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Processo n.º 581/12
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
No requerimento de interposição de recurso, o recorrente delimita o respetivo objeto, nos seguintes termos:
“(…) a interpretação que foi dada no douto acórdão, de que se recorre, acerca do nº 1 e da última parte do nº 7 do artº 187º do CPP, segundo a qual, mesmo quando os suspeitos estão identificados e o OPC possui todos os elementos para a investigação, ainda assim as interceções efetuadas noutro processo poderão ser utilizadas, viola o disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 34º da CRP e 32º nº1 do mesmo diploma, inquinando tais normas de inconstitucionalidade material.”
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“5. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Vejamos se tais pressupostos – de verificação cumulativa – estão presentes no caso concreto.
6. Comecemos tal análise na perspetiva da natureza do objeto do recurso de constitucionalidade.
O Tribunal Constitucional apenas pode sindicar a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e não de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional.
A este propósito, cumpre relembrar as considerações aduzidas no Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 633/08 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que se transcrevem:
“ (…) sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida (…)
Ora, no presente caso, é manifesto que o recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, ainda que sob a capa de uma aparente dimensão normativa, a própria decisão jurisdicional, que julgou improcedente a sua arguição de nulidade, e não uma verdadeira norma ou interpretação normativa.
Na verdade, o recorrente não autonomiza da decisão recorrida um qualquer critério normativo - entendido este como regra abstratamente enunciada, potencialmente aplicável a uma generalidade de situações – tentando, ao invés, construir uma questão, com aparência abstrata, cuja formulação sintomaticamente abrange o seu juízo valorativo sobre as singulares e concretas circunstâncias do caso, denunciando, indisfarçavelmente, a pretensão do recorrente de submeter ao Tribunal Constitucional a sindicância da decisão jurisdicional recorrida, na sua dimensão de análise casuística e operação subsuntiva, que conclui pela não verificação da nulidade arguida.
De facto, a fragilidade da construção descrita é facilmente desvelada pela circunstância de a questão enunciada incorporar a apreciação subjetiva do recorrente sobre a desnecessidade concreta da utilização das gravações, para a investigação no presente processo, numa tentativa de sobrepor o seu juízo valorativo à concreta ponderação dos factos que foi feita pelo tribunal.
Aliás, analisada a motivação do recurso que precedeu a prolação da decisão recorrida – peça processual em que o recorrente refere ter suscitado previamente a questão – verifica-se que o recorrente conclui ter sido “flagrantemente violado o disposto, pelo menos na última parte do n.º 7 do artigo 187º do CPP”, colocando, pois, o cerne da sua discordância no campo infraconstitucional e no concreto juízo subsuntivo que determinou a valoração das gravações.
A esse propósito, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 489/04 (disponível no sítio da internet já aludido):
“se se utiliza uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico infraconstitucional que se tem por violado com essa decisão (…)”
Neste contexto, reitera-se que a formulação da questão de constitucionalidade, constante da motivação do recurso, que precedeu a prolação da decisão recorrida, e que foi repetida, em termos análogos, no requerimento de interposição do presente recurso, apesar da sua construída aparência abstrata, não dissimula a sua verdadeira natureza não normativa.
Pelo exposto, atenta a inidoneidade do objeto do recurso, conclui-se pela inadmissibilidade do mesmo, tornando-se ociosa a discussão sobre os restantes pressupostos, por ser necessária a sua verificação cumulativa.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Fundamentando a sua discordância relativamente à decisão reclamada, refere o reclamante que pretende ver apreciada a constitucionalidade da interpretação, assumida no acórdão recorrido, relativa ao n.º 1 e última parte do n.º 7 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, “segundo a qual, mesmo quando os suspeitos estão identificados e o OPC possui todos os elementos para prosseguir a investigação, ainda assim as interceções efetuadas noutro processo poderão ser utilizadas”, infirmando que a sua pretensão corresponda à sindicância da própria decisão jurisdicional, como se refere na decisão reclamada.
4. O Ministério Público, em resposta à reclamação, manifesta a sua concordância com a decisão sumária proferida.
Mais refere que, para além da falta de dimensão normativa da questão de constitucionalidade suscitada, o reclamante não indica as razões que o levam a considerar violados os preceitos constitucionais que menciona.
Acresce que a questão colocada, de acordo com o mesmo reclamado, não integra a ratio decidendi do acórdão recorrido.
Conclui, nestes termos, defendendo o indeferimento da reclamação apresentada.
O reclamado Ariel Lopes de Andrade Mendes da Graça, notificado da reclamação, não apresentou resposta.
II - Fundamentos
5. Como resulta do teor da reclamação apresentada e do seu confronto com os fundamentos exarados na decisão sumária reclamada, o reclamante não aduziu argumentos que infirmassem a correção do juízo efetuado.
Na verdade, como se refere na decisão reclamada, o recorrente não autonomiza da decisão recorrida um qualquer critério normativo, que fosse suscetível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade, tentando, ao invés, construir uma questão, com aparência abstrata, que sintomaticamente incorpora o seu próprio juízo valorativo sobre as concretas circunstâncias do caso, assim denunciando a pretensão de sindicância da decisão jurisdicional recorrida, na sua dimensão de análise casuística e operação subsuntiva, que conclui pela não verificação da nulidade arguida.
Deste modo, apenas resta reafirmar toda a fundamentação constante da decisão reclamada e, em consequência, concluir pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III - Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação apresentada e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada proferida no dia 28 de agosto de 2012.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 18 de outubro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral.
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20120473.html ]