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Processo nº 396/03
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. Pelo Acórdão n.º 419/2003, de fls. 1080, foi indeferida a reclamação, constante de fls. 1016, apresentada por A., ora requerente, contra o despacho de fls. 1007, proferido pelo Desembargador relator no Tribunal da Relação de Lisboa, cujo conteúdo era o seguinte:
“Como já foi decidido a decisão condenatória e como se disse a fls. 918 já transitou em julgado e, daí que, este tribunal nada mais tem a dizer ou fazer. Devolva os autos à 1ª instância”. Por sua vez, pelo despacho de fls. 918 decidira-se que “O teor de fls. 914 não tem apoio legal. Na verdade, o acórdão de fls. 899 é parte integrante do acórdão de fl. 864 e seguintes e, esse mesmo acórdão já transitou em julgado art. 411-1 do C. P. Penal (...) remeta os autos à 1ª instância”. Para o efeito, o referido acórdão acolheu o parecer formulado pelo Ministério Público a fls. 1076, vº., fazendo seus os fundamentos então apresentados no sentido do indeferimento da reclamação:
“O objecto da fiscalização da constitucionalidade, cometido a este Tribunal Constitucional, circunscreve-se à estrita dirimição da questão de constitucionalidade normativa – não dispondo este Tribunal de competência para sindicar futuros vícios ou nulidades da tramitação da causa perante o tribunal
“a quo”, os quais teriam necessariamente de ser invocados e dirimidos no âmbito da ordem dos trabalhos judiciais. No caso dos autos, verifica-se que a “ratio decidendi”, subjacente ao despacho de fls. 918 – que rejeitou liminarmente a arguição de pretensas nulidades do acórdão anteriormente proferido pela Relação – foi a norma constante do artº
411º, nº 1 do CPP. Ora, analisado o teor do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a fls. 955, verifica-se que não é questionado, em termos procedimentalmente adequados, e constitucionalidade de tal “norma”: na verdade – e quanto às inconstitucionalidades colocadas no âmbito das “alegações de recurso” (reportadas aos artºs. 374º, nº 2, do CPP e 172º, nº 1, do C. Penal)
– verifica-se, desde logo, manifesta inutilidade na respectiva dirimição, por estarem prejudicadas pelo invocado trânsito em julgado do acórdão condenatório. Por outro lado, não foi feita do artº 670º, nº 3 do CPC a interpretação, especificada pelo recorrente, segundo a qual teriam de ser simultâneos os pedidos de esclarecimento da sentença e de arguição de nulidades da mesma: o que o referido despacho refere é que o pedido de arguição de nulidade carece do
“apoio legal”, sendo um meio procedimentalmente inadequado, face à norma do artº
411º, nº 1 do CPP. Deste modo, não tendo sido questionado pelo recorrente a interpretação normativa do artº 411º, nº 1, do CPP – que funcionou como “ratio decidendi” do despacho impugnado – e não competindo ao Tribunal Constitucional sindicar das pretendas nulidades ou irregularidades de tramitação, invocadas pelo reclamante, ocorridas perante o Tribunal da Relação deverá ser julgada improcedente a reclamação deduzida, por inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso.”
2. Vem agora o reclamante, a fls. 1110, arguir a nulidade do acórdão, “ao abrigo do artº 379º n.º 1 al. c) do C.P.P. (artº 668º n.º 1 al. d) do C.P.C.)”, por ter deixado de se pronunciar sobre questões das quais devia conhecer, que seriam “As constantes de fls. 1016 e segs., concretamente: a não admissão do recurso de fls. 952, por despacho proferido a fls. 1007 datado de 16/01/2003, pelas razões constantes do requerimento de interposição de recurso de 27/10/2002, de fls.
952/953 (...)”. Sustenta que “suscitou a questão de modo processualmente adequado da inconstitucionalidade normativa dos artºs 716º nº1 e 2 referido ao artº 670º n.º
3 do C.P.C., e do artº 700º n.º 3 do mesmo diploma tudo por via do artº 4º do C. P. P., quando interpretados e aplicados, como o foram, restritivamente, e implicitamente (...) pelos despachos de fls. 918, 931 e 1007, por violação do artº 32º n.º 1 da C.R.P. (..)” Não tendo o acórdão reclamado conhecido destas questões, é nulo. E conclui requerendo “a V.Exas se dignem conhecer da nulidade ora invocada e, a final, admitir a reclamação seguindo-se os posteriores termos do artº 78ºA n.º 5 da LTC, dando cabal e efectivo cumprimento aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido da improcedência da arguição de nulidade, que considerou apenas revelar “que o reclamante não tem na devida conta, nem os pressupostos da figura de nulidade da sentença, nem as razões que ditaram a rejeição da reclamação”.
Em seu entender, a arguição de nulidade não tem fundamento porque o reclamante, sob essa forma, veio exprimir a sua discordância quanto à decisão proferida, utilizando-a como se fosse um recurso; para além disso, porque não constitui qualquer omissão de pronúncia o não conhecimento do objecto do recurso quando o tribunal entende faltarem os necessários pressupostos processuais; e, finalmente, porque o “reclamante não tem em conta a ‘ratio decidendi’ do acórdão reclamado”.
4. É, na verdade, manifestamente improcedente a arguição de nulidade do Acórdão n.º 419/2003, pelas razões acabadas de indicar.
Não tem efectivamente qualquer sentido acusar de omissão de pronúncia, por falta de conhecimento das questões de constitucionalidade indicadas no recurso para o Tribunal Constitucional, um acórdão que, num processo de reclamação, apenas aprecia a admissibilidade desse recurso de constitucionalidade.
Os termos em que a nulidade é arguida revelam que o reclamante não teve em conta
que está em causa o julgamento de uma reclamação deduzida contra uma decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade; isso mesmo demonstra, aliás, o pedido que formula a final, e que jamais poderia ser deferido no âmbito do julgamento de uma reclamação.
E revelam ainda que o reclamante vem utilizar a via da arguição de nulidade por omissão de pronúncia para manifestar a sua discordância quanto à decisão proferida, como observou o Ministério Público, assim pretendendo obter a sua reapreciação, o que não é admissível.
Nestes termos, indefere-se a arguição de nulidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 6 de Novembro 2003 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Luís Nunes de Almeida