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Processo nº 208/2003
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Notificado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. 21, que, revogando o despacho de não pronúncia proferido pelo 1º Juízo-A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, determinou a sua substituição “por outro no qual se pronuncie o Arguido pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão”, A. arguiu a respectiva nulidade nos termos do disposto nos artigos
379º, n.º1, a) e 425º, n.º 4, do Código de Processo Penal (falta de exame crítico das provas) e 379º, n.º 1, c), também do Código de Processo Penal
(omissão de pronúncia). Pelo acórdão de fls. 39, foi indeferida a arguição de nulidade, com o fundamento de que “com a prolação do Acórdão de fls. 259 e seguintes [o acórdão atrás referido] se encontra esgotado o poder jurisdicional” do Tribunal da Relação de Lisboa.
2. Inconformado, A. veio recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que este Tribunal aprecie a inconstitucionalidade das normas
“constantes nos artigos 425º n.º 4 e 379º n.º 1, alíneas a) e c), ambas do Código de Processo Penal' (requerimento de interposição de recurso de fls. 71, junto na sequência do despacho de fls. 67). O recurso não foi admitido, pelo despacho de fls. 20, “por carecer de fundamento legal”.
3. A. veio, então, reclamar para o Tribunal Constitucional (requerimento de fls.
10), sustentando estarem reunidas as condições de admissibilidade do recurso que interpôs, nomeadamente por ter invocado oportunamente as inconstitucionalidades que pretende sejam apreciadas.
4. Notificado o Ministério Público para se pronunciar sobre a reclamação e convidado o reclamante a responder ao parecer apresentado, foi proferido o despacho de fls. 67. Tendo em conta aquele parecer e esta resposta, bem como o Acórdão n.º 221/2003 deste Tribunal, convidou-se o reclamante a esclarecer se ainda mantinha interesse no conhecimento da reclamação. Recebida resposta afirmativa, na qual o reclamante corrigiu lapsos que impediam a apreciação da reclamação, foi novamente notificado o Ministério Público para se pronunciar. O Ministério Público sugeriu, então, que o reclamante fosse convidado a juntar certidão com todas as peças necessárias ao julgamento da reclamação. Verifica-se, porém, que já constam do processo os elementos indispensáveis para o efeito, razão pela qual se passa à respectiva apreciação.
5. E a verdade é que a reclamação é manifestamente improcedente. Em primeiro lugar, porque o acórdão recorrido não aplicou as normas cuja inconstitucionalidade o reclamante pretende que o Tribunal Constitucional aprecie. Ao indeferir a arguição de nulidade por considerar esgotado o seu poder jurisdicional, o Tribunal da Relação de Lisboa não se baseou nos preceitos que prevêem as nulidades invocadas por A. mas, tão somente, embora sem as citar, nas regras relativas à extinção do poder jurisdicional com a emissão da decisão. Ora o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto ao abrigo da citada alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 destina-se a conhecer da alegada inconstitucionalidade de uma norma efectivamente aplicada pela decisão recorrida, como expressamente ali se refere (“Cabe recurso para o Tribunal Constitucional em secção, das decisões dos tribunais: b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.”) e o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado. Deste modo, não tendo a disposição impugnada sido aplicada pela decisão recorrida, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso
(cfr., por exemplo, o Acórdão nº 367/94, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1994).
6. Em segundo lugar, e ainda que assim não fosse, porque o reclamante, contrariamente ao que afirma no requerimento de interposição de recurso, não suscitou “durante o processo” a inconstitucionalidade das normas que pretende ver apreciadas, já que não consta da reclamação por nulidade – e particularmente do seu artigo 22º – a arguição de qualquer inconstitucionalidade normativa. Falta, assim, um pressuposto indispensável ao conhecimento do objecto do recurso: não foi suscitada durante o processo, nos termos exigidos pela al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, a inconstitucionalidade das normas que o reclamante pretende seja apreciada pelo Tribunal Constitucional. Como este Tribunal tem dito reiteradamente, este requisito da invocação da inconstitucionalidade de uma norma ou de uma sua interpretação durante o processo traduz-se na necessidade de que tal questão seja colocada perante o tribunal recorrido de forma a proporcionar-lhe a oportunidade de a apreciar. Só nos casos excepcionais e anómalos, que aqui manifestamente não ocorrem, em que o recorrente não dispôs processualmente dessa possibilidade, é que será admissível a arguição em momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). O reclamante tinha, pois, o ónus de invocar a inconstitucionalidade das normas relativas à nulidade no requerimento em que a arguiu (cfr. n.º 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
Nestes termos, indefere-se a reclamação. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 15 de Julho de 2003
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida