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Processo n.º 445/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 338/2012, que decidiu não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(…) 2. Cumpre desde logo salientar que as alegações apresentadas pelo recorrente juntamente com o requerimento de interposição do recurso não podem ser admitidas neste momento processual (cfr. artigos 78.º-A e 79.º da LTC) em que, antes de mais, importa verificar se o recurso reúne os pressupostos necessários à sua admissibilidade, o que se impõe fazer tomando em consideração, além do mais, o requerimento de interposição do recurso, acima transcrito.
Em síntese, pretende o recorrente a apreciação de três questões:
1) Inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 32.°, n.º 3, da CRP, 62.°, n.º 1, 64.° e 371.°, n.º 3, do CPP, e do artigo 39.°, n.º 2 da LPJ, no sentido de que «a comparência do arguido não é obrigatória e a sua Mandatária (Advogada Escolhida pelo Arguido) pode ser substituída para o ato por defensor oficioso»;
2) Inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 127.° e 344.° do CPP, no sentido de que «o Tribunal perante uma 'confissão integral e sem reservas' com o valor probatório da prova legal pleníssima por não se admitir qualquer produção de prova subsequente e os factos constantes do ato confessório deverem considerar-se provados»;
3) Inconstitucionalidade da interpretação do artigo 69.°, n.º 2, do CPP, no sentido de que «a proibição, no caso da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, não pode limitar-se a determinadas categorias de veículos motorizados».
Acontece que, em qualquer dos casos, o recorrente não suscitou tais questões perante o tribunal recorrido. No recurso que apresentou no Tribunal da Relação de Guimarães, o recorrente limita-se a discutir questões infraconstitucionais e a concluir pela inconstitucionalidade de “interpretação diversa” da efetuada na decisão recorrida quanto a diversos preceitos legais, nem sequer inteiramente coincidentes com os que agora indica (cfr. conclusão 11 das referidas alegações); ou a invocar princípios constitucionais em abono da sua posição (cfr. conclusões 22 e 28); terminando com a alegação de que foi violado o «são e/ou correto entendimento» de um conjunto de preceitos do Código Penal, do Código de Processo Penal e da própria Constituição (cfr. conclusão 43). Mas em momento algum o recorrente enuncia uma norma ou interpretação normativa, alegadamente adotada pela decisão recorrida como sua ratio decidendi, para depois lhe apontar o vício de inconstitucionalidade.
A falta de suscitação das questões de constitucionalidade obsta, só por si, ao conhecimento do objeto do recurso, na sua totalidade.
3. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objeto do recurso.(…)»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«(…) 1º
A Douta Decisão Sumária proferida a fls... dos autos profícua e sabiamente fundamentada, merece, antes de mais, todo o respeito do Recorrente.
2º
Tal decisão, e da qual agora se reclama, assenta em duas posições: a primeira de que o arguído não suscitou perante o Tribunal recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 32.º, n.º 3 da CRP, 62º, n.° 1, 64.º e 371.º, n.º 3 do CPPenal, do art.º 39.º, n.º 2 da LPJ e dos artigos 127.º e 344.º do CPPenal e ainda 69.º n.º 2 do CPPenal; e a segunda referindo que neste momento processual já não está o ora Reclamante em tempo de suscitar a questão da inconstitucionalidade.
3º
Ora, quanto à primeira posição defendida, reconhece o Recorrente que a forma como nas Instâncias colocou a questão da inconstitucionalidade, não foi, provavelmente a mais feliz terminologicamente, nem, porventura, a totalmente adequada ao cumprimento dos requisitos de admissibilidade do recurso para este alto Tribunal.
4º
Por isso, não vai procurar novas desculpas, para além da sua deficiência e pouco saber.
5°
Mas não deixa de ser verdade que o arguido, ora recorrente, sempre aflorou e invocou as questões das inconstitucionalidades da suscitadas.
6°
De facto, o ora Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade junto do Tribunal Recorrido, em sede de Recurso:
• 'No dia 27/05/2011 (sexta-feira), foi expedida notificação para o ora Recorrente e para a sua Mandatária, com despacho marcando leitura de sentença para o dia 01/06/2011 (quarta-feira).
A notificação do ora Recorrente foi entregue à mãe deste no dia 31 do maio de 2011, assim como a sua Mandatária também recebeu a referida notificação no mesmo dia.
Imediatamente a mandatária do Recorrente comunicou ao Tribunal a quo que não poderia comparecer no dia e hora agendados, assim como o Recorrente por ser motorista de profissão em Espanha e encontrar-se a fazer a rota de Santander e Pamplona, o que o impossibilitava atenta a distância, de comparecer atempadamente na diligência agendada para o dia seguinte, pelo que se impunha o seu adiamento.
Em primeiro lugar, cumpre atender ao plasmado no n.º 3 do art.º 113.º do CPPenal, designadamente “…considera-se a notificação efetuada no 5º dia posterior a data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal
Desde logo, a notificação não se presume cumprida no dia agendado para a leitura de sentença, aliás, a notificação foi expedida somente 4 dias antes do dia agendado para a referida leitura.
Pelo que, desde logo, havia conhecimento expresso do Tribunal a quo de que o ora Recorrente poderia não ser avisado atempadamente da diligência em que teria o direito de estar presente.
A Meritíssima Juiz entendeu não proceder ao adiamento da referida diligência e nomear defensor oficioso ao ora Recorrente.
O Recorrente é notificado, nem sequer a 24 horas da hora prevista para leitura de sentença, imediatamente tem a preocupação de avisar o Tribunal da sua situação de impossibilidade de comparência, não sendo a mesma tida em consideração.
Ao que acresce, o facto de a este ser dado o direito de escolha de defensor, ao que oportunamente recorreu, mas face à impossibilidade de este estar presente foi-lhe nomeado outro sem qualquer consentimento da sua parte.
Parece-nos, salvo melhor e douta opinião, que estamos perante a violação de um dos direitos consagrados no art.º 32.º da CRP, assim como do art.º 61.º do CPPenal e n.º 5 do art.º 113.º do CPPenal.
Aliás, considera o ora Recorrente que uma interpretação diversa a fazer aos supra referidos preceitos (art.º 32.º da CRP, 61.º do CPPenal e n.º 5 do art.º 113.° do CPPenal) dentro do sistema e pensamento legislativo, sem descorar Princípios Constitucionais nesse sentido, consubstancia uma inconstitucionalidade ao aí plasmado”.
• A aplicação da inibição da faculdade de conduzir a veículos a motor, excetuando veículos pesados de mercadorias, deveria ser atendida no presente caso, e não se afigura ao Recorrente ser censurável, já que a situação económica e familiar do Recorrente pode ficar em risco em virtude de não poder exercer a sua profissão e tal parece não colidir com o previsto no n.º 2 do art.º 69.º do CPenal, in fine.
Aliás, a proibição de conduzir veículos ligeiros de passageiros penaliza o Recorrente de modo sensível, sem pôr em causa o seu trabalho.
Neste sentido, AC. RG, de 11-04-2005, é claro que a interpretação da norma do n.º 2, do art.º 69.º, pode ser outra. Pode, v.g., o legislador querido expressar que não há categorias de veículos legalmente excetuados do âmbito de aplicação da norma. Mas estamos em crer que o real sentido não é esse, porque não se vê que o legislador lançasse mão de uma formulação ambígua para afirmar uma realidade que já resultava do regime antigo, sem essa concreta proposição.
Decorre do anteriormente exposto, maxime atenta a sua profissão, que a necessidade de conduzir veículos pesados de mercadorias é absolutamente imperiosa para o recorrente, o que ficaria salvaguardado com a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir ou, em alterativa ser-lhe aplicada a inibição de conduzir a todos os veículos motorizados, exceto aqueles, podendo-se ainda restringir ao serviço da entidade empregadora do recorrente.
Efetivamente, pode inferir-se do comportamento do recorrente anterior e posterior à prática dos factos, uma vez que nunca havia cometido, nem cometeu qualquer infração estradal, ou ilícito criminal que o que sucedeu foi um comportamento pontual desviante ao sempre habitual.
A questão que se coloca é se a ameaça de execução da punição ou sobredita atenuação especial, satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial.
As necessidades de prevenção especial, atendendo à conduta anterior e posterior à prática dos factos, à personalidade do agente e entorno económico e social do mesmo, bem como o facto de ter confessado tudo o imputado, de se ter mostrado arrependido a de haver comparecido no Tribunal a quo nas duas audiências de discussão e julgamento, revela uma personalidade bem formada, integrada e conforme aos ditames da lei.
“Reconhece-se hoje, em geral, tanto na Doutrina como nos mais recentes tratamentos legislativos o problema, que a falta censurável de consciência da ilicitude constitui uma circunstância suscetível de atenuar a culpa do agente em termos que tornam as molduras penais normais, previstas para os factos dolosos respetivos, insuficientes para dentro delas se considerar com justeza uma tal diminuição da culpa. Daí a conclusão de que o Juiz poderá nestas hipóteses atenuar especialmente (livremente extraordinariamente) a pena: é a tese que chamamos da atenuação extraordinária facultativa”. De qualquer modo, aliás, a faculdade de atenuação extraordinária depende da existência, não necessariamente de uma circunstância atenuante tipificada, mas tão só de um substrato qualquer que em concreto diminua especialmente a culpa (assim Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal II, 303s. Já, de resto, em face da redação do art.º 94.° anterior a 1954 entendia Eduardo Correia, Direito Criminal (Studium) 239, que o preceito seria de aplicar sempre que “estejamos face de uma situação tal que, em nome da Justiça e da Equidade, não seja possível! determinar-se a sanção sem usar de tais poderes extraordinários”). E assim se abre já hoje entre nós ao Juiz a possibilidade de, na determinação legal da pena, substituir a moldura penal normal pela moldura penal extraordinariamente atenuada — para depois, dentro dos limites desta, determinar a medida concreta da pena -, quando considere que a falta de consciência da ilicitude determinou uma sensível diminuição da culpa do agente — Figueiredo Dias, in O Problema da Consciência da ilicitude em Direito Penal, 11 Edição, pag. 380.
Verificar-se-iam in casu, sempre circunstâncias que sempre diminuiriam de forma acentuada a licitude do facto, a culpa ou a necessidade da pena (“Ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados — alínea c), do n.º 2, do art.º 72.º CPenal e confissão).
Os princípios constitucionais da proporcionalidade e da adequação (dos meios aos fins) assim o impõem. Na verdade, os decretados 3 meses de inibição traduzir-se-ão, por certo, em desemprego e em miséria.
A sua família não tem outros meios de subsistência que não o vencimento resultante do árduo trabalho do recorrente.
Donde, não é só o recorrente que é censurado. É, também, a sua família, por tabela.
Um ato irrefletido, isolado, estúpido, assumido quanto à culpa, não poderá, atento os fins da Justiça numa sociedade hodierna e permissiva (a exceção será o álcool) impor tão drástica medida sem contemplações a “dura lex sed lex” pode e deve ser temperada e mitigada.
A lei penal não visa a destruição do ser humano, antes a sua eficaz integração da sociedade.
Assim, o preceituado nos art.ºs 65.º CP e n.º 4, do art.º 30.º C.R.P.: “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
Daí que ao não lançar mão da parte final do n.º 2 do art.º 69.º do CPenal esteja a pôr em crise Princípios Constitucionais de forte valoração, agindo inconstitucionalmente contra o normativo legal
7º
Posteriormente, foi o Ora Recorrente notificado do douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação, do qual o Recorrente suscitou esclarecimentos, aflorando de igual forma a questão das inconstitucionalidades ora alegadas.
8°
Nesse sentido, alegou o seguinte:
• “No que concerne a primeira questão levantada em sede de alegações de recurso, entendem doutamente, que conforme resulta do artigo 373.º, n.º 3 do CPPenal, aplicável ao processo sumário por força do art.º 386.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, a leitura da sentença pode ser efetuada ainda que o arguido notificado, não esteja presente”.
2º
Efetivamente, dispõe o n.° 3 do citado preceito legal que “o arguido não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante defensor ou constituído”
Pelo que,
3º
Salvo melhor e douta opinião, uma vez que o ora Recorrente tinha mandatário constituído e que o mesmo se encontrava impedido de comparecer por impossibilidade de agenda e fez tal comunicação ao Tribunal “a quo” parece que se impunha o adiamento da diligência.
4º
E foi nesse sentido que alegou interpretação diversa a ser dada ao art.º 32.º da CRP, art.º 61.º do CPPenal e 113.º do CPPenal consubstanciaria uma inconstitucionalidade ao aí plasmado.
5º
Pelo que a interpretação ora dada ao art.º 373.º, n.º 3 do CPPenal é inconstitucional.
6º
• Segundo dispõe o n.º 3 do art.º 32.º da CRP, são conferidos ao arguido os direitos fundamentais a escolher defensor que promova a sua defesa e a ser assistido por este no decurso do processo penal.
Acresce que,
7º
O artigo 62.º, n.º 1 do CPPenal estatui que o arguido pode, em qualquer fase do processo constituir advogado.
8º
O advogado exerce os direitos do arguido, podendo, assim, promover a defesa deste em plenitude, sendo tal regra só afastada em situações em que o arguido deva praticar pessoalmente certo ato processual.
9°
Assim e por força do art.º 64.º do CPPenal impõe-se que a leitura da sentença seja efetuada na presença da sua advogada.
10º
Atendendo a que a advogada constituída pelo arguido se encontrava impedida por incompatibilidade de agenda, para comparecer na leitura da sentença e avisou atempadamente o Tribunal a quo entende-se, salvo melhor e douta opinião, não devia ter havido lugar a nomeação de defensor.
11º
Além do mais, só é obrigatória a nomeação de defensor quando não haja advogado constituído.
Acresce que,
12º
Se atendermos ao n.º 2 do art.º 39.º da LPJ, a nomeação de defensor é antecedida da advertência ao arguido do seu direito a constituir mandatário, sendo tal norma decorrência evidente do direito constitucional garantido de escolha de defensor a que já nos reportamos (1ª parte, do n.º 3 do art.º 32.º da CRP).
13º
Pelo que foi retirado ao arguido um direito fundamental que lhe advêm do constitucionalmente previsto, e resulta de tudo o ora vertido, que a interpretação dada às normas previstas no n.º 3 do art.º 32.º da CRP, n.º 1 do art.º 62.º e n.º 1 do art.º 64.º, artigo 373.º, n.º 3 do CPPenal e n.º 2 do art.º 39.º da LPJ é inconstitucional
14°
No douto Acórdão proferido, não há posição assumida quanto à nomeação de defensor oficioso, quando existia mandatário constituído, existindo assim omissão de pronúncia à questão suscitada.
Acresce que,
15.º
O Recorrente suscitou perante o Tribunal “ad quem” erro na apreciação da prova pelo facto de Tribunal a quo não efetuar a redução da margem de erro que está subjacente na calibragem dos alcoolímetros.
16º
Entendeu o Tribunal ad quem que face ao disposto no art.º 344.º do CPPenal, ou seja à confissão integral e sem reservas do recorrente, verifica-se a existência de prova legal pleníssima por não se admitir qualquer produção de prova subsequente e os factos constantes do ato confessatório deverem considerar-se confessados.
17º
O facto de o ora Recorrente ter efetuado a confissão integral e sem reservas, não obsta, por uma consideração meramente formal, à substancial relevância substantiva penal de redução de 7,5% de EMA à TAS de 1,70g/l registado pelo aparelho que permite apurar a TAS real mínima segura de 1,57g/1, indispensável à justa condenação com a certeza constitucional exigível judiciariamente.
18º
Nesse sentido, Ac. da Relação do Porto, “I - Ao valor da taxa de álcool no sangue registado pelo alcoolímetro deve deduzir-se o valor da respetiva margem de erro admissível. II — A isso não obsta a confissão integral e sem reservas do arguido na audiência”.
Isto porque,
19º
Impõe o artº. 153.º, n.º 1 do CE que “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito e dispondo o art.º 2.º da Portaria 1556/2007 que os alcoolímetros são os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado.
20º
É evidente que o único meio de prova processualmente válido de determinação da TAS é o sobredito aparelho alcoolímetro legalmente tido como o único capaz, pelos seus in put científicos e técnicos conforme atual estado de conhecimentos, de afinal indicar, visual e documentalmente, como out put a TAS nominal e, uma vez relevado o respetivo EMA legalmente estipulado, a TAS corrigida, isto é a TAS mínima segura.
21º
Pelo que, o objeto processual penalmente possível da declaração do Recorrente, captada pelo Tribunal sujeito “...às regras da experiência e a livre convicção…” conforme art.º 127.º CPP “...salvo quando a lei dispuser diferentemente...” como tendo conteúdo confessório restringe-se ao complexo fáctico suscetível de poder ser admitido pelo declarante quando foi do conhecimento psicológico dele só então confitente que “... actou livre, deliberada e conscientemente, apesar de saber...” que a condução de veículo motorizados sob o estado de álcool era proibida por lei, sabedor que “... tinha ingerido bebidas alcoólicas em excesso...”
22°
Ademais pese embora tantas e tamanhas alterações ao CPPenal persiste o mesmo em não conter definição legal de confissão, pois a mesma não decorre, sequer, do estatuído no art.º 344.º do CPPenal
23°
Assim expressa a ratio da exigência de rigor na afirmação em processo penal da confissão do arguido, na ausência no CPPenal de definição legal daquela procurar-se-á a mesma nos artigos 352.º a 361.º do Código Civil.
24º
Ora perspetivando o estatuído nos artigos 352.º a 361.º do Código Civi1 à luz conformadora dos princípios constitucionais e legais de um processo penal equitativo e leal estruturado, além dos mais, princípios do acusatório, do contraditório, da investigação, etc, sintetiza-se que:
• Ao confessar o arguido reconhece um facto que lhe é desfavorável;
• Só é eficaz quando efetuada por arguido com capacidade e poder para reconhecer o facto confessado;
• A confissão não faz prova contra o confitente se for declarada insuficiente por lei ou recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba;
• A declaração confessória deve ser inequívoca;
• Se a declaração confessória for acompanhada da narração doutros factos ou circunstâncias o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o Tribunal apreciará livremente.
25º
O excurso efetuado permite afinal sintetizar que a confissão do arguido exarada na Ata e provada na Sentença não obsta à substancial relevância substantiva de 7,5% de EMA à TAS nominal de 1,70 registado pelo alcoolímetro permitindo apurar a TAS mínima segura de 1,57 indispensável à justa condenação com a certeza constitucionalmente exigível judiciariamente.
26º
Pelo que a interpretação dada ao art.º 344.º do CPPenal é inconstitucional o excurso efetuado permite a final sintetizar que a confissão do arguido exarada na Ata e provada na Sentença não obsta à substancial relevância substantiva de 7,5% de EMA à TAS nominal de 1,70 registado pelo alcoolímetro permitindo apurar a TAS mínima segura de 1,57 indispensável à justa condenação com a certeza constitucionalmente exigível judiciariamente.
26º
Pelo que a interpretação dada ao art.º 344.º do CPPenal é inconstitucional.
Acresce que,
27º
O Recorrente lançou mão da parte final do n.º 2 do art.º 69.º do CPenal, no sentido, de lhe poder, ser aplicada sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor, exceto pesado de mercadorias atenta a profissão do mesmo.
28º
No douto Acórdão proferido por V. Excias. fazem a reprodução do citado n.º 2 do art.º 69.º do CPenal, omitindo a parte final, a que reportava o recorrente, ou seja, “…ou de uma categoria determinada”.
29º
Pelo que parece ao Recorrente que a sua pretensão é passível de aplicação legal, atenta a parte ora transcrita do preceito.
30º
Aliás, no douto Acórdão, afirmam vossas Excias. que é inquestionável que a proibição pode abranger a condução de veículos com motor de determinada categoria.
31º
No entanto, entende o Tribunal “ad quem” que, “...a proibição, no caso da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, como é o caso dos autos, não pode limitar-se a determinadas categorias de veículos motorizados, porquanto os perigos que uma condução em tais condições potencia para os utentes das vias, não resultam, como é obvio, do próprio veículo, mas sim do estado da pessoa que o conduz. Ou seja, o perigo associado à condução em estado de embriaguez está presente em todas as categorias de veículos motorizados”.
32º
Pelo que, a interpretação dada, no douto Acórdão, é, salvo melhor e douta opinião, inconstitucional
33º
O Recorrente é condenado na pena acessória de conduzir por aplicabilidade da al. a) do n.° 1 do art.º 69.º do CPenal, “...é condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido por crime previsto nos artigos 291º ou 292º do CPenal”.
34º
No 291.º do CPenal temos a referência a condução perigosa de veículo rodoviário e no 292.º do CPenal a condução do veículo em estado de embriaguez.
35º
O n.º 2 do art.º 69.º não exceciona a sua aplicabilidade, no que concerne a determinada categoria, a quem praticar o crime previsto no art.º 292.º do CPenal
36°
A medida da necessidade de tutela de bens jurídicos não será pois um ato de valoração in abstrato, mas um ato de valoração ín concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador à luz das circunstâncias do ato.
37º
Fatores da mais diversa natureza e procedência — e, na verdade, não só fatores do “ambiente”, mas também fatores diretamente atinentes ao facto e ao agente concreto — podem fazer variar a medida da tutela dos bens jurídicos e da necessidade da pena.
38º
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração-podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
39º
Pelo que esta deve em toda extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia ótima de proteção dos bens jurídicos.
40º
O previsto no n.º 1 do art.º 65.º do CPenal e art.º 30.º, n.º 4 da CRP, reforçar a inconstitucionalidade da interpretação dada no caso dos autos ao art.º 69.º, n.º 2 do CPenal
• tendentes a infirmar a eficácia do confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, para o seu aproveitamento como prova plena tem de aceitar-se também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias salvo se se provar a sua inexatidão;
9º
Desta forma, e com o devido respeito por opinião contrária, considera o ora reclamante já ter suscitado perante o tribunal recorrido a questão das inconstitucionalidades e da violação de preceitos constitucionais com a interpretação dada aos artigos em questão — ainda que possa considerar-se que a mesma porventura, não tenha sido formulada da melhor maneira,
10º
Podendo o Tribunal recorrido ter decidido em conformidade a questão da inconstitucionalidade.
11º
Acresce ainda que o Recorrente foi surpreendido com as interpretações normativas dadas sucessivamente pelas instâncias, ou, ao menos das normas que se extraíram nas interpretações dadas àqueles dispositivos legais.
12°
Tendo atacado as questões da inconstitucionalidade nos moldes - acima descritos.
13°
Por isso, mesmo que se considerasse que o recorrente não suscitou da maneira mais correta as questões das inconstitucionalidades das normas acima invocadas, ou não as suscitou previamente,
14º
O que se compreende dada a deficiente forma como a questão foi sendo colocada ao longo das alegações nas instâncias, também aqui, deveria ser admitida a dispensa do ónus de suscitação da questão da constitucionalidade durante o processo.
15º
Assim sendo, e caso seja realmente considerado que as questões de inconstitucionalidade não foram corretamente suscitadas, parece-nos, salvo também melhor e mais douta opinião, que nos autos se verifica uma situação do tipo daquelas em que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido a dispensa do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo.
16°
E isto repete-se na medida em que as normas interpretativas, tiradas pelas instâncias daqueles dispositivos legais, tem caráter surpreendente em função, principalmente das orientações jurisprudenciais, veja-se, os seguintes Acórdãos:
• Ac. da Relação do Porto, de 05-01-2011, do qual resulta o seguinte: l — Ao valor da taxa de álcool no sangue registado pelo alcoolímetro deve deduzir-se o valor da respetiva margem de erro admissível. II — A isso não obsta a confissão integral e sem reservas do arguido na audiência.
• Ac. da Relação de Guimarães de 11-04-2005, do qual resulta o seguinte: “III- é claro que a interpretação da norma do n.º 2, do art.º 69.º, pode ser outra, podendo, v.g., o legislador ter querido expressar que não há categorias de veículos legalmente excetuados no âmbito de aplicação da norma. IV- Mas estamos em crer que o real sentido não é esse, porque não se vê que o legislador lançasse mão de uma formulação ambígua para afirmar uma realidade que já resultava do regime do artigo, sem esse concreta proposição, pelo que entendemos que, na sentença, foi feito uso de um poder legal. V. Por outro lado, não só a decisão é legal como é equilibrada. VI. Em primeiro lugar porque a proibição de conduzir veículos ligeiros de passageiros penaliza o arguido de modo sensível, sem pôr em causa o seu trabalho.
17º
Por tudo isto, e sendo de um ou de outro modo, entende o Recorrente que a douta decisão reclamada deverá ser reformada e, ou, alterada por forma a que seja determinado a admissão do recurso interposto, bem como determinada a notificação do Recorrente para apresentar neste Tribunal as respetivas alegações.
18°
Quanto á segunda posição assumida, a mesma já foi em parte contraditada nos artigos anteriores. No entanto,
19°
O Recorrente gostaria de reafirmar que suscitou as questões de inconstitucionalidade junto do Tribunal Recorrido, ainda que de forma deficiente ou menos correta.
20º
Pelo que se requer seja dado provimento à presente reclamação, reformando-se e, ou, revogando-se a douta decisão sumária que não admitiu o recurso interposto, substituindo-se esse por uma outra que admita, com todas as devidas e legais consequências.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Excias. Venerandos Juízes Conselheiros, se requer seja dado provimento à presente reclamação, reformando-se e, ou, revogando-se a douta decisão sumária que não admitiu recurso interposto, substituindo-se esse por uma outra que o admita, com todas as devidas e legais consequências.»
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou a seguinte resposta:
«(…) 1º
Pela Decisão Sumária 338/12, de 27 de junho (cfr. fls. 409-411 dos autos), o Ilustre Conselheiro Relator concluiu, decidindo “não conhecer do objeto do recurso”.
2º
Nos presentes autos, por sentença de 2 de novembro de 2009, do Tribunal Judicial de Valença (cfr. fls. 46-50 dos autos), foi o arguido, A., condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena 65 dias de multa, à taxa diária de € 6, num total de € 390 (cfr. fls. 49-50 dos autos).
Para além disso, foi o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir por um período de 3 meses.
3º
Inconformado, o arguido recorreu deste acórdão, em 20 de novembro de 2009, para o Tribunal da Relação de Guimarães (cfr. fls. 57-64 dos autos).
Este tribunal superior, por Acórdão de 19 de abril de 2010 (cfr. fls. 84-91 dos autos), considerou nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, uma vez que o tribunal de 1ª instância não havia apreciado o requerimento do arguido, relativo à suspensão provisória do processo.
4º
Baixados os autos à 1ª instância, o requerimento do arguido, acabado de referir, foi objeto de ulterior indeferimento (cfr. fls. 101 dos autos).
Realizou-se, posteriormente, nova audiência de discussão e julgamento, no final da qual foi proferida nova sentença, de 20 de setembro de 2010 (cfr. fls. 129-134 dos autos), que manteve as penas anteriormente aplicadas ao arguido.
5º
O arguido interpôs, então, novo recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães (cfr. fls. 143-156, 160-173 dos autos).
Este tribunal superior, por Acórdão de 28 de fevereiro de 2011 (cfr. fls. 215-226 dos autos), determinou “que o processo baixe à 1ª instância para integral cumprimento do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.04.2010”.
6º
Regressados, mais uma vez, os autos à 1ª instância, em nova sentença, agora de 1 de junho de 2011 (cfr. fls. 245-250 dos autos), o Tribunal Judicial de Valença manteve a anterior condenação do arguido na pena de multa de € 390 e de proibição de conduzir por um período de 3 meses.
7º
O arguido interpôs, então, outro recurso, para o Tribunal da Relação de Guimarães (cfr. fls. 263-282, 283-302 dos autos).
Este tribunal superior, porém, por Acórdão de 5 de março de 2012 (cfr. fls. 345-355 dos autos), negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.
8º
Deste acórdão veio o arguido pedir “esclarecimento” e “subsidiariamente arguir ilegalidades/inconstitucionalidades” (cfr. fls. 359-370 dos autos).
No entanto, por novo Acórdão, de 7 de maio de 2012 (cfr. fls. 377-380 dos autos), o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu “desatender os pedidos de aclaração/arguição de nulidade”, referindo, designadamente (cfr. fls. 378 dos autos) (destaques do signatário):
“O arguido é, aliás, bem claro, discorda da decisão. O que é coisa diferente. É uma opinião, naturalmente respeitável, mas que não coincide com a dos juízes que assinaram o acórdão. É que o pedido de aclaramento não pode ser um pretexto para uma espécie de “réplica” à decisão dos juízes e para a reiteração de argumentos. Tem só o âmbito referido no art. 380º, nº 1, al. b), do CPP.
E, por isso mesmo, a invocação de inconstitucionalidades [vide arts. 5º a 13º, 26º, 32º, 40º e 42º) também não tem razão de ser num requerimento feito ao abrigo do disposto no art. 380º, nº 1, al. b) do CPP. Com efeito, o que o recorrente pretende, verdadeiramente, é colocar questões novas, que não colocou na motivação de recurso, não estando, por isso, este tribunal obrigado a delas conhecer.
É que, conforme já referido, não é essa a finalidade estabelecida na lei para o requerimento de que o recorrente lançou mão.
Aliás, isso mesmo é também afirmado pelo Tribunal Constitucional, designadamente na decisão sumária de 30/05/2005, proferida no Processo nº 376/06, 1ª Secção: «Este Tribunal tem ainda mantido o entendimento de que o momento oportuno para a suscitação de questões de inconstitucionalidade não é a fase de reclamação contra a decisão recorrida, quer em sede de aclaração, quer por via de invocação de nulidades, momento em que o Tribunal já não pode conhecer de questões novas, pois o âmbito do recurso ficou, em fase anterior, limitado pela alegação do recorrente” (negrito nosso)”.
9º
E, mais adiante, refere, ainda, o mesmo Acórdão (cfr. fls. 380 dos autos) (destaques do signatário):
“Finalmente, esta Relação tem de confessar que não alcança qual é a obscuridade/ambiguidade invocada nos itens 44º a 46º, uma vez que o art. 113º, nº 5, do CPP, invocado pelo recorrente na 11ª conclusão, não tem nada a ver com a figura do defensor oficioso ou com o ato da nomeação de defensor oficioso. Por outro lado, também é claro o sentido da afirmação deste Tribunal, a propósito do conteúdo da aludida conclusão 11ª, máxime quando se escreve:
“O artigo 32º da CRP tem 10 números. Ora, o recorrente não só [não] concretiza qual deles é que se mostra violado, como também não avança com as razões da invocada «inconstitucionalidade». E, nós, também não vislumbramos nenhuma violação a qualquer um dos princípios constitucionais aí consagrados”. O que esta Relação afirma é que, na conclusão 11ª, não é suscitada nenhuma questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado, em termos de esta Relação estar obrigada a dela conhecer, e que, esta Relação, por sua vez, também não vislumbra nenhuma inconstitucionalidade.
Termos em que se decide desatender os pedidos de aclaração/arguição de nulidade.”
10º
O arguido interpôs, então, recurso deste Acórdão, de 7 de maio de 2012, do Tribunal da Relação de Guimarães, para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 384-392, 393-401 dos autos), ao abrigo do art. 70º, nº 1, alínea b) da LTC, suscitando a apreciação de 3 questões de constitucionalidade.
11º
No entanto, o Ilustre Conselheiro Relator, deste Tribunal Constitucional, na Decisão Sumária 338/12, ora reclamada, entendeu não conhecer do objeto do recurso, tendo considerado, para decidir como decidiu, o seguinte (cfr. fls. 410 dos autos) (destaques do signatário):
“Em síntese, pretende o recorrente a apreciação de três questões:
1) Inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 32.°, n.º 3, da CRP, 62.°, n.º 1, 64.° e 371.°, n.º 3, do CPP, e do artigo 39.°, n.º 2 da LPJ, no sentido de que «a comparência do arguido não é obrigatória e a sua Mandatária (Advogada Escolhida pelo Arguido) pode ser substituída para o ato por defensor oficioso»;
2) Inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 127.° e 344.° do CPP, no sentido de que «o Tribunal perante uma 'confissão integral e sem reservas' com o valor probatório da prova legal pleníssima por não se admitir qualquer produção de prova subsequente e os factos constantes do ato confessório deverem considerar-se provados»;
3) Inconstitucionalidade da interpretação do artigo 69.°, n.º 2, do CPP, no sentido de que «a proibição, no caso da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, não pode limitar-se a determinadas categorias de veículos motorizados».
Acontece que, em qualquer dos casos, o recorrente não suscitou tais questões perante o tribunal recorrido. No recurso que apresentou no Tribunal da Relação de Guimarães, o recorrente limita-se a discutir questões infraconstitucionais e a concluir pela inconstitucionalidade de “interpretação diversa” da efetuada na decisão recorrida quanto a diversos preceitos legais, nem sequer inteiramente coincidentes com os que agora indica (cfr. conclusão 11 das referidas alegações); ou a invocar princípios constitucionais em abono da sua posição (cfr. conclusões 22 e 28); terminando com a alegação de que foi violado o «são e/ou correto entendimento» de um conjunto de preceitos do Código Penal, do Código de Processo Penal e da própria Constituição (cfr. conclusão 43). Mas em momento algum o recorrente enuncia uma norma ou interpretação normativa, alegadamente adotada pela decisão recorrida como sua ratio decidendi, para depois lhe apontar o vício de inconstitucionalidade.
A falta de suscitação das questões de constitucionalidade obsta, só por si, ao conhecimento do objeto do recurso, na sua totalidade...”
12º
Ora, crê-se inteiramente correta a conclusão do Ilustre Conselheiro Relator, em face das anteriores peças processuais apresentadas pelo arguido, junto do Tribunal da Relação de Guimarães, o tribunal recorrido.
Com efeito, não se encontra, em tais peças, a enunciação de questões de constitucionalidade com dimensão normativa - na aceção exigida por este Tribunal Constitucional para poder apreciar um recurso -, que tivessem, por outro lado, integrado a ratio decidendi do Acórdão recorrido.
13º
Como, aliás, decorre da leitura do próprio requerimento do recurso de constitucionalidade, em que o arguido “reproduz na íntegra o alegado em sede de Alegações apresentadas junto do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães e Requerimento apresentado a suscitar esclarecimentos junto do mesmo Venerando Tribunal, correspondendo à posição assumida pelo arguido” (cfr. fls. 385, 394 dos autos).
Com efeito, o que se encontra em tais referências é, fundamentalmente, a indicação de situações verificadas nos autos, bem como da alegada violação de diversos preceitos legais, incluindo constitucionais, das quais, porém, se não retira a enunciação abstrata suficiente, para poderem constituir questões de constitucionalidade normativa.
14º
Na sua reclamação para a conferência, o Réu (cfr. fls. 430 dos autos) viu-se forçado a reconhecer isso mesmo, tanto que veio afirmar: “Reconhece o Recorrente que a forma como nas Instâncias colocou a questão da inconstitucionalidade, não foi, provavelmente, a mais feliz terminologicamente, nem, porventura, a totalmente adequada ao cumprimento dos requisitos de admissibilidade do recurso para este alto Tribunal”.
De qualquer modo, os exemplos que invoca, no requerimento de reclamação para a conferência, apenas confirmam a justeza da Decisão Sumária reclamada, uma vez que estão longe de corresponder à enunciação de questões de constitucionalidade com uma verdadeira dimensão normativa.
15º
Não sendo, por outro lado, ao contrário do que alega, as decisões do tribunal recorrido verdadeiras “decisões surpreendentes”, na aceção deste Tribunal Constitucional, que pudessem justificar que não tivesse havido lugar à invocação prévia das questões de constitucionalidade, que se pretendeu trazer ao conhecimento deste mesmo Tribunal Constitucional.
Com efeito, coube ao arguido delimitar, nos seus sucessivos recursos, as questões que pretendia levar ao conhecimento do tribunal recorrido, e teve, aliás, sucessivas vezes, oportunidade de suscitar, perante o mesmo tribunal superior, de forma adequada, questões de constitucionalidade normativa, de modo a obrigar o Tribunal da Relação de Guimarães a, sobre elas, se pronunciar.
Não o fez, porém!
16º
Conclui-se, assim, que a presente reclamação para a conferência não merece provimento, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 338/12, que determinou a sua apresentação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada decidiu não conhecer do objeto do recurso por falta de suscitação no decurso do processo, pelo recorrente, de qualquer questão de constitucionalidade normativa.
A extensa reclamação agora apresentada em nada contraria esta conclusão. Pelo contrário, é o próprio reclamante que admite não ter colocado a questão, nas instâncias, de forma adequada ao cumprimento dos requisitos de admissibilidade do recurso (cfr., por exemplo, artigos 3.º e 13.º da reclamação). A conclusão a que se chegou na decisão sumária reclamada é, ainda, confirmada pelo teor das peças processuais que o reclamante transcreve nos artigos 6.º e 8.º da reclamação, de onde resulta à saciedade a falta de suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa.
Em suma, como referido na decisão sob reclamação, o reclamante em momento algum enunciou uma norma ou interpretação normativa, alegadamente adotada como fundamento da decisão recorrida, para depois lhe apontar o vício de inconstitucionalidade.
Por outro lado, vem agora o reclamante invocar que foi «surpreendido com as interpretações normativas dadas sucessivamente pelas instâncias» e que, por isso, deve ser admitida a «dispensa do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo» (artigos 11.º a 15.º da reclamação).
Acontece que no presente caso não estamos perante uma das situações excecionais em que se constata que o interessado não teve oportunidade nem possibilidade de colocar a questão de constitucionalidade antes de o tribunal recorrido esgotar o seu poder jurisdicional. Tanto era certo que as questões que o reclamante pretendia suscitar não constituíram uma “surpresa” que, como o próprio admite, as procurou colocar, embora de forma deficiente perante o tribunal recorrido.
Resta dizer que, além disso, nem perante o tribunal recorrido, nem perante este Tribunal Constitucional, o reclamante logrou enunciar minimamente uma questão de constitucionalidade com natureza normativa.
Deve, por isso, manter-se na íntegra a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 26 de setembro de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.