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Processo n.º 99/02
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A, B, C e D recorreram para o Tribunal Judicial da Comarca da Anadia da decisão arbitral, de fls. 4 e seguintes, proferida no âmbito do processo de expropriação de uma parcela de terreno para construção de um parque de estacionamento da escola C+S e pavilhão polidesportivo da Pampilhosa, em que os recorrentes são expropriados e expropriante a CÂMARA MUNICIPAL DA MEALHADA, que interpôs também recurso (subordinado) da referida decisão arbitral.
Por sentença do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Anadia de 19 de Setembro de 2000, constante de fls. 90 e seguintes, integrada, nos termos previstos no artigo 668º, n.º 4, do Código de Processo Civil, pela decisão de fls. 134, o recurso principal foi julgado parcialmente procedente e totalmente improcedente o recurso subordinado, condenando-se o Município da Mealhada a pagar uma indemnização actualizada de Esc. 8.992.109$00.
Inconformada, a entidade expropriante recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por Acórdão de 27 de Novembro de 2001, de fls. 183, confirmou a decisão recorrida.
O Acórdão da Relação de Coimbra considerou que, contrariamente ao que pretendia a recorrente, a indemnização a pagar deveria ser calculada nos termos previstos no artigo 25º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, em vigor à data da declaração de utilidade pública, aplicando-se, em particular, as percentagens indicadas nas alíneas a), c) e e) do seu n.º 3; não caberia, assim, efectuar a dedução do montante correspondente às mais valias previstas, hoje, nas alíneas b) a d) do n.º 2 do artigo 23º do actual Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º
168/99, de 18 de Setembro, porque 'a lei só dispõe para o futuro'; e referiu ainda que, além do mais, no caso dos autos as mais valias em causa teriam ocorrido em 1994, 'quando a declaração da utilidade pública da expropriação teve lugar em 99/03/03, mais de 5 anos depois'. Para além disso, e no que agora interessa, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou que 'de forma nenhuma é inconstitucional o artigo 25º, por afrontar o artigo 62º, n.º 2, da CRP, pois a expropriação foi efectuada com base na lei vigente e mediante pagamento de indemnização justa'; e que 'não houve violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, não tendo os expropriados sido beneficiados ou privilegiados, face aos outros cidadãos'.
2. De novo inconformada, a Câmara Municipal da Mealhada recorreu para o Tribunal Constitucional, 'nos termos do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional', considerando que 'a interpretação do artigo 25º do C.E., sufragada pelo Tribunal a quo, viola as seguintes normas e Princípios: – Artigo 62º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa que consagra o Princípio da justa indemnização. – Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa que consagra o Princípio da igualdade.'
Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as respectivas alegações. A Câmara Municipal da Mealhada formulou as seguintes conclusões:
'1 – No seguimento de uma longa tradição legislativa, o artigo 22º do CE de 1991 consagrou que o prejuízo do expropriado se mede pelo critério do valor de mercado ou valor venal.
2 – Contudo, não nos podemos esquecer que o processo expropriativo é marcado por exigências de interesse público que fundamentam a declaração de utilidade pública, e, como tal, o montante da indemnização está sujeito a algumas reduções ditadas por exigências de justiça e em homenagem ao princípio da repartição dos encargos públicos – cfr. Alves Correia, ‘Expropriações de Utilidade Pública’, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XV – 1990, Tomo V, pág. 465.
3 – Com efeito, podemos constatar que apesar do critério da indemnização a ser pago pela expropriação ser o do valor venal do terreno, em certos casos, permite-se uma redução, ou melhor, um desvio ao critério para que o valor da indemnização seja justo conforme é exigido pelo n.º 2 do artigo 62º da CRP.
4 – A prossecução do interesse público determina que no cálculo do montante indemnizatório não se considerem aumentos de valor decorrentes do processo expropriativo.
5 – Ora, este enriquecimento sem causa verifica-se quando o expropriado recebe como indemnização, não o valor do prédio expropriado anterior aos trabalhos públicos que o beneficiaram, mas o valor que passou a ter em virtude dos melhoramentos públicos – cfr. preâmbulo da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
6 – Deste modo, as regras de indemnização não podem esquecer que a expropriação
é um instituto voltado para fins públicos – cfr. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Almedina, 2001, pág. 553.
7 – Assim, o conceito de justa indemnização vertido no n.º 2 do artigo 62º da Lei Fundamental só será efectivamente realizado quando não se incluam no quantum indemnizatório a pagar ao expropriado as mais valias resultantes de obras públicas.
8 – Acresce que a exclusão das mais valias resultantes de obras ou melhoramentos públicos está enraizada no nosso ordenamento jurídico, bem como no de outros Países Europeus que nos são próximos, desde 1948 sendo que a única alteração que se registou ao longo dos tempos foi a relevância da dilação temporal para efeitos dessa exclusão.
9 – Com efeito, o único diploma que efectivamente não prevê qualquer regulamentação que exclua as mais valias que se referiram supra é o CE de 91.
10 – Ora, esta falta de disposição não pode passar despercebida a este Colendo Tribunal, pois conforme alegámos, e a longa tradição legislativa confirma, só mediante a exclusão das mais valias em causa se logrará concretizar o conceito de justa indemnização constitucionalmente previsto.
11 – Pelo que a inexistência de tal disposição no CE de 91 terá de, necessariamente, confluir para que se julgue inconstitucional a inclusão das mais valias resultantes de obras ou melhoramentos públicos no quantum indemnizatório.
12 – Como resulta dos autos, há cerca de 5 anos a zona em causa era dedicada, como a maior parte do solo circundante, à agricultura e à pastorícia.
13 – De facto foi o Município, quando construiu nessa zona (praticamente em frente à parcela expropriada) a Escola C+S, aí edificou um pavilhão Gimnodesportivo (obra que acabou em 1999) e, ademais edificou também várias infra-estruturas, dando outro cariz à zona de que se trata, tornando-a assim uma verdadeira zona urbana.
14 – Com efeito, estamos perante uma situação que a doutrina qualifica como
‘ganhos obtidos a dormir’ e implicam que estas mais valias sejam excluídas do valor da indemnização a ser pago ao expropriado – cfr. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Almedina, 2001, pág. 555, nota 157.
15 – Isto porque estas mais valias tiveram origem em obras públicas, custeadas com dinheiros públicos e como tal é da mais elementar justiça que a fracção do valor que resultou daquelas obras seja recuperada pela comunidade, através do abatimento à indemnização por expropriação.
16 – Pelo exposto, uma interpretação das alíneas do artigo 25º do CE de 1991 que permitam incluir na indemnização as mais valias das obras realizadas pelo Município viola o conceito de justa indemnização constitucionalmente consagrado no normativo vertido no n.º 2 do artigo 62º da Lei Fundamental.
17 – Acresce que não se podem utilizar para afastar o valor real e corrente dos bens expropriados, nem impedir que seja atribuída, no caso concreto, a justa indemnização constitucionalmente devida – cfr. José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, Texto Editora, 1997, pág. 167.
18 – Ora, é exactamente o que se passa no caso vertente em que a aplicação dos critérios específicos do artigo 25º do diploma supra citado determinam que o expropriado seja beneficiado, a título indemnizatório, com um valor que foi despendido por toda a comunidade com o intuito de proporcionar melhores condições de existência – nomeadamente de educação visto estar em causa a construção de um escola pública – aos Munícipes.
19 – Nesta conformidade, também por aqui, qualquer interpretação das alíneas do artigo 25º do CE que permitam a sua aplicação ao caso vertente tem de, necessariamente, ser julgada inconstitucional por violar de forma ostensiva o princípio da justa indemnização vertido no n.º 2 do artigo 62º da Lei Fundamental.'
Os recorridos contra-alegaram, defendendo a não inconstitucionalidade da norma impugnada e exprimindo a sua concordância com a decisão recorrida.
3. Por determinação da relatora, foram as partes notificadas do seguinte parecer, de fls. 227:
«Nos termos conjugados do disposto no nº 1 do artigo 704º do Código de Processo Civil e no artigo 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, notifique as partes para se pronunciarem, querendo, sobre o seguinte parecer:
1. No âmbito do processo de expropriação em que é expropriante a CÂMARA MUNICIPAL DA MEALHADA e em que figuram como expropriados A, B, C e D, a Câmara Municipal da Mealhada recorreu para o Tribunal Constitucional, 'nos termos do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional', considerando que 'a interpretação do artigo 25º do C.E., sufragada pelo Tribunal' da Relação de Coimbra, no acórdão de fls. 183, 'viola as seguintes normas e Princípios: – Artigo 62º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa que consagra o Princípio da justa indemnização. – Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa que consagra o Princípio da igualdade.'
2. Resulta da leitura do requerimento de interposição de recurso e das alegações juntas pela recorrente que o problema de constitucionalidade que apresenta diz respeito à questão de saber se infringe ou não os princípios constitucionais da justa indemnização (nº 2 do artigo 62º) e da igualdade (artigo 13º) considerar, para efeitos de cálculo da indemnização a atribuir ao expropriado, as mais valias das obras ou melhoramentos resultantes de obras públicas. A recorrente coloca esta questão de duas formas diferentes: em primeiro lugar, apontando ao Código das Expropriações aplicável, o que foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/01, de 9 de Novembro, uma omissão, que se traduz em não prever 'qualquer regulamentação que exclua [tais] mais valias', pois entende que
'o conceito de justa indemnização vertido no nº 2 do artigo 62º da Lei Fundamental só será efectivamente realizado quando não se incluam no quantum indemnizatório a pagar ao expropriado as mais valias resultantes de obras públicas'. Em segundo lugar, referindo às 'alíneas do artigo 25º do CE de 1991' qualquer 'interpretação (...) que permita incluir na indemnização as mais valias das obras realizadas pelo Município'.
4. No que toca à primeira questão, não pode ela, naturalmente, ser objecto de conhecimento no âmbito deste recurso, já que se traduz na alegação de uma inconstitucionalidade por omissão. No que respeita à segunda, a verdade é o que o acórdão recorrido apenas aplicou as alíneas a), c) e e) do nº 3 do artigo 25º do Código das expropriações. Assim, o Tribunal Constitucional não pode conhecer da eventual inconstitucionalidade referida à generalidade das alíneas no referido artigo 25º, como decorre do disposto no artigo 79º-C da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o que implica a redução do objecto do presente recurso às alíneas a), c) e e) do nº 3 do artigo
25º do Código das Expropriações, enquanto interpretadas no sentido de permitirem
'incluir na indemnização as mais valias das obras realizadas pelo Município'. Nenhuma das partes respondeu a este parecer.
4. Considera-se, portanto, pelas razões apontadas no parecer acabado de transcrever, que o objecto do presente recurso se circunscreve às normas constantes das alíneas a), c) e e) do nº 3 do artigo 25º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, interpretadas no sentido de permitirem incluir na indemnização as mais valias resultantes das obras públicas realizadas pela entidade expropriante, e cujo texto é o seguinte: Artigo 25º Cálculo do valor do solo apto para construção
1 – O valor do solo apto para a construção calcula-se em função do valor da construção nele existente ou, quando for caso disso, do valor provável daquela que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal, à data da declaração de utilidade pública, devendo ter-se em conta a localização e a qualidade ambiental.
2 – Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a 10% do valor da construção, no caso de dispor apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente.
3 – A percentagem a que se refere o número anterior será acrescida nos termos seguintes: a. Pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela –
1%; b. Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela
– 1%; c. Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela – 1,5%; d. Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, com serviço junto da parcela – 1%; e. Rede de drenagem de águas pluviais, com colector em serviço junto da parcela – 0,5%; f. Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento junto da parcela – 2%; g. Rede distribuidora de gás – 2%; h. Localização e qualidade ambiental – 15%.
5. A recorrente considera que as normas em apreciação violam os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade, consagrados, respectivamente, no nº 2 do artigo 62º e no artigo 13º da Constituição. A argumentação apresentada para sustentar tal afirmação é construída sobre o pressuposto de que o cálculo do quantum indemnizatório a pagar ao expropriado deve ser feito com exclusão das mais valias resultantes de obras ou melhoramentos públicos. Essa exclusão estava prevista no artigo 29º do Código das Expropriações de 1976, de acordo com o qual 'para a determinação do valor dos bens não pode tomar-se em consideração a mais valia resultante de obras, melhoramentos públicos ou infra-estruturas realizadas nos últimos dez anos' e consta, hoje, da alínea b) do nº 2 do artigo 23º do Código das Expropriações vigente, nos seguintes termos:
'Na determinação do valor dos bens expropriados não pode tomar-se em consideração a mais valia que resultar: (...) De obras ou empreendimentos públicos concluídos há menos de cinco anos, no caso de não ter sido liquidado encargo de mais valia e na medida deste'.
No Código das Expropriações de 1991 – cujo regime é, como se viu já, o que está em causa –, todavia, a única mais valia cuja exclusão expressamente se previa era a resultante da 'própria declaração de utilidade pública da expropriação para todos os prédios da zona em que se situa o prédio expropriado'
(artigo 22º, n.º 3).
É, pois, também tendo em conta o confronto com aqueles outros regimes que a recorrente sustenta que o aumento do montante da indemnização com base na existência das infra-estruturas a que se referem as alíneas a), b) e e) do n.º 3 do artigo 25º do Código das Expropriações de 1991 conduz a uma violação dos princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade quando, sendo aquelas infra-estruturas públicas e construídas há menos de 5 anos (cfr. regime constante do Código de 1999), não haja lugar à dedução da mais valia correspondente. Existe uma violação do princípio da justa indemnização, na sua
óptica, porquanto, tendo estas mais valias origem em obras públicas, 'é da mais elementar justiça que a fracção do valor que resultou daquelas obras seja recuperada pela comunidade, através do abatimento à indemnização por expropriação'; ocorre, por outro lado, uma violação do princípio da igualdade, uma vez que a não contemplação das necessárias reduções das referidas mais valias acarretaria uma violação do princípio da igualdade perante os encargos públicos.
6. A questão de constitucionalidade objecto dos presentes autos é, no fundo, 'inversa' daquela que o Tribunal Constitucional apreciou no Acórdão n.º 314/95 (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31º vol., pp. 475 e ss.). Neste aresto, o Tribunal considerou não ser inconstitucional, em face do disposto nos artigos 13º e 62º, n.º 2, da Constituição, a norma da primeira parte do n.º 1 do artigo 29º do Código das Expropriações de 1976 'na interpretação segundo a qual a determinação do valor do bem expropriado haverá de ser feita de harmonia com as características que esse bem possuía à data da declaração de utilidade pública da expropriação, retirando ao valor desse modo aquilatado o valor correspondente à mais valia advinda pelas obras, melhoramentos públicos e infra-estruturas urbanísticas efectuados nos últimos dez anos'.
Entendeu-se, então, que o regime do artigo 29º, nº 1, do Código das Expropriações de 1976 não infringia o princípio constitucional da justa indemnização, pois que se limitava a atender à 'vertente do interesse público da expropriação', conduzindo a 'uma adequada depuração do montante a pagar ao particular', citando ALVES CORREIA (O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, I, p. 553 e segs.). Reconheceu-se, todavia, que tal regime poderia dar origem 'a uma certa desigualdade de tratamento entre o expropriado e o não expropriado, se a indemnização a pagar ao primeiro «não englobar as mais valias provenientes de obras, melhoramentos públicos ou infra-estruturas urbanísticas custeadas com dinheiros públicos», no caso de o segundo «conservar ou encaixar no seu património os aumentos de valor ocasionados pelos referidos investimentos públicos»'. Apesar disso, entendeu-se, aliás na esteira do entendimento expresso por Alves Correia (cfr. O Plano Urbanístico cit., p. 564), que a 'desigualdade assim descortinada encontrará solução se as regras regentes da indemnização por expropriação forem complementadas «com medidas flanqueadoras de recuperação pela sociedade dos aumentos de valor ocorridos nos imóveis não expropriados»'. E que, ainda que se concluísse pela inexistência de medidas susceptíveis de garantirem uma adequada igualdade de tratamento entre proprietários expropriados e não expropriados, 'o que é certo é que, então, o que se depararia seria, neste particular, uma omissão legislativa que não tem, directamente, a ver com a norma analisada'.
Não se afirmou, note-se, que o princípio constitucional da justa indemnização exigisse tais deduções, mas, apenas, que as não proibia.
Em voto de vencido junto a este acórdão, o Conselheiro Luís Nunes de Almeida pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade da norma então apreciada, que considerou 'flagrantemente atentatória do princípio da igualdade, designadamente perante os encargos públicos, criando uma discriminação em prejuízo dos proprietários expropriados, nomeadamente quando postos em face dos proprietários que hajam beneficiado das mais-valias resultantes de obras públicas ao alienarem os respectivos prédios a terceiros.' Em seu entender, tal inconstitucionalidade não reside 'na omissão legislativa de medidas flanqueadoras', mas sim na própria 'norma em apreço. Com efeito, não sendo esta uma exigência constitucional, é a sua introdução na ordem jurídica que vem criar a situação inconstitucional (de desigualdade), já que não haveria violação da Constituição se ela não existisse – tal como não haveria violação da Constituição se ela existisse complementada por normas flanqueadoras. O legislador poderia, pois, eliminar a situação de inconstitucionalidade, quer eliminando a norma questionada, quer aprovando medidas legislativas que fizessem desaparecer a desigualdade; ao órgão de fiscalização da constitucionalidade só está aberto o primeiro caminho, não podendo a sua utilização ser inviabilizada pela impossibilidade de usar o segundo'.
7. Entretanto, aproximando-se deste voto de vencido, o autor sobre cujo entendimento se alicerçou a jurisprudência firmada no Acórdão n.º 314/95 reviu a posição anteriormente assumida. Com efeito, Alves Correia considera agora não ser 'correcta a afirmação de que a inconstitucionalidade resultante do tratamento desigual entre os proprietários de prédios expropriados e os proprietários de prédios contíguos ou vizinhos não expropriados reside apenas na omissão de medidas flanqueadoras de recuperação de mais valias produzidas por factos da comunidade nos imóveis e não também na (já revogada) norma da primeira parte do n.º 1 do artigo 29º do Código de 1976 e na (actualmente em vigor) norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 23º do Código de 1999'. Ou seja, o autor referido sustenta agora que o tratamento desigual em causa não configura apenas uma questão de inconstitucionalidade por omissão, mas uma verdadeira questão de inconstitucionalidade por acção, ocorrendo uma «‘acção incompleta do legislador’, isto é, uma omissão parcial da norma do artigo 23º, n.º 2, alínea b), do Código [das Expropriações de 1999] que excluindo determinadas situações,
é relevante em sede de violação do princípio da igualdade» (A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, Separata da Revista de Legislação e Jurisprudência, Coimbra, 2000, pp. 168-169).
No caso dos autos, não se coloca o problema de saber se a questão de constitucionalidade se situa ainda no domínio da inconstitucionalidade por acção ou já no âmbito da inconstitucionalidade por omissão. O que está em causa não é saber se viola a Constituição a norma que prevê a exclusão das mais valias decorrentes de obras e melhoramentos públicos no cômputo da indemnização devida aos expropriados, mas antes, como se disse, saber se viola a Constituição a norma que não prevê essa mesma exclusão.
8. Na verdade, não se afasta a admissibilidade de um princípio de compensação de benefícios no cálculo da indemnização por expropriação, tendente a excluir desse cálculo as mais valias decorrentes de obras e melhoramentos públicos.
Só que, como igualmente se teve a ocasião de observar no já citado acórdão nº 314/95, também seguindo ALVES CORREIA, a 'vertente do interesse público' não é o único parâmetro a ter em consideração na análise das implicações do princípio constitucional da justa indemnização em caso de expropriação; também há-de ser considerado o 'princípio da igualdade de encargos' entre os cidadãos, princípio que obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não expropriados (cfr. ALVES CORREIA, A Jurisprudência cit., p. 35 e segs.), e a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização (cfr. a título de exemplo, o acórdãos nº 108/92, Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1992, nº 210/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º, p. 549 e segs. ou 381/99, Diário da República, II Série, de
3 de Março de 2000).
Ora, a necessidade de observância destas duas componentes implica, como é natural, a harmonização de interesses, por princípio, contrapostos; mas cabe seguramente na margem de liberdade de conformação do legislador ordinário a escolha da forma concreta de tal harmonização na definição dos critérios que hão-de presidir ao cálculo da indemnização, contanto que não descure de forma inaceitável qualquer um deles (cfr. o já citado acórdão nº 210/93).
O legislador de 1991, preferindo ultrapassar as dúvidas surgidas quanto à dedução das referidas mais-valias nas condições definidas pelo Código de 1976, justamente, no que respeita à necessidade de garantir a igualdade entre expropriados e não expropriados, entendeu eliminar as correspondentes deduções. Não deixou, no entanto, de satisfazer a exigência de consideração do interesse público, o que leva o Tribunal Constitucional a concluir no sentido da não inconstitucionalidade das normas sujeitas à sua apreciação.
Assim, e para além de consagrar a não contabilização da mais-valia resultante da própria declaração de utilidade pública no cálculo do valor da indemnização (cfr. nº 3 do artigo 22º e, ainda que relativo a norma semelhante constante do nº 1 do artigo 29º do Código de 1976, o acórdão deste Tribunal com o nº 470/97, Diário da República, II Série, de 16 de Outubro de 1977)), considera relevante para o mesmo efeito, por exemplo, no caso dos solos aptos para construção, um 'aproveitamento economicamente normal' do mesmo, afastando
(nº 1 do artigo 25º) 'factores especulativos ou anómalos' (acórdão. nº 314/95). Não põe, assim, em causa a orientação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal Constitucional e que, ainda, o acórdão nº 314/95 descreve desta forma:
'2. É já vasta a jurisprudência produzida pelo Tribunal Constitucional em torno do conceito de «justa indemnização» utilizado no nº 2 do artigo 62º do Diploma Básico, jurisprudência essa da qual deflui que tal conceito não tem, necessariamente, que corresponder ao preço que os bens expropriados teriam num mercado dito «real e concreto», devendo, antes, atender-se, para o alcance do
«justo valor», ao preço que o bem deterá num «mercado normal», onde não entrem em consideração factores especulativos ou anómalos que, as mais das vezes, se encontram no primeiro.
É que, conforme o posicionamento seguido pelo Tribunal e que agora se reitera, só assim é, por um lado, possível que a «justa indemnização» corresponda àquele 'valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, devendo-se ter em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores'; e, por outro, também só assim se atingirá uma indemnização que não atenda 'a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação' (palavras do Acórdão nº 52/90 no Diário da República, 1ª Série, de 30 de Março de 1990).
A indemnização há-de, assim, como 'concretização do Estado de direito democrático, nos termos do qual se torna obrigatório indemnizar os actos lesivos de direitos ou causadores de danos' (idem), de ter 'como medida o prejuízo que para o expropriado resulta da expropriação' (idem), traduzindo, pois, 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida' (do Acórdão nº
381/89, na 2ª Série do jornal oficial de 8 de Setembro de 1989) por aquele ou
'uma compensação plena da perda patrimonial suportada' (do Acórdão nº 210/93, no Diário da República, 2ª Série, de 28 de Maio de 1993; cfr., igualmente sobre o ponto, verbi gratia, os Acórdãos números 442/87, idem, idem, de 17 de Fevereiro de 1988 e 420/89, idem, idem, de 15 de Setembro de 1989).'
Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, no que respeita à questão de constitucionalidade. Lisboa, 14 de Fevereiro de 2003 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida