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Proc. n.º 151/02
2ª Secção Relator: Cons. Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1. A. , identificada com os demais sinais dos autos, recorre para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do art.º 70.º n.º 1 al. b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, sucessivamente alterada (doravante LTC), do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19/12/2001 - o qual negou provimento ao recurso que havia interposto da sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Aveiro que julgou improcedente a oposição por ela deduzida contra a execução fiscal, instaurada contra a mesma para a cobrança de dívidas fiscais provenientes de IVA e juros compensatórios respectivos - , pretextando ter o mesmo interpretado e aplicado as normas dos art.os 43º n.º 1, al. g), 237º e 272º do Código de Processo Tributário (doravante designado apenas por CPT) com o sentido de não violarem materialmente o princípio da separação dos poderes e por tal razão as disposições conjugadas dos art.ºs 110º n.º 2, 111º, n.º1, 112º, n.º 2, 168º, n.º
1, al. p) e n.º 2, 203º, 212º, n.º 3 e 268º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. Suscitação de inconstitucionalidade efectuada logo, quer perante aquele Tribunal de 1ª Instância, quer perante o Tribunal ora recorrido.
2. A recorrente controverte o decidido com base nas razões que explanou nas suas alegações de recurso e que sintetizou nas seguintes proposições conclusivas:
«1. A execução fiscal cabe no âmbito do poder judicial.
2. As funções atribuídas ao chefe de repartição de finanças no âmbito da execução fiscal concretizam-se em actos processuais de natureza jurisdicional.
3. Com a atribuição de funções jurisdicionais aos chefes das repartições de finanças - art.os 43.º, n.º 1, alínea g), 237.º e 272.º do Código de Processo Tributário - foi violado o princípio constitucional da separação de poderes e, por tal razão, os artigos 110.º, n.º 2, 111.º, n.º 1, 112.º, n.º 2,
168.º, n.º 1, alínea p) e n.º 2, 203.º, 212.º, n.º 3 e 268.º n.º 4 da Constituição da República.
4. Consequentemente, são orgânica e materialmente inconstitucionais - por violação das normas constitucionais contidas nos artigos 110.º, n.º 2, 111.º n.º 1, 112.º, n.º 2, 168.º, n.º 1, alínea p) e n.º 2, 203., 212.º, n.º 3 e 268º, n.º 4 da Constituição da República - as normas contidas nos artigos 43.º, n.º 1, alínea g), 237.º e 272.º do Código de Processo Tributário, posto que tais normas conferem, no processo de execução fiscal, competência e funções jurisdicionais ao chefe de repartição de finanças.
5. Dessa inconstitucionalidade resulta, no caso em apreço, a nulidade de todos os actos processuais praticados pelo senhor chefe da repartição de finanças, nomeadamente a instauração, e mormente a citação da recorrente, posto que feita por quem não tem competência para a prática do acto - na medida em que as normas que lha atribuem são inconstitucionais.
Nestes termos, devem aquelas normas do Código de Processo Tributário ser julgadas inconstitucionais, quando interpretadas e aplicadas em termos de se admitir a atribuição ao chefe da repartição de finanças, no processo de execução fiscal, competência e funções jurisdicionais ao chefe de repartição de finanças, com as legais consequências...».
3. A recorrida FAZENDA PÚBLICA não contra-alegou.
B – A fundamentação
4. Questões prévias relativas ao objecto do recurso de constitucionalidade.
Constitui requisito específico do recurso interposto ao abrigo da al. b) do n.º
1 do art.º 70º da LTC que a norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada tenha sido efectivamente aplicada no processo em termos de constituir a ratio decidendi da decisão ou o fundamento normativo do seu conteúdo ou do julgamento da causa. Trata-se de um simples postulado da função jurisdicional, onde se inclui a função exercida pelo Tribunal Constitucional, pois apenas lhe incumbe conhecer das questões concretas que sejam susceptíveis de determinar a decisão do pleito e não de realizar puros exercícios académicos em que as outras se traduziriam. Nesta perspectiva, afirma-se que o recurso de constitucionalidade cumpre uma natureza instrumental relativamente à decisão do pleito. Ora, se bem virmos a decisão recorrida, constata-se que esta não aplicou - nem tão pouco a problemática a que se refere lhe foi colocada - , a norma constante do n.º 2 do art.º 272.º do CPT, nos termos do qual «serão autuadas conjuntamente todas as certidões de dívidas que se encontrem nas repartições de finanças à data da instauração e que tenham sido extraídas contra o mesmo devedor». Por outro lado, a recorrente, embora sem que tenha excluído expressamente o conhecimento da questão de inconstitucionalidade relativamente aos n.º 2º e 3º do art.º 237.º do CPT, é seguro, pela interpretação das suas alegações - e de forma totalmente concordante com os demais articulados que apresentou nos autos
- , que a não suscitou. E compreende-se abertamente uma tal postura: é que tais normas contemplam exacta e expressamente a competência do tribunal tributário para o conhecimento dos actos do processo de execução fiscal a que se referem, segundo uma linha que a recorrente defende que deve valer igualmente para as normas abaixo indicadas. Por isso nenhum argumento ou fundamento desfere contra a sua validade constitucional. Também aqui se verifica a falta de um dos requisitos do tipo de recurso - neste caso, o da falta da suscitação da inconstitucionalidade da norma durante o processo. Pelo exposto não se conhece da questão de inconstitucionalidade destas normas.
5. As questões decidendas São as de saber se são orgânica e materialmente inconstitucionais as seguintes normas:
«Artigo 47.º Competência da administração fiscal Aos serviços da administração fiscal cabe:
.... g) instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a eles respeitantes, salvo o que se dispõe no n.º 2 do art.º 237.º».
«Artigo 237.º Competências
1. É competente para o processo de execução fiscal a repartição de finanças do domicílio ou sede do devedor, da situação dos bens ou da liquidação, salvo tratando-se de coima fiscal e respectivas custas, caso em que será competente a repartição de finanças onde tiver ocorrido o processo da sua aplicação.
2. ....».
«Artigo 272.º Instauração e autuação da execução
1. Instaurada a execução mediante despacho a lavrar no ou nos respectivos títulos executivos ou relação destes, no prazo de 24 horas após o recebimento e efectuado o competente registo, o chefe de repartição de finanças ordenará a citação do executado.
2. ...»
Ao fim e ao cabo, e resumindo, o que a recorrente controverte é a inconstitucionalidade orgânica e material dos mencionados preceitos normativos, enquanto neles se atribui à administração fiscal a competência para instaurar os processos de execução fiscal, segundo os critérios de repartição territorial acima precisados, e para, uma vez feita essa instauração e efectuado o respectivo registo, ordenar a citação do executado.
6. Do mérito do recurso de constitucionalidade O acórdão recorrido considerou que as referidas normas não eram orgânica ou materialmente inconstitucionais porquanto, em síntese, 'o processo de execução, quer comum, quer especial, devendo considerar-se nuclearmente jurisdicional, envolve quer na sua instauração quer no seu desenvolvimento, a realização de muitos actos que não têm que ser necessariamente praticados por um juiz, podendo sê-lo por um funcionário, sempre com a possibilidade de reclamação ou recurso para aquele...' e que 'é jurisprudencialmente pacífica deste STA bem como do TC que é constitucionalmente legítima a atribuição à administração tributária da prática de actos de natureza não jurisdicional no âmbito do processo de execução fiscal', em cuja espécie se incluem os previstos em tais preceitos. A questão não é nova. Sobre ela se pronunciaram já, pelo menos, em alguns aspectos, os Acórdãos deste Tribunal n.º 332/2001 e 152/2002, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 12 de Outubro de 2001 e 31 de Maio de 2002. Como é consabido, o processo de execução fiscal não é mais do que um processo cujo escopo jurídico é o de realizar coercivamente o direito de crédito de que goza o credor tributário, em regra, antes constitutivamente verificado - na acepção de estar corporizado em um título formal que expressa ou declara o valor da dívida tributária - através de um acto administrativo-tributário, dotado de imperatividade ou de autotutela jurídicas - o acto de liquidação - , fazendo-o valer sem uma prévia verificação judicial da sua legalidade. Como processo que é, o processo de execução fiscal é constituído por uma série encadeada de actos que estão funcionalmente orientados para atingir o seu fim específico: o da cobrança da dívida tributária e o seu pagamento ao credor tributário. Nesta perspectiva, e como diz Castro Mendes citado, aliás, no acórdão recorrido (cfr. Acção Executiva, edição da AAFDL-80, p. 5), '... a estrutura da acção executiva... traduz-se fundamentalmente em operações - desapossamento do devedor de coisas do seu património (penhora); entrega; venda forçada seguida de pagamento com o preço da venda...'. No domínio do Código de Processo Tributário, a que se referem as normas cuja constitucionalidade se questiona - sendo certo que já lhe sucedeu o Código de Procedimento e de Processo Tributário, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º
433/99, de 26 de Outubro, onde as questões poderão ser postas nos mesmos termos
- , o desenvolvimento e encadeamento desses actos constava dos artigos 233º e ss.. Ao contrário do que a recorrente defende, a nossa lei fundamental não obriga a que todos os actos em que se desenrola o processo de execução fiscal devam ser obrigatoriamente praticados pelo juiz, pese embora a jurisprudência fiscal e, hoje, abertamente a Lei Geral Tributária (art.º 103º n.º 1), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro atribuam ao processo de execução fiscal
'natureza judicial'. O que a Constituição da República garante (art.º 103.º, n.º 3) é que 'ninguém pode ser obrigado a pagar impostos ... cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei', nela se compreendendo, evidentemente, tanto a cobrança voluntária, como a coerciva. Os actos de cobrança têm, pois, de fazer-se a coberto da lei. Mas dessa exigência constitucional não resulta que os actos que integram o processo de execução fiscal hajam de ser sempre praticados por um juiz. Ao incluir-se este tipo de processo entre os processos de natureza judicial, apenas se pretende afirmar que os conflitos de interesses que dentro dele se suscitem – mesmo que sejam emergentes, não só da actuação das partes ou até de terceiros no processo, como também de qualquer decisão que nele seja tomada pela administração fiscal, relativamente aos actos para cuja prática a lei lhe atribui competência –, serão sindicados, no próprio processo, sempre pelo juiz tributário. Sendo assim, a prática dos actos do processo de execução fiscal, de natureza não jurisdicional, bem pode ser confiada, segundo os próprios termos daquele art.
103.º , n.º 3 da Constituição à administração fiscal. Daí a razão de ser da ressalva feita no referido art.º 103º, n.º 2 da Lei Geral Tributária [o processo de execução fiscal tem natureza judicial,] sem prejuízo da participação dos
órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional'. Daí também, igualmente, a salvaguarda estabelecida na segunda parte da acima transcrita alínea g) do art.º 43º do CPT. Na verdade, as matérias que este preceito ressalva não podem deixar, segundo a concepção constitucional da função jurisdicional - que de seguida se precisará -
, de ser tidas, por natureza, como abarcadas por ela: a decisão dos incidentes
(como o da incompetência do tribunal); dos embargos de terceiro; da oposição à execução; da verificação e graduação de créditos (pelo menos quando contestada, já que se poderá discutir essa sua qualificação quando inexistir qualquer controvérsia sobre a sua existência e a ordem da sua chamada para pagamento); da anulação da venda e dos recursos das decisões proferidas pelo chefe de repartição de finanças e outras autoridades da administração fiscal que afectem os direitos e interesses legítimos do executado (ou de outros interessados no processo). Assim sendo, a resposta a dar à questão decidenda acima enunciada passa por saber se os actos a que se reportam as hipóteses dos transcritos preceitos devem, à luz dos preceitos constitucionais que vigoravam à data do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, ou seja, dos art.os 205.º n.º 2 e 214.º n.º 3 da Lei Fundamental, ser havidos como abarcados pela função jurisdicional. A problemática da definição da função jurisdicional e do seu confronto com as restantes funções do Estado - mas mormente da função administrativa - tem sido, por referência a tais preceitos, objecto de uma larga discussão, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Na doutrina, A. Rodrigues Queiró procurou distingui-las a partir de um critério teleológico. Segundo escreveu, «essencial, para que se fale de um acto jurisdicional, parece-nos ser, para já, que um agente estadual tenha que resolver de acordo com o direito 'uma questão jurídica', entendendo-se por tal um conflito de pretensões entre duas ou mais pessoas, ou uma controvérsia sobre a verificação em concreto de uma ofensa ou violação da ordem jurídica'. E noutro passo precisava: «Ao cabo e ao resto, o quid specificum do acto jurisdicional reside em que ele não pressupõe, mas é necessariamente praticado para resolver uma questão de direito. Se, ao tomar-se uma decisão, a partir de uma decisão de facto traduzida numa «questão de direito» (na violação do direito objectivo ou na ofensa de um direito subjectivo), se actua por força da lei, para se conseguir a produção de um resultado prático diferente da paz jurídica decorrente da resolução dessa «questão de direito», então não estaremos perante um acto jurisdicional: estaremos, sim, perante um acto administrativo (cfr. Lições de Direito Administrativo, vol. I, 1976, pp. 43, 44 e 51, e «A Função Administrativa», Separata da Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIV (n.ºs
1, 2 e 3), Coimbra, 1977, pp. 30-31). O critério teleológico é igualmente o seguido por R. Ehrhardt Soares quando afirma que, na actividade administrativa, a resolução do conflito de interesses
(da «questão de direito») é orientada por uma perspectiva de interesse público - justamente, do interesse público específico que a norma expressa. Também este Tribunal Constitucional tem uma abundante jurisprudência sobre o conceito da função jurisdicional e da função administrativa (cfr., entre muitos, e só no tomo 31º dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, os Acórdãos n.os
225/95, 226/95, 269/95, 375/95). Assim, no Acórdão n.º 452/95 (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31º vol, pp. 181), que teve de se pronunciar sobre um dos casos de zona de fronteira, acentuou-se:
«A função jurisdicional consubstancia-se, assim, numa 'composição de conflitos de interesses', levada a cabo por um órgão independente e imparcial, de harmonia com a lei ou com critérios por ela definidos, tendo como fim específico a realização do direito e da justiça (cfr. o Acórdão deste Tribunal n.º 182/90, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Setembro de 1990). Aquela função estadual diz respeito a matérias em relação às quais os tribunais têm de ter não apenas a última palavra, mas logo a primeira palavra (cfr. Acórdãos deste Tribunal n.os 98/88 e 211/90, o primeiro publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 1988, e o segundo nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º vol., pp. 575 e ss.). A função administrativa é, ao invés, uma actividade que, partindo de uma situação de facto traduzida numa 'questão de direito', visa a prossecução do interesse público que a lei põe a cargo da administração e não a paz jurídica que decorre da resolução dessa questão. Daí que, na actividade administrativa, a primeira palavra deva caber à administração, cabendo aos tribunais a última e definitiva palavra, de acordo com a garantia constitucional do recurso contencioso, condensada no art.º 268.º, n.º 4, da Lei Fundamental». Mas outras formulações poderão ser colhidas na jurisprudência deste Tribunal. Assim, no Acórdão n.º 104/85, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Agosto, de 1985, afirmou-se:
«A separação real entre a função jurisdicional e a função administrativa passa pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a jurisdição resolve litígios em que os interesses em confronto são apenas os das partes, a Administração, embora na presença de interesses alheios, realiza o interesse público. Na primeira hipótese a decisão situa-se num plano distinto do dos interesses em conflito. Na segunda hipótese verifica-se uma osmose entre o caso resolvido e o interesse público».
Ora, confrontada a natureza dos actos que estão compreendidos nas hipóteses normativas acima transcritas, e cuja constitucionalidade a recorrente questiona, com qualquer das formulações dadas da função jurisdicional, conclui-se seguramente que os mesmos não estão nela compreendidos e que, por isso, os referidos preceitos não são materialmente inconstitucionais. E também não são organicamente inconstitucionais, na medida em que, decorrentemente, não estão assim abrangidas pela alínea q) do n.º 1 do art.º
168º da CRP (na versão aplicável) ou por outro preceito restringente da competência do Governo, no domínio da matéria em causa. O acto de instauração da execução fiscal, a fazer 'mediante despacho a lavrar no ou nos respectivos títulos ou relação destes, no prazo de 24 horas após o recebimento', não corresponde a mais do que à apresentação, na repartição de finanças, do respectivo título executivo, dentre de qualquer dos tipos a que alude o art.º 248º do CPT, não tendo uma natureza que seja diferente da do acto de instauração da acção executiva do processo civil feito pelo credor. Aliás, este despacho não deixa de ter uma funcionalidade equivalente ao da fórmula de
'Execute-se' que o Secretário Judicial inscrevia no âmbito de aplicação do regime da injunção instituída pelo DL. n.º 404/93, de 10 de Dezembro, diploma este actualmente revogado, tendo a sua matéria passado estar regida, hoje, com alterações, no DL. n.º 269/98, de 1 de Setembro. O mesmo se diga do acto de registo da acção executiva: em ambos os casos, estamos perante uma simples operação material tendente ao controlo da existência dos papéis nos diferentes serviços. E nem à citação é possível atribuir a natureza defendida pela recorrente. A citação corporiza-se num puro acto 'pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender' (art.º 228º n.º 1 do Código de Processo Civil). E, em termos correspondentes, dizia-se no art.º 63.º, n.º 2 do CPT ( e ora continua a afirmar-se, conquanto em termos verbais diferentes, no art.º 189º do CPPT) que
'a citação é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada' (poderá ser o caso dos responsáveis subsidiários e outras pessoas - cfr. art.os 239.º, n.º 2, 243.º, 244º e 247º do CPT). Ora, conquanto estejam associados à citação efectuada em processo de execução fiscal importantes efeitos jurídicos como o da fixação do dies a quo dos prazos
(art.º 285º) para o executado poder deduzir oposição à execução fiscal, com base em qualquer dos fundamentos de defesa enunciados no art.º 286º, requerer o pagamento em prestações (art.os 279º a 281º) ou a dação em pagamento (art.º
284º), como ainda o dos responsáveis subsidiários poderem pagar a dívida, dentro do prazo para a oposição, sem exigência de juros de mora e de custas de processo
(art.º 246º) – todos os preceitos do CPT –, o que é certo é que esses são efeitos derivados directa e imediatamente ex lege da ocorrência do acto da citação, sem que seja possível ver aí a existência de qualquer conflito de interesses que deva ser dirimido pela jurisdição. Evidentemente que em diferente posição estarão os actos de defesa que o executado venha a exercer, nomeadamente contra os actos de indeferimento das suas pretensões formuladas ao abrigo de tais preceitos: aqui estaremos perante actos sujeitos à jurisdição. Trata-se, porém, de outras questões completamente diferentes das colocadas pela recorrente.
É indiferente para a resolução da questão de inconstitucionalidade suscitada pela recorrente, a questão de saber qual seja a natureza desses actos, desde que esteja assente, como está, que não se tratam de actos jurisdicionais. Não importa assim saber se se tratam de actos administrativos em sentido estrito e preciso ou de outro tipo de actos. A asserção que se afigura pertinente será, abandonando qualquer critério dualista puro, a de que estaremos perante actos e operações que são praticados por diferentes serviços dentro de uma dimensão de colaboração operacional com a administração da justiça segundo os termos em que esta se encontra cometida pela Constituição aos tribunais.
C – A decisão
7. Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 47.º, al. g), 237.º, n.º 1 e 272.º, n.º1, todos do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril; b) E, consequentemente, negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente com 15 UC. Lisboa, 12 de Fevereiro de 2003 Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário Torres Luís Nunes de Almeida