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Processo nº 583/03
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. - A. foi condenado, por acórdão do Tribunal Colectivo do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, em processo comum, como autor de dois crimes de homicídio qualificado, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, nºs. 1 e 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 19 anos de prisão por cada um deles e, em cúmulo jurídico, na pena única de 25 anos de prisão.
A decisão da 1ª instância foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que negou provimento ao recurso interposto pelo arguido.
Este, inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, no entanto, por acórdão de 13 de Março último, o rejeitaria.
Considerou-se, então, mediante uma interpretação do nº 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal (CPP), maioritariamente alcançada, que o recurso fora interposto fora de prazo, assim se justificando a sua rejeição: artigos 414º, nº 2, e 420º, do mesmo CPP.
Mesmo que assim não fosse – acrescentou-se –, por respeitar exclusivamente a matéria de facto, dele (recurso) não se poderia tomar conhecimento: artigo 434º do mesmo diploma.
Observou-se, ainda, que, de qualquer modo, equacionada que tivesse sido, perante o Supremo Tribunal de Justiça, matéria de direito, sempre haveria impedimento de conhecer desse recurso, por se tratar de matéria nova, não apreciada em devido tempo pela Relação.
2. - Insatisfeito, o interessado arguiu a nulidade do acórdão e pediu a sua aclaração – o que tudo foi indeferido por acórdão da conferência, de 8 de Maio seguinte.
Não se verifica a aludida nulidade – segundo o recorrente, o nº 2 do artigo 420º CPP exige que a deliberação de rejeição do recurso seja tomada por unanimidade de votos – por se perfilhar o entendimento segundo o qual esse preceito deve ser restritivamente interpretado, só sendo de observar quanto à rejeição por manifesta improcedência, que não por motivos puramente formais.
E, no tocante à pretendida aclaração, não só não se indicou qualquer ponto do acórdão a merecer esclarecimento, como a correcção dos eventuais defeitos do acórdão não é admissível se importar modificação essencial
[cfr. artigo 380º, nº 1, alínea b), do CPP, aplicável ex vi do artigo 425º, nº
4, do mesmo Código].
Neste entendimento, escreveu-se:
“O pretenso pedido de aclaração formulado pelo recorrente implicaria que este Supremo Tribunal desse o dito por não dito, admitindo o recurso que anteriormente rejeitou, por ser inadmissível. Sobre tal matéria ficou esgotado o poder jurisdicional deste Supremo Tribunal, nos termos do artº 666º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, aplicável por força do artº
4º do C.P.P., pelo que não tem de se pronunciar de novo sobre a mesma. Finalmente, verifica-se que o recorrente não veio impugnar a decisão subsidiária formulada no acórdão em apreço, para o caso de se entender que o recurso foi tempestivo, o qual se traduziu no não conhecimento do recurso, designadamente por versar exclusivamente matéria de facto. Tal decisão, devido á não impugnação, já transitou em julgado, pelo que se tornaria inútil admitir agora, se tal fosse possível, o recurso em causa. Por tudo o que vai exposto, acorda-se em indeferir o requerimento do recorrente.”
3. - O arguido interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, explicitando, após o convite que lhe foi dirigido nos termos do nº 5 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que recorre ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artigo 70º deste último diploma legal, “porquanto o Tribunal recorrido recusou-se a aplicar ao arguido o princípio in dubio pro reo, consagrado no artigo 32º, nº 2, da CRP”.
Sobre o assim requerido, o Conselheiro-relator, no Supremo Tribunal de Justiça, lavrou despacho, a 11 de Junho último, no sentido do não conhecimento do recurso.
Aí se escreveu:
“Notificado o recorrente para, ao abrigo do disposto no artº 75º-A, nº 5, da Lei nº 28/82, de 15-11, indicar a alínea do nº 1 do artº 70º da mesma Lei ao abrigo da qual o recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto, bem como a norma ou normas cuja inconstitucionalidade pretende que aquele Tribunal aprecie, o mesmo limitou-se a indicar a alínea c) do nº 1 do referido artº 70º, não referindo, porém, aquela norma ou normas. Assim, por um lado, verifica-se que o recorrente não cumpriu integralmente o que lhe foi determinado. E, por outro lado, verifica-se que a alínea c) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 não pode, obviamente, estar em causa no presente recurso, pois este Supremo Tribunal, na decisão recorrida, não recusou a aplicação da norma constante de diploma regional com fundamento na sua ilegalidade por violação da lei com valor reforçado. Nesse caso, atento o disposto na alínea c) do nº 1 do citado artº 70º, não cabe recurso da decisão deste Supremo Tribunal. Assim, tendo em conta que o recorrente não satisfez o convite que lhe foi feito e que a decisão, com o fundamento invocado pelo recorrente não admite recurso para o Tribunal Constitucional, indefiro o requerimento de interposição de tal recurso. Acresce que o recorrente, ao arguir a nulidade do acórdão deste Supremo Tribunal e ao pedir a sua aclaração, apenas teve em vista a decisão principal que diz respeito à rejeição do seu recurso. Como se disse no acórdão de 8-5-2002, ficou, pois, de pé, a decisão subsidiária, formulada no acórdão recorrido para o caso de se entender que o recurso foi tempestivo, a qual se traduziu no não conhecimento do recurso, por versar exclusivamente matéria de facto. Esta decisão, por não ter sido impugnada, já transitou em julgado, pelo que se tornaria inútil apreciar o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, que, por isso, não deve ser admitido face à norma imperativa constante do artº 137º, do Cód. Proc. Civil. Assim, também por esta razão, não admito tal recurso.”
4. - É deste despacho que o arguido agora reclama, nos termos
(implícitos) do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82.
Isto porque, como condensa nas respectivas conclusões do requerimento:
“A)- O R. suscitou a questão da inconstitucionalidade ao longo do processo e, designadamente, nas peças onde se contêm as suas motivações nos recursos para a Relaç5ão de Coimbra e para o Supremo Tribunal de Justiça; B)- Foi violado o princípio da presunção da inocência do arguido, que pertence ao leque dos princípios fundamentais do processo penal de um Estado de Direito como o português (artºs. 32º 2 e 280º 1 da CRP), e tal violação conduz à ilegitimidade de qualquer presunção de culpabilidade, como se fez nos autos; C)- O recurso interposto para o Tribunal Constitucional tem fundamento sério e é legalmente admissível, pelo que C)- o douto despacho reclamado deverá ser substituído por outro que admita o recurso para o Tribunal Constitucional.”
5. - O Conselheiro relator, por despacho de 15 de Julho de
2003, manteve na íntegra o decidido anteriormente: na sua opinião, o reclamante não pôs minimamente em causa o despacho de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que o mesmo “ficou incólume” e se dá por reproduzido.
Já no Tribunal Constitucional, cumprido o visto ao Ministério Público, previsto no nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82, disse este magistrado:
“A presente reclamação é manifestamente infundada, já que se não verificam, de forma ostensiva, os pressupostos do recurso (tipificado na alínea c) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82) que o recorrente persiste – mesmo no âmbito da presente reclamação – em considerar haver interposto.
É, aliás, evidente que tal recurso não tem por objecto qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se o recorrente a questionar a concreta, específica e casuística aplicação que a ordem dos tribunais judiciais teria feito do princípio “in dubio pro reo” – o que naturalmente não constitui objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta. Nestes termos, somos de parecer que a presente reclamação deverá ser julgada improcedente.”
Dispensados os demais vistos legais, cumpre decidir.
6. - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Com efeito, da leitura do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, após convite feito para indicar expressamente a alínea do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 à luz do qual se pretende recorrer, consta, inequivocamente, a invocação da alínea c), porquanto terá havido recusa de aplicação ao arguido do princípio in dubio pro reo, consagrado no nº 2 do artigo 32º da Constituição.
Ora, como é evidente, não está em causa, no concreto caso, qualquer recusa de aplicação “de norma constante de acto legislativo”, com fundamento na sua ilegalidade por violação da lei com valor reforçado, dado que, como observa o Ministério Público, unicamente se questiona a aplicação do princípio in dubio pro reo que, pelos tribunais, terá sido feita nos autos.
A esta luz, cumpre sublinhar que o recurso contemplado na alínea c) do nº 1 do artigo 70º citado é o recurso de uma decisão que recusa a aplicação de uma norma, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, pelo que não tem cabimento no caso concreto.
De resto, mesmo que se admitisse ter ocorrido lapso na indicação da alínea em causa – tendo-se aludido à alínea c) quando se quereria ter escrito b) –, por exemplo, também assim se não abria a via de recurso de constitucionalidade: não só não se configura ser essa a lógica do recurso, que pretende surpreender na decisão recorrida uma recusa de aplicação do princípio constitucional, como, de qualquer modo e definitivamente, não está em causa uma questão de constitucionalidade normativa própria e necessária deste tipo de recurso.
7. - Em face do exposto, indefere-se a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Agosto de 2003
Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida