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Proc. n.º 733/00 ACÓRDÃO Nº
227/01
1ª Secção Cons.º Vítor Nunes de Almeida
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. - C... notificada da decisão sumária em que se resolveu não tomar conhecimento do recurso por faltar um dos requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade veio reclamar para a conferência fundamentando o seu pedido nos seguintes termos:
· Em primeiro lugar, afirma que é um equívoco considerar que o Tribunal de recurso, em sede de julgamento não aplica as normas processuais que delimitam os seus poderes de cognição. Quanto a esta questão refere que 'é óbvio que ao julgamento de um qualquer tribunal de recurso (...) subjaz sempre (...) um juízo prévio, normativamente fundado, sobre o alcance e extensão dos seus poderes de cognição (...)'.
· Em segundo lugar, entende que não está em causa o 'poder de o Supremo Tribunal Administrativo dirigir injuncões à Administração para carrear novos documentos para o processo' (...) O verdadeiro problema reside na circunstância de a emissão de tais injunções pressupor que o Supremo Tribunal Administrativo se atribui o poder de alterar a decisão da matéria de facto da primeira instância, apesar de sobre tal decisão não ter sido interposto qualquer recurso
(...)'. Donde extrai que 'na base dessa injunção está uma certa interpretação dos arts. 684º/1 e 4 e 712º do CPC no que concerne à delimitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso'.
· Por último, considera a reclamante que é 'deslocada a referência ao artigo 110º-c) da LPTA' pois este normativo apenas 'se aplica aos recursos contenciosos de anulação de actos administrativos. Ora, no caso dos autos não se trata de qualquer recurso contencioso, mas isso sim, de uma acção destinada a intimar a administração à realização de um certo comportamento (...)' Notificada para responder, a Câmara Municipal do Porto nada veio dizer aos autos.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTOS
3. - A presente reclamação não aduz qualquer argumento que seja susceptível de contrariar o entendimento prolatado por este Tribunal na decisão sumária de 8 de Fevereiro de 2001. De facto, a reclamante não produz argumentos novos que possam infirmar a conclusão constante da referida decisão sumária, agora em reclamação, reiterando os argumentos já implícitos no requerimento de interposição de recurso e desenvolvidos na resposta ao convite que lhe foi feito.
A reclamante, verdadeiramente, questiona o facto do Supremo Tribunal Administrativo (STA) ter alterado a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto (TACP) sobre matéria de facto, após ter recolhido novos elementos de facto, obtidos por notificação às partes e que serviram de base à decisão recorrida para negar provimento ao recurso, confirmando a decisão do TACP de indeferir o pedido de intimação 'embora em termos não coincidentes' com os constantes da primeira instância.
Relativamente a este problema, importa analisar, em pormenor, os diferentes passos processuais efectuados após a decisão de primeira instância.
Para situar esta análise há que acentuar que se está perante um pedido de intimação judicial para um comportamento em caso de deferimento, expresso ou tácito de um pedido de licenciamento, com fundamento no nº1 do artigo 62º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, para emissão de alvará de licença de utilização.
Importa também salientar que o recurso da sentença do TACP é um verdadeiro recurso jurisdicional, em que a recorrente impugna a decisão do TACP, de indeferimento do pedido de intimação judicial para emissão do referido alvará.
4. - Ao apreciar o caso dos autos, o STA proferiu um primeiro acórdão, cujo conteúdo foi o seguinte:
'1º - Ter este Supremo Tribunal por competente para dirimir o caso em apreço;
2º - Notificar a requerente, ora recorrente C... para, no prazo de 15 dias, juntar aos autos fotocópia da notificação respeitante á coima que lhe foi aplicada em virtude das alterações introduzidas ao projecto durante a construção e, bem assim, fotocópia do respectivo recibo de pagamento;
3º - Notificar a entidade recorrida para, no mesmo prazo de 15 dias, juntar aos autos fotocópia dos autos de embargo referidos na resposta de fls. 16 e ss, e informar da actual situação dos mesmos, juntando todos os elementos a eles respeitantes.'
A recorrente, devidamente notificada, juntou os documentos pedidos, nada dizendo quanto à legalidade de tal injunção por parte do Tribunal.
Pela sua parte, a autoridade recorrida, após duas prorrogações do prazo, acabou por juntar um 'dossier' constituído por 25 páginas relativas aos autos de embargo.
A recorrente e ora reclamante foi oportunamente notificada da junção destes documentos, nada tendo vindo dizer aos autos.
Em face deste posicionamento, o STA proferiu então o acórdão recorrido em que aditou aos factos provados na primeira instância, os factos decorrentes dos documentos juntos e não impugnados.
Ora, se a reclamante entendia que o STA não podia ter determinado a junção dos elementos em questão, tendo cometido uma nulidade ao determinar a sua junção e requisição, quer porque as normas que delimitavam o respectivo poder de cognição, assim entendidas, eram inconstitucionais, quer porque, tratando-se de um processo de intimação para comportamento, não admitia tais diligências probatórias, então tinha de suscitar logo essa questão quando foi notificada da junção dos documentos relativos ao processo de embargo da obra cujo alvará de utilização solicitava. Havia aqui, eventualmente, uma nulidade de acto processual e não uma nulidade de julgamento, como a reclamante a qualificou a fls 119 dos autos.
Não o tendo feito nessa oportunidade, isto é, não tendo suscitado a questão de constitucionalidade nesse momento, não o podia fazer posteriormente.
E que a recorrente podia ter previsto tal circunstancialismo, resulta claramente do que ela própria escreve na sua reclamação para a conferência e que se passa a transcrever:
'O verdadeiro problema reside na circunstância de a emissão de tais injunções pressupor que o Supremo Tribunal Administrativo se atribui o poder de alterar a decisão da matéria de facto da primeira instância, apesar de sobre tal decisão não ter sido interposto qualquer recurso. Com efeito, o supremo Tribunal Administrativo não teria solicitado qualquer documento se não tivesse antes
(metodologicamente antes), decidido (ainda que implicitamente) que a lei lhe reservava o poder de entrar no conhecimento de matéria de facto para cuja comprovação probatória tal documentação serviria. Donde na base dessa injunção está uma certa interpretação dos artigos 684º/1 e 4, e 712º do CPC, no que concerne à delimitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso'
Assim, se a reclamante entendia que o STA estava a fazer um uso dos artigos 684º, nº1 e 4 e 712º do Código de Processo Civil (CPC) violador da Constituição devia ter-se oposto logo que foi notificada do primeiro acórdão do STA. Não o tendo feito nesse momento, a sua suscitação em momento posterior era já uma suscitação em momento inadequado para se poder conhecer da questão.
Nesta perspectiva, há que reconhecer que a questão de constitucionalidade analisada à luz do que fica exposto não foi suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida para poder conhecer-se dela.
Falta, assim, um pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, pelo que não se pode conhecer de tal questão.
III - DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão sumária, ainda que por outro fundamento.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta.
Lisboa, 23 de Maio de 2001 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida