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Processo n.º 369/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificados do Acórdão n.º 308/2012, que indeferiu a reclamação que interpuseram do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, os reclamantes A. e B. vieram pedir a sua reforma, nos termos seguintes:
«B. e outra, vem requerer a reforma do acórdão, ao abrigo do disposto n.º 669/2/a) CPC, por manifesto erro normativo de decisão, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1 - Dizem V. Exªs que não foi arguida pelo modo processualmente conveniente a inconstitucionalidade normativa, que, no fim de contas, aceitam ter sido intenção dos recorrentes suscitar e apresentar a juízo do Tribunal Constitucional.
2 - E afirmam, limitando-se à análise dos textos e a uma leitura profundamente primária dos textos jurídicos que as peças processuais são, quando todo o progresso do Direito ao longo dos séculos, teve por base, precisamente, desamarrar o intérprete dos textos e fazê-lo alcançar o verdadeiro sentido da vida.
3 - Esta nota estrutural do que é o Direito, como ciência jurídica e habilidade antropológica de paz cívica, exige que os artigos dedicados no Código Civil à interpretação da lei, sejam tidos como diretivas para todos os juristas em quaisquer circunstâncias, que se destinam, pois, a conseguir uma vida prática e gratificante, daquelas a quem o Direito protege e ampara.
4 - Então, que dizer neste caso do amparo, da proteção, da paz jurídica, se a crise provocada pelos poderes públicos contra os particulares, se escupiu na sentença recorrida: o pai que aceita a paternidade do filho é excluído dessa paternidade, expulso da família, e para que o filho deixe de ter pai.
5 - O Direito há muito que dava solução a estes casos, aceitando a perfilhação como prova plena da paternidade, apenas podendo ser arguida de falsa por quem tivesse um interesse familiar direto na distruição do vínculo familiar.
6 - Porém, que interesse direto tem o Estado, o M.º P.º, em recusar a paternidade da criança ao pai, alegado que não é pai natural, quando o ter assumido a paternidade, no limite, corresponderia sempre a uma perfilhação.
7 - Isto é, a um vínculo de família fixado por prova bastante nas relações sociais, e só impugnável na particularidade da rede da família.
8 - Ora, neste caso, nem sequer se põe qualquer dúvida, que o requerente é o pai entre todos os outros membros da família.
9 - O que o M.º P.º e o Estado pretende, neste caso concreto, é alimentar a carne de canhão das adoções.
10 - Não será este o cenário de uma inconstitucionalidade normativa, muito embora a prosódia das peças forenses não tenha exatamente sabido desenhar e enunciar, com extrema propriedade, este problema?
11 - Claro que é, e que é justamente um problema que foi depois perfeitamente posto a claro, quando o recorrente afirmou tratar-se de questionar a inconstitucionalidade da norma, com base na qual o Tribunal valorou negativamente a assunção da paternidade por parte do recorrente, com base em se ter recusado ao exame genético.
12 - Não será mesmo uma questão de inconstitucionalidade normativa?
13 - Terá de estar ancorada na formalidade de se enunciarem os números dos artigos da lei que estão em contradição com o ordenamento fundamental?
14 - É claro que a decisão do Tribunal Constitucional, infelizmente numa linha que persiste e tende a agravar-se ancora num formalismo que destrói a própria Constituição, por se demitirem de fazer cumprir os seus próprios guardiões.
15 - E é também aqui neste plano que reside o grosseiro erro de interpretação da lei, assim identificado no acórdão de que se pede esta reforma.
16 - Com efeito, não será erro palmar aceitar-se, pela anestesia, que a presunção judicial de que alguém não é pai, a mero impulso do M.º P.º, apenas porque se recusou a um exame genético?
17 - Anestesia, claro, dada por um acórdão do Tribunal Constitucional, que se recusa a conhecer desta questão, porque os números dos artigos da lei não foram citados “ex-abundante”.
18 - Em suma, parece evidente, mas a evidência é o que é mais difícil de demonstrar, que este “non-liquet” do Tribunal Constitucional corresponde a um desamparo da Constituição a uma matéria das mais sensíveis da vida social: a relação pai – filho.
19 - Mas que é que o Estado e o M.º P.º têm a ver com isso, se alguém se assume como pai, e para si próprio não tem dúvidas logo é pai biológico?
20 - E que é que o Estado tem a ver com uma eventual circunstância de esse pai estar enganado, se ninguém mais do círculo intimo da criança, questiona a verdade deste pai?
21 - E o Tribunal Constitucional não terá nada a ver com esta problemática? Poderá recusá-la e afastá-la da sua apreciação competente, como forma da sanção da incompetência forense?
22 - Enfim, a circunstância de as partes não falarem diretamente mas por interposta pessoa, o Advogado, embora profissional, não exigirá ductilidade, amparo, penetração na verdade e no Direito, das decisões do Tribunal Constitucional?
V.Ex.ªs, por bem e pelo Direito, e pela regularidade e a paz social, com todo o douto requerimento que se lhes pede, farão JUSTIÇA, se, e só se, reformarem o acórdão negativo contra o qual o recorrente reclama, para fazerem julgar de fundo, esta inconstitucionalidade normativa, absolutamente real, que aqui está tão presente quanto a solução inversa irá entregar para adoção uma criança que tem por ela um pai que a assume, quer e ama como filho.»
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal respondeu da seguinte forma:
«O representante do Ministério Público neste Tribunal, notificado do pedido de reforma do Acórdão n.º 308/2012, ao abrigo do disposto no artigo 669.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, “por manifesto em erro normativo da decisão”, vem dizer o seguinte:
1.º
Pelo douto Acórdão n.º 308/2012, indeferiu-se a reclamação da decisão que, no Tribunal da Relação de Lisboa, não admitira o recurso interposto para este Tribunal Constitucional.
2.º
Efetivamente, como os recorrentes durante o processo não suscitaram qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, nem no requerimento de interposição do recurso enunciaram uma questão dessa natureza, faltando, assim, de uma forma evidente, aliás, aqueles requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3.º
O Acórdão é claro, encontra-se fundamentado e não se vislumbra qualquer lapso, que aliás, os reclamantes não identificam, antes se limitando a discordar da decisão e a tecer considerações gerais sobre o direito ao recurso e a situação material controvertida que está em causa nos presentes autos.
4.º
Pelo exposto, deve indeferir-se o pedido de reforma.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
3. Os requerentes pedem a reforma do Acórdão n.º 308/2012, que indeferiu a reclamação, por si apresentada, contra o despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade.
O citado acórdão considerou não estarem reunidos os pressupostos necessários ao conhecimento do objeto do recurso, por falta de suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, pelos recorrentes, perante o tribunal recorrido, pelas razões detalhadas no acórdão em questão e que nos prescindimos de repetir.
O presente pedido de reforma não identifica qualquer erro nesta decisão e, pelo contrário, o seu teor confirma o assim decidido. Na verdade, os requerentes não contrariam a falta de suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, que, aliás, continuam a não saber identificar.
As demais considerações tecidas no pedido de reforma, são manifestações de discordância com o sistema jurídico em geral ou com as decisões proferidas pelas instâncias nos presentes autos que, evidentemente, extravasam o âmbito do recurso de constitucionalidade e, concretamente, do pedido de reforma em apreciação.
4. Pelo exposto, acordam em indeferir o pedido de reforma do Acórdão n.º 308/2012.
Custas pelos requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 26 de setembro de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.