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Processo n.º 553/00
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam em conferência no Tribunal Constitucional:
1. Notificada do Acórdão n.º 165/2002 do Tribunal Constitucional, que desatendeu o pedido de aclaração do Acórdão n.º 52/2002, que, por sua vez, desatendeu o pedido de aclaração do Acórdão n.º 460/2001, que havia desatendido a reclamação para a conferência e confirmado a Decisão Sumária n.º 158/2001 – pela qual a alínea g) do n.º 1 do artigo 17º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), não fora julgada inconstitucional na medida em que isenta apenas de custas os juízes, e não também os advogados –, veio M...
'invocar a nulidade' do Acórdão n.º 460/2001, com os seguintes fundamentos:
'1. Pretendeu ver a Recorrente aclarada, em sucessivos requerimentos seus hoc sensu, em que consistiria a ‘justificação razoável’ em que radica a douta posição deste Tribunal Constitucional de indeferimento da sua pretensão de estarmos presente uma inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.
2. Em resposta ao seu último pedido de aclaração, este Tribunal remete para a douta decisão aclaranda, reiterando que tal decisão não enferma de qualquer ambiguidade ou obscuridade, não carecendo portanto de qualquer aclaração.
3. Sucede é que um juízo de constitucionalidade exige-se objectivo e não subjectivo, não podendo assentar em uma qualquer ‘justificação razoável’...
4. É que não decorre da Constituição a exigência de qualquer privilégio nas condições de acesso à justiça em função do mero estatuto de magistrado Judicial
(cfr. ac. TC 290/99).
5. Decorre da Constituição, sim, que recebam tratamento semelhante os que se acham em situações semelhantes, sendo que, para isso, importa distinguir quais os elementos de semelhança que têm de registar-se (para além dos inevitáveis elementos diferenciadores) para que duas situações devam dizer-se semelhantes em termos de merecerem o mesmo tratamento jurídico (PCC 1/76, I, 1976-77).
6. É que o princípio da igualdade é um princípio estruturante nas decisões que importam atribuição de vantagens ou direitos ou alocação de prestações ou que se traduzam na repartição de sacrifícios ou deveres ou na imposição de encargos, exigindo que as vantagens, direitos ou regalias públicas a todos beneficiem em igualdade de condições e que os deveres e encargos a todos sobrecarreguem em igualdade de circunstâncias.
7. O princípio da igualdade haverá de ter-se por violado quando um determinado direito seja reconhecido apenas a uma certa categoria de pessoas (in casu, Magistrados que litiguem por força do exercício das suas funções), excluindo outras que se podem reclamar da mesma situação para o exercerem (Advogados que litiguem por força do exercício das suas funções).
8. Sempre que um direito seja reservado para uma certa categoria de pessoas, haverá que verificar essencialmente quatro coisas: se a categoria é objectivamente identificável, sendo a sua delimitação fundada numa distinção objectiva; se o elemento que distingue a categoria beneficiada tem algo a ver com a prerrogativa que lhe é reconhecida não sendo ela, portanto, puramente arbitrária; se a prerrogativa visa realizar um interesse público reconhecível e com assento constitucional; se ela se mostra necessária e adequada para a realização desse objectivo ou, antes, se se apresenta como manifestamente incongruente com ele:
9. Não basta haver uma mera consonância entre os critérios adoptados pelo legislador e os objectivos da lei: é necessária uma autêntica compatibilização entre uns e outros, ou seja:
10. O critério de julgamento nesta sede deve ser um critério positivo entre meios e fins e não um critério negativo de não incompatibilidade...
11. E não deve ser, sobretudo, uma qualquer ‘justificação razoável’ que, à falta de outros argumentos objectivos, facilmente poderá ser interpretada como um privilégio corporativo.
12. Ora basta ler o que antecede para se verificar que o referido douto acórdão nº 460/2001 padece do vício de nulidade por falta de fundamentação – não só não vêm especificados os fundamentos de direito que justificam a decisão de não inconstitucionalidade como, e sobretudo, não vem concretizada, objectivada, a
‘justificação razoável’ que estará na base do referido douto acórdão: estaremos, aqui, perante uma concretização subjectiva que a lei não permite,
13. Sendo que não foi conhecida a questão de fundo destes Autos: qual o fundamento deste juízo de constitucionalidade.
14. Ocorreu, pois, violação do disposto no art.º 668º/1b) e d) CPC,
15. Nulidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos de lei, e perante este Tribunal, por não ser o douto acórdão n.º 460/2001 passível de recurso ordinário.' Cumpre decidir.
2. Entende a reclamante que o Acórdão n.º 460/2001 padece de nulidade por não conter a especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão de não inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, já que, afirma o 'critério de julgamento nesta sede deve ser um critério positivo entre meios e fins e não um critério negativo de não incompatibilidade...', e 'não deve ser, sobretudo, uma qualquer ‘justificação razoável’ que, à falta de outros argumentos objectivos, facilmente poderá ser interpretada como um privilégio corporativo.' Ora, nesse Acórdão n.º 460/2001 considerou-se que, a propósito da comparação entre a posição e a função no processo de magistrados judiciais e de advogados, e sua possível relevância para efeitos da dispensa de custas, que 'não é a circunstância de os advogados também se encontrarem expostos à litigância por virtude da sua actividade profissional que torna arbitrária ou irrazoavelmente discriminatória a reserva aos juízes da isenção de custas em acções em que sejam parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções', pois basta
'considerar para tal que os advogados não são servidores do Estado, mas sim profissionais liberais, e que é aos juízes que incumbe o ónus (e a consequente responsabilidade) da decisão – isto é, de proferir a palavra final no processo.' E acrescentou-se que, o papel de advogados e juízes na administração da justiça
é bem distinto (o que desde logo poderia ser tomado como fundamento razoável para a distinção entre ambos quanto à isenção de custas) e que o Estado pode isentar de custas resultantes de processos fundados em factos, comportamentos ou razões directamente conexionados com o exercício das suas funções apenas os juízes, 'enquanto agentes da administração da justiça que integram os órgãos de soberania que são os tribunais', ao contrário dos advogados. O juízo de inexistência de violação do princípio da igualdade encontra-se, pois, claramente fundamentado.
3. Como decorre do próprio requerimento de arguição de nulidades, a posição da reclamante não é, aliás, em rigor, de falta de reconhecimento da fundamentação dessa decisão, mas de discordância sobre a relevância e a suficiência dos motivos apontados para legitimar a distinção de tratamento entre advogados e juízes no que toca à isenção de custas – não, pois, para usar a sua linguagem, o não estar perfeitamente 'concretizada, objectivada, a ‘justificação razoável’' que está na base dessa decisão, mas sim a discordância desta justificação. Tal decorria, aliás, já de outros requerimentos anteriores, sendo já este o terceiro requerimento em que exprime tal discordância, agora não sob a veste de pedido de aclaração, mas na de arguição de nulidades da decisão. Não podendo, porém, excluir-se que, na visão da reclamante, a referida discordância pudesse reflectir-se numa falta de fundamentação da decisão, e tendo em conta que se trata da primeira arguição de nulidades da decisão em questão, admite-se também, novamente, que não seja ainda caso de litigância de má fé, por se estar a fazer um uso reprovável do processo, com o fim de entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
4. Com estes fundamentos, decide-se desatender a presente arguição de nulidade e condenar a requerente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 3 de Julho de 2002 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa