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Proc. nº 96/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Abril de 2002 (fls. 782 a 792), foi decidido não conhecer do recurso que os ora reclamantes, A e Outro, haviam interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de Maio de
2001 (fls. 574 a 583), por ser o mesmo irrecorrível.
2. Inconformados com aquela decisão do Supremo Tribunal de Justiça, os ora reclamantes pretenderam recorrer dela para o Tribunal Constitucional, tendo apresentado para o efeito um requerimento com o seguinte teor:
'A e B, recorrentes nos autos à margem identificados, não se conformando com a douta decisão que lhes foi notificada, vêm dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que fazem nos seguintes termos: o O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs
85/89, de 7 de Setembro e 13-A/98, de 26 de Fevereiro. o Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo
412º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal. o Tal norma viola o artigo 32º da Constituição. o A questão de inconstitucionalidade foi suscitada nos autos a fls. 5 verso do Acórdão do S.T.J. o O presente requerimento tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos'.
3. No Supremo Tribunal de Justiça foi proferido despacho, em 7 de Outubro de
2002, que não admitiu este recurso para o Tribunal Constitucional (fl. 810 a
812). Para o efeito escudou-se o Ex.mo Conselheiro Relator do processo na seguinte fundamentação:
'1 - Do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18 de Abril de 2002 e constante de fls. 782 e seguintes, pretenderam os identificados assistentes/demandantes A e B, interpor recurso para o Tribunal Constitucional
(cfr. requerimento de fls. 801-802, no qual se encontra aposto carimbo de entrada, no Supremo Tribunal de Justiça, com data de 20.5.2002).
2 – Como se alcançará dos autos, o aludido acórdão foi registado no livro próprio (cfr. fls. 794 v.) e notificado aos respectivos mandatários judiciais, bem como ao Ministério Público (cfr. cota e termo de fls. 795 e talões de fls.
795 v.). E, igualmente, se colhe do processo, que o mesmo acórdão transitou em julgado em
6 de Maio de 2002 (cfr. fls. 796) e que o dito processo foi oportunamente remetido à 1ª instância (cfr. fls. 796).
3 – À Ex.ma Procuradora Geral Adjunta, pelas razões doutamente aduzidas no seu parecer de fls. 803-803 v., pareceu-lhe «não ser atempado o recurso interposto em 20 de Maio de 2002 para o Tribunal Constitucional, não devendo por isso ser admitido» (sublinhado nosso).
4 – Ouvidos os assistentes/recorrentes sobre esta posição (cfr. despacho de fls.
804 e cota subsequente) debitaram eles a exposição de fls. 805 a 807, impetrando, a final, na base da argumentação e justificações tecidas, que fosse declarada «a nulidade da citação em 22 de Abril de 2002, devendo esta contar-se a partir de 13 de Maio, considerando-se o recurso interposto atempadamente»
(sublinhado nosso).
5 – Tendo-se entendido recolher posição do Ministério Público, agora sobre as considerações produzidas pelos assistentes, precedentemente referidas (cfr. despacho de fls. 808), veio a Ex.ma Procuradora Geral Adjunta, dar o douto parecer de fls. 808 v., pelo qual manteve o que foi já expresso a fls. 803-803 v, «quanto à intempestividade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional», designadamente assinalando que «tendo sido enviada a notificação por via postal registada (fls. 804) para o escritório da Sr.ª advogada, sem prova, esta não poderá invocar que a mesma foi para a caixa do correio onde teria estado pelo menos desde 26 de Abril a 13 de Maio pois tal caixa é local de consulta diária e nem sequer foi invocado tal facto no momento em que foi interposto o recurso (sublinhado nosso).
6 – Os elementos constantes dos autos e, sobretudo, a inexistência de uma contraprova cabal e convincente capaz de corroborar o que os recorrentes afirmam e, assim, alicerçar a alegada nulidade da citação, apontam, portanto, para a intempestividade da apresentação do recurso, prevalecendo, assim, a bondade do entendimento para que propendeu a ilustre Magistrada do Ministério Público neste Supremo e que, plenamente, sufragamos. Donde que, embora sempre nos seja desconfortável obstar a que um recurso se possibilite ou inibir o direito de recorrer, mormente se focalizada uma faceta de inconstitucionalidade, tenhamos de concluir, nesse sentido, com suporte na revelada inconstitucionalidade.
7 – Termos em que e pelo exposto: vai indeferido o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, formulado pelos assistentes, não se admitindo, pois, o mesmo recurso, por via da sua extemporaneidade, ao abrigo do disposto nos artigos 75º, n.º 1 e 76º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, sem prejuízo, embora, do que se estatui no n.º 4 do referido art.
76º'.
4. É desta decisão que vem interposta a presente reclamação, que os reclamantes fundamentam nos seguintes termos:
'1º - A decisão da rejeição do recurso assenta na consideração de os Assistentes terem sido notificados em 22 de Abril de 2002.
2º - Porém, em 222 de Abril, a mandatária dos Assistentes não se encontrava no escritório e o aviso de recepção foi assinado por alguém de nome C, pessoa desconhecida no escritório, conforme consta, aliás, da certidão dos C.T.T., junta aos autos em 9.12.2002.
3º - Só no dia 13 de Maio de 2002 é que a carta do S.T.J. foi colocada na caixa do correio, onde efectivamente é consultada diariamente.
4º - O carteiro bem sabia que só poderia entregar a carta, na ausência da citada, a quem se encontrasse no seu escritório e que estivesse em condições de a entregar prontamente.
5º - Apesar de se encontrar feita a citação, não foram observadas, na realização daquele acto, as formalidades prescritas na lei, nomeadamente do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 236º do Cód. Proc. Civil.
6º - Neste contexto, encontram-se os Recorrentes prejudicados na apresentação da sua defesa.
7º - Os assistentes requereram a nulidade da citação de 24.06.02, porque o registo foi assinado por pessoa desconhecida no escritório.
8º - A decisão de rejeição assenta na consideração de que o acórdão já tinha transitado em julgado, aquando da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.
9º - Falece, porém, razão à decisão assim tomada.
10º - Com efeito, a interpretação dada aos nºs 2, 3 e 4 do art. 236º do Cód. Proc. Civil foi de todo imprevisível, não podendo razoavelmente os reclamantes contar com a sua aplicação.
11º - Na verdade, tendo a decisão interpretado de modo tão particular tal norma, não era exigível aos Reclamantes prever que essa interpretação viria a ser possível e viesse a ser adoptada na decisão.
12º - O uso inesperado e insólito de tal interpretação levou a que os reclamantes não tivessem podido, em momento anterior ao da decisão, representar a possibilidade da aplicação da norma com tal interpretação.
13º - Assim sendo, não se mostrava adequado exigir-lhes, no caso concreto, um qualquer juízo de prognose relativo a essa aplicação, em termos de se antecipar ao proferimento da decisão, suscitando logo a questão da inconstitucionalidade.
14º - Só perante a decisão proferida se viram os Reclamantes na possibilidade de arguir a inconstitucionalidade em causa, tendo-o feito logo no primeiro momento que se impunha fazê-lo, ou seja, no requerimento de interposição do recurso, em
20 de Maio de 2002.
15º - De resto, como tem sido jurisprudência defendida, que por respeito se não cita do Tribunal Constitucional. Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser admitido o recurso'.
5. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da manifesta improcedência da reclamação apresentada, posição que fundamentou nos seguintes termos:
'A presente reclamação – toda ela alicerçada numa absurda equiparação da notificação postal feita ao mandatário, em processo penal, à citação do réu em processo civil – é, manifestamente improcedente. Desde logo – e no que se refere à intempestividade do recurso de constitucionalidade interposto é evidente que as normas que regem tal notificação do acórdão ao mandatário judicial são as do art. 113º, n.º 10, conjugado com a alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito e com o disposto no art.
254º do CPC. Ora, perante as razões invocadas, há que concluir que nenhuma nulidade foi cometida, já que o expediente que corporiza a notificação foi remetido efectivamente para o escritório, nem se mostra ilidida a presunção decorrente do estatuído nos nºs 2 e 3 do art. 254º do CPC. Acresce que – independentemente da questão de tempestividade – o recurso sempre terá de ser indeferido, já que o acórdão recorrido (o proferido pelo STJ) não aplicou a norma constante do art. 412º, n.º 2 do CPP, já que apenas se pronunciou sobre a questão da irrecorribilidade para o Supremo do acórdão proferido pela Relação'.
Dispensados os vistos, cumpre decidir. II. Fundamentação.
6. O recurso de constitucionalidade interposto e não admitido é efectivamente extemporâneo. Com efeito, tal recurso apenas foi apresentado em 20 de Maio de
2002, numa altura em que o acórdão recorrido (de 18 de Abril de 2002) já tinha transitado em julgado, uma vez que o mesmo foi notificado à mandatária dos ora reclamantes por carta registada de 22 de Abril de 2002, e o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional é de 10 dias (cf. artigo 75º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional). Acresce que - como, bem, evidencia o Ministério Público - a notificação da decisão foi efectiva e regularmente remetida para o escritório da mandatária dos ora recorrente, não se mostrando ilidida nos autos a presunção decorrente do estatuído nos nºs 2 e 3 do artigo 113º do Código de Processo Penal e 254º do Código de Processo Civil - que são os preceitos aplicáveis ao caso e não, como referem os ora reclamantes, os artigos 236º, nºs 2, 3 e 4 do CPC. Tanto basta, pois, para que se conclua pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso que os reclamantes pretenderam interpor e, em consequência, para que se indefira a presente reclamação.
7. Acresce, porém, que uma outra razão sempre conduziria à não admissão do recurso.
É que, como o Tribunal tem afirmado repetidamente, o recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, designadamente, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica
- ou de uma sua interpretação normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso. Ora, como vai sumariamente ver-se, é por demais evidente que não se verificam in casu aqueles pressupostos de admissibilidade do recurso que o recorrente pretendeu interpor.
É que nem o recorrente suscitou, antes de proferida a decisão recorrida e de forma processualmente adequada, a questão da inconstitucionalidade da norma que pretendia ver apreciada – o artigo 412º, n.º 2, do Código de Processo Penal -, nem a decisão recorrida (o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Abril de 2002) aplicou, como ratio decidendi, aquele preceito, limitando-se a, com base em outros preceitos do Código de Processo Penal (designadamente os artigos
432º, al. c) e 400º, n.º 1 alíneas d) e e) e n.º 2) concluir pela irrecorribilidade para o Supremo do acórdão proferido pela Relação. III – Decisão Por tudo o exposto, indefere-se a reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UC. Lisboa, 18 de Fevereiro de 2003 Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida