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Procº nº 69/01 ACÓRDÃO Nº222/01
1ªSecção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. – R... notificado da decisão sumária que, conhecendo da questão de constitucionalidade suscitada nos autos, negou provimento ao recurso, uma vez que se tratava de uma questão – a da inconstitucionalidade do nº1 do artigo 76º da Lei de Procedimento nos Tribunais Administrativos (LPTA) -, já afrontada e resolvida em vários acórdãos deste Tribunal, não se conformou com o assim decidido e apresentou reclamação para a conferência.
Nesta reclamação, invoca o reclamante que o pedido e a causa de pedir foram erroneamente entendidos e identificados pelo relator, por falta de explicitação suficiente da sua parte enquanto recorrente, uma vez que pecou por procurar condensar o conteúdo e sentido do pedido deduzido no requerimento de interposição do recurso.
Assim, e no intuito de melhor explicar o que pretende, vem o recorrente, na reclamação, evidenciar que o que se requer não é a apreciação pelo tribunal da inconstitucionalidade do artigo 76º da LPTA, mas sim a suscitação do incidente de inconstitucionalidade da referida norma na
'interpretação e aplicação que à mesma haviam sido dadas pelo tribunal recorrido'.
Afirma, pois, que 'veio requerer ao Tribunal Constitucional que desaplique a norma do nº1 do artigo 76º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais na interpretação que da mesma é feita pelo Juiz «a quo» (...) fundando o seu pedido no entendimento que tem de que a interpretação dispensada pelo Tribunal recorrido à norma do nº1 do artigo 76º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais é materialmente incompatível com determinadas regras e princípios da Constituição da República Portuguesa'.
A autoridade recorrida e ora reclamada veio responder à reclamação e aí, citando jurisprudência deste Tribunal, defendeu a posição acolhida na decisão sumária e que a reclamação apresentada deve ser indeferida.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTOS
2. – Na decisão sumária agora reclamada escreveu-se:
4. – O recorrente questiona a constitucionalidade do nº1 do artigo 76º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais (LPTA).
A norma em questão foi já, por diversas vezes, objecto de análise em algumas decisões proferidas por este Tribunal, tendo-se decidido sempre pela não inconstitucionalidade de tal norma, designadamente, quando analisada na perspectiva que é colocada pelo recorrente. Cita-se a este propósito, e a título meramente exemplificativo, com citação de anterior jurisprudência do Tribunal, o Acórdão n.º 631/94 (publicado nos
'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 29º V., pág.229 e na 2ª Série do 'Diário da República', de 11 de Janeiro de 1995). Neste aresto foi dada resposta negativa, no seguimento da referida jurisprudência, às questões de saber, por um lado, se cabe na liberdade conformadora do legislador o estabelecimento de requisitos modeladores do instituto da suspensão de eficácia e, por outro lado, se a própria previsão normativa desses mesmos requisitos atinge o núcleo essencial do direito à tutela jurisdicional efectiva, não violando os artigos
18º, nº2, 20º e 268º, nºs 4 e 5, da Constituição. Estas conclusões foram reafirmadas nos Acórdãos nºs 8/95, 194/95, 201/95 e
321/95, todos deste Tribunal (os dois primeiros, in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 30º V,p.323;.ibidem, pág. 923; e os últimos, ainda inéditos). De acordo com esta jurisprudência, que se pode considerar uniforme, é entendimento do Tribunal que o mecanismo de suspensão da eficácia não afecta o direito de acesso aos tribunais, uma vez que a fixação de determinado condicionalismo fáctico, para ser decretada a suspensão, não denega a tutela judicial efectiva. Na verdade, como se escreveu no Acórdão 631/94, 'a discricionaridade legislativa quanto à enunciação dos requisitos definidos no n.º 1 do artigo 76ºda LPTA, para a concessão da suspensão, revela-se conforme aos parâmetros constitucionais do acesso à justiça administrativa, não se descortinando uma restrição à garantia do recurso contencioso, pois o interessado não fica impedido, de modo injustificado, de obter protecção para os seus direitos e interesses legalmente protegidos', concluindo-se, assim, que o instituto da suspensão da eficácia se adequa ao justo equilíbrio entre os princípios constitucionais do direito à tutela jurisdicional efectiva de que devem gozar os administrados e o princípio da prossecução do interesse público que incumbe à Administração.
Continuam inteiramente válidas as razões que levaram este Tribunal a decidir do modo que decidiu nos Acórdãos referidos as questões suscitadas, não existindo fundamentos convincentes noutro sentido.
Assim, louvando-nos nos argumentos constantes dos mencionados acórdãos, reafirma-se agora a doutrina neles expendida, o que, de acordo com o que se preceitua no artigo 78º - A, nº1 da Lei do Tribunal Constitucional, torna a questão a decidir numa questão simples.
Reclama o recorrente por considerar que o relator
'entendeu e identificou erroneamente o pedido e a causa de pedir'.
O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – que é onde se define o objecto e o âmbito do recurso de constitucionalidade – tem o seguinte teor, na parte que, para o caso, releva:
'd) A decisão recorrida interpretou e aplicou o nº1 do artigo 76º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais em flagrante violação dos disposto nos artºs 18º, nº2, 32º, 58º, 268º, nº4 e 269º, nº3 da Constituição da República Portuguesa. e) A inconstitucionalidade da referida interpretação normativa foi suscitada pelo recorrente nos presentes autos, quer no pedido de suspensão de eficácia apresentado, quer no recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que o indeferiu.'
Compulsadas as alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo apresentadas pelo recorrente, constata-se que, no seu entendimento, a inconstitucionalidade da alínea b) do nº1 do artigo 76º da LPTA por violação do artigo 268º, nº4 da Constituição – na medida em que aí se consagra a adopção do direito à tutela judicial efectiva e à adopção de medidas cautelares adequadas – resulta do facto de este considerar que a existência de grave lesão para o interesse público não deve prevalecer sempre sobre a existência de uma grave lesão para os interesses dos particulares. Assim, não seria admissível a invocação de grave lesão do interesse público para justificar a não suspensão de um acto de uma associação pública que afecta o direito fundamental do exercício da profissão.
A este entendimento do recorrente opôs o Tribunal Central Administrativo, a seguinte posição:
'A circunstância de a Lei Constitucional [Lei nº1/97, de 20 de Setembro] consagrar o princípio da tutela jurisdicional efectiva não obsta a que neste processo se considere, igualmente, o interesse público, maxime, quando estejam em causa valores específicos, como a saúde, a segurança ou a ordem pública (cfr. Ac. STA de 14.8,96, R. 40838; Vieira de Andrade, 'A Justiça Administrativa', Almedina, 1998, p.134). E, embora a lei consagre a análise separada dos requisitos, a jurisprudência procede, não raro, a uma ponderação relativa ou simultânea, 'a fim de ver qual o prejuízo mais grave – se o prejuízo que o particular sofre com a execução imediata, se o prejuízo que o interesse público sofre com a execução diferida. O Tribunal deverá então tomar a decisão que permita evitar o prejuízo mais grave'
(cfr. Freitas do Amaral, 'Direito Administrativo', IV, 1988, p. 313,314). Deste modo, e ao contrário do sugerido pelo recorrente, a lesão do interesse público pode ou não sobrepor-se à lesão do interesse particular, de acordo com as circunstâncias específicas do caso concreto (...)'.
Face a esta transcrição – que se não viu necessidade de fazer antes, pois só pareceu conveniente face à reclamação do recorrente – é manifesto que a decisão recorrida fez da norma do nº1 do artigo 76º da LPTA uma interpretação em que considera que a mesma implica uma ponderação equilibrada do interesse público e do interesse particular, remetendo para as circunstâncias concretas do caso a decisão de paralisar ou não a actividade administrativa.
Ora, tem sido este tipo de interpretação normativa do nº1 do artigo 76º da LPTA que o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar – sem discrepâncias- não inconstitucional (cf., por último, o Acórdão nº 181/98, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 39º V., pág. 225). Daí, a utilização do expediente da decisão sumária para negar provimento ao recurso, face à jurisprudência invocada e nela citada.
Procurar agora vir suscitar uma diferente interpretação
– que não consta do requerimento de interposição do recurso, como expressamente o recorrente reconhece – é algo que é totalmente inadmissível, uma vez que implicava alterar o objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Com efeito, o recorrente continua a discordar da decisão proferida nos autos, ou seja, da aplicação da norma do nº1 do artigo 76º da LPTA ao caso dos autos. Mas, a ser assim, o que o recorrente está a atacar é a própria decisão, a qual não pode ser objecto do recurso de constitucionalidade, como este Tribunal uniformemente vem decidindo. III – DECISÃO
Nos termos do que fica exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão sumária impugnada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta.
Lisboa, 22 de Maio de 2001 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida