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Proc. 715/02
1ª Secção
Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
O Ministério Público recorreu para este Tribunal - nos termos do artigo 70º n. 1 alínea a) da LTC - da sentença do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto que, ao conceder provimento à impugnação deduzida por A., desaplicou a norma do artigo 191º n. 1 do Código de Posturas do Concelho do Porto, com fundamento na violação dos artigos 103º n. 2 e 165º n. 1 alínea i) da Constituição.
É este juízo de inconstitucionalidade que o Ministério Publico impugna no presente recurso em termos que sintetiza da seguinte forma:
“1- Não viola qualquer preceito ou princípio da Lei Fundamental o estabelecimento da necessidade do indispensável licenciamento municipal, relativamente a quaisquer inovações ou modificações da estrutura visível dos imóveis, de modo a facultar às autarquias a salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental – e sendo naturalmente sancionados, no plano do ilícito de mera ordenação social (e não obviamente no plano do direito tributário), quaisquer comportamentos ilícitos e culposos dos particulares.
2- A coima aplicada ao interessado que cometeu tal contra-ordenação – prevista e punida na norma regulamentar desaplicada na decisão recorrida – e que integra o objecto do presente recurso carece, dada o seu carácter estritamente sancionatório, de natureza tributária, carecendo consequentemente de sentido proceder a uma sua qualificação como “taxa” ou “imposto”.
3- Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de constitucionalidade das normas desaplicadas na decisão recorrida.”
Por sua vez, a ora Recorrida apresentou contra-alegações pedindo a improcedência do recurso.
Cumpre decidir.
O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre questão idêntica à que constitui objecto do presente recurso.
E fê-lo, decidindo [cfr. Acórdãos n. 434/2002 (D.R., II série, de 17/12/2002) e n. 270/03 de 27/05/2003 (inédito)] não julgar inconstitucional a norma desaplicada na decisão ora recorrida.
No referido Acórdão n. 434/2002 foi desenvolvida a seguinte argumentação:
“3. Este Tribunal tem julgado inconstitucionais as normas constantes de posturas ou editais municipais que tributam a colocação e manutenção de anúncios ou reclamos publicitários, com fundamento na respectiva inconstitucionalidade orgânica. É o caso, nomeadamente, do Acórdão nº 558/98 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41º vol., págs. 55 e segs.), do Acórdão nº 32/99 (inédito), do Acórdão nº 63/99 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 42º vol., págs. 291 e segs.), do Acórdão nº 515/00 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48º vol., págs. 459 e segs.), e do Acórdão nº 92/2002 (inédito).
(...)
4. Esta jurisprudência seria de manter se a situação a que se reporta fosse a mesma que se encontra em causa nos presentes autos. Todavia, como refere o Ministério Público, nas respectivas alegações, «a decisão recorrida assenta num claro equívoco, já que, no caso dos autos, estamos confrontados – não com a exigência à recorrida de qualquer “tributo” pela autarquia, como decorrência de afixação de mensagens publicitárias no seu estabelecimento, mas com a imposição de uma coima – sanção contra-ordenacional decorrente de a arguida não ter procedido ao prévio e indispensável licenciamento municipal, destinado a facultar à autarquia a fiscalização da afixação ou inscrição de mensagens publicitárias, com vista à salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental».
E as autarquias não só não estão impedidas de exercer essa actividade fiscalizadora como na verdade tais funções lhes são expressamente atribuídas pela Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, artigo 1º. A própria decisão recorrida reconhece expressamente que «cabe ao Município onde a arguida tenha sede social licenciar os anúncios a pôr nos edifícios e estabelecimentos de que seja proprietária». O que não poderá, face à orientação jurisprudencial dispendida, é fixar o tributo decorrente desse licenciamento quando estejam em causa bens do domínio privado ou particular.
Ora, foi a partir daquela errada premissa que a decisão recorrida proferiu o alegado juízo de inconstitucionalidade que fundamentou a procedência da impugnação em causa.
Todavia, o que estava em causa nos presentes autos não era o pagamento de qualquer taxa eventualmente devida pela licença dos anúncios colocados, mas antes, e tão só, a cobrança da coima devida pela não existência do necessário licenciamento para os anúncios em causa. Com efeito, a recorrida (...) não requereu oportunamente o licenciamento para a colocação dos anúncios ou reclamos referentes à sua actividade, pelo que a autarquia deu início ao respectivo processo de contra-ordenarão, destinado a sancionar essa falta de licenciamento, e não a cobrar o tributo correspondente a essa mesma licença. Ora, a necessidade de licenciamento não foi posta em causa pela jurisprudência constitucional citada, e é a ela que se referem os nºs 1 e 2 do artigo 1º da Lei nº 97/88, bem como o artigo 191º do Código de Posturas Municipais, disposições infringidas pela recorrida.
O que vale por dizer que a decisão recorrida, ao interpretar esses normativos no sentido de permitirem «a tributação da utilização de espaços pertencentes a particulares», entendeu como abrangidas no conceito de «tributo» as coimas devidas pela não existência de licenciamento, afastando assim a possibilidade de sancionamento pelas autarquias desses mesmos comportamentos infractores. Ou seja, interpretou-os no sentido de abrangerem o sancionamento da ausência de licença, concluindo pela respectiva inconstitucionalidade.
Ora, tal sentido é manifestamente excessivo. Como bem referiu o Ministério Público, supra, aquela coima, «prevista e punida na norma regulamentar desaplicada na decisão recorrida» possui uma natureza clara e indubitavelmente sancionatória, «carecendo consequentemente de sentido proceder a uma sua qualificação como «taxa» ou «imposto»».
Pretende ainda a recorrida, todavia, que o estabelecimento da necessidade de licenciamento «mais não é do que a sujeição ao pagamento de uma taxa, que surge na sequência de um procedimento administrativo, que é acessório e a sanção mais não é do que a ausência do tal procedimento pelo não pagamento da respectiva taxa», alegando ainda que «procedimento» e «taxa» seriam uma e a mesma realidade. Para concluir assim, e ainda, que «não sendo lícito à autarquia cobrar a aludida taxa igualmente não lhe é lícito sancionar o comportamento pela ausência da licença, por nulidade da disposição que determina e discrimina a sanção».
Ora, tal argumento é de todo improcedente, já que a recorrente não logra fundamentar tais afirmações, pois que não é de todo possível confundir essas duas realidades distintas: por um lado, a obtenção da necessária licença municipal; por outro, o pagamento do tributo a ela correspondente.
Não se verifica, assim, qualquer inconstitucionalidade nas normas desaplicadas.”
É esta jurisprudência que ora se reafirma com adopção dos fundamentos invocados na decisão.
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade que ora se formula.
Lisboa, 24 de Setembro de 2003
Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida