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Proc. nº 835/02
1ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A, arguido nuns autos de inquérito, tendo tomado conhecimento de que a acusação contra ele deduzida se fundamentava, entre o mais, em escutas telefónicas resultantes de intercepção e gravação autorizadas durante o mesmo inquérito, arguiu a respectiva nulidade junto do Juiz de Instrução Criminal de Coimbra.
No requerimento em que arguiu a referida nulidade, o requerente suscitou, desde logo, a inconstitucionalidade material das normas constantes do artigo 188º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, «por violação do princípio da legalidade consagrado no artº 32, nº 6 da CRP, se interpretados de modo a consentir que as recolhas se pudessem processar [...] sem o acompanhamento ou controlo jurisdicional devidos».
2. Encerrada a instrução, por despacho de 15 de Outubro de 2002, foram indeferidas «as requeridas declarações de nulidade e inconstitucionalidade» e pronunciado o arguido, com outros co-arguidos, pela prática de diversos crimes.
Veio, então, o referido A interpor recurso para o Tribunal Constitucional da decisão instrutória, na parte em que indeferiu a arguição da invocada nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b) da LTC.
No requerimento de interposição do recurso, reafirmou a suscitada
«inconstitucionalidade material do artº 188º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, por violação princípio constitucional da legalidade consagrado no artº
32º, nº 6, da Constituição da República Portuguesa, na concreta interpretação que lhe havia sido dada».
Segundo o recorrente, a decisão recorrida «não admite recurso ordinário».
3. Neste Tribunal, o relator entendeu que «mesmo admitindo que foi suscitada durante o processo uma questão de inconstitucionalidade normativa e que as normas impugnadas foram aplicadas, in casu, com a interpretação que vem questionada pelo recorrente», se não podia conhecer do recurso. Consequentemente, lavrou decisão sumária, ao abrigo do preceituado no artigo
78º-A, nº 1, da LTC
Nessa decisão sumária, invocou-se o que se afirmara recentemente no Acórdão nº 25/03 (ainda inédito):
Na verdade, pelo denominado «Assento nº 6/2000» (publicado na 1ª Série-A do Diário da República de 7 de Março de 2000) ficou fixada uma jurisprudência de harmonia com a qual a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais.
Ora, se bem que, ex vi do nº 3 do artº 445º do Código de Processo Penal, a jurisprudência daquela arte fixada se não torne obrigatória para os tribunais, menos certo não é que os entendimentos interpretativos perfilhados pelos arestos de fixação de jurisprudência são, em via de regra, seguidos também pelos tribunais judiciais, que deles só podem divergir se fundamentarem tal divergência, casos em que, de todo o modo, se abre recurso obrigatório nos termos do nº 1 do artº 446º do mesmo corpo de leis.
Neste contexto, é perfeitamente sustentável que os tribunais da ordem dos tribunais judiciais, designadamente os tribunais de relação, venham a tomar conhecimento dos recursos interpostos de decisões instrutórias que pronunciarem arguidos pelos factos constantes da acusação proferida pelo Ministério Pública, quanto à parte em que nessas peças processuais se decidiu no tocante à matéria relativa a nulidades arguidas no inquérito ou na instrução.
Aliás, após a publicação do designado «Assento nº 6/2000», não se conhecem decisões dos tribunais de 2ª instância que tenham diferentemente decidido quanto ao particular que ora releva, pelo que a situação em espécie, se apresenta, depois daquela publicação, com contornos diversos da que foi analisada por intermédio do Acórdão nº 585/98 (ainda inédito) do Tribunal Constitucional (e não o acórdão nº 581/2000, como erroneamente refere a reclamante), já que, aquando da prolação da decisão então reclamada e que foi objecto daquele aresto, havia flutuação na jurisprudência dos tribunais judiciais quanto à recorribilidade das decisões instrutórias quanto à matéria de nulidades arguidas durante o inquérito ou a instrução.
Sendo assim, haverá que concluir que, com um mui alto grau de probabilidade, o tribunal de 2ª instância (in casu, o Tribunal da Relação de Lisboa), caso fosse interposto recurso da decisão instrutória em apreço e na parte atinente às nulidades arguidas, viesse a conhecer da impugnação, motivo pelo qual, identicamente, se concluirá por que se não mostram esgotados os recurso ordinários que, no caso, caberiam.
Nesta conformidade, e porque os recursos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC «apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam», considerou-se na decisão sumária que não se encontrava preenchido um dos pressupostos do recurso de constitucionalidade.
4. Desta decisão sumária reclamou o recorrente para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LTC.
Fundamentando essa reclamação, alega que «o texto da lei não só não prevê a existência do recurso ordinário da decisão de 1ª instância, como exclui claramente essa possibilidade, e isso basta para se encontrar preenchido um dos pressupostos do artº 70º, nº 2, da LTC», já que, «em razão das garantias de segurança dos cidadãos em matéria de relevância tamanha, o elemento objectivo do artº 310º, nº 1, do CPP, na sua peremptoriedade, deve ser interpretado como uma das concretizações do princípio da exaustão, para efeitos de se poder chamar a intervenção do Tribunal Constitucional»; ou seja, o reclamante considera que «ao requerente se encontraram simultaneamente concedidas duas faculdades, mas insusceptíveis de serem simultaneamente exercidas: recurso com o mesmo objecto de apreciação da inconstitucionalidade, ou para o Tribunal da Relação (jogando na tese do Ac. 6/2000) ou para o Tribunal Constitucional, se se atender aos textos legais», sendo «que nenhum daqueles Tribunais ad quem (Tribunal da Relação ou Tribunal Constitucional) poderia recusar o recurso que a ele fosse dirigido, se devidamente fundamentado».
O Ministério Público respondeu, pronunciando-se no sentido de a presente reclamação ser manifestamente infundada, pois que «passou a ser inquestionável que a decisão que dirime questões prévias à pronúncia é susceptível de recurso para a Relação», «após a prolação do assento nº 6/2000», sendo certo que, «no caso dos autos, é evidente que o arguido não exauriu tal recurso».
5. Nos termos do preceituado no artigo 70º, nº 2, da LTC, os recursos previstos na alínea b) do nº 1 do mesmo artigo «apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam».
Cumpre, assim, em cada caso concreto, verificar se já se encontram esgotados os recursos ordinários. E, se tal não acontecer, o recurso não reúne os necessários pressupostos.
Ora, no caso vertente, pelas razões já expostas na decisão sumária, tem de se considerar que se não encontravam esgotados os recursos ordinários. E se o recorrente entendia que, «no caso vertente, a questão essencial é a da inconstitucionalidade», pelo que «não terá grande sentido [...] deixar de colocar logo a questão no Tribunal com especial capacidade e competência para o julgamento da questão», cabia-lhe ter feito esgotar o recurso ordinário por uma das formas previstas no artigo 70º, nº 4, da LTC, designadamente renunciando a esse recurso – é esse, aliás, o sentido da lição de Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª ed., 2002, pág. 998) que o ora reclamante transcreve, pretendendo aproveitá-la com outro sentido.
Confirma-se, pois, que o recurso interposto carece de um pressuposto essencial.
6. Nestes termos, indefere-se a reclamação da decisão sumária que não tomou conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC’s. Lisboa, 19 de Fevereiro de 2003 Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa