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Proc. nº 330/2000 Plenário Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A. e outros instauraram, junto do Tribunal do Círculo de Braga, acção declarativa com processo ordinário contra o Estado Português, pedindo a condenação deste no pagamento de uma indemnização como compensação pelos prejuízos decorrentes da nacionalização de determinada empresa e o ressarcimento dos danos sofridos com a reprivatização da mesma empresa.
Na petição inicial, os autores afirmaram o seguinte: Os critérios legais que conduziram aos resultados acima apontados ofendem manifestamente o princípio da justa indemnização, ou a uma indemnização compensatória efectiva, consagrado não só no artigo 17º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo 1º do Protocolo nº 1 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nos artigos 2º, 16º, 62º e 83º da Constituição, como também nos próprios artigos 1º, nºs 1 e 2, e 13º, da Lei nº 80/77 e na parte 1ª do preâmbulo do Decreto-Lei nº 2/79, de 9 de Janeiro, directamente referentes às nacionalizações. São, por isso, inconstitucionais e contrários aos princípios gerais de direito, estes sempre aplicáveis ao caso dos AA., os termos do disposto na lei especial reguladora do processo indemnizatório respectivo, quanto ao pagamento das indemnizações definidas pela Lei nº 80/77 (maxime artigos 18º e 19º) e demais legislação complementar, porque o valor actualizado dos títulos de dívida pública entregues aos AA. é não só inferior ao valor substancial que lhes foi subtraído em 1975 e que pretendia traduzir - o que não é apropriado à indemnização respectiva -, como é até inferior ao seu valor nominal, quer no momento em que lhe foram entregues, quer na data da publicação da mesma Lei
80/77 (...). Tais critérios, conjugados com a demora do Réu na fixação da indemnização devida, conduziram, de facto, ao pagamento aos AA. duma indemnização manifestamente desproporcionada à perda da empresa que lhes foi nacionalizada, porque desactualizado. E esse pagamento tão diferido no tempo equivale, ainda, à violação do princípio de justiça que vai implicado na ideia do Estado de direito, segundo o qual toda a indemnização, para além de justa ou efectiva, deve ser actual (o que é diferente de pronta), sob pena de grave ofensa do próprio princípio indemnizatório e de tornar incerto ou inconsistente o próprio direito à indemnização, se vista em concreto, transformando-a numa mera aparência.
Os autores invocaram também a violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade e sustentaram que o direito de reversão à titularidade da empresa e o direito à indemnização consubstanciam direitos fundamentais, beneficiando do respectivo regime constitucional.
Os autores suscitaram ainda a inconstitucionalidade dos artigos 8º e
9º a 11º do Decreto-Lei nº 332/91, por violação dos artigos 205º, nºs 1 e 2, e
206º, da Constituição, “na eventual interpretação de que tais preceitos excluem o acesso aos tribunais judiciais comuns para dirimição de conflito de interesses relativamente ao conteúdo dum direito privado, como seja o direito à indemnização por nacionalização”.
O Tribunal do Círculo de Braga, por decisão de 15 de Junho de 1997, julgou-se competente e considerou, de acordo com a jurisprudência constante do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 39/88 - D.R., I Série, de 3 de Março de
1988 - que os artigos 18º e 19º da Lei nº 80/77 não são inconstitucionais.
O Tribunal do Círculo de Braga sublinhou, igualmente, que o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 452/95 - D.R., II Série, de 21 de Novembro de
1995, se pronunciou pela não inconstitucionalidade dos artigos 1º a 7º e 8º a
11º do Decreto-Lei nº 332/91, de 6 de Setembro, pelo que a regra do pagamento de uma justa indemnização só vale para a expropriação por utilidade pública e não para a nacionalização.
Quanto à demora no pagamento das indemnizações, o Tribunal do Círculo de Braga entendeu que o Estado não actuou com culpa, pois encontrava-se impossibilitado de proceder às indemnizações devidas pelas nacionalizações.
Em consequência, a acção foi julgada improcedente, tendo o réu sido absolvido do pedido.
2. Os autores interpuseram recurso de apelação da sentença de 15 de Junho de 1997 para o Tribunal da Relação do Porto.
Nas alegações, sustentaram que os critérios legais de fixação da indemnização devida por nacionalização hão-de, necessariamente, respeitar os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade, tutela de legítimas expectativas, confiança e justiça.
Os recorrentes insurgiram-se, também, contra o “tempo e/ou o modo, respectivamente, em que e/ou como esse valor indemnizatório lhes foi efectivado ou pago pelo réu, através de títulos de dívida pública com emissão ficcionada em
1979, e cujo valor-base de avaliação patrimonial era reportado a 1975, segundo o regime legal aplicável (cits. Lei nº 80/77 e Decreto-Lei nº 213/79), sem que o Estado tivesse em conta a demora que aconteceu nessa efectivação ou pagamento e a gravíssima depreciação monetária entretanto ocorrida no nosso país, quando reportado aos períodos de 1975 ou 1979 até 1984, 1987 e 1993, datas estas dos sucessivos e fraccionados pagamentos parcelares que os AA. (apenas nestas datas) receberam do réu”. Na fundamentação das alegações, os recorrentes sustentaram o dever indemnizatório do Estado, invocando o artigo 22º da Constituição.
Os recorrentes invocaram, ainda, a inconstitucionalidade dos artigos
19º a 24º da Lei nº 80/77 e 5º a 10º do Decreto-Lei nº 213/79, cujo regime consagrou juros “muito inferiores às taxas de referência do Banco de Portugal”. Os recorrentes afirmaram que “o problema de inconstitucionalidade levantado nesta acção deve reportar-se não só às normas questionadas na acção e agora a ponderar, em termos de boa e melhor decisão da causa, mas também pode e deve incidir sobre uma determinada interpretação das mesmas que, se implicadas no caso concreto, sem mais (ou sem melhor interpretação, segundo a lei geral e os princípios gerais de direito - cits. artigo 13º da Lei nº 80/77), possa como que fazer ressaltar a existência duma indemnização efectivamente desadequada ou desproporcionada, por se ter convertido, no fundo, numa falsa indemnização, bem como dum sacrifício acrescido e, ainda e sempre, desigual e desproporcionado, que foi trazido aos ex-titulares ora AA. por facto unicamente imputável ao réu e que esta não podia nem devia desconhecer, enquanto portador das vestes de legislador ou actuando dentro dos poderes que lhe são conferidos pela sua função político-legislativa no procedimento garantístico respectivo”.
A final, mencionaram que “se os artigos 1º, 13º, 19º (com quadro anexo) e 24º da Lei 80/77 e os artigos 5º a 10º do Decreto-Lei nº 213/79
(conjugados com o disposto no Decreto-Lei nº 332/91), não puderem ser interpretados conformemente à Constituição, da forma que ficou expressa e/ou decorre das conclusões antecedentes, então os mesmos deverão ser tidos como inconstitucionais (maxime os artigos 1º, nº 2, e 18º e ss. da Lei 80/77 e artigos 5º a 10º do Decreto-Lei nº 213/79, conjugados com os artigos 8º e ss. do Decreto-Lei nº 332/91 e demais diplomas complementares), devendo sê-lo sempre, pelo menos, na interpretação ou sentido com que as mesmas foram tomadas, no caso concreto, e aplicadas pela decisão recorrida”.
O Estado, na resposta apresentada, juntou um parecer de Antunes Varela, no qual se sustenta a não inconstitucionalidade dos regimes legais relativos ao modo e momento do pagamento dos montantes indemnizatórios devidos pelas nacionalizações, bem como ao acto de fixação do respectivo momento.
O Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 28 de Setembro de
1998, resumiu a duas as questões suscitadas pelos recorrentes: a) Se a indemnização fixada aos Autores pelo Governo deverá ser actualizada de acordo com os índices de preços, sob pena de inconstitucionalidade das normas dos artigos 18º e 19º da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro e demais legislação complementar, por violação dos princípios de justiça, igualdade e proporcionalidade; b) Se o acto material pelo qual o Governo entendeu (no tempo e modo que dispôs pelos diplomas respectivos) proceder às reprivatizações da empresa implicou para os autores prejuízos ou encargos especiais ou anormais.
Relativamente à primeira questão, a Relação, estabelecendo as diferenças entre nacionalizações e expropriações, entendeu que, deferindo a Constituição para a lei ordinária a determinação dos próprios critérios de fixação da indemnização, tais critérios seriam compatíveis com os princípios constitucionais invocados pelos recorrentes, uma vez que estes têm apenas direito à “indemnização politicamente justa e não à justa indemnização”.
No que respeita à segunda questão, a Relação considerou não ser aplicável, in casu, o instituto da reversão, não havendo qualquer dano a ressarcir (não sendo, portanto, procedente invocar o artigo 22º da Constituição e o artigo 9º do Decreto-Lei nº 48 051).
Consequentemente, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Tendo sido arguida a nulidade do acórdão, o Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão datado de 24 de Maio de 1999, julgando improcedente a referida nulidade. Foi então requerido pelos recorrentes o “esclarecimento e/ou reforma” do acórdão de 24 de Maio de 1999, tendo o requerimento sido indeferido, por acórdão de 11 de Outubro de 1999. Deste último acórdão, foi interposto recurso de agravo relativo à condenação em custas.
3. Os recorrentes interpuseram recurso de revista do acórdão de 28 de Setembro de 1998 para o Supremo Tribunal de Justiça.
Nas alegações de recurso suscitaram, no que releva agora no recurso de constitucionalidade, as mesmas questões que já haviam colocado no recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 22 de Março de 2000, concedeu provimento ao agravo.
Quanto à revista, o Supremo Tribunal de Justiça, no mesmo aresto, considerou que não havia lugar à indemnização por depreciação monetária da indemnização fixada ao abrigo do Decreto-Lei nº 332/91, uma vez que a Constituição se limita “a remeter para a lei os critérios a estabelecer” nessa matéria. O Tribunal sublinhou que “na base da indemnização a pagar pelas nacionalizações, por aí também se justificando a diferença fundamental em relação à indemnização por expropriação, existe acima de tudo o cálculo do sacrifício que o Estado pode suportar”.
Quanto ao atraso no pagamento da indemnização por nacionalização, o Supremo considerou que a indemnização a que se refere o artigo 22º da Constituição só se justifica quando se verifique um prejuízo especial e grave, o que não teria acontecido no caso dos autos.
Consequentemente, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento à revista, confirmando o acórdão recorrido.
4. Os recorrentes interpuseram recurso de constitucionalidade, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos “artigos 1º,
13º, 19º (com quadro anexo) e 24º da Lei 80/77 e dos artigos 5º a 10º do Decreto-Lei nº 213/79 (conjugados com o disposto nos artigos 8º e ss. do Decreto-Lei nº 332/91)” por violação dos artigos 2º, 12º, 13º, 16º, 17º, 18º,
22º, 62º e 83º da Constituição. Os recorrentes indicaram, ainda, o artigo 24º da Lei nº 11/90 e o Decreto-Lei nº 196/91, no recurso de constitucionalidade, referindo a violação do artigo 22º da Constituição.
Junto do Tribunal Constitucional os recorrentes apresentaram alegações contendo as seguintes conclusões:
1ª) O direito à livre iniciativa económica e à propriedade privada são direitos fundamentais do Estado de direito democrático português, com um regime análogo aos dos ‘direitos, liberdades e garantias’ - arts. 61º/l, 62º/1 e 17º da Lei fundamental (citada, d’ora avante, com referência à LC 1/89);
2ª) O regime jurídico dos ‘direitos, liberdades e garantias’ retira-se essencialmente do art. 18º da Constituição que, por força do cit. art. 17º, se aplica aos direitos enunciados acima, dando-lhes a referida característica jurídico-constitucional;
3ª) Estes ‘direitos-liberdades’ impõem-se imediatamente de per si e vinculam directamente os poderes estatais, dado terem aplicabilidade directa não só enquanto valores objectivos da organização económica da Nação (garantias institucionais), mas também enquanto valores subjectivos (direitos subjectivos) dos seus cidadãos;
4ª) E tanto numa, como na outra, dessas qualidades, asseguram aos seus titulares o recurso à via judicial quando qualquer outro sujeito (público ou privado, tanto faz) atente contra eles ou restrinja o respectivo conteúdo essencial, inerente à autonomia pessoal privada - arts. 18º/1 e 20º/1 da CRP;
5ª) Embora possam sofrer restrições ou limitações legais, nos casos previstos na Constituição (art. 18º/2 e, por ex., arts. 62º/2 e 83º da CRP), o seu conteúdo essencial é directamente protegido pelo disposto no art. 18º/3 da Constituição, que proíbe a diminuição da sua extensão e alcance;
6ª) Os tribunais, nomeadamente os comuns (por força do princípio do ‘juiz natural’ para as causas de índole patrimonial), são obrigados a dar-lhes protecção jurídica, quer na ausência de lei ordinária que os desenvolva ou caracterize, quer contra a mesma lei que os restrinja ilegitimamente - arts.
20º, 205º/2 e 207º da Constituição, na redacção referida (1989);
7ª) Fundamentalmente, importará aos órgãos jurisdicionais do Estado a apreciação da necessidade e proporcionalidade dos limites impostos a esses direitos de natureza patrimonial, julgando da adequação constitucional dos mesmos face a um determinado caso concreto, e resolvendo a ‘questão de direito’ subjacente em termos, também, de justiça concreta;
8ª) Face à consagração destes direitos como direitos subjectivos e garantias institucionais da ordem económica portuguesa, a nacionalização e outras formas de intervenção ou de apropriação colectiva dos meios de produção têm de entender-se como uma faculdade excepcional de restrição qualificada da propriedade e iniciativa económica privadas;
9ª) Por nacionalização entende-se o acto político-legislativo que transfere a propriedade de bens económicos para a Nação, enquanto espécie do género mais lato que é configurado pelo chamado instituto da expropriação, ou ‘poder expropriatório’ do Estado;
10ª) A especificidade das medidas de intervenção estatais sobre a economia, como
é o caso da nacionalização, está somente nos fins que as movem e que, por isso, as distinguem, em termos teleológicos, da simples expropriação administrativa, pois visam a satisfação de interesse gerais da Nação e não apenas de interesses específicos, a cargo desta ou daquela entidade pública;
11ª) Disso é prova bastante a evolução do legislador constituinte, ao aperfeiçoar sucessivamente a redacção dada aos arts. 62º/2 e 82º ou 83º (actual) da CRP - bem como aos arts. 80º, 81º/e), 87º ou 88º (actual) e 88º/2 ou 89º
(actual) - pelas LC’s 1/82 e 1/89, e ainda ao seu art. 168º/7) - LC 1989;
12ª) Em casos de expropriação, em geral, ou nacionalização de meios de produção, em particular, a intervenção ablatória estatal exige o pagamento duma indemnização, a qual terá de obedecer aos princípios constitucionais de justiça, de igualdade e de proporcionalidade ou proibição do excesso, sendo inconcebível na nossa ordem jurídica uma indemnização que não seja justa, até se considerarmos não só a literalidade, como a unidade do sistema jurídico - art.
9º CCivil;
13ª) O pagamento duma indemnização justa ou adequada (em obediência a tais princípios) é um pressuposto constitucional da medida ablativa em causa, representando a expressão particular do princípio geral, ínsito ao Estado de direito democrático, de indemnização pelos actos lesivos de direitos e pelos prejuízos causados a outrem - art. 22º da Lei suprema;
14ª) A Constituição, embora determinando que a indemnização há-de ser justa, não estabelece porém qualquer critério indemnizatório, mas é evidente que os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (justiça, igualdade, proporcionalidade e confiança), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado ou nacionalizado - o que muito importa para compreender o inciso do seu art. 83º. (“correspondente indemnização”);
15ª) As sucessivas redacções dadas ao Cód. Expropriações desde 1976 até à data ilustram bem a necessidade do legislador se conformar com a asserção antecedente
- arts. 27º a 38º do DL 845/76 (atentas as várias declarações de inconstitucionalidade pelo TC de diversos desses artigos) e arts. 22º a 31º do actual DL 438/91;
16ª) Também a chamada Lei das Indemnizações (Lei 80/77) veio acatar expressamente o princípio da ablação patrimonial “mediante o pagamento de justa indemnização” - art. 1º desta Lei - que é imposto, genericamente, pela Lei suprema, como garantia de instituto do direito de propriedade privada (enquanto compensação pela privação patrimonial respectiva), impondo que às indemnizações respectivas se aplicasse ainda, nos casos omissos, “a lei geral e os princípios gerais de direito”, e se aplicasse “em especial, supletivamente, ao cálculo destas indemnizações o regime geral das indemnizações por expropriação por utilidade pública, com as necessárias adaptações” - art. 13º dessa mesma Lei;
17ª) Ou seja, a “correspondente indemnização” a estabelecer por lei, segundo o disposto no cit. art. 83º da CRP, é afinal, no nosso caso, a mesma e idêntica
“justa indemnização”, a que se referem do mesmo modo, tanto o art. 62º/2 da CRP quanto o art. 1º da Lei das indemnizações (cit. Lei 80/77);
18ª) Este direito de justa indemnização mais não representa do que a transmutação do direito de propriedade privada numa prestação de natureza equivalente a cargo do poder expropriatório, sob pena de ilegitimidade ou invalidade do acto ablativo respectivo, e traduz-se ainda, na expropriação como na nacionalização, num direito fundamental de natureza análoga aos ‘direitos, liberdades e garantias’ que a lei só pode restringir nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;
19ª) Mas é natural que os critérios legais no caso de expropriação por utilidade pública e no caso de nacionalização sejam diferentes, isto é, num caso (o primeiro) visem uma compensação integral do valor do bem expropriado, em atenção ao princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, e no segundo caso devam ainda atender ao interesse público mais geral que esteve na base da apropriação dos meios de produção respectivos - arts. 62º/2 e 83º (82º na versão originária), conjugados com os arts. 81º/e), 87º (mesma versão), 89º (ou 88º na versão originária) e 168º/7) [ou 167º/d) ainda nessa versão] da CRP;
20ª) Ou seja, os critérios de justiça poderão variar caso a caso, de acordo com o interesse que estiver subjacente ou determinar o acto ablativo en causa, mas necessário é que tais critérios obedeçam sempre aos referidos princípios materiais resultantes da Lei suprema da Nação, pois não pode conceber-se, no nosso sistema jurídico, uma indemnização que seja injusta, sob pena de grave contradição e desconsideração pela unidade do sistema jurídico;
21ª) Quando na doutrina se fala da aplicabilidade imediata dos preceitos constitucionais relativos aos ‘direitos, liberdades e garantias’, tem-se sobretudo em vista o ‘poder-dever’ dos tribunais de não aplicarem ou de interpretarem e substituírem (pelos preceitos constitucionais) as normas inconstitucionais ou não totalmente conformes com a Constituição, e ainda de invalidarem os actos dos demais poderes estatais que ofendam esses preceitos;
22ª) Tal perspectiva, que implica a directa vinculação dos juízes à Constituição, é a única que, na actualidade dos sistemas políticos e culturais de tipo ocidental, como o nosso Estado de direito democrático, representa a condição prévia duma democracia substancial, que aceita e impõe para si mesma vínculos igualmente substanciais, os quais devem ser subtraídos às incidências e circunstâncias do mercado e/ou da política em geral;
23ª) O imperativo constitucional que decorre do art. 62º e, também, do art. 83º
(ínsito, aliás, ao segmento ‘correspondente indemnização’, na formulação interpretativa, se se quiser, da LC 1/89) exige que os critérios de cálculo da indemnização por nacionalização respeitem, tanto na sua definição, como na sua concretização, os referidos princípios constitucionais, aos quais os tribunais devem sujeição vinculativa directa e imediata;
24ª) Isto não quer dizer que tais critérios devam, forçosamente, corresponder ao valor de mercado da empresa nacionalizada ou que a indemnização a determinar deva ser precisamente equivalente ou substitutiva daquele valor patrimonial, dados os próprios interesses que estavam em causa na socialização económico-social do pós-25 de Abril;
25ª) Mas a ‘medida’ de justiça que também estava, e está, em causa não deve postergar os princípios de igualdade e de proporcionalidade nem devem trazer aos ex-titulares expropriados sacrifícios acrescidos ao que já lhes é trazido pela própria expropriação ou nacionalização em si, sendo necessário assegurar-lhes, em relação ao caso concreto e tendo em atenção as respectivas circunstâncias ou incidências especificas, uma compensação pelo menos adequada à reconstituição da lesão patrimonial sofrida;
26ª) Aliás, a lei comum não veio dissentir desta ideia, como resulta do disposto nos arts. 1º e 13º da Lei 80/77, já mais acima referidos, sendo esta, pelo menos, a única interpretação que da mesma se poderá fazer de acordo com a Constituição;
27ª) Ora, as leis devem ser interpretadas, se possível, segundo os princípios e pressupostos constitucionais, só assim se garantindo a referida unidade do sistema e regime normativo;
28ª) Apenas quando tal interpretação seja manifestamente impossível e se apure uma violação pela lei ordinária daqueles princípios e pressupostos contidos na Lei fundamental, deverão essas leis ser tidas como materialmente inconstitucionais;
29ª) No nosso caso, esse julgamento obriga e impõe que aproximemos as conclusões antecedentes do caso concreto e das específicas incidências ou circunstâncias deste, conforme resultam da petição inicial e demais articulados da acção - assim o tem decidido o Tribunal Constitucional, quando em presença de recursos incidentais de apreciação de constitucionalidade ou fiscalização concreta das leis;
30ª) Todavia, as instâncias desinteressaram-se bastante deste aspecto, que consideramos crucial para a correcta apreciação do caso dos AA. quanto ao juízo de (in)constitucionalidade a fazer nos autos, mas por forma a fazê-lo incidir, precisamente, sobre o caso concreto ora sujeito a Juízo;
31ª) É que os AA. não questionam o valor que foi fixado pelo R., a final, nos termos legais finalmente aplicáveis ao caso (DL 332/91), e donde se conseguiu aproximar um tanto mais essa indemnização, em termos substitutivos, ao valor que era o da sua ex-empresa em 1975,- aperfeiçoando a “justeza” que, desde o próprio acto nacionalizador (DL 280-C/75), se quis para tais critérios;
32ª) O que os AA. questionam, nesta acção, é o tempo e/ou o modo, respectivamente, em que e/ou como, esse valor indemnizatório lhes foi efectivado ou pago pelo R., através de títulos de dívida pública com emissão ficcionada a
1979 e cujo valor-base de avaliação patrimonial era reportado a 1975, segundo o regime legal aplicável (cit. Lei 80/77 e DL 213/79), sem que o Estado tivesse em conta a demora que aconteceu na efectivação desse pagamento e a gravíssima depreciação monetária entretanto ocorrida no nosso país, quando reportada aos períodos de 1975 ou 1979 até 1984, 1987 e 1993, datas estas dos sucessivos e fraccionados pagamentos parcelares que os AA. só nessas datas receberam do R.;
33ª) A densificação do conceito de ‘justa indemnização’, ou da ‘correspondente indemnização’ (nos incisos constitucionais), não pode postergar os resultados apurados num determinado caso concreto, fazendo-se uma adequada equiparação ou correspondência de valores, maior ou menor, dentro dos critérios constitucionais e infra-constitucionais aplicáveis e tendo sempre em conta os interesses conflituantes em presença, que igualmente importam (‘maxime’ num caso de nacionalização) e comandam, sem dúvida, essa apreciação;
34ª) Uma indemnização, para o ser, não pode tornar-se aparente ou meramente nominal, como sucederá sempre que entre o momento de referência da avaliação patrimonial em causa e o momento da efectivação indemnizatória ou pagamento desta se interpuser, como aconteceu neste caso, um longo lapso de tempo sujeito a uma forte inflação dos preços e a uma gravíssima depreciação da moeda, como os
índices do INE e as taxas de juros bancárias (‘maxime’ as taxas de referência do BP) bem o demonstram;
35ª) Esse decurso arbitrário, em si, do tempo (por facto exclusivo do R. ou a que os AA. são alheios) e dos índices de inflação suportados no nosso país, à
época ou épocas a considerar, vieram diminuir também de forma tão arbitrária quanto desmesurada (como resulta dos cálculos feitos na p.i.) o próprio valor que, em si mesmo, foi fixado pelo R. (segundo os critérios legais de avaliação originária) para compensar os AA. da privação patrimonial em causa;
36ª) E se os ex-titulares ora AA. já haviam sido sacrificados, como é voz corrente e de ampla ciência comum, com a própria nacionalização em si e o valor que foi estimado para a sua compensação, não devem sofrer prejuízos acrescidos por tais factos (decurso do tempo e inflação, ou depreciação desse valor), sob pena de grave violação do princípio da igualdade (inclusive, agora, na repartição dos encargos públicos) e, novamente, da proporcionalidade ou da proibição do excesso, e de injusto enriquecimento ou locupletamento do Estado-colectividade, sem que para tanto existe agora nenhum outro interesse público ou direito a merecer, constitucionalmente e em contraponto, melhor consideração ou igual salvaguarda e protecção;
37ª) Este raciocínio é, aliás, imposto com manifesta clareza e total justiça pelos princípios gerais de direito que, sempre, serão também aplicáveis ao caso
(art. 551º do CCivil), até pelo comando do disposto no cit. art. 13º da Lei
80/77, aí se incluindo os princípios supletivos do Cód. das Expropriações (art.
86º do DL 845/76 e art. 66º do DL 438/91), sob pena da indemnização fixada pelo Estado, segundo os parâmetros de avaliação legais para tanto, se tornar meramente simbólica (por perda de referência de valores, atento o valor fixado e o momento do seu pagamento);
38ª) E isso já sem se considerar, como contudo deve ainda fazer-se num tal juízo comparativo (ou, senão, de mera equidade), o modo de pagamento da indemnização em causa, dado que os títulos entregues aos ex-titulares ora AA. venciam juros muito inferiores às taxas de referência do Banco de Portugal e esses juros eram sempre decrescentes segundo as várias classes em que esses títulos foram caindo, de acordo com os arts. 19º e 24º da Lei 80/77 e nos arts. 5º a 10º do DL 213/79, cuja constitucionalidade vai em questão nos autos;
39ª) Acresce que a dívida compensatória, a título da correspondente indemnização a “determinar com justeza”, que o Estado se comprometeu a pagar aos ex-titulares expropriados ora AA., através do acto político-legislativo que ficou consubstanciado no cit. DL 280-C/75 (cf. o Preâmbulo deste e, até, o aspecto sinalagmático que é introduzido pela redacção do seu art. 2º: “O Estado pagará
... contra a entrega ...”), é uma divida de valor que não está sujeita ao princípio nominalista;
40ª) E que o próprio legislador teve boa consciência e mui clara ciência de que os atrasos e demora, em relação aos prazos legais referidos no texto, no processamento da avaliação e pagamento das indemnizações aos diversos ex-titulares expropriados pelas nacionalizações era susceptível de lhes causar efectivos prejuízos acrescidos, como se revela nos relatórios preambulares dos DL's 31/80 e 199/88, referidos nos articulados da acção e, também, no texto destas alegações;
41ª) Essa dívida compensatória, ou de natural reparação da ablação patrimonial prévia respectiva, deve ser actualizada para reposição do seu valor original, que ele, e só ele, teve de obedecer aos critérios legais de avaliação do património empresarial nacionalizado, em face das conclusões antecedentes. por forma a corrigir-se tal valor e conseguir-se a sua reposição proporcional ao momento da privação patrimonial respectiva ou, pelo menos, da data teórica da emissão dos títulos correspondentes e só mais tarde entregues aos AA.;
42ª) Essa actualização terá de efectuar-se de acordo com os índices de preços e/ou de inflação publicados pelo INE, a aplicar ano após ano, os quais constam já dos autos e neles se acham oficialmente documentados;
43ª) Quanto a este específico ponto, não está, portanto, aqui em causa - em primeira via - a responsabilidade civil do Estado por facto das leis ou sua omissão, mas tão somente a protecção que, em desenvolvimento interpretativo da regulamentação normativa ordinária feito de acordo com a Constituição, é imposta a um direito fundamental com regime análogo ao dos ‘direitos, liberdades e garantias’ pela Constituição, sob pena de inconstitucionalidade (invalidade) legislativa;
44ª) E já vimos como essa lei pode, e deve, ser interpretada constitucionalmente; de qualquer modo, no caso de entendimento contrário, como também se alegou poder vir a ser o caso, então impor-se-á sempre, quanto a este aspecto, um juízo de (in)constitucionalidade sobre a situação e resultados que, em concreto, essa legislação trouxe ao caso dos AA., como se fundamentou mais acima, e não um mero juízo incidindo em abstracto sobre tais normas - como improficuamente se fez na decisão recorrida, apesar da advertência constante, por ex., do Ac. TC nº 452/95, de 06.JUL.95, citado no texto;
45ª) Mas é claro que, em segunda via - ou se assim melhor até se tivesse entendido -, quanto a este particular prejuízo de depreciação da indemnização que lhes era devida pelo R. e que lhes foi trazido por facto imputável apenas a este, ou a que aqueles são absolutamente alheios, ao verem-se obrigados a suportar um novo sacrifício acrescido, em nítida situação de desigualdade na repartição dos encargos públicos em relação aos cidadãos não expropriados pelas medidas de socialização do pós-25 de Abril, poderiam igualmente os AA. vir a ser ressarcidos, pelo menos, através da garantia de instituto prevista no art. 22º da Constituição da República (‘responsabilidade do Estado’);
46ª) É ao abrigo destas considerações que deve ser vista a liquidação de indemnização complementar (e o correspondente pedido, nessa medida) efectuada pelos AA. nos arts. 72º e/ou (subsidiariamente) 80º da p.i., como resulta do art. 107º desse articulado;
47ª) Já o pedido que os AA. faziam relativamente aos prejuízos que lhes teriam advindo pelo facto da reprivatização da sua ex-empresa ter sido efectuada por um acto material do Governo (cf. Res. Cons. Ministros 43/90) que foi antecedido de acto político-legislativo conformador ou regulamentador também (cf. Lei 11/90 e DL 196/91) mas operado antes dos ex-titulares respectivos, ora AA., estarem totalmente indemnizados pelo facto da nacionalização da mesma empresa, esse sim
é que poderia ser visto, em termos ressarcitórios estritos, à luz não só do disposto no cit. art. 22º da CRP, mas também do disposto no art. 9º do DL 48
051;
48ª) Com efeito, e apesar de no art. 24º da cit. Lei 11/90 (a Lei Quadro das Privatizações) se achar consagrada, embora mitigadamente, a única forma de reversão que o legislador ordinário veio reconhecer aos ex-titulares de bens nacionalizados aquando da respectiva reprivatização, os ora AA. viram-se impossibilitados, novamente por facto apenas imputável ao R., de acorrer a essa reprivatização com a totalidade dos títulos indemnizatórios que vieram a receber do R. apenas, na sua maior parte ou proporção (55%), em 1993 - quando é certo que a reprivatização se consumou em 1991;
49ª) O problema de inconstitucionalidade levantado nesta acção deve reportar-se não só às normas questionadas na acção e aqui a ponderar, em termos de boa e melhor decisão da causa, mas também pode e deve incidir sobre uma determinada interpretação das mesmas que, se implicadas no caso concreto, sem mais (ou sem melhor interpretação, segundo “a lei geral e os princípios gerais de direito” - cit. art. 13º da Lei 80/77), possa como que fazer ressaltar a existência duma indemnização efectivamente desadequada ou desapropriada, por se ter convertido, no fundo, numa falsa indemnização, bem como dum sacrifício acrescido e, ainda e sempre, desigual e desproporcionado, que foi trazido aos ex-titulares ora AA. por facto unicamente imputável ao R. e que este não podia nem devia desconhecer, enquanto portador das vestes de legislador ou actuando dentro dos poderes que lhe são conferidos pela sua função político-legislativa no procedimento garantístico respectivo;
50ª) Em suma, os AA. e ex-titulares do bem ou da empresa de que se viram desapropriados com a nacionalização respectiva, não devem ser obrigados a suportar como que uma nova carga, para além dessa prévia privação, ocasionada pelo diferimento no tempo e depreciação da ‘correspondente indemnização’, e que mais não representaria do que uma espécie de ‘empréstimo forçado’ feito ao Estado e por custos bastante inferiores ao custo normal do dinheiro durante o período em causa, com violação flagrante acrescida e totalmente injustificada do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos e que, aliás, já nada tem a ver com a ponderação dos interesses a ter em conta no cálculo da indemnização, se vista em termos originários e independentes dessa depreciação
(que, nesses termos, poderia até não ter ocorrido, como é evidente);
51ª) Ou seja, os próprios juros que o Estado, legalmente, se veio a comprometer pagar aos AA. (cit. art. 24º da Lei 80/77), converteram-se afinal, visto o seu minguado regime ou taxas, em confronto com a inflação durante esse período de tempo moratório, num paradoxal encargo adicional (também ele) de autêntico crédito ou financiamento ao Estado, por custos que só a este, ora R., lhe eram próprios pelo diferimento aqui em questão;
52ª) Mas certo é, também, que os referidos juros apenas se destinam a remunerar o capital fixado pela avaliação do R. para a indemnização a pagar aos AA., sem compensar a desvalorização da moeda nem a indisponibilidade em que os AA. permaneceram relativamente ao desfrute e possibilidades de mobilização, ou de aplicação e investimento, do próprio capital indemnizando, em si;
53ª) Por fim, o argumento que, como na decisão recorrida, procura justificar a inacção procedimental ou legislativa do R. por uma espécie de estado de necessidade relativamente à frágil situação económico-social do país que o teria impossibilitado de cumprir com os seus compromissos ‘a tempo’, não só não tem em conta que a mais criteriosa avaliação da empresa nacionalizada aos AA. foi já feita na década de noventa, quando aquelas infra-estruturas estavam já perfeitamente consolidadas (cf. DL 332/91), como também que a avaliação da situação financeira do Estado apenas pode determinar as formas de efectivação da indemnização (v.g. “Obrigações do Tesouro/1977” previstas no DL 213/79), mas já não o seu conteúdo ou o seu montante, maxime a sua determinação e pagamento no valor fixado independentemente do factor tempo, por absoluta desnecessidade ou inadequação, atentos os princípios de justiça material e de equivalência ou paridade de valores sempre aplicáveis e já amplamente referidos;
54ª) Por tudo quanto aqui se concluiu, e decidindo em contrário ou com postergação do exposto, a decisão recorrida não fez boa aplicação do que vem disposto nos arts. 2º, 9º/a), 13º, 17º, 18º, 22º, 61º, 62º, 113º e 206º da Constituição da República, por desaplicação e/ou erro de interpretação, bem como dos arts. 83º, 185º, 200º/1,i), 201º/1, 202º/f), 205º/2 e 207º da mesma Lei fundamental (versão de 1989), por idêntico erro de interpretação e de aplicação, postergando ainda o que vem disposto nos arts. 1º, 9º e 13º da Lei 80/77, no art. 9º do DL 48 051 e nos arts. 551º e 1310º do CCivil, por desaplicação, tudo em conjugação com o DL 205-C/75 e diplomas complementares e com os princípios gerais de direito aplicáveis ao caso, tendo em conta ainda a própria unidade do sistema jurídico - vícios esses que aqui se alegam somente para se compreender que foi essa errada interpretação de tais normativos que conduziu ao juízo de conformidade constitucional proferido no tribunal a quo;
55ª) Porém, nesta específica sede de recurso acerca das questões de constitucionalidade suscitadas logo nas instâncias - e que são o fulcro crucial da própria acção - acresce dizer que, se os arts. 1º, 13º, 18º, 19º (com quadro anexo) e 24º da Lei 80/77 e os arts. 5º a 10º do DL 213/79 (conjugados com o disposto nos arts. 8º e ss. do DL 332/91), não puderem ser interpretados conformemente à Constituição, segundo os princípios e normas que são ínsitos à nossa Lei suprema e decorrem das conclusões antecedentes, então os mesmos deverão ser tidos como materialmente inconstitucionais (i.e. os arts. 1º/2 e 18º e ss. da Lei 80/77 e arts. 5º a 10º do DL 213/79, conjugados com os arts. 8º e ss. do DL 332/91 e demais diplomas complementares), por violação dos arts. 2º,
13º, 18º e 62º da CRP e os princípios neles implicados, devendo sê-lo sempre, pelo menos, na interpretação ou sentido com que os mesmos foram tomados, no caso concreto, e aplicados na decisão recorrida;
56ª) É que, nesta, tais normas foram interpretadas no sentido de que os critérios indemnizatórios decorrentes de tais normas se bastam por si mesmos, independentemente do resultado a que conduzirem num determinado caso concreto, e que, assim, são como que imunes aos princípios gerais de direito e, até, ao núcleo básico dos princípios constitucionais relativos à protecção do direito de propriedade privada, o que conflitua com as conclusões ora expostas.
NESTES TERMOS, como nos demais de direito cujo douto suprimento se espera, como sempre, deve este recurso ser julgado procedente, declarando-se assim a inconstitucionalidade material das normas contidas nos arts. 1º/2 e 18º e ss. da Lei 80/77 e arts. 5º a 10º do DL 213/79 (conjugados com os arts. 8º e ss. do DL
332/91) quando aplicados ao caso concreto, pelo menos segundo a interpretação que delas foi feita pelo tribunal a quo (e nas instâncias) e que as torna imunes não só ao núcleo básico dos princípios constitucionais contidos nos arts. 2º,
13º, 18º e 22º da CRP (com referência aos seus arts. 62º e 83º) e que vêm violar directamente, como também aos princípios gerais de direito, apesar do disposto nos arts. 1º e 13º/1 da Lei das indemnizações (cit. Lei 80/77), revogando-se a decisão recorrida por forma a que esta venha a ser reformulada de acordo com o julgamento de inconstitucionalidade que ora se pede, com todas as legais consequências, e assim se fazendo tão somente a habitual JUSTIÇA!
Por seu turno, o Ministério Público contra-alegou, concluindo o seguinte:
1 - Não se mostra suscitada pelo recorrente a questão da constitucionalidade da interpretação normativa que constitui “ratio decidendi” do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça: a das normas constantes dos artigos 1º a 7° do Decreto-Lei n° 332/91, interpretadas em termos de os critérios de fixação da indemnização aos titulares de empresas nacionalizadas, aí previstas, já englobarem uma compensação adequada do dano emergente dos atrasos e vicissitudes sofridas pelo processo - legislativo e administrativo - que culminou na fixação definitiva de tais indemnizações.
2 - Não padecem de inconstitucionalidade - pelas razões expendidas no Acórdão n°
39/88 (plenamente transponíveis para a análise dos regimes jurídicos questionados pelo recorrente) - as normas constantes dos artigos 1º, n° 2, 19° e 24° da Lei n° 80/77, e dos artigos 5° a 10° do Decreto-Lei n° 213/79 enquanto delas decorre que o pagamento das indemnizações àqueles titulares será feito mediante a entrega de títulos da dívida pública, de classes diferenciadas - e vencendo juros, embora de montante inferior ao normalmente previsto nos mercados monetário e financeiro.
3 - Não constitui questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de apreciação no âmbito da fiscalização concreta, a que se traduz em avaliar - e compensar - directamente os danos decorrentes de um atraso na fixação de tal modo ou forma de compensação, imputados a vicissitudes e atrasos nos procedimentos - legislativo e administrativo - que culminaram na fixação definitiva daqueles montantes indemnizatórios.
4 - Pelas razões constantes do acórdão n° 452/95, não padecem de inconstitucionalidade as normas constantes dos artigos 8° e seguintes do Decreto-Lei n° 332/91.
5 - Termos em que deverá improceder o presente recurso.
Os recorrentes pronunciaram-se sobre as questões prévias suscitadas pelo Ministério Público, apresentando a resposta no primeiro dia útil após o termo do prazo legal. Uma vez que a respectiva multa não foi paga, a Relatora ordenou o desentranhamento de tal resposta.
5. Cumpre decidir.
II Fundamentação
A Delimitação do objecto do recurso
6. Para delimitar as questões de constitucionalidade normativa suscitadas, é essencial a constatação de que os recorrentes, nas alegações de recurso apresentadas, partem sempre da afirmação de que aceitam o valor indemnizatório fixado ao abrigo do Decreto-Lei nº 332/91, não o pondo em questão
“em termos dessa específica fixação”. Nesse sentido, afirmam o seguinte: De facto, o que os AA. questionam através desta acção, não é o valor da indemnização, em si mesmo alcançado através dos novos critérios constantes do citado diploma de 1991 (aliás, por forma mais adequada ou razoável do que sucedia até aí, atentas as características da sua ex-empresa (...).
O que se questiona é o tempo e o modo de pagamento efectivo desse
(parcial) valor através dos títulos de dívida pública respectivos, com a agravante dada pelo especial regime destes, (mais) depreciativo ainda daquele valor (...)
O que vai em causa, na presente acção, é a questão de saber se o próprio princípio da indemnização consagrado na lei constitucional de 1976 está ou não a ser violado pelo Réu mediante a sua actuação político-legislativa nesta matéria, já amplamente relatada na P.I.
Assim, segundo o pedido, o que está essencialmente em causa é, por um lado, a actuação do Estado, ou seja, a “demora” por este protagonizada no pagamento das indemnizações por nacionalização da empresa de que eram proprietários e, por outro lado, o pagamento da indemnização através de títulos de dívida pública com um específico regime.
A invocação da inconstitucionalidade do artigo 24º da Lei nº 11/90 e do Decreto-Lei nº 169/91, enquanto expressão de um prejuízo para o exercício de um eventual direito de reversão, também não se autonomiza do problema do tempo e do modo como a indemnização foi fixada, exprimindo apenas uma sua consequência, não integrando, consequentemente, de modo autónomo o objecto do presente recurso.
7. O primeiro núcleo de questões suscitadas pelos recorrentes consubstancia, como se referiu, a impugnação de um procedimento do Estado, nos planos da acção política e da produção legislativa e não, explicitamente, a colocação em causa da lei e dos seus critérios normativos.
Na verdade, os recorrentes consideram não terem sido suficientemente indemnizados, precisamente porque o Estado não foi célere na entrega dos valores indemnizatórios devidos. Sublinhe-se que, nas alegações de recurso de constitucionalidade apresentadas (último parágrafo), os recorrentes, invocando a Constituição, pedem o pagamento de uma indemnização que contempla a
“actualização dos montantes recebidos, após fixação dos mesmos pelo réu em 1984,
1987 e 1993”, não impugnando, verdadeiramente, qualquer norma.
Verifica-se, pois, que os recorrentes, quanto à questão do atraso no pagamento das indemnizações, se limitam a impugnar a actuação política do Estado, bem como a sua produção legislativa por este omitir medidas reparadoras adequadas ou medidas de concreta efectivação do seu direito. Não impugnam, quanto a esta questão, uma qualquer dimensão normativa efectivamente aplicada
(cf. a conclusão nº 44), mas contestam apenas a ausência de soluções normativas complementares (no sentido de que a situação derivada das nacionalizações reclamaria medidas legislativas para a efectivação de um direito a uma indemnização que tomasse em conta o factor tempo, cf. António de Sousa Franco,
“As indemnizações e as privatizações como institutos jurídico-financeiros”, Direito e Justiça, Volume V, 1991, p. 125, nota 4; e José de Oliveira Ascensão, Estudos sobre expropriações e nacionalizações, 1989, p. 204 e ss).
8. Aliás, no ponto agora em causa, todo o esforço interpretativo relativamente às alegações apresentadas não permite identificar uma precisa questão normativa. Com efeito, depois de afirmarem nas alegações que não impugnam os critérios do Decreto-Lei nº 332/91 (na verdade, contemplados nos artigos 1º a 7º), os recorrentes sustentam, nas conclusões nºs 55º e 56º, que tais normas (os artigos 1º, 13º, 18º, 19º e 24º da Lei nº 80/77 e 5º a 10º do Decreto-Lei nº 213/79, conjugados com os artigos 8º e seguintes do Decreto-Lei nº 332/91) “foram interpretadas no sentido de que os critérios indemnizatórios
[delas] decorrentes ... se bastem a si mesmos, independentemente do resultado a que conduzirem em determinado caso concreto, e que, assim, são como que imunes aos princípios gerais de direito e, até, ao núcleo básico dos princípios constitucionais relativos à protecção do direito de propriedade privada”.
Assim, para além do que atrás se caracterizou como questionamento de uma actuação do Estado, o modo vago e impreciso como os recorrentes se referem
às questões de constitucionalidade não permite delimitar aqui qualquer questão de constitucionalidade normativa, a qual só poderia fundamentar-se na contraposição dos concretos critérios consagrados pelas normas legais a princípios ou normas constitucionais.
Com efeito, do confronto do conteúdo das conclusões 55ª e 56ª das alegações do recurso de constitucionalidade com o que os recorrentes afirmam a propósito dos critérios do Decreto-Lei nº 332/91 resulta claramente que eles consideram que o Estado legislador devia ter consagrado um outro critério, a acrescer aos critérios constantes do Decreto-Lei nº 332/91. Não se sustenta que estes critérios violem a Constituição, mas sim que dados de natureza económica, relacionados com o factor tempo, mereceriam uma autónoma resposta legislativa e vieram tornar o resultado da aplicação dos critérios normativos insuficientemente compensatória da privação de direitos ocorrida.
Deste modo, a invocação dos artigos 1º, 13º, 18º, 19º e 24º da Lei nº 80/77 e 5º a 10º do Decreto-Lei nº 213/79, conjugados com os artigos 8º e seguintes do Decreto-Lei nº 332/91 não corresponde à suscitação de uma questão de constitucionalidade relativamente a quaisquer normas em vigor e aplicadas, mas à impugnação de um procedimento do Estado nos domínios da acção política e da produção legislativa.
Por outro lado, como já se referiu, também a questão da
“impossibilidade” de os recorrentes terem participado no processo de reprivatização é colocada como consequência da referida actuação do Estado, não possuindo verdadeira autonomia enquanto questão de constitucionalidade normativa.
9. O Tribunal Constitucional entende ainda que o facto de os recorrentes invocarem a inconstitucionalidade dos artigos 8º e seguintes do Decreto-Lei nº 332/91, em conjugação com as outras normas e não autonomamente, não implica a colocação do problema de constitucionalidade já analisado no Acórdão nº 452/95, de 6 de Julho (ATC, 31º vol., 1995, p. 135 e ss.) nem qualquer outro específico problema de constitucionalidade normativa. Na verdade, sendo tais normas, fundamentalmente, normas de competência de entidades administrativas na fixação definitiva das indemnizações, elas não são questionadas pelo recorrente nessa dimensão, ou quanto à possibilidade de recurso jurisdicional ou numa qualquer outra medida específica, nem foram, aliás, aplicadas directamente no caso concreto pelo acórdão recorrido, o qual fundamentou a sua decisão nas normas do Decreto-Lei nº 332/91 que fizeram uma
“avaliação actualizada” do quantum a pagar – os artigos 1º a 7º.
10. Consequentemente, as normas que constituem o objecto do presente recurso são as seguintes:
Lei nº 80/77, de 26 de Outubro Artigo 1º
(...)
2. As nacionalizações de empresas, de acções e outras partes do capital social de empresas privadas, as nacionalizações de prédios realizadas nos termos do Decreto-Lei nº 407-A/75, de 30 de Julho, e as expropriações efectuadas ao abrigo das Leis da Reforma Agrária, desde 25 de Abril de 1974, conferem aos ex-titulares de direitos sobre os bens nacionalizados ou expropriados o direito a uma indemnização, liquidada e efectivada nos termos e condições da presente lei.
(...)
(...)
Artigo 13º
1. O cálculo das indemnizações definitivas far-se-á de harmonia com as disposições da presente lei e, na sua falta, segundo a lei geral e os princípios gerais de direito.
2. Aplica-se, em especial, supletivamente, ao cálculo destas indemnizações o regime legal das indemnizações por expropriação por utilidade pública, com as necessárias adaptações.
3. A indemnização provisória representa uma antecipação da indemnização definitiva, devendo ser restituída, no todo ou em parte, se esta não for devida ou aquela lhe for superior.
(...)
Artigo 19º
1. Os empréstimos a emitir para os fins previstos no artigo anterior desdobrar-se-ão em várias classes, em função do montante global a indemnizar por titular, às quais corresponderão prazos de amortização e de diferimento progressivamente mais longos e taxas de juros decrescentes.
2. Para os efeitos referidos no nº 1, a determinação das taxas de juro, anos de amortização e período de diferimento far-se-á em função das classes definidas pelos montantes globais a indemnizar de acordo com o quadro anexo.
(...)
Artigo 24º Os juros das obrigações vencem-se desde a data da nacionalização ou expropriação ou da data da ocupação efectiva dos prédios, no caso de esta ser anterior, sendo capitalizados os vencidos até à data da emissão das obrigações destinadas ao pagamento das indemnizações provisórias e pagos anualmente os vencidos a partir dessa data.
(...)
ANEXO Quadro referido no artigo 19º
ClasseMontante a indemnizarTaxa de
Juro
PercentagemAnos de amortizaçãoPeríodo de diferimentoPeríodo
total
I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
XI
XIIAté 50 000$ .............................
De 50 000$ a 125 000$ ...........
De 125 000$ a 250 000$ .........
De 250 000$ a 450 000$ .........
De 450 000$ a 750 000$ .........
De 750 000$ a 1 175 000$ ......
De 1 175 000$ a 1 750 000$ ...
De 1 750 000$ a 2 500 000$ ...
De 2 500 000$ a 3 450 000$ ...
De 3 450 000$ a 4 625 000$ ...
De 4 625 000$ a 6 050 000$ ...
Acima de 6 050 000$ ..............13,0
12,8
12,4
11,8
11,0
10,0
9,8
8,4
6,8
5,0
3,0
2,5
6
6
7
7
9
11
13
15
17
19
21
232
2
2
2
2
2
3
3
4
4
5
58
8
9
9
11
13
16
18
21
23
26
28
Decreto-Lei nº 213/79, de 14 de Julho
Artigo 5º O empréstimo considera-se desdobrado em doze classes, cujas características, quanto a taxa de juro, anos de amortização e período de diferimento, são as constantes do quadro anexo à Lei nº 80/77.
Artigo 6º Os juros dos títulos e certificados deste empréstimo serão pagos anualmente e as datas das amortizações coincidirão com as dos vencimentos dos juros.
Artigo 7º As datas da emissão do primeiro pagamento de juro e da primeira amortização são, para cada classe, as seguintes:
ClasseData da emissãoData do primeiro pagamento de juroData da primeira
amortização
I ............................................
II ............................................
III ............................................
IV ............................................
V ............................................
VI ............................................
VII ............................................
VIII ............................................
IX ............................................
X ............................................
XI ............................................
XII ............................................1-10-1979
1-11-1979
1-12-1979
1-01-1980
1-02-1980
1-03-1980
1-04-1980
1-05-1980
1-06-1980
1-07-1980
1-08-1980
1-09-19801-10-1980
1-11-1980
1-12-1980
1-01-1981
1-02-1981
1-03-1981
1-04-1981
1-05-1981
1-06-1981
1-07-1981
1-08-1981
1-09-19811-10-1981
1-11-1981
1-12-1981
1-01-1982
1-02-1982
1-03-1982
1-04-1982
1-05-1982
1-06-1982
1-07-1982
1-08-1982
1-09-1982
Artigo 8º Para os casos previstos pelo artigo 2º da Lei nº 80/77, poderá o Governo autorizar, tendo em conta as possibilidades orçamentais, que a amortização dos primeiros 50 000$ correspondentes à classe I, prevista no artigo anterior do presente decreto-lei, seja substituída por um pagamento antecipado.
Artigo 9º Para efeito, exclusivamente, da capitalização a que se refere o artigo 24º da Lei nº 80/77, consideram-se emitidas em 1 de Outubro de 1979 todas as obrigações das doze classes deste empréstimo.
Artigo 10º
1. Os titulares de obrigações das classes II a XII receberão, conjuntamente com o primeiro juro e relativamente aos períodos de tempo a seguir indicados, uma remuneração ao capital que lhes tenha sido atribuído como indemnização:
ClassesPeríodos
II ............................................
III ............................................
IV ............................................
V ............................................
VI ............................................
VII ............................................
VIII ............................................
IX ............................................
X ............................................
XI ............................................
XII ............................................Um mês.
Dois meses.
Três meses.
Quatro meses.
Cinco meses.
Seis meses.
Sete meses.
Oito meses.
Nove meses.
Dez meses.
Onze meses.
2. No cálculo da remuneração a que se refere o número anterior será utilizada a taxa de juro que, para cada classe, consta do quadro anexo à Lei nº 80/77.
B Apreciação da questão de constitucionalidade normativa suscitada
11. Os recorrentes questionam, na perspectiva da constitucionalidade, as normas constantes dos artigos 1º, nº 2, 13º, 19º e 24º da Lei nº 80/77 e dos artigos 5º a 10º do Decreto-Lei nº 213/79, enquanto deles decorre que o pagamento das indemnizações devidas por nacionalização será feito mediante entrega de títulos de dívida pública, de classes diferenciadas e vencendo juros (embora de montante inferior ao normalmente previsto nos mercados económico e financeiro).
O Tribunal Constitucional, no citado Acórdão nº 39/88, apreciou a conformidade à Constituição das normas que originariamente dispunham sobre as indemnizações devidas pelo Estado por nacionalizações (Decreto-Lei nº 528/76, Lei nº 80/77 e Portarias nºs 786-A/77 e 618/78).
Nesse aresto, considerou-se legítimo, do ponto de vista da constitucionalidade, o pagamento das indemnizações devidas por nacionalizações através da fixação de prazos de amortização e de diferimento diferenciados, assim como taxas de juro desniveladas, em função do montante global a pagar. Desse aresto resulta também com clareza que o pagamento das indemnizações através da entrega de títulos de dívida pública não contraria qualquer princípio constitucional.
Os recorrentes, quanto a esta questão, também não começam por impugnar verdadeiramente o específico modo de pagamento (a utilização de títulos de dívida pública), mas sim a situação e os resultados gerados (cfr. conclusão
44 das alegações do presente recurso). Ora, tal colocação do problema não consubstancia, como se demonstrou, uma questão de constitucionalidade normativa.
Mas, por outro lado, quanto ao específico modo de pagamento das indemnizações
(através da entrega de títulos de dívida pública com regimes diferenciados e com taxas de juro abaixo das praticadas no mercado económico e financeiro), cuja constitucionalidade foi suscitada na conclusão 43ª das alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e na conclusão 38ª das alegações do recurso de constitucionalidade, importa salientar que o Acórdão n.º 39/88 se pronunciou no sentido de que tal regime de pagamento não viola qualquer preceito constitucional, afirmando o seguinte:
Situando-se as taxas de juro abaixo (nalguns casos, mesmo bastante abaixo) das que são praticadas no mercado monetário e financeiro, é evidente que se verifica uma progressiva desvalorização dos montantes indemnizatórios calculados. Um tal efeito é, porém, minorado pela possibilidade antes assinalada (supra II, nº 2.4) que têm os titulares de direito de indemnização provenientes de nacionalização, de transaccionarem os títulos e de os mobilizar antecipadamente
- mobilização que só é, no entanto, permitida ao titular originário ou a seus herdeiros. E minorado ainda no caso de mobilização antecipada, porque, conquanto a «mobilização» se faça, em regra, pelo valor de «actualização», e não pelo valor nominal, aquela actualização é feita à taxa de juro correspondente à da classe I: 13% (cf. o artigo 29º, nº 1, da Lei nº 80/77). E um valor que - embora para a generalidade dos títulos seja inferior ao do mercado - é superior ao valor real para os títulos das classes II a XII, uma vez que ele é calculado por uma taxa de juro superior à que lhes corresponde. Assim sendo, é de arredar também a ideia de eventual violação do princípio da indemnização, consagrado no artigo 82º, uma vez que não se vê que as indemnizações fixadas corram o risco de se transformar em pseudo-indemnizações, isto é, em indemnizações de valor manifestamente desproporcionado ou irrisório.
Partindo-se, no essencial, da fundamentação do Acórdão citado, conclui-se agora, de novo, pela não inconstitucionalidade de tais normas sempre na base do pressuposto de que o critério indemnizatório das nacionalizações não é idêntico ao das expropriações, não só porque não tem de se pautar por uma justiça absolutamente indemnizatória como também porque pode ter em conta critérios especiais de necessidade política e social. Segundo tais critérios, a prevalência do interesse colectivo sobre o interesse particular subsistirá até ao ponto em que o sacrifício dos direitos dos particulares comece a ser desproporcional e desnecessário, ou atacável em termos de justiça distributiva, como aconteceria, no caso presente, se as indemnizações, no momento em que deveriam ter sido atribuídas, fossem irrisórias ou manifestamente desajustadas relativamente ao valor dos bens nacionalizados, tendo em conta a realidade económica da época. Ora esta última hipótese carece de ser demonstrada do ponto de vista do interesse público e da situação real da economia, tendo ainda em conta que a situação dos cidadãos que deveriam receber as indemnizações através de títulos da dívida pública não é diferente da dos outros cidadãos que eram titulares de títulos de dívida pública de juro fixo, no mesmo momento.
Não se verifica, pois, a inconstitucionalidade do regime que determina o pagamento das indemnizações por nacionalização através da entrega de títulos de dívida pública com regimes diferenciados e com taxas de juro abaixo das que são praticadas no mercado monetário e financeiro.
III Decisão
12. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs por cada recorrente ou casal de recorrentes.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2003
Maria Fernanda Palma Bravo Serra Artur Maurício Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida Gil Galvão Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto junta) Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração de voto junta) Carlos Pamplona de Oliveira (vencido, entendo que, no caso concreto, a aplicação do regime específico da indemnização por nacionalização – decorrente das questionadas normas da Lei nº 80/77 de 26 de Outubro e do D.L. 213/79 de 14 de Junho – não proporciona uma indemnização justa e equitativa. Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com o voto do Exmº Senhor Juiz Conselheiro Mota Pinto). José Manuel Cardoso da Costa ( Mantenho inteiramente a convicção e o entendimento – que exprimi em declaração de voto aposta ao Acórdão nº 39/88 e tive oportunidade de reiterar, de passagem, em declaração de voto junta ao Acórdão nº 452/95 – de que, mesmo aceitando-se que os critérios de justiça por que há-de pautar-se a fixação das indemnizações devidas aos titulares de bens nacionalizados não têm de ser idênticos aos aplicáveis à comum expropriação de bens por utilidade pública, mesmo assim, a solução constante do artigo 19º, nº2, da Lei nº 80/77, e do “Anexo” para que remete, não realiza (ou realizou) satisfatoriamente sequer aqueles primeiros critérios de justiça, acabando por pôr em causa o próprio “princípio” de uma indemnização proporcionada ou razoável, aí – em matéria de nacionalizações – também vigente. Continuando a pensar, assim, que tal solução é inconstitucional, fiquei vencido, nesse ponto, quanto ao decidido no precedente acórdão).
Declaração de voto
1.Votei vencido por entender que as normas em causa, integrantes do regime das indemnizações por nacionalização, conduzem, claramente, a montantes indemnizatórios manifestamente desproporcionados em relação ao valor dos bens nacionalizados. Julgo aliás, que no presente recurso a invocação do “tempo” do pagamento das indemnizações – com grande atraso – não constitui uma questão de constitucionalidade autónoma, mas, simplesmente, um argumento adjuvante, para reforçar a demonstração, conjuntamente com o “modo” de pagamento das indemnizações – através de títulos de dívida pública com determinados limites de juro –, da manifesta insuficiência, e desproporção, dos montantes indemnizatórios em relação ao valor dos bens nacionalizados, e, portanto, para configurar uma “justa indemnização” – ou uma indemnização “razoável ou aceitável”. É isso o que resulta, a meu ver, da leitura das conclusões 32ª e seguintes das alegações do recorrente, não se justificando, portanto, que o Tribunal Constitucional tivesse excluído aquela invocação, como reportada a uma questão de constitucionalidade não referida a normas.
2.Concordo com que, como se disse no Acórdão n.º 39/88, deste Tribunal, a indemnização por nacionalização não tem de equivaler à indemnização por expropriação por utilidade pública, dadas as diferenças de natureza
(designadamente, quanto à sua finalidade e de fundamento) entre esses actos. Contudo, como também se reconheceu no citado aresto, a Constituição sempre impôs a existência de uma indemnização também nos casos de nacionalização – assim, hoje, o artigo 83º, e, na versão de 1976, o artigo 82º, n.º 1 –, apenas remetendo para a lei os critérios da respectiva fixação. Estes critérios podem, a meu ver, variar segundo o tipo e o montante dos bens nacionalizados, e, mesmo, consoante a justificação desta. Mas, como se referiu no citado Acórdão n.º
39/88, questão “é que esses critérios, embora diferentes, respeitem o princípio de justiça que vai implicado na ideia de Estado de direito”. E “isso exige que esses critérios não sejam susceptíveis de conduzir ao pagamento de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados, nem a pagamentos tão diferidos no tempo que equivalham a indemnizações irrisórias ou absolutamente desproporcionadas. E questão é ainda que as distinções que se estabelecerem não sejam manifestamente arbitrárias ou carecidas de todo o fundamento material.” Só respeitados estes parâmetros – correspondentes a princípios “essenciais num Estado de direito, como são o da igualdade e o da proporcionalidade, como exigências que são do princípio de justiça”, o legislador goza de certa liberdade na definição dos referidos critérios. Aceitando esta parametrização constitucional, o presente aresto concluiu, porém, que as normas em causa – ao determinarem o pagamento das indemnizações por nacionalização através da entrega de títulos de dívida pública com regimes diferenciados e com taxas de juro fixas, correspondentes ao quadro anexo à Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro – não conduziam, no presente caso, a
“pseudo-indemnizações”, isto é, a indemnizações de valor manifestamente desproporcionado ou irrisório, só por isso não dando por verificada a sua inconstitucionalidade. A demonstração de que assim é ficou, porém, por fazer, sendo certo, todavia, que bastaria uma leitura perfunctória do quadro anexo referido, onde se previu em
1977, como taxa de juro fixa mais elevada, para montantes acima de 6 050 000$00, a de 2,5% (dois e meio por cento), para logo saltar à vista a manifesta depreciação, e consequente desproporção, que se introduziu na indemnização paga, uma vez que, como é notório, só desde a data da nacionalização até aos momentos de pagamento da indemnização no presente caso, ou seja, até 1984, 1987 e 1993, se verificou uma muito elevada inflação e uma brutal desvalorização da moeda – a
“gravíssima depreciação monetária entretanto ocorrida no nosso país, quando reportada aos períodos de 1975 ou 1979 até 1984, 1987 e 1993, datas estas dos sucessivos e fraccionados pagamentos parcelares”, que foi invocada pelos recorrentes. Assim, por exemplo, para efeitos de determinação da matéria colectável em IRS, a Portaria n.º 277/94, de 10 de Maio fixou os seguintes coeficientes de desvalorização (em que 1 corresponde ao ano de 1993): 6,89 para 1979, e 14,55 para 1976. Isto é: enquanto para efeitos fiscais, o legislador manda multiplicar por várias vezes, aplicando estes índices, para encontrar a desvalorização da moeda reportada a estes anos, para o pagamento de indemnizações por nacionalização fixou como taxa de juro fixa, para valores acima de 6 050 000$00
– e a indemnização dos recorrentes ascendia quase a 50 000 000$00 –, o valor de
2,5%. E com igual clareza se patenteia a depreciação da indemnização se se considerar a taxa de inflação entre 1976, ano subsequente ao da nacionalização, e 1993, caso em que o valor encontrado seria, também, de várias vezes o valor que veio a ser pago aos recorrentes – o que, por notório, dispensa também demonstração exacta. A meu ver, é notória a manifesta desproporção, que, justamente, este Tribunal não quis admitir nas indemnizações por nacionalização, como constitucionalmente conforme, no citado Acórdão n.º 39/88, seguido pelo Acórdão n.º 452/95 (embora, a meu ver, sem tirar as devidas consequências). Assim, a indemnização em títulos da dívida pública, limitada pela aplicação de critérios legais que previram taxas de juro fixas várias vezes abaixo dos valores da inflação e da desvalorização da moeda (e não apenas “inferior ao normalmente previsto nos mercados económico e financeiro”), veio, a meu ver, a tornar-se “manifestamente desproporcionada ao valor dos bens nacionalizados” – e isto, mesmo sem analisar a forma como foi fixado o valor dos bens a indemnizar. Tal depreciação, devidamente salientada já nas declarações de voto apostas pelo Ex.mº Cons. Cardoso da Costa aos arestos citados, faz com que se não tenha tratado de uma “indemnização razoável ou aceitável que cumpra as exigências mínimas de justiça que vão implicadas na ideia de Estado de direito”, e, por isso, que não deveria ter sido considerada conforme à Constituição da República.
3.A concluir, importa notar que nenhuma das razões referidas no aresto justifica ou atenua a manifesta desproporção apontada, como, aliás, já resultava também, em parte, das declarações de voto citadas.
É o caso, desde logo, dos “critérios especiais de necessidade política e social” que teriam justificado as nacionalizações, mesmo dispensando qualquer averiguação dos efeitos sociais e económicos destas. É que, como é evidente, esses especiais “critérios” justificativos são já tomados em conta na possibilidade, referida e com que estou de acordo, de a indemnização por nacionalização diferir da que é devida nos casos de expropriação por utilidade pública, tendo apenas que ser razoável ou não manifestamente desproporcionada – como este Tribunal reconheceu, primeiro, no referido Acórdão n.º 39/88. Quanto à possibilidade de transaccionar os títulos e de os mobilizar antecipadamente – o que só é, no entanto, permitido ao titular originário ou a seus herdeiros –, para realizar o seu valor e assim atenuar os efeitos da inflação e da desvalorização da moeda, é ilusória, pois, como é evidente, o valor de transacção no mercado não poderá nunca deixar de incorporar, no sentido da sua depreciação, a consideração da taxa de juro fixa muito abaixo dos valores da inflação e da desvalorização da moeda. Por último, a invocação de que há que ter em conta a “realidade económica da
época” ou a comparação com a situação de “outros cidadãos que eram titulares de títulos de dívida pública de juro fixo, no mesmo momento” é evidentemente improcedente. É que aos titulares de bens nacionalizados foi retirada, por acto coactivo, a titularidade dos bens, e é-lhes, depois, imposto um limite máximo de juro, fixo, várias vezes abaixo da depreciação monetária. Diversamente, os adquirentes de títulos que venciam taxas fixas baixas são prejudicados por terem efectuado uma escolha, que se veio a revelar um mau negócio, ao adquirirem tais títulos, sem preverem a depreciação monetária: é evidente que nunca esteve em causa (nem o acórdão pretende sugerir) a sua indemnização… Com estes fundamentos, teria, pois julgado inconstitucionais as normas dos artigos 1º, nº 2, 13º, 19º e 24º da Lei n.º 80/77, e quadro anexo, e dos artigos
5º a 10º do Decreto-Lei n.º 213/79, enquanto deles decorre que o pagamento das indemnizações devidas por nacionalização é feito com títulos de dívida pública vencendo taxas de juros fixas de valor várias vezes abaixo da depreciação monetária registada. Paulo Mota Pinto
Declaração de voto
Votei vencida no que respeita ao julgamento de não inconstitucionalidade porque entendo, pelas razões constantes da declaração de voto do Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa junta ao Acórdão nº 39/88, para as quais remeto, que as normas apreciadas violam o princípio da indemnização por nacionalização. Apenas acrescento duas notas. A primeira, para observar que tal violação resulta acrescida pela conjugação com a norma (não considerada no Acórdão nº 39/88) do artigo 24º da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, na parte em que determina a capitalização dos juros vencidos “até à data da emissão das obrigações destinadas ao pagamento das indemnizações provisórias”, porque agrava os efeitos decorrentes do regime constante do nº 2 do artigo 19º e respectivo quadro anexo; a segunda, para contestar a aproximação, feita na parte final do acórdão, entre os titulares do direito à indemnização por nacionalização e os outros cidadãos detentores de títulos de dívida pública consolidada, voluntariamente adquiridos.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza