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Proc. n.º 188/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. A. (ora recorrente), interpôs no Tribunal Central Administrativo recurso contencioso do despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros (ora recorrido), de 15 de Agosto de 1998, que indeferiu um seu requerimento em que solicitava que o seu nome fosse incluído no elenco dos conselheiros de embaixada a apreciar pelo Conselho Diplomático, para a promoção a Ministros Plenipotenciários.
2. O Tribunal Central Administrativo, por decisão de 15 de Fevereiro de 2001, negou provimento ao recurso.
3. Inconformado com esta decisão, o ora recorrente, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo, na alegação aí apresentada, afirmado o seguinte:
“[...]
8º Assim, o regime estabelecido no n.º 1 do art. 27 do Decreto-Lei 97/92 [em rigor, 79/92], motivador (pelo reconhecimento da sua inaceitabilidade) das alterações preconizadas pela Lei n.º 4-A/98, de 20 de Janeiro [], mas condicionante das disposições do Decreto-lei n° 40-A/98, de 27 de Fevereiro, viola o referido princípio da confiança jurídica, pois que não havia quaisquer motivos para esse drástico tratamento do recorrente e de outros diplomatas nas suas condições. Assentando na validade desse art. 27, n.º 1 e sentindo-se condicionado por ele, o acto recorrido sofre de violação de lei.[...]
14º Quando a alínea b) do n.º 2 do art. 2º da Lei n.º 4-A/98, de 20 de Janeiro, refere “progressão na carreira”, obviamente que está a referir-se a promoções. E isso mesmo reconhece o acórdão recorrido. Simplesmente, e contrariamente ao que esse acórdão entende, a autorização legislativa que a referida Lei encerra não se limita a permitir que o diploma autorizado consagrasse a promoção, antes impôs esse sentido ao diploma autorizado: o corpo do n.º 2 desse art. 2 da Lei n.º 4-A/98 diz, claramente, que o decreto-lei a aprovar deve, em especial, permitir, nomeadamente, a progressão na carreira. Não o tendo feito (e contrariamente ao acórdão recorrido)
15º O art. 22 do Decreto-Lei n. 40-A/98 sofre de ilegalidade, por violação daquela lei de autorização (esta é, aliás, a opinião do Professor Canotilho, no documento, da sua autoria, junto aos autos, no qual, aliás, repudia a interpretação que o acto recorrido faz da sua opinião, o que, por si só, inquina esse acto de erro nos pressupostos de direito). Tendo-se baseado nesse preceito ilegal, o acto recorrido incorreu em violação de lei; acobertando essa base legal do acto recorrido, o acórdão ora impugnado é, ele também, ilegal. Conclusões I. O acórdão recorrido ignorou, pura e simplesmente, o facto (alegado pelo recorrente para definir o contexto legislativo e administrativo em que foi reduzida drasticamente a idade para passagem à disponibilidade dos conselheiros de embaixada) de não ter sido cumprida a regra da anuidade dos concursos, vinda da legislação anterior e mantida no n° 2 do art. 17 do Decreto-lei n° 79/92, de
6 de Maio; e que isso, como também foi alegado, não poderia ter sido ignorado pelo legislador; esses factos são essenciais - para a definição da violação do princípio da confiança jurídica (ínsito no do Estado de direito democrático, consagrado no art. 2 da Constituição ), pois que II se essa regra da anuidade tivesse sido cumprida, o recorrente (como outros diplomatas) teria acedido muito mais cedo às categorias anteriores [à] de conselheiro de embaixada, a esta mesma categoria e, normalmente, à de ministro plenipotenciário (recorda o recorrente que sempre fora promovido por mérito ). III. Não conhecendo da arguida violação da regra da anuidade dos concursos
(Conclusões anteriores), o acórdão recorrido não conheceu de questão de que devia ter conhecido, sofrendo, pois, da ilegalidade definida na alínea d) do n°
1 do art. 668.º do Código de Processo Civil. IV. Desconsiderando aquele incumprimento da regra da anuidade dos concurso e as consequências de retardamento que isso teve nas carreiras de diplomatas como o recorrente, não atendendo, também, à idade destes, o n° 1 do art. 27.º do Decreto-lei n° 79/92, condicionante do regime do Decreto-lei n° 40-A/98, violou o referido princípio da confiança jurídica. Partindo da validade desse preceito e das suas repercussões sobre o regime adoptado no Decreto-Lei n° 40-A/98, o acto recorrido sofre de violação de lei. Acobertando esse entendimento, o acórdão impugnado é ilegal. V. A situação do recorrente não é assimilável à de funcionários eventuais ou a exercerem funções fora da carreira, ou aposentados: o recorrente permanece na carreira, tem as mesmas obrigações de conteúdo e de dependência que as de qualquer diplomata não na disponibilidade que tenha exercido ou exerça essas funções, tem os mesmos encargos (ADSE, Caixa Geral de Aposentações, etc.); só não tem (embora não tenha sido nomeado a seu pedido)...o direito a promoção. Não há, pois, razão para tratamento discriminatório de pessoas na situação do recorrente, o que leva a que o próprio art. 22.º do Decreto-lei n° 40-A/98 viole o princípio da igualdade. Aplicando este preceito[], o acto contenciosamente recorrido sofre de violação de lei; acobertando essa aplicação, o acórdão recorrido é ilegal. VI. O n° 2 e sua alínea b) do art. 2 da Lei de autorização n° 4-A/98, de 20 de Janeiro, não se 1imitou a permitir, antes indicou e impôs o sentido do diploma autorizado que, segundo esses preceitos, não poderia, tão-só, mas tinha que prever a promoção dos funcionários diplomáticos na disponibilidade em serviço. Não tendo cumprido essa indicação, o art. 22.º do Decreto-lei n° 40-A/98, de 27 de Fevereiro é ilegal; baseando-se nesse preceito, sem atender a essa ilegalidade, o acto contenciosamente recorrido sofre de violação de lei. Dando cobertura a esse entendimento, o acórdão recorrido sofre de ilegalidade. Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, declarando-se a nulidade do acórdão recorrido ou, quando assim se não entenda, revogando-se o mesmo acórdão e anulando-se o acto administrativo contenciosamente recorrido neste processo, como é de Justiça.”
4 – O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 3 de Dezembro de 2002, decidiu negar provimento ao recurso. Na fundamentação dessa decisão, ponderou aquele Tribunal:
“[...] Quanto à violação do princípio da confiança jurídica- conclusão IV: Segundo o recorrente o acórdão recorrido errou, ao acolher o entendimento defendido no acto administrativo recorrido, de que o regime estabelecido no n.º
1 do art° 27° do DL n.º 67/92, motivador das alterações preconizadas pela Lei n.º 4-A/98 e condicionante das disposições do DL nº 40-A/98, não viola o princípio da confiança jurídica. Já vimos que o recorrente sustentou a ilegalidade do despacho administrativo recorrido, além do mais, no facto de se ter apoiado na validade do citado n.º 1 do art° 27° do DL n° 79/92, preceito que considera violador do princípio da confiança jurídica, por haver reduzido drasticamente de 65 para 60 anos a idade limite para a passagem à disponibilidade na categoria de conselheiro de embaixada, quando o recorrente tinha à data 58 anos. O acórdão recorrido, sufragando o entendimento constante do parecer de que se apropriou o despacho administrativo impugnado e invocando jurisprudência deste Supremo, considerou, em síntese, não ocorrer a pretendida violação, quer porque a situação jurídica do funcionário público é de natureza estatutária, sendo por essa razão, em princípio, livremente modificável ou revogável pela lei, sem prejuízo dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, designadamente quanto à garantia da segurança no emprego, quer porque a redução para 60 anos do limite de idade em causa, não constitui uma frustração intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva das expectativas dos destinatários, já que, em primeiro lugar , a entrada em vigor desse regime foi deferida para 01-01-95, ou seja, três anos de vista e não tornou inviável a promoção almejada, se dentro de 3 anos (e não dentro de 2, como o recorrente afirmou) se verificassem os respectivos pressupostos. Se o recorrente conseguir afirmar que teria direito à promoção então a sua não efectivação ter-se-á ficado a dever a outras causas, porventura ilegais mas não invocadas, mas não certamente ao facto da alteração legislativa. Por outro lado, entendeu o Tribunal 'a quo' que a norma em apreço não introduz uma alteração na ordem jurídica estabelecida, apenas a adapta às exigências do interesse público e à crescente profissionalização e especialização dos funcionários diplomáticos, como é justificado no preâmbulo do diploma, o que seria justificável face à jurisprudência do Tribunal Constitucional que também cita. Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente: Segundo a jurisprudência abundante do Tribunal Constitucional, no princípio do Estado de direito democrático contido no art. 2° da CR, está «entre o mais, postulada uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas. Por isso, a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva aqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» [1] Ainda segundo o Tribunal Constitucional, há dois critérios, que se completam, para determinar se ocorre uma afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas jurídicas:
«a) afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dele constantes não possam contar, e ainda, b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes ( deve recorrer-se aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º2 do art.º18° da CR, desde a 1ª revisão) »[2]. Mas «aqueles dois critérios, atinentes à existência de uma afectação de expectativas constitucionalmente inadmissível, por ser arbitrária ou demasiadamente onerosa, assentam justamente num pressuposto: o pressuposto da consistência das expectativas sobre que incide a controvertida alteração legislativa. Sem expectativas consistentes desqualifica-se o problema da protecção da confiança. Então impõe-se a liberdade do legislador e a auto-revisibilidade que lhe vai ligada.»[3]
É que,«(..) não há um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. (..). As medidas legislativas de política económica conjuntural poderão ser alteradas, em frustração de expectativas, se a conjuntura económica mudar em consequência da mudança de governo constitucionalmente previsível. Nada dispensa a ponderação na hipótese do interesse público na alteração da lei em confronto com as expectativas sacrificadas»[4]. Vemos, assim, que não basta a frustração de expectativas jurídicas para que, automaticamente, se considere violado o referido princípio da confiança jurídica. É necessário, por um lado, que essas expectativas sejam consistentes de modo a justificar a protecção da confiança e, por outro, que na ponderação dos interesses público e particular em confronto, aquele tenha de ceder perante o interesse individual sacrificado, o que acontecerá sempre que as alterações não forem motivadas por interesse público suficientemente relevante face à Constituição (cf. art° 18°, nº 2 e 3), caso em que deve considerar-se arbitrário o sacrifício excessivo da frustração de expectativas. Sabido é que, tendo o regime dos funcionários do quadro do serviço diplomático natureza estatutária e sendo característica destas situações, a de que os direitos e deveres que as integram são, em cada momento, para cada um dos sujeitos, aqueles que a lei ou o regulamento autorizado definem, não está, em princípio, vedado ao legislador alterar esse regime. Por outro lado, o quadro específico da situação de «disponibilidade» dos funcionários diplomáticos não constitui uma novidade no regime jurídico a que estão submetidos tais funcionários, nem sequer nada que haja sido introduzido recentemente nesse regime. Nem a sua modelação jurídica permaneceu inalterada ao longo da sucessão dos diplomas orgânicos do MNE. Tal instituto está pré-ordenado a um certo fim legal, que é o melhor cumprimento das tarefas que incumbem ao serviço diplomático e aos respectivos funcionários, ou seja, a «melhor» representação e interesses do Estado Português no plano externo e tem sólido assento tradicional. Assim, encontra-se justificado pelo particularismo específico da actividade diplomática e pela especificidade das funções desempenhadas pelos seus funcionários. Ora, como se refere no preâmbulo do DL 79/92 de 06-05, o estatuto profissional dos funcionários do quadro do serviço diplomático datava de 1966 e embora tivesse sofrido várias alterações ao longo do tempo, foram simples ajustamentos em legislação dispersa, necessitando, face à profunda alteração da conjuntura internacional actual (alargamento da rede diplomática e consular, peso crescente do multilateralismo nas relações externas e adesão à CE), e, consequente modificação substancial operada no exercício das funções diplomáticas e progressivo alargamento do quadro do serviço diplomático, de uma profunda revisão e actualização, que o diploma em causa visou efectuar . As alterações introduzidas pelo mesmo, no estatuto profissional dos funcionários diplomáticos, encontram-se, pois, genericamente justificadas por exigências da especificidade do serviço público em causa, que implicam uma 'crescente profissionalização e especialização dos funcionários diplomáticos' e
'transparência na gestão dos recursos humanos, de modo a permitir ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, levar a cabo uma mais eficaz defesa dos interesses do Estado no estrangeiro'. Neste contexto, a criação de expectativas pelos funcionários diplomáticos na matéria em apreciação, só poderá encontrar fundamento bastante nas normas constitucionais que consagram direitos fundamentais dos cidadãos e nos termos limitados dos n.º 2 e 3 do art° 18° da CR. Com efeito e como todos, em geral, reconhecem, no âmbito da Administração Pública, as causas objectivas ligadas à reestruturação e racionalização dos serviços e organismos públicos podem levar à compressão do estatuto jurídico dos funcionários públicos, decorrente da natureza da actividade e das finalidades a prosseguir pela Administração, sem que daí resulte forçosamente violada a segurança no emprego protegida constitucionalmente. Tal compressão deve, porém, ser necessária, adequada e proporcional. Pese embora a evolução sofrida no direito administrativo, a concepção estatutária do regime da função pública ainda se mantém, no essencial- como um regime em que os direitos e obrigações do indivíduo admitido a prestar serviços
à Administração não são estipulados caso a caso, em contrato livremente discutido e acordado, mas em normas gerais, constantes de leis e regulamentos, apesar da 'fuga da administração para o direito privado'. A situação dos agentes já não é, há muito, puramente objectiva, é certo, já não se confunde com a própria função, mas essa função continua a existir para servir o interesse público, já que os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e de outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço desse interesse, tal como ele é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração (art.º 269°, n.º 1 da CR). Assim e sempre que o interesse público o exigir é, em princípio, constitucionalmente legítimo que o Governo proceda à introdução de modificações estruturais na Administração, medidas de reorganização e reestruturação que, naturalmente, irão determinar consequências no plano da relação laboral efectiva dos funcionários dos serviços e organismos. Questão é que, como dissemos, respeite os limites que a Constituição postula para as restrições aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. Ora, ao antigo paradigma da estabilidade do emprego público opõe-se hoje a mobilidade laboral típica das modernas sociedades de economia aberta, a que a Administração não pode ficar indiferente. Daí que sejam hoje frequentes, as modificações na relação de emprego público determinadas por reajustamentos estruturais da Administração, com a possibilidade de originar a constituição de pessoal excedentário ou supra-numerário e com alteração, em regra antecipação, dos limites das idades para a passagem à disponibilidade ou para a aposentação, como medidas de racionalização global ou parcial das estruturas e dos quadros ou efectivos da Administração. Quer dizer, se bem que o carácter estatutário da função pública não possa já ser visto do mesmo modo que o era há muitos anos atrás, em que se entendia que os funcionários públicos estavam inelutavelmente sujeitos às alterações que no seu regime de prestação de serviço fossem introduzidas pelas leis e regulamentos, o certo é que, como pensamos não pode deixar de ser, na relação de emprego público continua a prevalecer o interesse público, em cada momento, sobre os interesses individuais dos agentes da Administração, sem prejuízo embora dos direitos fundamentais subjectivados. Exposto o quadro legal e constitucional em que se enquadra a situação 'sub judicio', cabe, agora, averiguar se a questionada alínea c) do n.º1 do art°27° do DL 79/92, ao reduzir de 65 para 60 anos, o limite de idade de passagem à disponibilidade em serviço dos conselheiros de embaixada, produziu uma frustração intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva das expectativas do recorrente, que por via da sua aplicação (e não do DL 40-A/98), viu antecipada a passagem à situação de disponibilidade em serviço, de molde a tê-lo por contrário ao referido princípio da protecção da confiança, como defende o recorrente. E a resposta é negativa, por duas ordens de razões: Primeira, que seria só por si suficiente, não há aqui qualquer direito adquirido do trabalhador e muito menos fundamental a proteger . O direito que o recorrente entende afectado pelo citado art°27° do DL 79/92, não passa de uma mera expectativa a ser promovido à categoria de ministro plenipotenciário, antes de completar os 65 anos, que a legislação anterior ao citado DL 79/92, permitia.
À data da entrada em vigor do citado DL, o recorrente tinha 58 anos de idade, era conselheiro de embaixada há cerca de dois anos e o acesso à categoria de ministro plenipotenciário não era automático, dependendo da existência de vagas e da satisfação das condições de promoção previstas na lei, designadamente a sujeição a concurso (que pese embora o carácter anual podia não ter lugar por inexistência de vagas), em que relevava a apreciação do mérito. Assim e ainda que se reconheça que a alteração introduzida, reduziu temporalmente as perspectivas de promoção dos conselheiros de embaixada, geradas pela legislação anterior no recorrente e outros conselheiros de embaixada na mesma situação, e, nessa medida, introduz modificações nas condições de desempenho da respectiva actividade profissional, pela provável antecipação da sua passagem à disponibilidade, certo é que na situação em apreço, dependendo a promoção a ministro plenipotenciário basicamente do mérito, a colocação na disponibilidade, impedindo a promoção, só limitadamente implicará uma alteração fundamental na situação jurídica do funcionário, não afectando o núcleo essencial de qualquer direito fundamental, que aliás, o recorrente nem sequer invoca. Segunda, aquela redução encontra-se justificada por relevantes razões de ordem pública na reestruturação da carreira diplomática, que se prendem com o particularismo das funções a desempenhar pelos funcionários diplomáticos e com a conjuntura internacional actual, já referidas e foi minimizada nos seus efeitos pelo deferimento da entrada em vigor do citado artº 27°, que só passou a ser aplicado em 01-01-1995, ou seja, três anos depois da entrada em vigor do DL
79/92 (cf. seus art.º 74°, n.º1 e art.º 81º), pelo que se não considera que o legislador tivesse, com essa medida, afectado, de forma inadmissível, aquelas expectativas. Há, pois, que concluir que, além de não estarmos perante uma expectativa com suficiente consistência de modo a se poder falar numa afectação 'excessivamente gravosa', ou que ' obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva aqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito devem respeitar', a redução operada nos limites de idade para passagem à disponibilidade dos conselheiros da embaixada, no enquadramento e moldes em que foi feita, também não ofende, a nosso ver, o princípio da confiança e segurança jurídica consagrado no art°2° da CR. Pelo que improcede, nesta parte, a pretensão do recorrente. Quanto à invocada violação do princípio da igualdade - conclusão V: Segundo o recorrente, o acórdão recorrido assimila o exercício de funções do recorrente, na situação de disponibilidade em serviço, a funções eventuais, fora da carreira, ou de aposentados. O que é inadmissível, porque o recorrente permanece na carreira; exerce em funções de perfeita igualdade (não só quanto ao conteúdo como quanto à vinculação hierárquica) com outro seu colega ainda não na disponibilidade, que as tenha exercido ou venha a exercer. Tem todos os descontos na sua remuneração, que têm todos os restantes diplomatas não aposentados, tem obrigações funcionais absolutamente idênticas, só não tem direito a promoção. Não há, pois, razão para um tratamento discriminatório de pessoas na situação do recorrente, o que leva a que o art°.22° do DL n.º 40-A/98 viole o princípio da igualdade, pelo que o acto administrativo recorrido aplicando este preceito sofre de vício de violação de lei e o acórdão recorrido que o acolheu é ilegal. Vejamos se o acórdão recorrido errou ao considerar também improcedente a invocada violação do princípio da igualdade: Sobre esta questão, o Tribunal recorrido, depois de estabelecer a diferença entre a situação de prestação de serviço no activo funcional e o desempenho de um cargo na situação de disponibilidade em serviço, para concluir que « sendo diferentes as situações não há que apelar a critérios de igualdade», considerou ainda que a alteração legislativa em causa não retirou ao recorrente quaisquer direitos adquiridos, «...apenas lhe terá frustrado alguma expectativa em se aposentar por um estádio superior da carreira em que se integrava. Mas «a redução do limite de idade para a passagem à disponibilidade em serviço representa prerrogativa do poder público». Quanto à invocada violação do princípio da igualdade, por tratamento discriminatório dos funcionários no activo funcional e de funcionários em situação de disponibilidade, embora a desempenhar em cargos diplomáticos, cumpre-nos dizer o seguinte: O princípio da igualdade, consagrado no art°13° da CR, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções, apenas proíbe desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional, traduz-se, em suma, numa ideia geral de proibição do arbítrio. [5] Ora, a situação dos funcionários diplomáticos na situação de disponibilidade em serviço, designadamente por terem atingido o limite de idade estabelecido para as respectivas categorias, como é o caso do recorrente, embora possam desempenhar certas funções e, nessa medida, manter alguns direitos correspondentes aos dos funcionários diplomáticos no activo funcional, não é, nem pode ser, igual à destes, designadamente no que respeita ao direito à promoção na carreira que necessariamente fica prejudicada enquanto se mantiver a situação de disponibilidade. Aliás, a promoção supõe a passagem à categoria superior (cf. art°l7°, n.º l do citado DL 40-A/98 e art.º 27°, n.º 3 do DL l84/89 de 02-06). Ora, se o funcionário atingiu o limite de idade na categoria de conselheiro da embaixada, já não pode transitar para a categoria seguinte, daí que passe automaticamente à disponibilidade. Não podendo transitar para a categoria seguinte, não pode ser promovido. Assim, «a colocação na disponibilidade em serviço, sempre acarretará a consequência objectiva da impossibilidade de promoção do funcionário que se encontra e for mantido nessa situação. A própria lógica da organização da carreira e do respectivo sistema de promoções conduz a tal conclusão. Com efeito, se as promoções dependem da existência de vagas nas diversas categorias e se o funcionário promovido vai ocupar uma vaga da categoria imediatamente superior à que era sua, não se compreenderá como possa, ser objecto de promoção funcionários cuja situação precisamente se caracteriza pela não ocupação de qualquer vaga».[6] Logo, não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade pelo art.º
22° do DL n.º 40-A/98, ao estatuir que 'os funcionários diplomáticos na situação de disponibilidade não podem ser promovidos', relativamente aos funcionários diplomáticos no activo que gozam do direito à promoção, porque, diferentemente do que pretende o recorrente, as respectivas situações jurídicas são, como se viu, substancialmente diferentes, pese embora os funcionários em situação de disponibilidade em serviço possam ser chamados a desempenhar, avulsamente, funções nos serviços internos ou extremos e, nessa medida serem equiparados, para certos efeitos, v.g. efeitos remuneratórios, aos funcionários no activo funcional, nas mesmas funções,(cf. por exemplo, os art.º 22°, 31º e 60° do citado DL). Essa equiparação, porém, não resulta de uma igualização dos respectivos estatutos, mas é sobretudo uma decorrência do princípio 'trabalho igual, salário igual', e, por isso, só se justifica enquanto se mantiver a dita prestação de serviço efectivo.
É certo que o art.°47°, n.º 2 da CRP , trazido à colação pelo recorrente, confere a ' todos os cidadãos ... o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso', direito que aqui, manifestamente, não está em causa, pois como bem se refere no acórdão recorrido, o direito de ingressar (ius ad officium) e o direito de se manter
(ius officium), que integram o ' direito de acesso à função pública, são situações diferentes da situação do recorrente. Improcede pois, também a conclusão V. Quanto à invocada violação, pelo art. 22° do DL n.º 40-A/98 do n.º 2 e sua alínea b) do art. 2° da Lei de autorização n.º4-A/98 de 20-01- conclusão VI: Finalmente, pretende o recorrente que a citada lei de autorização legislativa não se limita a permitir que o diploma autorizado consagrasse a promoção, antes impõe esse sentido ao diploma autorizado, porque diz, claramente, que o DL a aprovar deve, em especial, permitir, nomeadamente, a progressão na carreira, pelo que, contrariamente, o art° 22° do DL nº40-A/98 sofre de ilegalidade, por violação daquela lei de autorização legislativa. Sobre esta questão, decidiu o tribunal ' a quo' que, embora a imprecisão terminológica da lei de autorização legislativa, invocada pela autoridade recorrida, seja um argumento pouco confortante, dado que também admite a interpretação contrária à preconizada por aquela, o certo é que, mesmo atendendo a que ali se refere a 'progressão na carreira', não pode ter-se por violado o preceito pelo decreto autorizado, porque este ficou aquém da lei de autorização, permitindo apenas a 'progressão na categoria'. Assim, o que se pode dizer é que o legislador habilitado não esgotou o conteúdo da lei autorizativa, mas isso não significa desconformidade, mas um conteúdo menor que o permitido. Vejamos: O legislador ordinário não pode legislar em matéria reservada da Assembleia da República, sem se munir da competente autorização legislativa (cf. art°198°, n.º1, al. b ) da CR). Mas na posse dela, nada obriga, primeiro, que legisle, pois pode decidir não fazer uso de tal autorização, por razões designadamente de oportunidade política ou económica, e segundo, que esgote o conteúdo da autorização, porque pode decidir não fazer uso integral da mesma - quem pode o mais, pode o menos . O que o legislador ordinário não pode é ir além do que lhe permite a lei de autorização (excesso de delegação ou autorização, pela não observância dos limites materiais da lei de autorização), legislar para lá do termo fixado pela lei de autorização ou sobre uma matéria de competência reservada sem que tenha havido autorização legislativa (defeito de autorização), ou legislar, sem menção expressa, pelo decreto autorizado, da respectiva lei de autorização (defeito de autorização). São estes os vícios dos decretos leis emanados em violação da lei de autorização, que a doutrina tem identificados.[7] Assim o legislador ordinário não pode legislar para lá do que foi autorizado
(salvo se estiver dentro do âmbito da sua própria competência legislativa), nem contra o que foi autorizado, porque isso seria ainda usurpar a reserva de competência parlamentar (cf. n.º 2 do art°165 da CR). Ficando aquém da autorização legislativa, mas legislando dentro do sentido e conteúdo desta, o diploma autorizado, não padece de invalidade normativa. Para o caso que agora importa, a alínea b) do art° 2° da Lei n.º 4-A/98 autorizava o Governo a 'redefinir a situação funcional da disponibilidade, permitindo, nomeadamente, a progressão na carreira, em certas condições, ao funcionário que se encontre nessa situação, bem como os pressupostos no seu termo e requisitos de transição dos funcionários para a mesma' . O questionado art. 22° do DL 40-A/98, ao abrigo daquele normativo estabeleceu que: 'os funcionários diplomáticos na situação de disponibilidade não podem ser promovidos, podendo contudo progredir na respectiva categoria, se forem chamados a desempenhar quaisquer funções nos serviços internos do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou a participar em missões extraordinárias e temporárias em Portugal e no estrangeiro'.
É certo que o primeiro segmento deste último preceito parece contrariar a permitida 'progressão na carreira' a que se alude na referida lei de autorização, se interpretarmos essa expressão com o sentido de 'promoção', como faz o recorrente. Contudo, não pode ter sido esse o sentido pretendido pelo legislador parlamentar, já que, pelas razões atrás referidas aquando da apreciação da violação do princípio da igualdade, não se pode falar em promoções relativamente a funcionários na situação de disponibilidade, sendo que, por outro lado, o termo 'progressão' é normalmente utilizado pelo legislador com referência à categoria (cf. art° 27° e 29° do DL n.º184/89 de 02-06 e designadamente os art°15°, 16° e 17° do DL em questão, bem como os art.º 13°,
14° e 15° do anterior DL 79/92). E, assim sendo, o sentido a dar à referida expressão só pode ser o acolhido no citado art.º 22° do decreto autorizado, que permitiu, em certas situações ali referidas, a 'progressão na categoria' aos funcionários na situação de disponibilidade, o que, sem dúvida, constitui uma melhoria do estatuto daqueles funcionários, já que o art°19° do anterior DL n.º
79/92 a não permitia. De resto e ainda dentro do mesmo espírito da lei de autorização legislativa, o legislador ordinário veio permitir, no n.º 2 do art.º
35° do DL n.º 48-A/98, que o tempo decorrido na situação de disponibilidade, conte também para efeitos de antiguidade se se verificar qualquer uma das situações de prestação de serviço efectivo de funções previstas no n.º 1 do art°31° do mesmo diploma ou noutra situação a que a lei atribua esse efeito (o que também não era permitido pelo DL 79/92- cf. n.º do seu art.º 30°). O que se continua a não permitir é a promoção, enquanto se mantiver a situação de disponibilidade, o que, pelas razões já apontadas, possui uma suficiente justificação objectiva. Entende-se, pois, e concluindo, que o questionado art.º 22° do DL autorizado não desrespeita o conteúdo e sentido da lei autorizante, já que a 'progressão na categoria' acaba, afinal, por ter reflexos positivos na carreira dos ditos funcionários. Consequentemente, não se nos afigura existir a pretendida desconformidade. Improcedem, assim, todas as conclusões das alegações do recorrente. [...]”
5. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do art. 70º da LTC, o presente recurso, em cujo requerimento de resposta ao convite formulado pelo relator no STA, se escreve o seguinte:
“[...] recorrente no processo acima identificado, vem, em cumprimento do despacho de V. Exa., dizer o seguinte:
I
1) O recurso é interposto desde logo, ao abrigo da alínea f), referida à alínea c), do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro;
2) A norma cuja ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie é a do artigo 22º do Decreto-Lei n.º 40-A/98 de 27 de Fevereiro, na parte em que apenas permite a progressão na categoria, e não na carreira, e não estabeleceu os pressupostos e requisitos dessa progressão; com isso foi violada a lei de Autorização legislativa n.º 4 - A/98, de 20 de Janeiro, artigo 2º, n.º 2, alínea b);
3) Esta Lei n.º 4-A/98 tem valor reforçado (artigo 112.º, números 2 e 3, da Constituição) ;
4) Esta questão foi suscitada durante o processo (v. artigo 9 da petição inicial; alegações em 1º grau de jurisdição, números 16 a 23; artigos 14 e 15 das alegações no recurso jurisdicional. II
1) O recurso é também interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da mesma lei n.º 28/82, na medida em que se baseia na inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 74º e no n.º 1 do artigo 27º do Estatuto aprovado pelo Dec. lei n.º 79/92 de 6 de Maio;
2) Essa norma viola os princípios constitucionais da confiança jurídica (artigo
2º da Constituição) e da proporcionalidade e da igualdade, bem como o direito de acesso na função pública (artigo 47º, n.º 2 da Constituição);
3) Esta questão foi suscitada durante o processo (artigos 3 a 7 da petição inicial; artigos 7 a 19 das alegações, em primeiro grau de jurisdição; artigos 4 a 12 das alegações e suas conclusões I, II, IV e V, no recurso jurisdicional.[...]”
6. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
“I ) A Lei n.º 4-A/98, de 20 de Janeiro (lei de autorização legislativa), determinou que o Governo, ao legislar no uso dessa autorização, redefinisse a situação funcional da disponibilidade, permitindo, nomeadamente, a progressão na carreira, em certas condições, ao funcionário que se encontre nessa situação, bem como os pressupostos do seu termo e requisitos de transição dos funcionários para a mesma (art. 2, n.º 2, alínea b); II) estatuindo sobre direitos, liberdades e garantias e dado que essa matéria é reserva relativa da Assembleia da República (alínea b do n.º 1 do art. 165 da Constituição), a Lei n.º 4-A/ 98 era pressuposto normativo para que o Governo legislasse sobre tal matéria, alem de que o diploma governamental tinha que respeitar o objecto, o sentido e a extensão, definidos pela lei de autorização
(art. 112, nº 2, da Constituição); a Lei n.º 4-A/98 era, pois, uma lei de valor reforçado (art. 112, n.º 3, da Constituição ); no entanto, III) o art. 22 do Decreto-lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro, emanado a coberto daquela autorização legislativa, apenas permitiu a progressão na categoria, o que fica aquém da directiva dada pela lei de autorização; nessa medida incorreu em ilegalidade a apreciar pelo Tribunal Constitucional (v. opinião do Prof. Gomes Canotilho, documentada nos autos), nos termos da alínea d) do n.º 2 do art. 280 da Constituição e da al. f) do art. 70 da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que a questão dessa ilegalidade foi suscitada no processo (v. petição inicial, art. 9; alegações em 1º grau de jurisdição, nºs 16 a 23; alegações no recurso para o S. T .A., nºs 14 e 15) IV) baixando 65 para 60 anos o limite de idade na categoria de Conselheiro de Embaixada quando o recorrente tinha 58 anos (outros colegas seus teriam 59, 60 ou mais anos de idade) e proibindo a subida de categoria na situação de disponibilidade em serviço, quando se lhe exige prestação de serviço com o mesmo grau de responsabilidade que se exige a funcionários antes do limite de idade - sabendo o Governo, embora na sua veste de órgão administrativo- que ao recorrente e a outros haviam sido drasticamente vedadas as possibilidades de normal acesso, por não ter sido observada a regra da anuidade dos concurso, o regime constante do n.º 1 do art. 27.º e do n.º 1 do art. 74.º, ambos do Decreto-lei n.º 79/92, de 6 de Maio (em que se baseou o acantonamento do recorrente nessa situação ilegal e injusta) viola os princípios constitucionais da Confiança Jurídica, da Proporcionalidade e da Igualdade. Essa violação deve ser apreciada pelo Tribunal Constitucional, nos termos da al. B) do n.º 1 do art. 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que também estas violações foram suscitadas no processo (v. petição inicial, arts.3 a
7;.alegações em 1º grau de jurisdição, nºs 7 a 19; alegações no recurso para o S. T .A., nºs 4 a 12 e suas Conclusões I, II, IV e V). [...]”
7. Contra-alegou o recorrido, tendo sustentado a improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação.
8. O recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea f), referida à alínea c), do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de
15 de Novembro, a ilegalidade da norma constante do artigo 22º do Decreto-Lei n.º 40-A/98 de 27 de Fevereiro. E, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da mesma Lei n.º 28/82, a inconstitucionalidade das normas constantes do no n.º
1 do artigo 74º e do n.º 1 do artigo 27º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio.
8.1. A verdade, porém, é que o Recorrente, ao contrário do que afirma, não suscitou perante o Supremo Tribunal Administrativo, como exige o artigo 72º, n.º
2 da Lei do Tribunal Constitucional, a questão da inconstitucionalidade daquele n.º 1 do artigo 74º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio. Com efeito, quer no texto das alegações para o Supremo Tribunal Administrativo, quer nas suas conclusões, não existe nenhuma referência àquele preceito. Assim sendo, desde já se pode concluir não ser possível conhecer do presente recurso no que se refere a esta norma.
8.2. O recorrente pretende também ver apreciada a ilegalidade “do artigo 22° do DL n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro, por alegada violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 2° da Lei n.º4-A/98, de 20 de Janeiro”. Sublinhe-se, contudo, porque relevante para o presente processo, que, em relação a esta norma, o recorrente não suscita qualquer questão de inconstitucionalidade. De facto, a questão é colocada ao abrigo da alínea f), por referência à alínea c), do n.º 1 do artigo
70º da LTC, sendo assim, exclusivamente, uma questão de ilegalidade. Ora, sendo os poderes de cognição do Tribunal Constitucional limitados pelo pedido e realizando-se a delimitação do objecto do recurso de acordo com o respectivo requerimento de interposição, está vedado a este Tribunal Constitucional conhecer de qualquer eventual inconstitucionalidade desta norma.
Por outro lado, independentemente da questão de saber se, nos casos de desconformidade entre uma lei de autorização legislativa e o respectivo decreto-lei autorizado, em que manifestamente se configura uma questão de inconstitucionalidade orgânica, ainda estaria ou não aberta a via de recurso para este Tribunal oferecida pela alínea f), por referência à alínea c), do n.º
1 do artigo 70º da LTC, o facto é que, no caso concreto, ainda que se conhecesse do recurso, o mesmo seria improcedente.
Senão vejamos.
A Lei n.º 4-A/98, de 20 de Janeiro, autorizou o Governo a “redefinir a situação funcional da disponibilidade, permitindo, nomeadamente, a progressão na carreira, em certas condições, ao funcionário que se encontre nessa situação[...]”. Por sua vez, no uso dessa autorização legislativa, emitiu o Governo o Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro, cujo artigo 22º estabelece que “Os funcionários diplomáticos na situação de disponibilidade não podem ser promovidos, podendo contudo progredir na respectiva categoria, se forem chamados a desempenhar quaisquer funções nos serviços internos do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou a participar em missões extraordinárias e temporárias em Portugal e no estrangeiro”.
Entende o Recorrente que o artigo 22º do Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro, acabado de citar, é ilegal, por ficar aquém da Lei de autorização legislativa, na medida em que enquanto que esta autorizava o Governo a permitir aos funcionários na situação de disponibilidade a progressão na carreira, aquele artigo 22º veio permitir apenas a progressão na categoria. Mas, como se verá já de seguida, sem razão.
O Tribunal Constitucional decidiu já, no Acórdão n.º 213/92, (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1992), que a circunstância de um decreto-lei autorizado ficar aquém do permitido por uma lei de autorização legislativa não consubstancia, em princípio, um situação de inconstitucionalidade. Para concluir dessa forma, ponderou o Tribunal:
“[...] Como o assinala António Vitorino (As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, policop., págs. 212 e 213), «o Governo não está obrigado a utilizar a autorização que lhe for concedida», sendo esta «a doutrina comummente aceite»; «a lei de autorização não gera na esfera do Governo um poder-dever de usar os poderes delegados, mas apenas confere ao Governo uma verdadeira e própria faculdade» (ibidem, pág. 368). As leis de autorização legislativa devem definir a extensão da autorização, consoante se encontra expressamente estabelecido no artigo 168º, n.º 2, da Lei Fundamental. Todavia, se o Governo é livre de usar ou não usar a autorização legislativa que lhe é concedida, então forçoso parece dever reconhecer-se-lhe a faculdade de não a usar em toda a sua extensão, se assim o entender conveniente no exercício da sua discricionariedade legislativa. [...] Ao fazê-lo [ao dar execução à autorização legislativa], e ao contrário do que sustenta o requerente, o Governo não inobservou, assim, a lei de autorização legislativa, pois que a não excedeu, isto é, não foi além do que nela se previa; e se ficou aquém da previsão ali contida, tal não é constitucionalmente censurável [...]”.
Ora, nos presentes autos, o Governo, ao permitir aos funcionários diplomáticos na situação de disponibilidade a progressão na categoria, não só não ultrapassa a extensão da lei de autorização legislativa, como legisla no sentido da mesma, uma vez que esta visava o estabelecimento de um regime mais favorável para aqueles funcionários relativamente ao anteriormente existente. E, com o preceito introduzido pelo Decreto-Lei autorizado, foi isso que aconteceu, dado que se possibilitou uma progressão na categoria, embora, porventura, sem que o Governo tenha ido tão longe quanto lhe era permitido. Mas isto não é, nas palavras do Acórdão n.º 213/92, “constitucionalmente censurável”, nem, pelas mesmas razões, configuraria uma situação de ilegalidade que o Tribunal Constitucional devesse julgar verificada.
9. A alegada inconstitucionalidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio, por violação dos princípios constitucionais da confiança jurídica, da proporcionalidade e da igualdade.
É o seguinte o teor do artigo 27º, n.º 1, alínea c) do Estatuto dos Funcionários do Quadro dos Serviços Diplomáticos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio:
“Artigo 27º º
( Limites de idade)
1 – Os limites de idade de passagem à disponibilidade em serviço são os seguintes: a) (...); b) (...); c) Conselheiro de embaixada – 60 anos; d) (...).
2 – (...).”
9.1. Da alegada violação do princípio da confiança jurídica, ínsito no artigo 2º da Constituição.
O artigo 27º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio, veio reduzir de 65 para 60 anos o limite de idade para a passagem à situação de disponibilidade em serviço dos Conselheiros de embaixada. Ora, entende o recorrente que tal norma é inconstitucional, por violação do princípio da confiança jurídica, na medida em que aquela antecipação do limite de idade veio, na prática, impedir a sua promoção a Ministro Plenipotenciário, uma vez que à data da entrada em vigor daquele diploma tinha já 58 anos.
Diferentemente, entendeu a decisão recorrida que a norma em causa não consubstancia qualquer violação daquele princípio. Para concluir desta forma escudou-se aquela decisão, decisivamente, na anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o alcance do princípio da protecção da confiança
(designadamente na firmada nos Acórdãos n.º 11/83, 10/84, 17/84, 86/84, 93/84,
303/90, 287/90, 410/95 e 24/98).
Vejamos.
O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, em inúmeros acórdãos, entre os quais os citados pela decisão recorrida, que o princípio do Estado de direito democrático (consagrado no artigo 2º da Constituição) postula “uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas”, razão pela qual “a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica”.
E, no Acórdão nº 287/90, o Tribunal Constitucional procurou concretizar quando ocorria uma afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, de expectativas jurídicas, apontando dois critérios:
'a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dele constantes não possam contar; e ainda, b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no nº 2 do artigo 18º da Constituição, desde a 1ª revisão)”.
Mais recentemente, no Acórdão n.º 24/98 (Diário da República, II Série, de 19 de Fevereiro de 1998), acrescentou-se ainda que:
“(...) aqueles dois critérios, atinentes à existência de uma afectação de expectativas constitucionalmente inadmissível, por ser arbitrária ou demasiadamente onerosa, assentam justamente num pressuposto: o pressuposto da consistência das expectativas sobre que incide a controvertida alteração legislativa. Sem expectativas consistentes desqualifica-se o problema da protecção da confiança. Então impõe-se a liberdade do legislador e a auto-revisibilidade que lhe vai ligada”.
No mesmo sentido, mas acentuando a necessidade de “proceder a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrente do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado (...)”, escreveu-se no Acórdão n.º 156/95 (Diário da República, II Série, de 8 de Junho de 1995)
“(...) Um tal equilíbrio, como o Tribunal tem assinalado, será alcançado nos casos em que, ocorrendo mudança de regulação pela lei nova, esta vai implicar, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações. Nesses casos, impor-se-á que actue o sub-princípio da protecção da confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de direito democrático, por forma a que a nova lei não vá, de forma acentuadamente arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança que todos têm de respeitar. Como reverso desta proposição, resulta que, sempre que as expectativas não sejam materialmente fundadas, se mostrem de tal modo enfraquecidas 'que a sua cedência, quanto a outros valores, não signifique sacrifício incomportável'
(cfr. Acórdão nº 365/91 no Diário da República, 2ª Série, de 27 de Agosto de
1991), ou se não perspectivem como consistentes, não se justifica a cabida protecção em nome do primado do Estado de direito democrático”.
Em suma: da anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional decorre - como, bem conclui igualmente a decisão recorrida - que não é suficiente que se demonstre que um novo regime legal vem afectar expectativas dos seus destinatários para que, automaticamente, se conclua pela sua inconstitucionalidade por violação do referido princípio da confiança jurídica. Essencial é ainda que “essas expectativas sejam consistentes de modo a justificar a protecção da confiança e, por outro, que na ponderação dos interesses público e particular em confronto, aquele tenha de ceder perante o interesse individual sacrificado, o que acontecerá sempre que as alterações não forem motivadas por interesse público suficientemente relevante face à Constituição (cf. art°18°, nº 2 e 3), caso em que deve considerar-se arbitrário o sacrifício excessivo da frustração de expectativas”.
Fixado, desta forma, o sentido e alcance decisivos do princípio constitucional da protecção da confiança, é agora altura de retomar a pergunta a que, nesta parte, importa responder: o artigo 27º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º
79/92, de 6 de Maio, ao reduzir de 65 para 60 anos o limite de idade para a passagem à situação de disponibilidade em serviço dos Conselheiros de embaixada, produziu uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente das legitimas expectativas do recorrente, violadora do artigo 2º da Constituição ?
A esta questão há que responder negativamente.
Mesmo que se admita que aquela alteração legislativa reduziu as possibilidades de promoção do ora recorrente (bem como as de todos aqueles que se encontravam na sua situação) a Ministro Plenipotenciário, a verdade é que, ainda assim, tal alteração legislativa não poderá considerar-se como afectando de forma
“inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas expectativas do recorrente”, em termos, portanto, de dever considerar-se como violadora do artigo 2º da Constituição.
No caso dos autos, não só não estamos perante uma expectativa consistente, no sentido da jurisprudência constitucional antes referida, que justifique a protecção do princípio da confiança, como existem, por outro lado, importantes razões de interesse público a justificar a alteração legislativa.
Vejamos melhor estas duas conclusões.
Não existe, por um lado, uma expectativa consistente que justifique a protecção do princípio da confiança. Desde logo porque, no caso dos autos, apenas está em causa a alteração, para o futuro, de uma relação jurídica duradoura de natureza estatutária. Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 287/90 (já citado), não existe
“um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras (...). Ao legislador não está vedado alterar o regime do casamento, do arrendamento, do funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes”. Acresce, como bem nota a decisão recorrida, que a concreta alteração legislativa que agora está em causa não afecta qualquer direito adquirido do recorrente, mas a mera expectativa de, até ao 65 anos de idade, poder vir a ser promovido à categoria de ministro plenipotenciário. E, fá-lo, em termos de não impedir, em absoluto, o ora recorrente (bem como todos aqueles que se encontrassem na sua situação) de poder vir a ascender à categoria de ministro plenipotenciário, uma vez que nos termos do artigo 74º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio, a alteração ao artigo 27º do mesmo diploma só seria aplicada três anos depois da sua própria entrada em vigor (portanto, em 1995).
Acresce, por outro lado, que o novo regime legal encontra justificação em atendíveis razões de ordem pública. As alterações introduzidas pelo do Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio, ao estatuto profissional dos funcionários diplomáticos e, concretamente, a alteração que agora está em apreciação, justifica-se, na perspectiva do preâmbulo daquele diploma, por acrescidas exigências da especificidade do serviço público em causa, que implicam uma
'crescente profissionalização e especialização dos funcionários diplomáticos' e
'transparência na gestão dos recursos humanos, de modo a permitir ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, levar a cabo uma mais eficaz defesa dos interesses do Estado no estrangeiro'.
Por tudo o exposto, é efectivamente de concluir que o artigo 27º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio, ao reduzir de 65 para 60 anos o limite de idade para a passagem à situação de disponibilidade em serviço dos Conselheiros de embaixada, não viola o princípio da confiança jurídica, decorrente do artigo 2º da Constituição.
9.2. Da alegada violação do princípio da proporcionalidade.
Sustenta ainda o recorrente que a referida redução do limite de idade para a passagem à situação de disponibilidade em serviço dos Conselheiros de embaixada, viola o princípio da proporcionalidade.
Para decidir esta questão importa começar fixar o sentido e alcance decisivos do princípio constitucional da proporcionalidade, enquanto parâmetro constitucional de controlo da actividade legislativa. Sobre esta questão, ponderou o Tribunal, mais recentemente, nos Acórdãos n.ºs 187/01 e 455/02 (ambos disponíveis na sua página na Internet, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm):
“Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da actividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo – como o comprova a própria jurisprudência deste Tribunal – que o princípio da proporcionalidade cobra no controlo da actividade do legislador um dos seus significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a actividade administrativa e legislativa – que, portanto, o princípio, e a sua prática aplicação jurisdicional, tenham um alcance diverso para o Estado-Administrador e para o Estado-Legislador. Assim, enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades pré-estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado,
é sabido que a determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações complexas, no próprio plano empírico (social e económico). É de tal avaliação complexa que pode, porém, depender a resposta à questão de saber se uma medida é adequada a determinada finalidade. E também a ponderação suposta pela exigibilidade ou necessidade pode não dispensar essa avaliação. Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – diversamente da administração –, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma “prerrogativa de avaliação”, como que um “crédito de confiança”, na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objectivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir). Tal prerrogativa da competência do legislador na definição dos objectivos e nessa avaliação (com o referido “crédito de confiança” – falando de um “Vertrauensvorsprung”, v. Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht II, 14ª ed., Heidelberg,
1998, n.ºs 282 e 287) afigura-se importante sobretudo em casos duvidosos, ou em que a relação medida-objectivo é social ou economicamente complexa, e a objectividade dos juízos que se podem fazer (ou suas hipotéticas alternativas) difícil de estabelecer. Significa isto, pois, que, em casos destes, em princípio o Tribunal não deve substituir uma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre o teor e os efeitos das medidas, à que é efectuada pelo legislador, e que as controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro manifesto de apreciação – como é, designadamente (mas não só), o caso de as medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida –, ser resolvidas contra a posição do legislador. Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação – e a decisão deve ser de inconstitucionalidade – ou não existe – e a norma é constitucionalmente conforme. Tal objecção, segundo a qual apenas poderia existir “uma resposta certa” do legislador, conduz a eliminar a liberdade de conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria averiguação jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de se poder detectar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa.”
Em face desta considerações, que mantêm inteira validade, não poderá o Tribunal Constitucional concluir pela inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, das normas ora em apreciação, por não ser detectável “um erro particularmente grave e manifesto” na escolha deste meio (redução, dos 65 para os 60 anos, do limite de idade para a passagem à situação de disponibilidade em serviço dos Conselheiros de embaixada) que o legislador elegeu para atingir o fim por si visado (nos termos do preâmbulo do próprio diploma “[...] compatibilizar as exigências do serviço público, a necessidade de uma crescente profissionalização e especialização dos funcionários diplomáticos, a transparência na gestão dos recursos humanos e a salvaguarda dos legítimos interesses dos funcionários, de modo a permitir ao Ministério dos Negócios Estrangeiros levar a cabo uma mais eficaz defesa dos interesses do Estado no estrangeiro”).
9.3. Da alegada violação do princípio da igualdade (art. 13º da Constituição).
Alega, finalmente, o recorrente “que o regime constante do n.º 1 do art. 27º
[...] do Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio [...], viola o princípio [...] da igualdade”.
Para compreender o exacto sentido desta alegação importa começar por esclarecer que o ora recorrente, não obstante se encontrar na situação de disponibilidade, foi, em Janeiro de 1998, nomeado Presidente da Comissão Organizadora do Recenseamento Eleitoral dos Portugueses no Estrangeiro, cargo que vem exercendo,
“[...] há mais de 5 anos, em condições em tudo idênticas – nomeadamente ao nível dos deveres e do grau de responsabilidade – àquelas em que o cargo deveria ser exercido por funcionário no activo” (ponto 12º das alegações).
Ora, é precisamente aqui que, na sua perspectiva, assenta a alegada violação do princípio da igualdade, por existir um tratamento discriminatório entre os funcionários no activo funcional e os funcionários em situação de disponibilidade, como é o caso do recorrente, quando estes últimos se encontrem a desempenhar funções de conteúdo idêntico às que estejam a exercer outros funcionários, ainda não na situação de disponibilidade. É que, enquanto que aos primeiros seria possível a sua «promoção», aos segundos, mesmo que a desempenhar funções substancialmente idênticas, não seria facultada essa possibilidade. Em suma: a desigualdade residiria no facto de, embora a desempenhar funções substancialmente idênticas, os funcionários no activo poderem ser promovidos e os funcionários na situação de disponibilidade não.
Mas, colocada a questão nesta perspectiva, como faz o recorrente, então uma eventual inconstitucionalidade não pode ser imputada à norma contida no artigo
27º, n.º 1, al. c) do Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio (que se limita a estabelecer o limite de idade para a passagem à situação de disponibilidade), mas ao artigo 22º do Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro, uma vez que é este que expressamente impede que sejam promovidos os funcionários na situação de disponibilidade, mesmo quando se encontrem a desempenhar funções, como acontece naturalmente com os seus colegas ainda no activo. Foi, aliás, isso mesmo que o recorrente fez nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, onde imputou a inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada ao artigo 22º do Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro, e não ao artigo 27º, n.º 1, al. c) do Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio. E, nessa sequência, foi sobre a inconstitucionalidade daquele preceito que se pronunciou a decisão recorrida, considerando, depois de delimitar o sentido em que deve ser entendido o princípio da igualdade, que não se verificava qualquer violação, dado que as “situações jurídicas são, como se viu, substancialmente diferentes”.
Acontece, porém, que não podendo ser imputada à norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada o sentido que lhe atribui o recorrente, acresce ainda que não é possível, agora, converter o objecto do recurso, passando, nesta parte, a apreciar a inconstitucionalidade daquele artigo 22º do Decreto-Lei n.º
40-A/98, de 27 de Fevereiro (em vez do artigo 27º, n.º 1, al. c) do Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de Maio) uma vez que, nesta matéria, os poderes de cognição do Tribunal Constitucional são delimitados pelo requerimento de interposição do recurso e, aí, no que se refere ao artigo 22º do Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de Fevereiro, o recurso vem interposto exclusivamente ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º, para apreciação da sua ilegalidade.
Assim, pelo exposto, há que concluir pela improcedência das conclusões da alegação do recurso.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, na parte em que dele se conhece.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Novembro de 2003
Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Luís Nunes de Almeida
[1] Cf. Acs. n° 11/83, 10/84, 17/84, 86/84, 93/84, todos em Acórdãos, 1º vol. e Ac. nº 303/90, Acórdãos, DR, 1ª S, de 26-12-1990, entre outros.
[2] Cf. Ac. nº287/90, DR, II, n.º265, de 16-11-95
[3] Cf. Ac. nº24/98 de 22-01-98
[4] Ac. do TC nº 410/95.
[5] Cf. Ac. STA de 05-07-2001, rec. 36 585, entre outros.
[6] Neste sentido, o Ac. TC n.º 142/85
[7] cf. Prof. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 1993, p. 856.