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Processo n.º 337/03
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. deduziu, nos termos do n.° 4 do artigo 76.° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.° 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), reclamação para o Tribunal Constitucional do despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25 de Março de 2003, que não admitira recurso por ele interposto para este Tribunal Constitucional.
Os elementos constantes dos autos permitem reconstituir, por ordem cronológica, as vicissitudes processuais ocorridas nestes autos da seguinte forma:
1) Em 4 de Outubro de 2002, realizou-se no Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, audiência de julgamento penal do ora reclamante, residente em Fafe, tendo, após produção de prova e de alegações, sido requerido pelo mandatário do arguido, com escritório também em Fafe,
“atenta a distância e a deslocação da área de residência do arguido e situação profissional, (...) a sua dispensa na leitura da sentença”, na sequência do que o Juiz proferiu despacho a designar o dia 10 de Outubro de 2002, pelas 14 horas, para leitura da sentença, “ficando o arguido dispensado de estar presente atentas as razões invocadas, sendo representado pelo seu defensor” (cf. acta de fls. 7 destes autos);
2) Em 10 de Outubro de 2002, realizou-se audiência para leitura da sentença, tendo a respectiva acta o seguinte teor (cf. fls. 8):
“PROC. N.º 79/01.8TBCVL – AUTOS DE PROCESSO COMUM SINGULAR Em 10 de Outubro de 2002, às 10:30 horas MAGISTRADO JUDICIAL – B. MAGISTRADO DO M.º P.º – C. OFICIAL DE JUSTIÇA – D. ASSISTENTE – E. ARGUIDO – A. DEFENSOR DA ASSISTENTE – F. MANDATÁRIO DO ARGUIDO – G. PRESENTES – Todas as pessoas para este acto convocadas, à excepção do ilustre mandatário do arguido, tendo o M.mo Juiz nomeado em sua substituição a H., que se encontrava presente e aceitou a incumbência. Aberta a presente audiência pelas 10:30 horas, o M.mo Juiz procedeu à leitura da sentença. Não houve reclamações. De tudo foram todos os presentes notificados.”
3) Em 11 de Outubro de 2002, procedeu-se ao depósito da sentença na secretaria, nos termos do n.º 5 do artigo 373.º do Código de Processo Penal (cf. fls. 9);
4) Em 17 de Outubro de 2002, foi expedida notificação postal da sentença para o mandatário do arguido (cf. fls. 10);
5) Em 28 de Outubro de 2002, foi o arguido pessoalmente notificado da sentença (cf. fls. 12);
6) Em 5 de Novembro de 2002, deu entrada na secretaria do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã requerimento do arguido de interposição de recurso acompanhado da respectiva motivação (cf. certidão de fls. 6);
7) Em 14 de Novembro de 2002, foi proferido despacho a rejeitar o recurso, “por estar fora do prazo previsto no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal”, dado que “a sentença foi depositada no dia 11 de Outubro de 2002; o arguido considera-se notificado da decisão no dia 10 de Outubro de 2002 (vide artigos 411.º, n.º 1, e 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal)”;
8) Em 22 de Novembro de 2002, o arguido reclamou deste despacho para o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, aduzindo o seguinte:
“1.º – Nem o arguido nem o seu mandatário estiveram presentes à leitura da sentença, que está datada de 10 de Outubro de 2002.
2.º – Consta do despacho de não admissão que a sentença foi depositada no dia 11 de Outubro de 2002.
3.º – O mandatário do arguido foi notificado da sentença em 21 de Outubro de
2002. E posto que a carta foi expedida em 17, quinta-feira.
4.º – O M.mo Juiz a quo considerou o arguido notificado em 10 de Outubro de 2002 e não em 21 de Outubro de 2002.
5.º – Havendo já variada jurisprudência sobre esta questão de interpretação do n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal, o arguido faz apelo à orientação jurisprudencial dada pela II conclusão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Maio de 1999, segundo o qual: «... para que este duplo terminus a quo tenha algum sentido, há que considerar que o mesmo se inicia a partir da notificação da decisão, se os sujeitos processuais se deverem considerar presentes na audiência ...».
6.º – Porém, tanto o arguido, como o seu mandatário, foram dispensados da audiência, e não eram, por isso, faltosos, só tiveram conhecimento do teor da sentença, e da sua existência, quando lhes foi notificada.
7.º – Não tendo outra justificação a sua dispensa senão pelo grave incómodo provocado pela distância, de serem presentes à leitura da sentença.
8.º – Bem mais incómodo seria procurar por variadas vezes o seu depósito, até a mesma se encontrar depositada.
9.º – As normas do n.° 3 do artigo 373.º e n.° 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal são inconstitucionais, quando interpretadas no sentido de se considerar o arguido notificado da sentença depois de esta ter sido lida na sua ausência, ou do seu depósito na secretaria, quando o arguido é dispensado de estar presente à leitura da mesma sentença. Com efeito,
10.º – Ao ser dispensado pelo tribunal da sua presença à leitura, o arguido, não pode ficar obrigado a procurar a sentença na secretaria, pois os motivos que levam o tribunal a dispensá-lo da sua presença, e a decisão da dispensa da leitura contém a decisão subjacente de notificar o arguido por cópia do teor da sentença e no local da sua residência, ou seja, no local de onde foi dispensado de deslocar-se ao tribunal.
11.º – A obrigação de o arguido dispensado ter de se fazer notificar no local onde foi dispensado de comparecer, não sendo obrigado a ir à sala, mas ficando obrigado a ir à secretaria, é um logro legal, que viola os direitos constitucionais de defesa do arguido consignado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que requer a procedência da presente reclamação, interpretando-se o n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal no sentido de «quando o arguido é dispensado de assistir à leitura da sentença, o prazo de interposição de recurso só se conta a partir da notificação da sentença, pessoalmente feita ao arguido ou por correio para a sua residência».”
9) O juiz a quo manteve o despacho reclamado, com a seguinte fundamentação:
“2. Mantenho nos seus precisos termos o despacho agravado, porque:
a) o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da data da leitura e depósito na secretaria;
b) a carta registada remetida a comunicar (ou qualquer outra forma de comunicação) não tem a virtualidade de transferir a início do prazo para interposição do recurso. Neste sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Janeiro de 1997, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, tomo I, pág. 200;
c) Tendo o arguido sido dispensado de comparecer à audiência em que foi lida a sentença, mas encontrando-se devidamente representado pelo seu defensor, para o efeito de interposição de recurso, é a partir dessa data que se inicia a contagem do respectivo prazo – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Janeiro de 1999, processo n.º 1214/98-3.ª, Sumários dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 27, pág. 68; ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Abril de 2001, pág. web.www.dgsi;
d) Não é inconstitucional a norma do artigo 411.º, n.º 1, interpretada por forma a entender que, com o depósito da sentença na secretaria do tribunal, o arguido que, justificadamente, não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma, deve considerar-se notificado do seu teor, para o efeito de, a partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença – acórdão do Tribunal Constitucional n.º 109/99, de 10 de Fevereiro, Diário da República, II Série, de 10 de Junho de 1999.”;
10) Em 13 de Janeiro de 2003, o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra proferiu despacho a indeferir a reclamação, do seguinte teor:
“No dia 10 de Outubro de 1992 foi lida a sentença proferida no processo comum singular n.° 79/01 do 1.º Juízo da Covilhã, sentença que foi depositada na Secretaria no dia seguinte.
O mandatário do arguido havia sido dispensado de estar presente nessa leitura, por ter invocado razões pessoais para essa dispensa.
À leitura estiveram presentes, além de outros, o arguido A., a quem foi nomeada defensora oficiosa expressamente para o acto.
No dia 17 seguinte a Secretaria expediu cartas para notificação dos sujeitos processuais.
No dia 5 de Novembro, o arguido apresentou requerimento de interposição de recurso que não foi recebido por extemporâneo.
Daí a presente reclamação do arguido, pretendendo obter o recebimento do recurso, alegando que o n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal deve ser interpretado no sentido de o prazo se contar desde a notificação ao arguido, pessoalmente ou para a sua residência, quando este for dispensado de estar presente na leitura, sob pena de inconstitucionalidade.
O despacho foi sustentado.
Não houve resposta.
Cumpre decidir:
Começamos por salientar que a pretensão do reclamante claudica liminarmente.
Na verdade, como se vê da acta certificada a fls. 7, o arguido esteve presente na sessão em que foi lida a sentença.
Quem não esteve presente foi o seu mandatário, que foi substituído por defensor que aceitou e que foi devidamente notificado da decisão e sobre quem incumbiria o ónus de, se o entendesse necessário, a transmitir ao seu Colega.
Como toda a reclamação se fundamenta no facto de a leitura da sentença ter sido feita na ausência do arguido, o que não corresponde à verdade, nada há que acrescentar para concluir pela improcedência da reclamação.
De qualquer forma, o facto de o Tribunal dispensar a presença, isto
é, conceder um privilégio para comodidade de um sujeito processual, não confere a este outros direitos, nomeadamente, não permite derrogar o disposto no artigo
411.º do Código de Processo Penal.
A solução legal não viola qualquer preceito ou princípio constitucional.
Nestes termos, indefiro a reclamação.”;
11) Em 4 de Fevereiro de 2003, o ora reclamante endereçou ao Juiz da Comarca da Covilhã requerimento, no qual refere:
“(...) tendo interposto recurso da decisão que o condenou, o qual foi julgado extemporâneo, e reclamado para o Sr. Presidente da Relação de Coimbra contra o não recebimento, por ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo 411.º do Código de Processo Penal, no entendimento de que não é necessário notificar da sentença o arguido não presente e dispensado, Vem requerer a V. Ex.a correcção do erro material, por lapso manifesto da acta de audiência da leitura da sentença, para poder prosseguir com a rectificação do despacho pelo Sr. Presidente da Relação de Coimbra, que vai requerer, com os seguintes fundamentos:
1.º – Como consta da acta de julgamento, o arguido foi dispensado de estar presente à leitura da sentença.
2.° – O arguido não esteve presente à leitura da sentença, como não esteve o seu mandatário, como foi a realidade dos factos, e como consta do despacho de V. Ex.a de fls. ... que manteve o despacho agravado.
3.º – A acta da audiência da leitura da sentença contém esse erro material, da presença do arguido, que fez claudicar liminarmente a reclamação do não recebimento do recurso.
Termos em que (alínea b) do n.° 1 do artigo 380.º do Código de Processo Penal), vem requerer a rectificação da acta, corrigindo-a daquele erro manifesto da presença do arguido à leitura da sentença, de que o arguido só teve conhecimento com a notificação da decisão do Sr. Presidente da Relação de Coimbra.”;
12) No mesmo dia 4 de Fevereiro de 2002, apresentou no Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã requerimento dirigido ao Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, no qual, após referir que a sua reclamação contra a não admissão de recurso fora indeferida por da acta constar que ele estivera presente à leitura da sentença, informa ter já requerido a rectificação desse erro da acta ao Juiz da Comarca da Covilhã e requer a rectificação do despacho do Presidente da Relação, depois de rectificado aquele erro material (cf. fls. 27);
13) Em 11 de Fevereiro de 2003, o Juiz da Comarca da Covilhã proferiu, relativamente ao requerimento mencionado em 11), o seguinte despacho:
“A acta que o arguido pretende que seja corrigida está conforme a realidade, atenta a minha decisão de fls. 173, que o dispensou de estar presente na data designada para a leitura da sentença, não tendo por isso sido convocado, estando correcta a acta de fls. 180, quando refere que estiveram presentes todas as pessoas convocadas, com excepção do ilustre defensor do arguido.
Quanto ao mais, parece resultar da parte final da decisão de fls.
219 e seguintes [despacho do Presidente do Tribunal de Coimbra, de 13 de Janeiro de 2003] que o arguido, mesmo estando dispensado de estar presente à leitura da sentença, não lhe confere outros direitos, nomeadamente derrogar o disposto no artigo 411.º do Código de Processo Penal.”;
14) Em 12 de Março de 2003, o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra proferiu, relativamente ao requerimento mencionado em 12), o seguinte despacho:
“A minha decisão de fls. 18 foi proferida perante os elementos de que dispunha e com ela se esgotou o meu poder jurisdicional na matéria.
Assim, nada a decidir.”;
15) Em 25 de Março de 2003, o arguido apresentou requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das normas constantes do n.º 3 do artigo 373.º e n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal, cuja inconstitucionalidade teria sido suscitada na reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra contra a não admissão de recurso (cf. fls. 25);
16) Em 25 de Março de 2003, o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra proferiu despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, do seguinte teor:
“A. pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional da minha decisão de fls. 18, pretendendo que se aprecie a inconstitucionalidade das normas do n.° 3 do artigo 373.º do Código de Processo Penal e artigo 411.º, n.° l, do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de se considerar o arguido notificado da sentença, depois de lida na sua ausência, ou do seu depósito na Secretaria, quando o arguido foi dispensado de estar presente à leitura da mesma sentença e também não esteve presente o seu mandatário.
Acontece que na decisão de que se pretende recorrer não se aplicaram aquelas normas. Nessa decisão considerou-se que da acta certificada a fls. 8 – cuja falsidade não foi decretada – resultava que o arguido esteve presente.
Na verdade, do facto de o arguido ter sido dispensado não resulta que não tenha sido convocado, que não lhe tenha sido notificada a data da leitura.
Aliás, da acta certificada a fls. 7, consta expressamente que o arguido foi notificado – se usou a dispensa não só não consta da acta certificada a fls. 8, como dela resulta o contrário, o que foi o fundamento da decisão de que se pretende recorrer. Aí se diz que estavam presentes as pessoas convocadas, à excepção do mandatário.
Pelo exposto, não recebo o recurso.”:
17) Em 9 de Abril de 2003, o arguido apresentou reclamação deste despacho para o Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
“1.º – O despacho do Sr. Presidente da Relação de Coimbra que não admitiu o recurso para esse Venerando Tribunal diz não ter feito aplicação das normas cuja inconstitucionalidade foi alegada na reclamação da não admissão do recurso comum, quais sejam o n.° 3 do artigo 373.º do Código de Processo Penal e artigo
411.º, n.° 1, do Código de Processo Penal.
2.º – Acontece que foram essas as normas invocadas pelo tribunal de 1.ª instância da Covilhã para fundamentar a rejeição do recurso comum para o Tribunal da Relação de Coimbra.
3.º – É na reclamação da não admissão do recurso, dirigida ao Sr. Presidente da Relação de Coimbra, que é alegada a inconstitucionalidade dessas normas.
4.º – O Sr. Presidente da Relação de Coimbra rejeitou liminarmente a reclamação, fundamentando o seu despacho:
a) No facto errado de o arguido ter estado presente à leitura da sentença;
b) «De qualquer forma, o facto de o tribunal dispensar a presença, isto é, conceder um privilégio para comodidade de um sujeito processual, não confere a este outros direitos, nomeadamente, não permite derrogar o disposto no artigo 411.º do Código de Processo Penal».
5.º – Ou seja, o Sr. Presidente da Relação de Coimbra decidiu a reclamação, indeferindo-a,
a) Liminarmente, por erro de facto;
b) Por aplicação das normas cuja inconstitucionalidade foi alegada.
6.º – Foi pedido esclarecimento da sentença e correcção do erro material, tanto ao Tribunal da Covilhã, como à Relação de Coimbra, donde resultou:
a) O Tribunal da Covilhã a dizer que o arguido não esteve na leitura da sentença;
b) O Tribunal da Relação de Coimbra a dizer que esteve, e que não corrige o seu erro material.
7.º – Daquele despacho de rejeição da reclamação, onde é invocada e alegada a inconstitucionalidade, confirmado pelo despacho do Sr. Presidente da Relação de Coimbra que diz que não corrige o erro, veio o recorrente interpor recurso.
8.º – Esse recurso da apreciação concreta da constitucionalidade das normas aplicadas pelo Tribunal da Covilhã e pela Relação de Coimbra, alegadas na reclamação indeferida pela Relação de Coimbra,
9.º – Não foi admitido pela Relação de Coimbra, que transformou o despacho de esclarecimento em despacho autónomo, para o recorrente dele não poder recorrer.
10.º – Porém, o recurso para esse Venerando Tribunal está interposto do despacho que aplicou as normas cujo inconstitucionalidade foi previamente alegada, confirmado pelo despacho de esclarecimento, que não rectifica o erro material, mas que não é autónomo.
11.º – Continuando o recurso retido a pretender a apreciação do despacho que aplicou as normas inconstitucionais.”
Neste Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente, estando – como
é óbvio – situado fora do âmbito dos poderes cognitivos deste Tribunal, em sede de controlo normativo da constitucionalidade, a correcção de quaisquer «erros de facto» acerca da efectiva presença do arguido na audiência final e acto de leitura da sentença.
Ora, é inquestionável que a decisão proferida pelo Ex.mo Presidente da Relação se fundou manifestamente – como ratio decidendi – na circunstância fáctica de o arguido ter, face ao conteúdo da acta respectiva, estado presente no acto de leitura da sentença – e não na interpretação normativa questionada pelo recorrente com base numa diferente perspectiva fáctica.
Deste modo, não tendo sido aplicadas as normas que o recorrente considera inconstitucionais, não se verificam naturalmente os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. A admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende, além do mais, do facto de a decisão recorrida ter feito aplicação, como ratio decidendi, das normas cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Ora, como resulta do precedente relatório, a decisão do Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, de indeferimento de reclamação contra a rejeição de recurso para esse Tribunal interposto, assentou decisivamente no entendimento de que o arguido tinha estado presente na audiência em que se procedeu à leitura da sentença. Surge como obiter dictum, sem relevância como fundamento autónomo da decisão de indeferimento da reclamação, a afirmação de que o facto de o tribunal dispensar a presença não permite considerar derrogado o disposto no artigo 411.º do Código de Processo Penal.
É certo que é possível que o fundamento determinante da decisão recorrida – ter estado o arguido presente à leitura da sentença – tenha assentado num equívoco. Na verdade, na acta da respectiva audiência, transcrita em 2) do ponto anterior, a sua primeira parte (onde se indicam o número do processo, a data, os magistrados judicial e do Ministério Público, o oficial de justiça, o assistente, o arguido, o defensor do assistente e o mandatário do arguido) não parece ser um registo de presenças, mas sim a mera menção de dados processuais tidos por relevantes. Só na segunda parte, onde se mencionam os
“presentes”, é que se terão registado as presenças efectivas, assinalando-se que o mandatário do arguido, G. (mencionado na primeira parte da acta) não comparecera, pelo que, em sua substituição, foi nomeada uma defensora oficiosa. Assim, a menção do arguido na primeira parte da acta (tal como a do seu mandatário) não teria o significado de ele ter estado presente, nem tal surgiria como plausível, atenta a dispensa de comparência anteriormente requerida e concedida e o fundamento da mesma (residência em Fafe).
O reconhecimento da plausibilidade deste equívoco não confere, porém, ao Tribunal Constitucional a faculdade de dar esse erro como adquirido e, muito menos, de daí retirar quaisquer consequências em sede de inconstitucionalidade normativa.
Nesta sede, o que releva é que, manifestamente, a decisão recorrida, assentando de forma determinante numa leitura da acta de que resultava que o arguido estivera presente na audiência de leitura da sentença, não fez aplicação, como ratio decidendi, da interpretação normativa arguida de inconstitucional pelo recorrente, a saber, a interpretação das normas dos artigos 373.º, n.º 3, e 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual, para efeitos do início do prazo de interposição de recurso, o arguido se considera notificado da sentença, lida na sua ausência (por ter sido dispensado de comparecer nessa audiência), a partir dessa leitura ou a partir do seu depósito na secretaria.
Não tendo a decisão recorrida feito aplicação da interpretação normativa questionada, improcede a reclamação.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 18 de Junho de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos