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Proc. n.º 248/03 TC - 1ª Secção Rel.: Consº Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A ..., com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fls. 375 e segs..
Do respectivo requerimento resulta que o recorrente pretende ver apreciados 'os artºs 71º, 72º e 73º do Cód. Penal de 1982, se interpretados e aplicados, como foram, em termos de permitir a agravação da pena concreta no âmbito de recurso apenas interposto pelo próprio arguido', o que violaria o disposto nos artigos
32º n.º 1 e 20º n.º 1 da Constituição da República.
Admitido o recurso no tribunal 'a quo' e remetidos os autos a este Tribunal, o relator determinou a produção de alegações.
Apresentadas alegações pelo recorrente e pelo Ministério Público, na conclusão
1ª destas últimas, sintetizando o exposto na 1ª parte da peça em causa, escreveu-se:
'1 - A questão de constitucionalidade enunciada pelo recorrente situa-se inteiramente no plano adjectivo, só sendo inteligível se tivesse sido reportada
à norma constante do artigo 426º n.º 1 do Código de Processo Penal, interpretada em termos de - no caso de reenvio do processo, com fundamento em anulação do primeiro julgamento, por insuficiência da matéria de facto - o tribunal dispor de plena competência para apreciar os factos e o direito, não estando limitado pela pena concretamente aplicada no julgamento anulado.
..................................................................................................................'
O relator exarou, então, o seguinte despacho:
'O que se sustenta na 1ª parte das alegações do Ministério Público pode levar, numa certa perspectiva, ao não conhecimento do objecto do recurso.
Com efeito, o recorrente delimitou, como lhe competia - e só a ele - o objecto do recurso: 'os artºs 71º, 72º e 73º do Cód. Penal, se interpretados e aplicados, como foram, em termos de permitir a agravação de pena concreta no
âmbito de recurso apenas interposto pelo próprio arguido, sendo por isso inconstitucionais'.
Aqueles preceitos dispõem sobre o critério para a escolha da pena
(artº 71º), a determinação da medida da pena (artº 72º) e a atenuação especial da pena (artº 73º).
No acórdão recorrido só os dois primeiros são referidos, no sentido de eles não terem sido violados pela Relação.
Ora, questionando o recorrente o que, segundo ele, constituiria a aplicação de uma pena mais grave do que a imposta em anterior decisão de que só ele recorrera, dando lugar à anulação da mesma decisão e ao reenvio do processo para novo julgamento, a verdade é que aqueles preceitos legais não foram aplicados com a interpretação indicada pelo recorrente.
Com efeito, os artigos 71º e 72º do CP82 estabelecem critérios substantivos de aplicação das penas e não foram, nem podiam ser, aplicados com outra dimensão.
Poderia, no entanto, dizer-se que, implicitamente, o acórdão recorrido aplicara uma norma que, em caso de anulação da decisão condenatória e reenvio de processo para novo julgamento, por virtude de recurso interposto apenas pelo arguido, permite a aplicação de uma pena mais grave no segundo julgamento. Estaria, então, em causa uma determinada interpretação de norma adjectiva relativamente aos efeitos do reenvio nesse segundo julgamento.
Mas aqueles preceitos legais do CP82, pela natureza que se lhes atribuiu e nos termos em que foram aplicados no acórdão impugnado, nunca poderiam ser suporte adequado de uma tal hipotética norma que, assim, haveria de ancorar-se noutro ou noutros preceitos reguladores do processo penal, competindo ao recorrente - e não ao Tribunal Constitucional - identificá-los.
Notifique-se, pois, o recorrente para se pronunciar, querendo, sobre esta questão.'
Notificado deste despacho, o recorrente veio dizer que a ele se afigurou 'que a violação do princípio e das disposições constitucionais só foi possível pela concreta interpretação e aplicação dos artigos 71º, 72º, e 73º do Cod Penal de
1982 que foi feita no Tribunal recorrido' e que 'foi ao aplicá-los que se determinou a medida da pena agora imposta à que subsistiria não fora o recurso interposto unicamente pelo arguido'; 'não obstante (...) o recorrente aceita e admite que a inconstitucionalidade em causa fira e se reporte ao artº 426º n.º 1 do Cod. P. Penal, designadamente quando na sua parte final permite o novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão do reenvio'; tal invoca - acrescenta -
'ao abrigo e nos termos do artº 75º-A n.ºs 5 e 6 da Lei 28/82 de 15 de Novembro'.
Cumpre decidir.
2 - Começa por se salientar que o disposto no artigo 75º-A n.º 5 da LTC só habilita o convite aí previsto no caso de se verificar, no requerimento de interposição de recurso, a falta dos elementos previstos no preceito; esse convite destina-se, pois, ao suprimento de omissões e não à alteração daqueles elementos, designadamente a indicação da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada.
Não poderá, pois, atender-se ao que o recorrente pretende na resposta supra referida no sentido de reportar a interpretação supostamente feita no acórdão impugnado ao artigo 426º n.º 1 do CPP.
Isto posto, não se deixará de dizer que, tal como decorre, literalmente, do requerimento de interposição de recurso, a interpretação que se diz feita no acórdão recorrido não se ajusta ao aí decidido.
Com efeito, o acórdão recorrido não agrava a pena imposta ao recorrente - ele mantém a pena imposta na Relação e esta reduzira a mesma pena relativamente ao decidido em 1ª instância..
Certo é, porém, que da suscitação da questão de constitucionalidade feita pelo recorrente durante o processo - e das alegações feitas neste Tribunal - se infere que o alegado agravamento da pena tem em conta, como termo comparativo, a pena em que o recorrente fora condenado em 1ª instância por anterior acórdão, anulado pelo STJ, em recurso interposto pelo arguido, com a determinação de reenvio do processo para novo julgamento sobre a totalidade do seu objecto.
E admite-se que assim seja, muito embora, no requerimento de interposição de recurso se não explicite o que, em rigor, o recorrente acaba por pretender.
Em suma, pois, o objecto do recurso é composto pelo conjunto dos artigos 70º,
71º e 72º do Código Penal de 1982, interpretados em termos de permitirem a aplicação de uma pena mais grave do que a que fora imposta em julgamento anulado, em recurso interposto pelo arguido, por decisão que determinou o reenvio do processo para novo julgamento sobre a totalidade do seu objecto.
Ora a questão que se coloca no caso e decorre do expendido pelo Ministério nas suas alegações é a de saber se aqueles preceitos legais foram interpretados, no acórdão recorrido, nos termos indicados pelo recorrente.
Ora, sobre essa questão, o transcrito despacho do relator, ainda que em termos então provisórios, expressa uma resposta claramente negativa, cujos fundamentos não foram infirmados pelo recorrente, e que aqui se reitera nos seus precisos termos.
Acrescenta-se, apenas, que o Ministério Público, na perspectiva em que coloca a questão, é conduzido a uma conclusão diversa: a improcedência do recurso, considerando 'apenas' a 'pretensa inconstitucionalidade das normas penais materiais que incidem sobre os critérios da determinação da medida concreta da pena'.
Mas, a verdade é que não é essa a interpretação normativa que o recorrente questiona; ela é a que se deixou transcrita, reportada a preceitos que de modo algum são aplicados no acórdão impugnado com tal interpretação.
E, assim sendo, o disposto no artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC impede que se conheça do objecto do recurso por falta de um dos pressupostos - a aplicação da norma com a questionada interpretação.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 Ucs
Lisboa, 2 de Julho de 2003 Artur Maurício Maria Helena Brito Carlos de Oliveira Pamplona Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida