência para o exercício dos poderes regulamentares das regiões autónomas, relativos apenas à legislação regional e à legislação geral emanada dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar, encontra-se, na verdade, constitucionalmente dividida pela assembleia legislativa regional e pelo governo regional. Nos termos da Constituição, à assembleia legislativa regional compete exclusivamente regulamentar leis gerais emanadas de órgãos de soberania, enquanto o governo regional tem competência apenas para regulamentação da legislação regional. E tal divisão de competências resulta, também, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto e revisto pela Lei n.º 9/87, de 26 de Março) – artigos 32º, n.º 1, alínea i), e
56º, alínea c).
[...]
O que seja materialmente [...] [o] 'poder executivo próprio', é algo que não se encontra expressamente definido na Constituição. É claro, porém, que tal genérico poder executivo próprio das regiões autónomas (que seria exercido pelo governo regional enquanto seu órgão executivo) não pode ser invocado para se subverterem as regras constitucionais de reserva de competência, à assembleia legislativa regional, para regulamentar as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania.
[...]
Também aqui o respaldo expresso na alínea g) do n.º 1 do artigo 229º da Constituição, relativo genericamente ao poder executivo próprio das regiões autónomas não pode servir para fundamentar, em contravenção às regras constitucionais (então o artigo 234º, n.º 1) de reserva de competência regulamentar à assembleia legislativa regionais, uma competência do governo regional para emanar regulamentos executivos da legislação nacional. Como bem salienta o Ministério Público nas suas alegações, tal poder executivo próprio,
'quando se deva concretizar na edição de um regulamento de execução e desenvolvimento da legislação nacional, terá naturalmente de ser exercido pela respectiva assembleia legislativa regional, nos termos do disposto no artigo
234º, n.º 1, conjugado com a segunda parte da alínea d) do n.º1 do artigo 229º da Constituição da República Portuguesa, na versão então em vigor. [...]'
6.4. O Decreto-Lei n.º 139-A/90, que aprovou o Estatuto, dispõe no seu artigo 5º: Artigo 5.º Aplicação às regiões autónomas
A aplicação do presente diploma, bem como do Estatuto por ele aprovado, às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira não prejudica as competências dos respectivos órgãos de governo próprio.
Nesta conformidade, aquele diploma legislativo haverá de ser tido como uma lei geral emanada de um órgão de soberania, sendo ainda certo que a sua razão de ser envolve, de um ponto de vista substancial, a sua aplicação sem reservas a todo o território nacional, o que permitirá ainda qualificá-la como lei geral da República – natureza que os próprios órgãos regionais também lhe reconhecem e este Tribunal já expressamente lhe atribuiu (cfr. Acórdão n.º
363/94, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º vol., pág. 97).
Significa isto que o mesmo diploma, na medida em que se admita que não reserva para os órgãos de soberania o correspondente poder regulamentar, só poderia ser regulamentado, nas regiões autónomas, pelas respectivas assembleias legislativas regionais.
Mas não poderia ele ser previamente adaptado, em cada uma dessas regiões, por decreto legislativo regional, e posteriormente regulamentado por decreto do respectivo governo regional, entendendo-se, nesse caso, que se estaria a regulamentar o decreto legislativo regulamentador e não já o próprio decreto-lei?
De acordo com o transcrito artigo 5º do decreto-lei em consideração, a única reserva a ter em conta na sua aplicação nas regiões autónomas é a que resulta das competências dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas. Ou seja, as normas atributivas de competência, constantes do mesmo diploma, devem ser lidas de forma a serem consideradas competentes as correspondentes entidades regionais, no que se refere ao exercício das competências administrativas que hajam sido entretanto transferidas, nos termos da legislação em vigor, para os
órgãos regionais – isto é, deve ter-se em conta a regionalização dos serviços e as competências regionalizadas.
É verdade, como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra, 1993, nota IX ao artigo 229º, pág. 854), que 'ocorre, porém, com alguma frequência que os diplomas legislativos dos órgãos de soberania (sobretudo decretos-leis), embora não limitem originariamente a sua aplicação ao território continental, consentem que a sua aplicação ao território das regiões autónomas dependa de diploma regional que os 'adapte' às suas condições particulares. É um procedimento que não é susceptível de censura jurídico-constitucional, desde que se não trate de matérias de competência própria dos órgãos de soberania (pois aí tratar-se-ia de uma delegação legislativa encapuçada, manifestamente ilegítima). Isso quer dizer implicitamente que a referida lei da República não se auto-qualifica como lei geral naquela medida em que autoriza a sua adaptação regional'.
Só que, in casu, não consta do mencionado Decreto-Lei n.º 139-A/90 qualquer disposição que permita a referida adaptação legislativa: ao invés, como se viu, o seu artigo 5º tem um alcance muito mais limitado, tal como, aliás, se entendeu e decidiu no já citado Acórdão n.º 363/94.
Assim sendo, para quem faça uma leitura mais restritiva, a adaptação efectuada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A não poderia, pois, exceder a mera indicação das entidades regionais competentes para exercer as competências administrativas que, em geral, haviam já sido transferidas para a Administração regional – e é isso, aliás, que aquele decreto legislativo regional faz, na generalidade das suas disposições. Em qualquer caso, mesmo para quem faça uma leitura menos restritiva, o que o Decreto Legislativo Regional, em apreço, não podia pretender, seguramente, era invocar a adaptação da legislação nacional para autorizar a sua regulamentação através de um processo colidente com o constitucionalmente previsto, e isto quando, no caso, não procedeu, sequer, a uma qualquer adaptação substancial.
Saber se é possível aos governos regionais procederem à regulamentação de legislação regional substancialmente adaptadora de legislação nacional susceptível de uma tal adaptação é questão que não importa agora resolver. Basta reconhecer que não é possível, através de um decreto legislativo regional, invocar a adaptação da legislação nacional para a transformar em legislação regional e permitir, consequentemente, a sua regulamentação por órgão incompetente para regulamentar a dita legislação nacional.
Ora, nestes termos, na medida em que se admita que os órgãos regionais podiam regulamentar aquela lei geral emanada do órgão de soberania, tal regulamentação, contudo, não podia deixar de se efectuar em conformidade com o procedimento previsto na Constituição.
Quer isto dizer, afinal, que o artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A ao prever, no seu artigo 24º, que a regulamentação seria efectuada por decreto regulamentar regional do Governo Regional, veio colidir com o preceituado no artigo 232º, n.º 1, da Constituição da República (com referência ao artigo 227º, n.º 1, alínea d), segunda parte), que reserva à assembleia legislativa regional a competência para regulamentar as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar.
7. Questão de inconstitucionalidade do Decreto Regulamentar Regional n.º
1-A/2000/A e do Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A
Concluindo-se pela inconstitucionalidade do artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/98/A, de 6 de Novembro, com os fundamentos expostos, necessário se torna concluir pela inconstitucionalidade orgânica de todas as normas constantes do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, tanto na redacção originária como na que lhes foi concedida pelo artigo
1º do Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro, por violação igualmente das disposições conjugadas constantes dos art.ºs 232º, n.º
1, e 227º, n.º 1, alínea d), 2ª parte, da Constituição, uma vez que foram emitidos pelo Governo Regional dos Açores em matéria em que, sendo admissíveis, a Constituição reserva à Assembleia Legislativa Regional.
8. As restantes questões de inconstitucionalidade suscitadas
Perante este juízo de inconstitucionalidade, não se torna necessário o conhecimento das restantes questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo Provedor de Justiça, uma vez que são referentes a normas constantes daquele Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, na redacção originária e/ou na que foi introduzida pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A.
9. Limitação de efeitos
O n.º 4 do artigo 282º da Constituição confere ao Tribunal Constitucional a faculdade de fixar os efeitos do declarado vício de inconstitucionalidade, de molde a que o seu alcance seja mais restrito do que o resultante do indicado n.º 1 do mesmo artigo, desde que tal seja justificado por razões conexionadas com a segurança jurídica, a equidade ou interesse público de excepcional relevo.
Assim, no Acórdão n.º 394/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional,
25º vol., págs. 195 e segs.) – que apreciou a regulamentação do funcionamento do júri dos processos de concurso comum do regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para a Administração Pública -, e no Acórdão n.º 527/96 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., págs. 35 e segs.) – que apreciou normas que restringem a publicidade das actas das decisões de júris em concursos relativos ao recrutamento e selecção de pessoal na carreira diplomática e no âmbito de serviços ligados ao Ministério da Saúde -, entendeu este Tribunal que a subsistência dos provimentos de lugares preenchidos nos termos dos diplomas em causa nesses processos era um imperativo de equidade e de segurança jurídica, tornando-se necessário garantir a subsistência das situações e direitos adquiridos de boa fé, sem que isso implicasse qualquer tomada de posição sobre a questão de saber se o 'caso resolvido' deveria ter relevância idêntica à do caso julgado judicial, para o efeito do disposto no artigo 282º, n.º 3, da Constituição.
Ora, no caso presente, verifica-se uma similitude genérica das situações, justificativa de tal limitação de efeitos, quer por razões de segurança jurídica, como ainda por razões de equidade, na medida em que, desde que teve início a aplicação da norma em causa, na sequência dos concursos entretanto realizados, tenham sido providos os lugares para cujo preenchimento os mesmos foram abertos, pelo que, por essa forma, se terá estabilizado, em novos termos, a situação jurídica dos professores abrangidos e subjectivado os correspondentes direitos.
A subsistência dessas situações e desses direitos, de boa fé adquiridos, poderia ser posta em causa se não se operasse aqui a restrição de efeitos, para salvaguardar as situações jurídicas criadas e consolidadas durante o tempo em que essas normas estiveram em vigor, salvo quando ainda susceptíveis de impugnação contenciosa ou que dela ainda se encontrem pendentes, de acordo com o preceituado no artigo 282º, n.º 4, da Constituição.
III - decisão
10. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:
1) declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 232º, n.º 1, com referência ao artigo 227º, n.º
1, alínea d), segunda parte, da Constituição: a. da norma constante do artigo 2º do Decreto Legislativo Regional n.º
16/98/A, de 6 de Novembro, na parte relativa ao artigo 24º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril; b. de todas as normas constantes da versão originária do Decreto Regulamentar Regional n.º 1-A/2000/A, de 3 de Janeiro, bem como das que permaneceram entretanto inalteradas; c. de todas as normas do Decreto Regulamentar Regional n.º 4-A/2002/A, de 21 de Janeiro.
2) por motivos de equidade e de segurança jurídica, ressalvar os efeitos entretanto produzidos, até ao trânsito em julgado do presente acórdão, pelas normas ora declaradas inconstitucionais, com excepção dos casos ainda susceptíveis de impugnação contenciosa ou que dela se encontrem pendentes, de harmonia com o preceituado no artigo 282º, n.º 4, da Constituição. Lisboa, 12 de Fevereiro de 2003 Gil Galvão Maria Helena Brito Maria Fernanda Palma Mário Torres Benjamim Rodrigues Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Pamplona de Oliveira (vencido conforme declaração junta). José Manuel Cardoso da Costa
DECLARAÇÃO DE VOTO
I A tese que o acórdão sufragou estriba-se numa interpretação literal do n. 1 do artigo 232 da Constituição leitura que, aliás, tem sido pacificamente acolhida pela jurisprudência deste Alto Tribunal. Mas, a meu ver e salvo o devido respeito, mal. Pretende-se assim que a Constituição impõe a regra (tão absoluta como absurda) de que toda a regulamentação das chamadas leis gerais da República cabe, em exclusivo, às assembleias legislativas regionais. Ora, sem prejuízo de se admitir que a norma contida no aludido artigo possa - por facilidade interpretativa - ter aquele alcance, o certo é que não só o bom senso como o apelo aos mais elementares princípios da lógica constitucional vigente permitem ter uma outra visão das coisas.
É que é indesmentível que a atribuição de um genérico poder 'regulamentar' exclusivo a uma assembleia legislativa não tem exemplo nas soluções constitucionais, maxime quando estas, como a presente, atribuem o poder regulamentar a um órgão executivo como o é o Governo Regional dos Açores
(artigos 227 n.1 alíneas d) e g) e 231 n.1 da Constituição). Assim pode facilmente aceitar-se que o que o legislador constitucional quis atribuir como tarefa específica e exclusiva da Assembleia Legislativa Regional foi o desenvolvimento normativo, a adaptação à realidade insular própria de cada Região dos princípios jurídicos legais das já mencionadas leis gerais da República, tarefas que se desenvolvem ainda no domínio da função legislativa e, portanto, se acham bem entregues à competência do único órgão regional dotado de tais poderes. Todavia, esta solução não visa limitar, questionar ou mesmo exceptuar o genérico poder regulamentar (em sentido próprio e estrito) dos governos regionais.
É que mesmo quanto a essas leis, é sempre possível encontrar um espaço deixado à regulamentação administrativa que ultrapassa a mera identificação ou equiparação dos órgãos regionais competentes para desempenhar as tarefas decorrentes da vigência da norma, pois tais leis, precisamente por que incorporamprincípios gerais, não dispensam em regra uma actividade regulamentar posterior que lhes dê exequibilidade. Aqui reside o genuíno poder regulamentar que, por tradição desde sempre mantida, incumbe aos executivos governamentais e não às assembleias legislativas cuja vocação é naturalmente outra. Aliás não se descortina qualquer explicação lógica, aceitável, para que a Constituição haja optado por retirar aos governos regionais a competência para a emissão de regulamentos que tornem exequíveis as leis da República, quando é certo, seja qual for o ponto de vista que se adoptar, que tal competência foi constitucionalmente entregue a órgãos regionais. Temos pois que admitir que uma actividade regulamentar, em sentido lato, das leis gerais da República tanto pode revestir a forma legal, mediante a densificação de conceitos abertos e a adaptação do diploma às realidades insulares, como se pode concretizar numa mera actividade administrativa, através da emissão dos regulamentos necessários a dar exequibilidade aos princípios que o legislador nacional quis ver criados. Ora esta última actividade cabe na competência dos governos regionais. Perante esta realidade, tornar-se-ia necessária uma análise sobre a natureza das normas que o Governo Regional dos Açores editou através da aprovação dos Decretos Regulamentares Regionais ns. 1-A/2000/A de 3 de Janeiro e 4-A/ 2002/A de 21 de Janeiro para poder concluir, como a meu ver o Tribunal precipitadamente fez, que as normas desses textos ofendem orgânicamente a Constituição. A verdade é outra, pois tais normas constituem meros regulamentos de natureza administrativa destinados a dar execução à lei da República e que esta quis expressamente deixar para regulamentação posterior. São, indiscutivelmente, normas cuja edição cabe na competência do Governo Regional, actividade que foi portanto exercida no quadro constitucional e que nenhuma ofensa fez aos preceitos constitucionais que o acórdão quis ver sacrificados. De igual forma, também a norma do artigo 2 do Decreto Legislativo Regional n.º
16/98/A de 6 de Novembro, que antecedeu os aludidos regulamentos, não viola a Constituição, pois, nesta perspectiva, se limitou precisamente a cumprir o comando constitucional incluído no artigo 227 n.1 alínea d) adaptando, ainda que na forma de simples transposição, as regras jurídicas contidas no Decreto-lei
139-A/90 de 28 de Abril. É que, não será ocioso repeti-lo, as Regiões autónomas gozam de poder legislativo próprio nos termos do artigo 227 n.1 alíneas a), b), c) da Constituição, não sendo proibido que se limitem a 'copiar' em alguns pontos a legislação da República, abstendo-se de lhe introduzir alterações por a tanto se não justificar o interesse regional.
II Finalmente, quanto aos efeitos que o Tribunal decidiu ressalvar no tempo face à pronúncia de inconstitucionalidade emitida, entendo que a ressalva se deveria reportar não apenas à data do trânsito em julgado da decisão, mas, atenta a matéria em causa, conjugando essa data com a da abertura de novos concursos: não parece justo nem admissível que o quadro normativo fixado para regulamentar um determinado concurso público possa ser posteriormente alterado, estando ele a decorrer, face a uma pronúncia de inconstitucionalidade orgânica. Os princípios mais elementares do direito administrativo imporiam, a meu ver, que esse quadro normativo não sofra alteração a partir do momento em que o concurso é declarado aberto até ao seu termo, sem prejuízo, claro está, do controlo de legalidade operado através do exercício do contencioso de anulação tempestivamente impulsionado por quem se senta prejudicado por ele.
III Nesta conformidade, não voto a decisão que fez vencimento neste Tribunal.
--------------------------------------------------------------- Cons. Carlos Pamplona de Oliveira