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Proc. n.º 470/01 Plenário Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam no Tribunal Constitucional:
1.1. O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com a legitimidade que lhe é conferida pelos artigos 281.º n.º 2 alínea e) da Constituição e 12.º n.º 1 alínea c) do Estatuto do Ministério Público, requereu a este Tribunal a declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º dos Estatutos do Instituto Nacional da Aviação Civil
(INAC), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 133/98 de 15 de Maio, conjugadas com o preceituado nas alíneas c) e d) do n. 3 do artigo 2º, nas alíneas j) e l) do n.º
2 do artigo 13.º dos mesmos Estatutos, bem como do Regulamento de carreiras, do Regulamento disciplinar e do Regime retributivo, aprovados pelo Despacho Conjunto n.º 38/2000 dos Secretários de Estado dos Transportes e do Orçamento, de 28 de Outubro de 1999 (publicado no DR, II Série, de 14 de Janeiro de 2000).
As normas em causa, constantes dos mencionados Estatutos, dispõem o seguinte:
Artigo 21º Regime contratual
1 - O pessoal do INAC está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especialidades previstas nos presentes Estatutos e seus regulamentos.
2 - As condições de prestações e de disciplina do trabalho são definidas em regulamento próprio do INAC, em observância das disposições legais imperativas do regime do contrato individual de trabalho.
Artigo 2º Tutela
1 - (...)
2 - (...)
3 - Sem prejuízo de outros poderes de controlo estabelecidos na lei, estão sujeitos à aprovação dos Ministro da tutela e das Finanças: a) (...) b) (...) c) O regulamento de carreiras e o regulamento disciplinar; d) O regime retributivo.
Artigo 13º Conselho de administração
1 - (...)
2 - Compete ao conselho de administração:
(...) j) Definir o estatuto remuneratório, os regulamentos de carreiras e disciplinar do pessoal do INAC e respectivos mapas de pessoal a submeter às tutelas nos termos do artigo 2º; l) Decidir sobre a admissão e afectação dos trabalhadores do INAC e praticar os demais actos relativos à gestão do pessoal e ao desenvolvimento da sua carreira;
(...)
Em resumo, a linha argumentativa do Requerente é a seguinte:
- a norma constante do n. 1 do artigo 21° dos Estatutos do INAC dispõe que o pessoal ao serviço deste instituto público está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especialidades previstas em tais Estatutos e seus regulamentos;
- por sua vez, o n. 2 deste artigo 21° delega a definição das condições de prestação e de disciplina do trabalho em regulamento próprio do INAC, cometendo o artigo 13° n. 2 alíneas j) e l) ao conselho de administração a definição do estatuto remuneratório, dos regulamentos de carreiras e disciplinar e respectivos mapas de pessoal, bem como a decisão sobre a admissão e afectação dos trabalhadores e a prática dos demais actos relativos à gestão de pessoal e ao desenvolvimento da respectiva carreira – devendo tal espécie de regulamento de empresa ser submetido a aprovação ministerial, nos termos do artigo 2°, n. 3, alíneas c) e d) dos mesmos Estatutos;
- tais regulamentos foram aprovados pelo Despacho Conjunto dos Secretários de Estado dos Transportes e do Orçamento n. 38/2000;
- por força do preceituado no artigo 165° n. 1, alínea t) da Constituição é da exclusiva competência da Assembleia da República – salvo autorização legislativa outorgada ao Governo – legislar sobre a matéria referente às “bases do regime e âmbito da função pública”;
- os princípios fundamentais do regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública são definidos pelo Decreto-Lei 184/89 de 2 de Junho e pelo Decreto-Lei 427/89 de 7 de Dezembro, que se configuram, em conjunto, como verdadeira lei-quadro nesta matéria, abrangendo a disciplina básica neles estabelecida grande parte da Administração – mesmo descentralizada – integrada pelos institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundações públicas (cfr. Acórdãos ns.ºs 36/96 e 129/99 do Tribunal Constitucional);
-
- na verdade, os referidos diplomas estabelecem, taxativamente, o modo de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública, apenas admitindo as formas de contratação de pessoal, nas modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo, este
último só admissível nos casos especialmente previstos na lei;
- tal tipificação taxativa das formas de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública tem o seu âmbito institucional definido em torno dos serviços e organismos da Administração Pública, incluindo os institutos públicos nas modalidades de “serviços personalizados do Estado” e de “fundos públicos” (artigo 2.° do Decreto-Lei 184/89) – sendo vedado a tais serviços ou organismos a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente da prevista nos referidos diplomas legais;
- o INAC é – por força das disposições conjugadas dos artigos 1.º dos respectivos Estatutos e 1.º n.º 1 do Decreto-Lei n.° 133/98 de 15 de Maio – uma pessoa colectiva de direito público, um instituto público dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, tendo por atribuições a supervisão, a regulamentação e a inspecção do sector da aviação civil;
- tal instituto público rege-se prioritariamente pelas normas legais e regulamentares aplicáveis aos institutos públicos (artigo 1.° n.º 2 dos Estatutos), que exerce “poderes de autoridade do Estado” (artigo 2.° do Decreto-Lei 133/98 e artigo 25.° dos Estatutos);
- configurando-se – atentas as suas atribuições e estrutura orgânica e funcional – como um instituto público, na modalidade de serviço personalizado do Estado, estando-lhe cometidas funções de manifesto interesse público na fiscalização da aviação civil e exercendo os respectivos poderes de autoridade – situa-se, por isso, no “âmbito institucional” definido pelo artigo 2.° do citado Decreto-Lei 184/89;
- ora, assim sendo, a admissibilidade de celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado – sujeitos ao regime legal genericamente vigente em direito laboral – colide frontalmente com o princípio da taxatividade das formas de constituição de relação de emprego na Administração Pública e com a proscrição da figura do contrato de trabalho por tempo indeterminado;
- pelo que, integrando-se as normas legais questionadas em diploma editado pelo Governo nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 198.° da Constituição, sem precedência de autorização legislativa, padecem as mesmas de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no artigo 165.° n.º 1 alínea t), da Constituição;
- por outro lado, as normas a que se reporta o presente pedido, ao preverem a possibilidade de constituição de uma relação jurídica de emprego na Administração Pública sem instituírem um procedimento justo de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação definitiva, fazendo-a assentar em mero e discricionário despacho ministerial não precedido de adequada selecção e concurso dos interessados, colidem ainda com o n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, enfermando de inconstitucionalidade material;
- aliás, a recente jurisprudência do Tribunal Constitucional – expressa, nomeadamente nos Acórdãos n.ºs 68/99 e 368/00 – acentuou a relevância atribuível
à regra constitucional do concurso como forma privilegiada de acesso à função pública;
- são consequencialmente inconstitucionais as normas legais que atribuem ao conselho de administração a incumbência de elaborar um regulamento de carreiras, disciplinar e do regime retributivo dos funcionários ao serviço do INAC – bem como o regulamento, aprovado pela tutela, que contém a disciplina de tais matérias – e que consta do referido Despacho Conjunto n.º 38/2000;
- na verdade - acrescenta por fim -, assente que a disciplina de tais matérias é imperativamente a que decorre do regime básico instituído pela lei-quadro da função pública (constante dos Decretos-Lei n.ºs 184/89 e 427/89), estará inexoravelmente excluída a possibilidade de edição de uma espécie de regulamento de empresa, contendo o regime jurídico aplicável em tal sede aos trabalhadores ao serviço do INAC.
1.2. Notificado do pedido, O PRIMEIRO-MINISTRO respondeu argumentando, em síntese, o seguinte:
- os n.ºs 1 e 2 do artigo 21° dos Estatutos do INAC não se subordinam ao regime legal do Decreto-Lei n.° 427/89, já que este não reveste a natureza de uma lei de bases, nem assume qualquer valor paramétrico sobre outras leis, à luz dos n.ºs 2 e 3 do artigo 112.° da CRP;
- o regime de contrato individual de trabalho estipulado pelas normas sindicadas para o pessoal do INAC encontra-se devidamente habilitado, na qualidade de disciplina estatutária especial de um instituto público, pelo disposto no n.º 4 do artigo 41.° do Decreto-Lei n.° 184/89, o qual assume a natureza de uma lei de bases;
- as normas impugnadas não são orgânicamente inconstitucionais, dado que não assumem, em razão do seu objecto e densidade reguladora, a natureza de bases legais respeitantes à matéria prevista na alínea t) do n.º 1 do artigo 165.°, mas sim a de regras especiais de concretização ou desenvolvimento dessas mesmas bases, aprovadas pelo já mencionado Decreto-Lei n.° 184/89;
- as citadas normas não são materialmente inconstitucionais por ofensa ao n.º 2 do artigo 47.º da CRP, dado que se o regime contratual do pessoal do INAC assume legitimamente uma natureza privatística e se encontra, por conseguinte, excluído do âmbito da função pública, não procede o argumento do Requerente, segundo o qual o mesmo pessoal deveria ser seleccionado na base de concurso, pois que, nos termos do mencionado n.º 2 do artigo 47.º, o concurso é um processo de recrutamento consagrado para o acesso à função pública e não para a relação de emprego de direito privado;
- no caso de se optar pelo entendimento, não uniforme na jurisprudência do Tribunal Constitucional, mas sufragada em alguns acórdãos, de ser obrigatório o concurso público na contratação de pessoal a termo indeterminado por estruturas da Administração Pública, considera-se, na esteira dessa mesma jurisprudência, que existem razões materiais que fundamentam a dispensa do referido concurso;
- essas razões materiais assentam, de entre outras justificações, na salvaguarda dos regimes especiais dos institutos e das empresas públicas previsto no Decreto-Lei n.° 184/89; na necessidade de contratação de pessoal altamente qualificado para o exercício de uma actividade sensível para a segurança da aviação civil; e, ainda, no imperativo de aproximação das condições de trabalho do mesmo pessoal com o das restantes profissões aeronáuticas;
- no seguimento das razões aduzidas em favor da constitucionalidade das normas que foram impugnadas a título principal, igualmente não procederá a arguição feita pelo Requerente no sentido de ser também declarada a inconstitucionalidade consequente de outros preceitos conexos ou dependentes daquelas mesmas normas.
2.1. Antes de entrar propriamente na análise do pedido, impõe-se uma brevíssima referência ao artigo 2.º da Lei 16-A/2002 de 31 de Maio que contém a primeira alteração à Lei 109-B/2001 de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para
2002). O preceito dispõe o seguinte:
1. Os serviços e organismos da administração central, incluindo os institutos, na modalidade de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos, que prossigam objectivos complementares, paralelos ou sobrepostos a outros serviços existentes ou cuja finalidade de criação se encontre esgotada, serão objecto de extinção, reestruturação ou fusão.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, são desde já objecto de:
[…] c) Reestruturação:
[…] No Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação: Instituto Nacional de Aviação Civil;
[…]
3. No prazo de 45 dias, a contar da data da entrada em vigor da presente lei, serão aprovadas por decreto-lei as alterações resultantes do disposto no número anterior, estabelecendo-se, designadamente, a cessação de funções do pessoal dirigente, a reafectação do pessoal e do património dos serviços extintos, bem como dos respectivos direitos e obrigações.
4. Cada departamento ministerial deverá elaborar, no prazo de 90 dias, a contar da data de entrada em vigor da presente lei, os projectos de diplomas que aprovem as alterações orgânicas decorrentes da avaliação feita para aplicação do disposto no n.º 1.
Ora, até à data não foi, porém, publicado qualquer diploma que, na sequência do transcrito preceito, visasse proceder à reestruturação do INAC, razão pela qual se deve partir do princípio de que as orientações constantes da Lei n.º 16-A/2002 em nada se repercutem na apreciação do pedido.
2.2. Comecemos pela questão relativa à suscitada inconstitucionalidade orgânica das normas em apreço.
Alega-se, com efeito, no pedido que teria sido violado o disposto na alínea t) do n. 1 do artigo 165º da Constituição que comete à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, a competência exclusiva para legislar em matéria de bases do regime e âmbito da função pública.
Segundo o Requerente, a lei geral reguladora das formas de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública – lei geral que se aplicaria também aos institutos públicos – não prevê a existência de contratos de trabalho por tempo indeterminado, sendo certo que essa exclusão, resultante da taxatividade das formas de constituição daquela relação jurídica de emprego, consagrada na mesma lei geral, traduz um princípio fundamental da mesma legislação, cujo desrespeito implicaria a inconstitucionalidade orgânica das normas colidentes, quando não emitidas pela Assembleia da República ou parlamentarmente autorizadas.
Todavia, pelas razões constantes do Acórdão n.º 162/2003 (publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Maio de 2003), atinente a idêntica questão, embora ali referente ao Instituto Geográfico Português - razões que aqui se reafirmam e se dão por reproduzidas -, entende-se que a normação impugnada se encontrava, para este efeito, coberta pelo disposto no n. 4 do artigo 41º do Decreto-Lei 184/89 emitido ao abrigo da autorização conferida pelo artigo 15º da Lei 114/88 de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento para 1989), o que exclui a verificação da alegada inconstitucionalidade orgânica; e, do mesmo passo, também os regulamentos de carreiras, disciplinar e do regime retributivo dos funcionários do INAC, aprovados pela tutela, escapam “consequencialmente” ao aludido vício de inconstitucionalidade.
2.3. Passemos, agora, à invocada inconstitucionalidade material de que padeceriam as normas em análise, operando-se, previamente, uma indispensável delimitação do objecto do pedido.
O Requerente baseia o seu pedido, quanto à inconstitucionalidade material, na possibilidade de constituição de uma relação jurídica de emprego na Administração Pública sem instituição de um procedimento justo de recrutamento e selecção dos candidatos, fazendo assentá-la em mero e discricionário despacho do conselho de administração, não precedido de adequada selecção e concurso dos interessados, o que colidiria com o n. 2 do artigo 47º da Constituição.
Por sua vez, o Primeiro-Ministro argumenta que o regime do pessoal do INAC assume natureza privatística, pelo que o mesmo pessoal se encontra, por conseguinte, excluído do âmbito da função pública, à qual respeita exclusivamente o n. 2 do artigo 47º da Constituição. E que, em qualquer caso, existem aqui específicas razões materiais - exigência de elevadas qualificações técnicas e necessidade de aproximação às condições de trabalho vigentes para as outras profissões aeronáuticas - que se apresentam como bastantes para se admitir a dispensa do concurso.
Há, assim, que interpretar a invocação da inconstitucionalidade material já não reportada a todas as normas impugnadas, mas apenas à norma constante do n. 1 do artigo 21º, enquanto conjugada com a da alínea l) do n. 2 do artigo 13º dos Estatutos, pois é aí que se comete ao conselho de administração a competência para “decidir sobre a admissão e afectação dos trabalhadores do INAC”, sem que se preveja, no dizer do Requerente, qualquer procedimento justo de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação.
2.4. A resolução deste problema passa pela interpretação do invocado n. 2 do artigo 47º da Constituição, que preceitua o seguinte:
Artigo 47º
(Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública)
1. (...)
2. Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
A propósito do direito de acesso à função pública e da regra do concurso, afirmou já este Tribunal no Acórdão n.º 683/99 (Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2000) o seguinte:
Entre nós, retira-se do artigo 47º, n.º 2, da Constituição, como concretização do direito de igualdade no acesso à função pública, um direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção de candidatos à função pública, que se traduz, em regra, no concurso (embora não um direito subjectivo de qualquer dos candidatos à contratação – assim, v. recentemente o Acórdão n.º 556/99). Este não pode, por outro lado, ser procedimentalmente organizado, ou decidido, em condições ou segundo critérios discriminatórios, conducentes a privilégios ou preferências arbitrárias, pela sua previsão ou pela desconsideração de parâmetros ou elementos que devam ser relevantes (cfr., recentemente, o Acórdão n.º 128/99, que fundou no artigo 47º, n.º 2, da Constituição, embora com votos de vencido quanto à sua aplicação ao caso, um julgamento de inconstitucionalidade da norma do artigo 36º, alínea c), da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, na medida em que, para a candidatura a Juiz do Tribunal de Contas em concurso curricular, não considerava o exercício durante três anos de funções de gestão em sociedades por quotas).
É certo que o direito de acesso previsto no artigo 47º, n.º 2, não proíbe toda e qualquer diferenciação, desde que fundada razoavelmente, em valores com relevância constitucional – como exemplos pode referir-se a preferência no recrutamento de deficientes ou na colocação de cônjuges um junto do outro (assim G. Canotilho/V. Moreira, Constituição..., cit., pág. 265). Poderá discutir-se se do princípio consagrado no artigo 47º, n.º 2, resulta, como concretização dos princípios de igualdade e liberdade, que os critérios de acesso (em regra, de decisão de um concurso) tenham de ser exclusivamente meritocráticos, ou se pode conceder-se preferência a candidatos devido a características diversas das suas capacidades ou mérito, desde que não importem qualquer preferência arbitrária ou discriminatória – assim, por exemplo, o facto de serem oriundos de uma determinada região, ou de terem outra característica (por exemplo, uma deficiência) reputada relevante para os fins prosseguidos pelo Estado. Seja como for, pode dizer-se que a previsão da regra do concurso, associada aos princípios da igualdade e liberdade no acesso à função pública, funda uma preferência geral por critérios relativos ao mérito e à capacidade dos candidatos (de 'princípio da prestação' fala a doutrina alemã – v., por ex.,
Walter Leisner, 'Das Leistungsprinzip', in idem, Beamtentum, Berlim, 1995, págs.
273 e segs. –, sendo certo, contudo, que o respectivo texto constitucional é, como vimos, explicitamente mais exigente). E o concurso é justamente previsto como regra por se tratar do procedimento de selecção que, em regra, com maior transparência e rigor se adequa a uma escolha dos mais capazes – onde o concurso não existe e a Administração pode escolher livremente os funcionários não se reconhece, assim, um direito de acesso (Gomes Canotilho/V. Moreira, ob. e loc. cits., anot. XI; sobre o fundamento do procedimento concursal, v. também Ana Fernanda Neves, Relação jurídica de emprego público, cit., págs. 147 e segs.). Assim, para respeito do direito de igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode estar na simples discricionariedade do legislador, que é justamente limitada com a imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso – fundamentado, como se viu, no próprio direito de igualdade no acesso à função pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) – poderia ser inteiramente frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (assim Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit., Ana F. Neves, ob. cit., págs. 153-4).
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão n.º 368/00 (Diário da República, I Série–A, de 30 de Novembro de 2000). E, anteriormente, no Acórdão n.º 53/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 303 e segs.), já se expressara o seguinte entendimento quanto ao mesmo ponto da lei fundamental:
Como decorre do seu próprio enunciado, este preceito compreende três elementos: a) o direito à função pública, não podendo nenhum cidadão ser excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma determinada função em particular, por outros motivos que não seja a falta dos requisitos adequados à função (v. g. idade, habilitações académicas e profissionais); b) a regra da igualdade e da liberdade, não podendo haver discriminação nem diferenciações de tratamento baseadas em factores irrelevantes, nem, por outro lado, regimes de constrição atentatórios da liberdade; c) regra do concurso como forma normal de provimento de lugares, desde logo de ingresso, devendo ser devidamente justificados os casos de provimento de lugares sem concurso.
E, neste mesmo acórdão, ainda se acrescentou que “não existe aqui nenhuma garantia de igualdade quando o provimento depende decisivamente de uma escolha discricionária do serviço” e que “é precisamente contra o poder de os serviços escolherem livremente o seu pessoal que se dirigem os princípios constitucionais da igualdade e do concurso no acesso à função pública”.
Ainda quanto à questão do direito de acesso à função pública e da regra do concurso, no já citado Acórdão n.º 683/99 afirmou-se igualmente que
“visando assim o concurso possibilitar o exercício do próprio direito de acesso em condições de igualdade, a sua dispensa não pode deixar, como se afirmou, de se basear em razões materiais – isto é, designadamente, em razões relevantes para o cargo para o qual há que efectuar uma escolha (assim, por exemplo, para a escolha de pessoal dirigente, para o qual poderá eventualmente revelar-se adequada a selecção sem concurso). Considerando esta necessidade de justificação material da postergação da regra do concurso não pode, pois, tirar-se qualquer argumento do facto de o concurso não ser previsto imperativamente pela Constituição como único meio de acesso à função pública”.
Este Acórdão n.º 683/99 firmou, pois, o entendimento segundo o qual a postergação da regra de concurso carece de uma justificação material, entendimento esse que não foi questionado nos votos de vencido a ele apostos.
Próxima da apreciação da justificação material da postergação do concurso, situa-se a argumentação desenvolvida pelo Acórdão n.º 556/99 (DR, II Série, de 15 de Março de 2000). Neste acórdão discutiu-se a questão da conformidade constitucional do disposto na alínea a) dos ns. 1 e 2 do artigo 22º do Decreto-Lei n.º 46/88, de 11 de Fevereiro, através do qual o legislador permitiu o ingresso nos quadros do Ministério da Defesa Nacional a pessoal que,
à data de 31 de Dezembro de 1987, não tendo a qualificação legal de funcionário, quisesse obtê-la; e, a propósito de tal questão, afirmou-se no citado aresto:
No entanto, o direito de acesso à função pública não é um direito de exercício incondicionado. O n.º 2 do artigo 47º da Constituição estabelece a regra do concurso público, que será realizado sempre que as necessidades de preenchimento de lugares de quadro se verificarem. Este concurso é uma forma de selecção de candidatos, em função das aptidões demonstradas, não se podendo afirmar, à partida, o direito subjectivo de qualquer dos candidatos à contratação. Da norma constitucional também não decorre uma exigência absoluta de realização de concurso, em todos os casos, para o acesso à função pública. O artigo 6º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro (diploma que aprova instrumentos de mobilidade nos serviços da Administração Pública) proíbe, como regra, que, nos casos de criação ou alteração de quadros de pessoal, se estabeleçam “promoções automáticas ou reclassificações de pessoal” (alínea a)) ou “integração directa em lugares de quadro a pessoal que não tenha a qualidade de funcionário ou que, sendo agente, não desempenhe funções em regime de tempo completo, não se encontre sujeito à disciplina, hierarquia e horário do respectivo serviço e conte menos de três anos de serviço ininterrupto” (alínea b)). Esta norma é uma concretização do imperativo constitucional do recurso ao concurso público para preenchimento de lugares nos quadros da função pública, em atenção, precisamente, ao respeito pela igualdade de oportunidades dos candidatos e à transparência nas relações jurídicas administrativas. O artigo 22º do Decreto-Lei n.º 46/88 surge como uma derrogação a este regime. Derrogação, porém, que, como se demonstrou, obedece a imperativos de interesse público e à qual subjaz um critério objectivo, não incompatível com a Constituição. A desigualdade no tratamento legislativo das situações, ou seja, na fixação dos critérios de acesso aos quadros de funcionários do Ministério da Defesa Nacional, tem uma base constitucionalmente aceitável, que justifica a excepção à regra da realização do concurso público.
2.5. O primeiro argumento que transparece da resposta do Primeiro-Ministro assenta patentemente na ideia de que o comando inscrito no n.º
2 do artigo 47º da Constituição tem como única destinatária a função pública, não abrangendo, portanto, as funções exercidas em regime de contrato individual de trabalho.
Neste mesmo sentido parecem pronunciar-se J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra,
1993, pág. 264, nota VIII ao artigo 47º):
A definição constitucional do conceito de função pública suscita alguns problemas, dada a diversidade de sentidos com que as leis ordinárias utilizam a expressão e dada a pluralidade de critérios (funcionais, formais) defendidos para a sua caracterização material. Todavia, não há razões para contestar que o conceito constitucional corresponde aqui ao sentido amplo da expressão em direito administrativo, designando qualquer actividade exercida ao serviço de uma pessoa colectiva pública (Estado, região autónoma, autarquia local, instituto público, associação pública, etc.), qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego (desde que distinto do regime comum do contrato individual de trabalho), independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório.
No entanto, é VITAL MOREIRA que, mais tarde, viria a assinalar
(Projecto de lei-quadro dos institutos públicos, Relatório Final e Proposta de Lei-Quadro, Grupo de Trabalho para os Institutos Públicos, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, Fevereiro de 2001, n.º 4, pág. 50, nota ao artigo 45º):
No entanto, mesmo quando admissível o regime do contrato de trabalho, nem a Administração Pública pode considerar-se uma entidade patronal privada nem os trabalhadores podem ser considerados como trabalhadores comuns. No que respeita à Administração, existem princípios constitucionais válidos para toda a actividade administrativa, mesmo a de “gestão privada”, ou seja, submetida ao direito privado. Entre eles contam-se a necessária prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (art. 266º- 2 da Constituição), todos eles com especial incidência na questão do recrutamento do pessoal. Além disso, estabelecendo a Constituição que “todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” (CRP, art. 47º-2), seria naturalmente uma verdadeira fraude à Constituição se a adopção do regime de contrato individual de trabalho incluísse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos trabalhadores da Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da igualdade e da imparcialidade.
Estas últimas considerações afiguram-se inteiramente procedentes, principalmente quando, como é o caso, o regime laboral do contrato individual de trabalho se reporta a um instituto público que mais não é que um serviço público personalizado.
Com efeito, a exigência constitucional de “acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” apresenta duas vertentes.
Por um lado, numa vertente subjectiva, traduz um direito de acesso à função pública garantido a todos os cidadãos; por outro lado, numa vertente objectiva, constitui uma garantia institucional destinada a assegurar a imparcialidade dos agentes administrativos, ou seja, que “os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público” (n. 1 do artigo 269º da CRP). Na verdade, procedimentos de selecção e recrutamento que garantam a igualdade e a liberdade de acesso à função pública têm também a virtualidade de impedir que essa selecção e recrutamento se façam segundo critérios que facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos exclusiva ou quase exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência, com o risco de colocarem a mesma Administração na sua dependência, pondo em causa a necessidade de actuação
“com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé” (n. 2 do artigo 266º da CRP).
Esta perspectiva é mesmo particularmente importante para quem defenda que se está perante um caso de recrutamento de pessoal para entidade que exerce materialmente funções públicas.
Ora, consoante resulta dos respectivos Estatutos, o INAC é um instituto com vocação reguladora e inspectiva (n. 1 do artigo 1º e artigo 2º), ao qual é atribuído o exercício de poderes de autoridade do Estado, designadamente, nos seguintes aspectos: quanto ao licenciamento, certificação, autorização e homologação de certas actividades e procedimentos (artigo 7º); quanto à emissão de regulamentos (artigo 8º); quanto à realização de inquéritos, requisição de informações e efectivação de actividades de inspecção (artigos 9º e 10º); quanto à aplicação de medidas administrativas e sancionatórias (artigo
11ª); quanto à liquidação e cobrança coerciva de taxas, através do processo de execução fiscal (artigo 26º); quanto à expressa atribuição de poderes de autoridade ao pessoal que desempenhe funções de fiscalização, que incluem, nomeadamente, “a suspensão ou cessação de actividades e encerramento de instalações” a título preventivo (artigo 25º, designadamente, a alínea c) do n.
1).
Nestas condições, e na esteira da doutrina estabelecida no Acórdão n.º 140/02 (Diário da República, I Série-A, de 27 de Junho de 2002), também o INAC se afigura ser um instituto público com clara prevalência do regime de direito público, exercendo poderes de autoridade pública através dos seus órgãos e agentes; os seus trabalhadores desempenham nestes termos, em suma, uma função pública em sentido material.
Consequentemente, as atribuições e a natureza do INAC, bem como as funções cometidas aos seus órgãos e agentes justificam inteiramente que ao recrutamento e selecção do seu pessoal, ainda que sujeito ao contrato individual de trabalho, se apliquem as garantias de liberdade e igualdade de acesso que se encontram fixadas no n. 2 do artigo 47º da Constituição.
Ainda que se entenda que para o recrutamento de pessoal sujeito ao regime do contrato individual de trabalho se não justifica a realização de um concurso público, nem por isso se pode deixar de reconhecer que a selecção e o recrutamento desse pessoal deverá sempre ter lugar através de procedimentos administrativos que assegurem a referida liberdade e igualdade de acesso.
Aliás, essa era a proposta contida no já mencionado Projecto de lei-quadro dos institutos públicos, em cujo artigo 45º se previa que, mesmo nos casos em que se tenha optado pelo regime do contrato individual de trabalho e se não observe o regime de concurso próprio da função pública, o recrutamento do pessoal deveria ter lugar através de um procedimento administrativo conforme aos seguintes princípios: a) - publicitação da oferta de emprego pelos meios mais adequados; b) - igualdade de condições e oportunidades dos candidatos; c) - aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação e selecção; d) - fundamentação da decisão tomada.
E, no nosso ordenamento jurídico, existem já alguns exemplos recentes de actos legislativos respeitantes a institutos públicos que contêm normas relativas aos requisitos procedimentais acima referidos. É o caso do Decreto-Lei 59/2002 de 15 de Março que criou o Instituto Geográfico Português
(vide o n.º 6 do artigo 46.º dos Estatutos por ele aprovados), e do Decreto-Lei
96/2003 de 7 de Maio, que criou o Instituto do Desporto de Portugal (vide o artigo 33.º dos Estatutos por ele aprovados), o que demonstra que não existe qualquer incompatibilidade entre o regime do contrato individual de trabalho e a definição de garantias de liberdade e igualdade no acesso ao exercício de funções nos institutos públicos.
Em suma: as normas em causa, na medida em que prevêem uma plena liberdade de selecção e recrutamento dos trabalhadores do instituto público em apreço, sem estabelecerem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da liberdade e da igualdade de acesso à função pública, colidem com o preceituado no n. 2 do artigo 47º da Constituição.
2.6. Importa ainda apurar da eventual existência de justificação material para um regime de excepção, pois, como vimos, entende o Governo que existem aqui específicas razões materiais – exigência de elevadas qualificações técnicas e necessidade de aproximação às condições de trabalho vigentes para as outras profissões aeronáuticas – que se apresentam como bastantes para se admitir a dispensa do concurso público.
Correspondem tais razões às que, no preâmbulo do Decreto-Lei 133/98, fundamentam a opção pelo regime do contrato individual de trabalho:
Quanto ao respectivo funcionamento, e no que respeita ao pessoal que exercerá funções no INAC, optou-se pela adopção do regime do contrato individual de trabalho, como quadro normativo de aplicação geral, e, consequentemente, por um estatuto de carreiras profissionais de natureza privatística, por se considerar ser tal regime o mais consentâneo com as elevadas qualificações técnicas e profissionais dos recursos humanos de que o Instituto carecerá para a adequada prossecução das suas atribuições e competências, e ainda por ser tal regime aquele que permitirá aproximar as condições de trabalho do pessoal do INAC daquelas que, para outras profissões aeronáuticas, vigoram nas principais empresas do sector da aviação civil, designadamente nas que prestam serviços de transporte aéreo e de exploração do serviço público aeroportuário e de navegação aérea.
Se estas razões se podem apresentar como procedentes para a opção pelo regime do contrato individual de trabalho, já não se afigura inteiramente líquido que elas devessem ser tidas como materialmente relevantes para se não prever que o recrutamento e selecção devessem ser efectuados por concurso público. De todo o modo, o que elas não podem justificar é a ausência de quaisquer regras e procedimentos tendentes a assegurar que o acesso tenha lugar com efectivas garantias de liberdade e igualdade.
E isto, desde logo, porque se é verdade que este Tribunal definiu o entendimento segundo o qual a regra do concurso pode ser postergada, caso exista uma justificação material, uma vez que o n.º 2 do artigo 47.º apenas determina que o recurso ao concurso deve ter lugar em regra, já se não descortina nem credencial constitucional nem, no caso vertente, quaisquer interesses que pudessem determinar a eventual existência de motivos conducentes ao afastamento de um recrutamento baseado em critérios que assegurem a liberdade e igualdade de acesso à função pública.
2.7. Do exposto resulta que a norma constante do n.º 1 do artigo
21.º, enquanto conjugada com a da alínea l) do n.º 2 do artigo 13.º dos Estatutos do Instituto Nacional da Aviação Civil, na medida em que comete ao respectivo conselho de administração a competência para decidir sobre a admissão e afectação dos trabalhadores do Instituto sujeitos ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, sem que se preveja qualquer procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade, viola o n.º 2 do artigo 47.º da Constituição.
2.8. Nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, este Tribunal tem a faculdade de fixar que os efeitos da inconstitucionalidade sejam mais restritos do que o que resultaria da aplicação do preceituado no n.º 1 do mesmo artigo, se tal se justificar por razões conexionadas com a segurança jurídica, a equidade ou interesse público de excepcional relevo.
Dada a evidente necessidade de garantir a segurança jurídica relacionada com a estabilidade das relações de trabalho subordinado que, entretanto, se constituíram, este Tribunal considera que se justifica a limitação dos efeitos da inconstitucionalidade, nos termos do n.º 4 do artigo
282.º da Constituição, de modo a salvaguardar a validade dos contratos de trabalho celebrados pelo INAC até à data da publicação deste acórdão.
3. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, da norma constante do n.º 1 do artigo 21.º, enquanto conjugada com o preceituado na alínea l) do n.º 2 do artigo 13.º dos Estatutos do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) aprovados pelo Decreto-Lei n.º 133/98 de 15 de Maio, na medida em que comete ao respectivo conselho de administração a competência para decidir sobre a admissão e afectação dos trabalhadores do instituto sujeitos ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, sem que se preveja qualquer procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade;
b) - não declarar a inconstitucionalidade das restantes normas impugnadas;
c) - limitar os efeitos da inconstitucionalidade, de modo a salvaguardar a validade dos contratos de trabalho celebrados pelo INAC até à data da publicação do presente acórdão.
Lisboa, 17 de Setembro de 2003
Carlos Pamplona de Oliveira, vencido em parte nos termos da declaração que junto. Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Artur Maurício (vencido quanto à alínea b) da decisão pelas razões constantes da declaração de voto que exarei no Acórdão n.º 162/03) Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida quanto à alínea a), nos termos da declaração junta) Bravo Serra [votei o acórdão quanto à decisão da alínea b) do presente acórdão, pois que ainda me não foi possível ultrapassar as dúvidas que expressei na declaração de voto que apus ao Acórdão n.º 162/2003] Gil Galvão (vencido quanto à alínea a) da decisão, conforme declaração junta) Maria Helena Brito (vencida, quanto à alínea a) da decisão, nos termos da declaração de voto junta) Mário José de Araújo Torres (com a declaração de que votei a inconstitucionalidade orgânica das normas questionadas pelas razões constantes da declaração de voto que apus ao Acórdão n.º 162/03). Luís Nunes de Almeida
DECLARAÇÃO DE VOTO
Pelas razões que essencialmente constam do voto de vencido expresso pelo Sr. Cons. Mário Torres no Acórdão n.º 162/2003 (DR, II série, de 13MAI2003), a cujos fundamentos aderi, entendo que as normas questionadas enfermam de inconstitucionalidade orgânica. Continuo, portanto, a não concordar com a doutrina do citado acórdão na parte que é agora retomada para fundamentar a decisão de não inconstitucionalidade orgânica das referidas normas.
Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
Declaração de voto
1. Votei vencida, em síntese, porque entendo que as decisões de admissão de trabalhadores para os quadros do INAC, feitas ao abrigo do regime do contrato individual de trabalho, estão sujeitas às condições gerais de ingresso definidas no artigo 3º do Regulamento de Carreiras deste instituto público, aprovado pelo Despacho Conjunto n.º 38/2000 dos Secretários de Estado dos Transportes e Orçamento (Diário da República, II série, de 14 de Janeiro de 2000), assim como aos requisitos e aos critérios especiais de recrutamento definidos para cada uma das carreiras do INAC pelo mesmo Regulamento. Tais decisões de admissão estão ainda sujeitas, por força do n.º 5 do artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo, aos princípios gerais da actividade administrativa e às normas do Código que concretizam princípios constitucionais.
São-lhes aplicáveis, por conseguinte, os princípios da legalidade, da igualdade e da imparcialidade, dos quais resulta a proibição de escolhas fundadas em motivos arbitrários e discriminatórios ou em motivos por qualquer modo desconformes com os fins de interesse público que legalmente devem presidir às decisões de admissão de trabalhadores para cada carreira. E são-lhe ainda aplicáveis, por concretizarem preceitos constitucionais, normas do Código como as que impõem a fundamentação das decisões da Administração ou a audiência prévia dos interessados.
2. Em face deste quadro, afigura-se-me claramente excessivo afirmar que a remissão para o regime do contrato individual de trabalho (n.º 1 do artigo 21º dos Estatutos do INAC) desrespeita ou defrauda, por não vir acompanhada de requisitos procedimentais, as exigências constitucionais de liberdade e igualdade de acesso à função pública, permitindo que a “selecção e recrutamento se façam segundo critérios que facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos exclusiva ou quase exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência”. E não vejo, aliás, como tal consequência possa resultar da conjugação do artigo
21º com a norma constante da alínea l) do n.º 2 do artigo 13º dos Estatutos, que se limita a atribuir ao conselho de administração a competência para praticar os actos de admissão de trabalhadores. A distribuição interna de funções pelos vários órgãos do INAC não tem qualquer relevância para a questão de constitucionalidade em julgamento.
3. É sabido que a remissão da actividade administrativa para regimes de direito privado coloca dificuldades no que respeita à salvaguarda dos valores inerentes ao princípio da legalidade, valores que, no direito público, conduzem muitas vezes a regimes marcados pelo formalismo ou pela vinculação da Administração a critérios de decisão pré-definidos. Essas dificuldades, porém, que, aliás, devem ser confrontadas com os benefícios decorrentes da “gestão privada”, só podem ser adequadamente remediadas por uma intervenção do legislador, destinada a suprir eventuais défices de regulamentação, e não, pelo menos em princípio, pelo Tribunal Constitucional. Declarar inconstitucional a própria remissão para o direito privado, porque desacompanhada de garantias procedimentais, não se mostra ser a solução adequada. Desde logo, porque haveria que ter em conta outras possíveis consequências da inclusão dos contratos individuais de trabalho no conceito de função pública, expressamente feita pelo acórdão; poder-se-ia, por exemplo, considerar a eventualidade de se lhes estender a regra da admissão por concurso, constante do n.º 2 do artigo 47º da Constituição. Para além disso, porque deixa o INAC – e existem outros institutos públicos com regime semelhante – na impossibilidade legal de prover às suas necessidades de pessoal. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Declaração de voto
Votei vencido quanto à alínea a) da decisão, no essencial, por entender que, não só não parece possível atribuir à norma em causa o sentido que lhe é conferido no acórdão - nomeadamente que a admissão de trabalhadores do INAC se faça sem garantias de acesso em condições de liberdade e igualdade -, mas, sobretudo, porque, não questionando o acórdão que o regime aplicável àqueles trabalhadores possa ser o do contrato individual de trabalho, não se afigura possível recorrer
à norma da Constituição sobre o acesso à função pública para concluir pela inconstitucionalidade dos preceitos que regulam a mera competência para admitir ou afectar trabalhadores contratados com base naquele regime.
Gil Galvão
Declaração de voto
Votei vencida quanto à alínea a) da decisão e pronunciei-me no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 21º dos Estatutos do Instituto Nacional da Aviação Civil (INAC), enquanto conjugada com o preceituado na alínea l) do n.º 2 do artigo 13º dos mesmos Estatutos, pelas razões que sucintamente passo a expor.
Antes de mais, parece-me não ser possível imputar à norma em causa o alcance que lhe é atribuído no acórdão. Com efeito, o n.º 1 do artigo 21º dos Estatutos do Instituto Nacional da Aviação Civil dispõe que “o pessoal do INAC está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho”, com determinadas especialidades. Por sua vez, a alínea l) do n.º 2 do artigo 13º dos mesmos Estatutos atribui ao conselho de administração do Instituto competência para “decidir sobre a admissão e afectação dos trabalhadores do INAC e praticar os demais actos relativos à gestão do pessoal e ao desenvolvimento da sua carreira”. Ora, não sendo posta em causa pelo acórdão do Tribunal a sujeição do pessoal do Instituto ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, não se vê como pode violar a regra constitucional do concurso uma norma que se limita a atribuir competência ao conselho de administração para decidir sobre a admissão e afectação do pessoal.
De todo o modo, entendo que o comando inscrito no n.º 2 do artigo
47º da Constituição tem como única destinatária a função pública, não abrangendo as funções exercidas em regime de contrato individual de trabalho. Assim, em minha opinião, a admissão e a afectação dos trabalhadores do INAC não se incluem no âmbito das regras constitucionalmente definidas para o acesso à função pública. Tal não significa porém que não estejam sujeitas, nos termos gerais, aos princípios da legalidade, da igualdade e da imparcialidade, como é sublinhado no n.º 1 da declaração de voto da Exma. Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.
Por isso concluí que a norma constante do n.º 1 do artigo 21º dos Estatutos do Instituto Nacional da Aviação Civil (INAC), enquanto conjugada com o preceituado na alínea l) do n.º 2 do artigo 13º dos mesmos Estatutos, não viola o n.º 2 do artigo 47º da Constituição.
Maria Helena Brito