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Proc. 723/03
1ª Secção Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1.1. A. propôs no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, contra B.,
“acção de impugnação judicial de despedimento emergente de contrato individual de trabalho”, pedindo que o seu despedimento fosse declarado ilícito e, consequentemente, a ré condenada a reintegrá-lo e a indemnizá-lo.
Por sentença de 4 de Outubro de 2003 foi a acção julgada procedente e a ré condenada a reintegrar o autor “sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, reportada a 17/7/01, e ainda a pagar-lhe as prestações pecuniárias vencidas desde 16/11/02 até esta data”.
Para assim decidir, a sentença entendeu que a interpretação da alínea h) do n.º
1 do artigo 41º do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, segundo a qual são trabalhadores à procura de primeiro emprego os que não tenham anteriormente sido contratados por contrato por tempo indeterminado, é inconstitucional, por violar o princípio da segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da CRP, e o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º do mesmo diploma fundamental.
1.2. É desta decisão que recorre, obrigatoriamente, o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 280º n. 1 alínea a) e n. 3 da Constituição e artigos 70º n. 1 alínea a), 72º n. 1 alínea a) e n. 3 da Lei 28/82, de 15/11
(LTC).
As conclusões da alegação de recurso são do seguinte teor:
1- A interpretação normativa do artigo 41º, nº 1, alínea h) do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro segundo a qual se devem incluir no conceito de trabalhadores à procura de primeiro emprego aqueles que nunca trabalharam ao abrigo de uma relação contratual permanente e estabilizada, sendo, consequentemente, lícita a celebração de contrato a termo com aqueles que já trabalharam ao abrigo de uma relação temporalmente limitada, não ofende os princípios constitucionais da igualdade e da segurança no emprego.
2- Termos em que deverá proceder o presente recurso.
Não houve contra-alegações.
2. Cumpre decidir.
A norma que constitui o objecto do presente recurso – alínea h) do n.º 1 do artigo 41º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27 de Fevereiro – entretanto revogado pela alínea m) do n.º 1 do artigo 21º da Lei n.º 92/2003 de 27 de Agosto, que aprovou o novo Código do Trabalho – tem a seguinte redacção:
Artigo 41º Admissibilidade do contrato a termo
1. Sem prejuízo do disposto no artigo 5º, a celebração de contrato de trabalho a termo só é admitida nos casos seguintes:
(...) h) Contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego.
(...)
No Acórdão n.º 207/04 de 24 de Março de 2004, proferido em processo em tudo idêntico ao presente (http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre esta questão. E fê-lo em sentido contrário ao julgamento adoptado na decisão recorrida, mediante fundamentação que totalmente se acolhe.
Pode ler-se no citado Acórdão n.º 207/04:
“Pelo Acórdão n.º 581/95 (publicado no Diário da República, I Série-A de 22 de Janeiro de 1996 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 32, págs. 92-93) o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre a referida alínea h) do artigo 41º, concluindo que a norma nela contida não viola, nem a garantia constitucional da segurança no emprego, nem o princípio da igualdade; e no mesmo sentido se julgou, depois, no Acórdão n.º 447/97, inédito.
Afirmou-se, a propósito, no aludido Acórdão n.º 581/95:
«O artigo 41º, nº 1, alínea h), determina a admissibilidade de celebração de contratos a termo com 'trabalhadores desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego'. É assim que o Governo-legislador concretiza o programa anunciado no preâmbulo, de 'absorção de maior volume de emprego, favorecendo os grupos socialmente mais vulneráveis'. Quando no pedido se afirma que aquela norma contraria a Constituição porque
'admite a contratação a termo mesmo que não haja outra justificação para tal
(...) sem que se verifique o carácter temporário da mão-de-obra' querer-se-á significar que, aqui, ao invés dos casos anteriores enunciados no artigo 41º, não está em causa a natureza do trabalho a prestar, mas, na expressão de Bernardo Xavier, uma 'causa subjectiva' do contrato a termo.
É verdade que a norma do artigo 41º, nº 1, alínea h), tem uma lógica própria, no sentido de que ela se radica numa ratio que tem em conta a qualidade dos trabalhadores-destinatários. O que se pretende, está bem de ver, é estimular a celebração de contratos de trabalho pela convicção de inexistência de riscos para a entidade empregadora. Essa convicção de inexistência de riscos é induzida pela não adstrição a um vínculo de tempo indeterminado. Dir-se-á, desde logo, que a emergência de um motivo constitucionalmente válido de justificação do contrato a termo não se faz sentir apenas a partir de um quadro em que releva a 'natureza das coisas'. Também aqui é necessário um apelo
à ordem de valores da Constituição, sem perder de vista, é claro, a irredutibilidade dos direitos fundamentais. Em momento anterior, rejeitou-se uma argumentação capaz de funcionalizar os direitos fundamentais – e, neste caso, a garantia constitucional da segurança no emprego – às políticas globais do Estado. Com efeito, não é possível, sem mais, legitimar a conformação restritiva das posições jurídicas fundamentais em nome de uma concepção 'utilitarista' de 'prevalência' do 'bem-estar geral'. Daí que se haja afastado – no capítulo VI sobre a norma do artigo 5º [trabalhadores reformados] – um fundamento que pretensamente justificasse o termo do contrato para os mais velhos em nome de um contrato para os mais novos. Não valiam, pois, nesse plano, decisivamente, as razões de política de emprego. Já não é assim no caso em apreço da norma do artigo 41º, nº 1, alínea h). Aqui, não é possível afirmar, sem mais, que as posições subjectivas fundamentais dos trabalhadores destinatários da norma estão a ser 'funcionalizadas', porque aqui não nos confrontamos com os limites da inviolabilidade. Ou seja, os direitos de uns não estão a dar lugar aos direitos de outros em nome de uma política geral. O que se passa antes é que o legislador modela o contrato de trabalho sobre uma ponderação que sopesa a alternativa de limitá-lo no tempo [criando na entidade empregadora a convicção de inexistência de riscos] ou de o não proporcionar aos próprios interessados [mantendo aquela convicção do risco e as consequências da liberdade de não contratar]. Mas se a garantia de segurança no emprego está em relação com a efectividade do direito ao trabalho (C.R.P., artigo 58º) e se a Constituição comete ao Estado a incumbência de realização de políticas de pleno emprego, em nome também da efectividade desse direito [C.R.P., artigo 58º, nº 3, alínea a)], então não se pode dizer que é ilegítima aquela ponderação nem que são ultrapassados os limites de conformação que aí são postos ao legislador. Conformação que é restritiva, sem dúvida, se atendermos aos mandados de optimização das normas sobre direitos fundamentais. Mas que empreende uma ponderação justificada. Na verdade, o que está em análise é a justificação de uma norma que, assentando numa pressuposta 'menos-valia' da experiência profissional daqueles candidatos ao emprego, consagra uma opção de alargamento dos casos de contratação a termo. E não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar o âmbito mais vasto das prognoses legislativas que com esta política porventura se entrecruzem. Por isso que não são violados nem a garantia constitucional da segurança no emprego (C.R.P., artigo 53º) nem o princípio da igualdade (C.R.P., artigo 13º).»
5. Antes de mais, cumpre observar que o julgamento feito neste Acórdão n.º
581/95 não considerou a específica interpretação que a sentença agora recorrida
“aceitou” para a alínea h) do n.º 1 do artigo 41º, Regime Jurídico, por ser a prevalecente na jurisprudência, como ali se afirma. Há, pois, que determinar se a garantia constitucional da segurança no emprego, que o Tribunal considerou, em sede de fiscalização abstracta, não ofendida pela norma do artigo 41º, n.º 1, alínea h), do mesmo Regime Jurídico, é ou não contrariada por esta concreta interpretação. Ora a verdade é que, do ponto de vista desta garantia, podem considerar-se equivalentes as situações de quem nunca conseguiu emprego e de quem nunca celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado. Neste sentido, não se afigura como contrária à Constituição a norma desaplicada, interpretada no sentido de abranger no conceito de trabalhadores à procura do primeiro emprego aqueles que nunca trabalharam ao abrigo de um contrato por tempo indeterminado, permitindo dessa forma a celebração de contrato a termo com aqueles que antes já antes prestaram trabalho por tempo determinado.”
Respondendo, depois, aos argumentos invocados para justificar o julgamento de inconstitucionalidade da norma, afirma-se no referido Acórdão 207/04:
6.(...) Note-se, a este propósito, que a Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, aditou ao Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, a norma do artigo 41º-A, que impede “a celebração sucessiva ou intervalada de contratos a termo entre as mesmas partes, para o exercício das mesmas funções ou para satisfação das mesmas necessidades do empregador”, determinando que, em tal hipótese, ocorre a “conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo”. Uma segunda linha de argumentação constante da sentença recorrida consiste em afirmar que não há razão, no caso dos autos, “para chamar à colação os conceitos consagrados nos diplomas relativos às políticas de emprego”. E, na verdade, em tais diplomas os trabalhadores à procura do primeiro emprego surgem persistentemente definidos como aqueles que nunca prestaram a sua actividade mediante a celebração de contratos de trabalho sem termo (cfr., por exemplo, os diplomas referidos nas alegações apresentadas pelo Ministério Público: o artigo
3º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 257/86, de 27 de Agosto, entretanto revogado; o artigo 3º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 89/95, de 6 de Maio; ou artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/96, de 18 de Abril, que o n.º 1 do artigo 33º da Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março, afirma revogar). De resto, o próprio artigo 41º, n.º 1, alínea h), efectua uma remissão para “legislação especial de política de emprego”. Ora, se esta norma consubstancia uma medida de emprego, e se o Tribunal Constitucional a considerou legítima, não se vê por que razão não há-de o conceito de trabalhadores à procura do primeiro emprego ser interpretado uniformemente, no segmento desaplicado da norma do artigo 41º, n.º 1, alínea h) e nos diplomas relativos à política de emprego.”
É esta jurisprudência que, por não se descortinarem razões para a afastar e por ser inteiramente transponível para os presentes autos, aqui plenamente se reafirma.
3. Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma da alínea h) do n.º 1 do artigo 41º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, interpretada no sentido de que se consideram trabalhadores à procura do primeiro emprego os que não tenham sido anteriormente contratados por tempo indeterminado; b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada de acordo com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 20 de Abril de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Maria Helena Brito (vencida, nos termos da declaração de voto junta) Luís Nunes de Almeida
Declaração de voto
Votei vencida o presente acórdão e pronunciei-me no sentido da inconstitucionalidade da norma constante da alínea h) do n.º 1 do artigo 41º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27 de Fevereiro, “interpretada no sentido de que se consideram trabalhadores à procura de primeiro emprego os que não tenham sido anteriormente contratados por tempo indeterminado”, pelas razões que a seguir enuncio.
Como se recorda no ponto 4 deste acórdão, o Tribunal Constitucional apreciou, em processo de fiscalização abstracta sucessiva, no acórdão n.º
581/95, a conformidade constitucional de algumas das normas que admitem o contrato de trabalho a termo, contidas no n.º 1 do artigo 41º do Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Nesse acórdão o Tribunal observou que o método utilizado no referido artigo 41º – o método de enumeração taxativa dos casos em é admitida a celebração de contrato de trabalho a termo – se liga “à ideia de excepcionalidade da contratação a termo, ideia que, em boa verdade, constitui um desiderato da garantia constitucional da segurança no emprego”.
Reconheceu-se então que “a garantia constitucional da segurança no emprego significa, pois, que a relação de trabalho temporalmente indeterminada é a regra e o contrato a termo a excepção”, pelo que a celebração do contrato a termo há-de ter uma “razão de ser objectiva”, um “motivo justificado”.
Concretamente em relação à norma da alínea h) do n.º 1 do artigo 41º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, que admite a celebração de contrato de trabalho a termo no caso de “contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego”, o Tribunal afirmou que, diferentemente dos casos enunciados nas anteriores alíneas do mesmo artigo, “não está em causa a natureza do trabalho a prestar, mas uma «causa subjectiva» do contrato a termo” e que tal norma “tem uma lógica própria, no sentido de que ela se radica numa ratio que tem em conta a qualidade dos trabalhadores-destinatários”.
A partir destas considerações, o Tribunal Constitucional entendeu que com a norma da alínea h) do n.º 1 do artigo 41º se pretende “estimular a celebração de contratos de trabalho pela convicção de inexistência de riscos para a entidade empregadora”, assente numa “pressuposta «menos-valia» da experiência profissional daqueles candidatos ao emprego”, consagrando-se assim uma “opção de alargamento dos casos de contratação a termo”.
O Tribunal Constitucional admitiu portanto como legítima uma
“ponderação que sopesa a alternativa de limitá-lo no tempo [criando na entidade empregadora a convicção de inexistência de riscos] ou de o não proporcionar aos próprios interessados [mantendo aquela convicção do risco e as consequências da liberdade de não contratar]”, concluindo que no caso não foram ultrapassados os limites de conformação impostos ao legislador.
Mesmo aceitando que a fundamentação invocada no Acórdão n.º 581/95 possa conduzir à não inconstitucionalidade da norma contida na alínea h) do n.º
1 do artigo 41º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, entendo que tal fundamentação não pode justificar a conformidade constitucional da interpretação normativa questionada no presente recurso.
Na verdade, se a não inconstitucionalidade da norma que admite a celebração de contrato de trabalho a termo no caso de “contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego” encontra a sua justificação constitucional na eliminação do risco decorrente da “menos-valia” da experiência profissional do trabalhador que se encontre em tal situação, essa razão não existe se o trabalhador já prestou a sua actividade a outrem, através de um contrato de trabalho, independentemente de se tratar de contrato com ou sem termo.
O acórdão a que esta declaração se encontra anexa não invoca qualquer outra razão que possa justificar, do ponto de vista da sua conformidade constitucional, a interpretação normativa em análise.
O direito à segurança no emprego “não consiste apenas no direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”; o seu âmbito de protecção “abrange todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de trabalho” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, anotação ao Artigo 53º, p. 289).
O trabalho a termo é, por natureza, precário, contrário à ideia de segurança. Por isso a Constituição exige – e a jurisprudência deste Tribunal tem exigido – um motivo justificado para a contratação a termo: a relação de trabalho só pode ficar sujeita a prazo quando houver razões que o justifiquem.
Ora, a norma contida na alínea h) do n.º 1 do artigo 41º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, interpretada no sentido de que “se consideram trabalhadores à procura de primeiro emprego os que não tenham sido anteriormente contratados por tempo indeterminado”, ao consentir a contratação a termo de trabalhadores que já antes prestaram trabalho por tempo determinado, permite que um trabalhador seja durante toda a sua vida contratado com vínculo precário, num encadeamento de sucessivos contratos de trabalho a termo, por entidades patronais diferentes. Em suma, tal interpretação é susceptível de conduzir, na prática, a uma admissibilidade da contratação a termo indefinidamente e sem motivo justificado.
Concluo assim que a interpretação normativa em análise contraria o princípio da segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa.
Maria Helena Brito