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Processo n.º 382/03 Plenário Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,
I – Relatório
1. O Presidente da República requereu, nos termos dos artigos 278.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas:
1) normas constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX, que aprova o
“Código do Trabalho”, por eventual violação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 56.º da CRP;
2) norma constante do n.º 1 do artigo 4.º do “Código do Trabalho”, aprovado pelo referido Decreto, por eventual violação dos n.ºs 1 e 6 do artigo 112.º da CRP;
3) norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do mesmo Código, por eventual violação dos artigos 26.º e 18.º, n.º
2, da CRP;
4) norma constante do n.º 2 do artigo 436.º do mesmo Código, por eventual violação do artigo 2.º da CRP;
5) norma resultante da interpretação conjugada dos n.ºs
2, 3 e 4 do artigo 438.º do mesmo Código, por eventual violação do artigo 53.º da CRP;
6) norma resultante da interpretação conjugada dos n.ºs
2, 3 e 4 do artigo 557.º do mesmo Código, por eventual violação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 56.º da CRP; e
7) norma constante da segunda parte do artigo 606.º do mesmo Código, por eventual violação do n.º 1 do artigo 57.º da CRP.
2. Os fundamentos do pedido são, em suma, os seguintes:
1) Quanto ao artigo 15.º do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX, que regula o regime transitório de uniformização dos instrumentos de regulamentação colectiva negociais aplicáveis nas empresas e sectores de actividade nos quais se encontrem em vigor um ou mais instrumentos outorgados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho:
– as soluções previstas na alínea a) do n.º 1, ao atribuir o direito de adesão individual dos trabalhadores a convenção outorgada por sindicatos de que não são filiados, e nas alíneas b) e c) do mesmo número, ao fazer cessar, logo que verificada a adesão da maioria dos trabalhadores da empresa ou do sector a novo instrumento de regulamentação, os efeitos das anteriores convenções, independentemente da vontade das associações sindicais que as outorgaram ou da vontade dos trabalhadores que pretendessem continuar por elas abrangidos, não apenas podem constituir um desincentivo sério à filiação e participação sindicais, como podem contribuir para a desestruturação das tradicionais relações de representatividade sindical, num sentido que é muito dificilmente compatível com a relevância que a Constituição dá às associações sindicais, à sua actividade e aos seus direitos e, por outro lado, afectam sensivelmente a autonomia e a representatividade sindical (artigo 56.º, n.º 1, da CRP), esvaziando, de forma que para algumas associações sindicais pode ser decisiva, o seu direito constitucional à contratação colectiva (artigo 56.º, n.º 3, da CRP) e à representação dos associados;
2) Quanto ao artigo 4.º do Código do Trabalho, cujo n.º
1 permite o afastamento das normas do Código, desde que delas não resulte o contrário, por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, sem explicitar que esse afastamento só é consentido quando se estabeleçam condições mais favoráveis para o trabalhador, como o subsequente n.º 2 faz relativamente ao afastamento de normas do Código por força de cláusulas constantes de contratos individuais de trabalho:
– a possibilidade de actos de natureza não legislativa derrogarem preceitos legais, quer num sentido mais favorável quer num sentido menos favorável ao trabalhador, parece violar a hierarquia constitucional dos actos normativos e o princípio da tipicidade dos actos legislativos, consagrados no artigo 112.º, n.ºs 1 e 6, da CRP;
3) Quanto ao artigo 17.º do Código do Trabalho, cujo n.º
2, após, na primeira parte, proibir que o empregador exija ao candidato a emprego ou ao trabalhador a prestação de informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, abre, na segunda parte, essa possibilidade “quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem”:
– encontrando-se estes elementos da esfera privada e
íntima do trabalhador ou do candidato a emprego indiscutivelmente protegidos pela reserva da intimidade da vida privada garantida pelo artigo 26.º, n.º 1, da CRP, mesmo que se entenda que, por si só, a possibilidade de o empregador lhes exigir a prestação de informações relativas à sua saúde ou ao estado de gravidez não viola tal garantia, por estar constitucionalmente justificada pela necessária protecção de outros valores, a abertura dessa possibilidade, conferida pela segunda parte do n.º 2 deste artigo 17.º, constitui, em qualquer caso, uma restrição do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada;
– ora, tal restrição só seria constitucionalmente admissível se, entre outros limites, observasse as exigências impostas pelo princípio da proibição do excesso (segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição), nas suas dimensões de princípio da determinabilidade e principio da indispensabilidade ou do meio menos restritivo, o que, no caso em apreço, parece muito discutível, atenta, por um lado, a indeterminabilidade que resulta da utilização de conceitos tão vagos como as “particulares exigências inerentes
à natureza da actividade profissional”, e, por outro lado, a possibilidade de utilização de meios menos restritivos, como, por exemplo, através do recurso à intervenção de médico que se reservaria o conhecimento de tais dados e só comunicaria ao empregador se o trabalhador ou candidato a emprego estava ou não apto a desempenhar a actividade, tal como, de resto, o Código do Trabalho dispõe no artigo 19.º, n.º 3;
4) Quanto ao artigo 436.º do Código do Trabalho, cujo n.º 2 permite que, no caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este seja reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se os prazos de prescrição do exercício do procedimento disciplinar e de prescrição da infracção disciplinar interrompidos com a comunicação da nota de culpa:
– esta possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar, sendo susceptível de, por parte do empregador, fazer desaparecer, numa primeira fase, o ónus do respeito das garantias formais do procedimento disciplinar, estimulando a inobservância das exigências procedimentais, e de, por parte do trabalhador, desincentivar a impugnação judicial dos despedimentos formalmente inválidos e dificultar objectivamente as hipóteses de uma defesa que poderá ter de ocorrer muitos meses após o despedimento e perante a invocação de factos que podem, nessa segunda oportunidade, estar a ser invocados pela primeira vez, ao que acresce o prolongamento dos prazos de prescrição da infracção e de caducidade do procedimento disciplinar, pode traduzir-se numa diminuição das garantias de defesa do trabalhador e afecta sensivelmente as garantias de certeza e segurança jurídicas, umas e outras próprias do princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da CRP;
5) Quanto ao artigo 438.º do Código do Trabalho, cujo n.º 2 permite que, em caso de microempresa ou relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador se oponha à reintegração desde que justifique que o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial, prevendo o n.º 3 que o fundamento invocado pelo empregador seja apreciado pelo tribunal, e excluindo o n.º 4 a aplicabilidade deste regime aos despedimentos fundados em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos ou quando o fundamento justificativo da oposição à reintegração tiver sido culposamente criado pelo empregador:
– a possibilidade de, face a um despedimento judicialmente considerado ilícito, o trabalhador perder o direito a manter o seu posto de trabalho e a ser nele reintegrado, desde que se verifiquem alguns pressupostos sobre os quais não tem qualquer possibilidade de agir, é susceptível de constituir uma violação da garantia de segurança no emprego e proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no artigo 53.º da CRP;
6) Quanto ao artigo 557.º do Código do Trabalho, de cujos n.ºs 2, 3 e 4 resulta que, decorrido o prazo da chamada sobrevigência sem que se tenha celebrado nova convenção ou sem que se tenha iniciado a arbitragem, a convenção colectiva em vigor cessa os seus efeitos:
– assumindo a contratação colectiva e a regulação convencional das relações de trabalho a natureza constitucional objectiva de garantias institucionais, a que se aplica o regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, o legislador, embora constitucionalmente habilitado a densificar o respectivo conteúdo, não pode fazê-lo de tal sorte que resulte, ou possa resultar na prática, esvaziado o seu alcance essencial;
– ora, quando impõe a caducidade das convenções colectivas em vigor sem que esteja assegurada a entrada em vigor das novas, o legislador ordinário pode estar a determinar a criação, a curto prazo, de um extenso vazio contratual, assim afectando o próprio conteúdo essencial da garantia institucional da contratação colectiva e da regulação convencional das relações de trabalho;
7) Quanto ao artigo 606.º do Código do Trabalho, na parte em que permite o estabelecimento, na contratação colectiva, de limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes por motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção:
– sendo o direito à greve um direito, liberdade ou garantia dos trabalhadores, consagrado no artigo 57.º da CRP, é, pelo menos, constitucionalmente duvidoso se podem os sindicatos vincular-se juridicamente a aceitar as limitações convencionalmente acordadas, renunciando ou dispondo do direito de declarar a greve de que são legalmente titulares, pois, sendo a declaração sindical da greve um pressuposto da possibilidade de exercício do direito à greve por parte dos trabalhadores, a renúncia ou disposição, mesmo que temporária, parcelar ou condicionada, do direito de declarar a greve por parte dos sindicatos priva os trabalhadores, nos exactos termos e condições daquela renúncia, do exercício do seu direito constitucional à greve.
3. Determinada, pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da LTC, a notificação do Presidente da Assembleia da República, este, na sua resposta, ofereceu o merecimento dos autos, juntando os Diários da Assembleia da República que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao diploma em apreciação e cópias de outros elementos ainda a aguardar publicação nesse Diário, designadamente do Parecer n.º 8/2003, de 20 de Maio de 2003, da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
4. Concluída a discussão do memorando elaborado nos termos do n.º 2 do artigo 58.º da LTC e apurado o vencimento formado relativamente a cada uma das questões de constitucionalidade suscitadas, cumpre formular a decisão, começando pela questão relativa aos direitos de personalidade, passando pelas relativas ao despedimento (reabertura do processo disciplinar e não reintegração) e concluindo, por razões de proximidade temática, com as conexionadas com a regulamentação colectiva do trabalho
(eficácia, âmbito, caducidade e regime transitório).
II – Fundamentação
A) Inconstitucionalidade da norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do Código do Trabalho, relativa a prestação ao empregador de informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador.
5. Uma das inovações do Código do Trabalho consiste na concentração do tratamento de questões relacionadas com os direitos de personalidade dos trabalhadores, dedicando-lhes a Subsecção II (Direitos de personalidade) da Secção II (Sujeitos) do Capítulo I (Disposições gerais) do Título II (Contrato de trabalho) do Livro I (Parte geral). A regulamentação que hoje existe sobre a matéria encontra-se dispersa por vários diplomas, designadamente na legislação sobre protecção de dados pessoais e sobre segurança, higiene e saúde no trabalho e, no que especificamente se refere à intimidade da vida privada, no artigo 80.º do Código Civil.
Nesta Subsecção, o Código do Trabalho – para além de disposições sobre liberdade de expressão e de opinião (artigo 15.º), integridade física e moral (artigo 18.º), meios de vigilância a distância (artigo 20.º) e confidencialidade de mensagens e de acesso a informação (artigo 21.º) –, dedica especialmente à protecção da intimidade da vida privada os seus artigos 16.º,
17.º e 19.º. Após proclamar, no artigo 16.º, que o empregador e o trabalhador devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada da contraparte (n.º 1) e especificar que o direito a esta intimidade abrange quer o acesso quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas (n.º 2), dispõe no artigo
17.º, sob a epígrafe “Protecção de dados pessoais”:
“1. O empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações relativas à sua vida privada, salvo quando estas sejam estritamente necessárias e relevantes para avaliar da respectiva aptidão no que respeita à execução do contrato de trabalho e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.
2. O empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.
3. O candidato a emprego ou o trabalhador que haja fornecido ao empregador, ou a quem actue por conta deste, informações de índole pessoal, goza do direito ao controlo dos respectivos dados pessoais, podendo tomar conhecimento do seu teor e dos fins a que se destinam, bem como exigir a sua rectificação e actualização.
4. Os ficheiros e acessos informáticos utilizados pelo empregador para tratamento de dados pessoais ao candidato a emprego ou trabalhador ficam sujeitos à legislação em vigor relativa à protecção de dados pessoais.”
Este preceito corresponde ao artigo 16.º da Proposta de Lei e ao artigo 14.º do Anteprojecto. Quanto ao preceituado no n.º 2, há que registar que quer a Proposta de Lei quer o texto final do Código eliminaram a referência que no Anteprojecto se fazia à possibilidade de serem também exigidas informações relativas à “situação familiar” do candidato ao emprego ou do trabalhador, e que uma e outro aditaram o requisito do fornecimento por escrito da fundamentação da exigência da prestação das informações relativas à saúde e estado de gravidez.
Quanto a testes e exames médicos, dispõe o artigo 19.º do Código do Trabalho:
“1 – Para além das situações previstas na legislação relativa a segurança, higiene e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respectiva fundamentação.
2 – O empregador não pode, em circunstância alguma, exigir à candidata a emprego ou à trabalhadora a realização ou apresentação de testes ou exames de gravidez.
3 – O médico responsável pelos testes e exames médicos só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto para desempenhar a actividade, salvo autorização escrita deste.”
6. Os fundamentos do pedido de apreciação da constitucionalidade da norma ora em causa são os seguintes:
“2. Enquanto que na primeira parte do artigo 17.º, n.º 2, se proíbe que o empregador exija ao candidato a emprego ou ao trabalhador a prestação de informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, no segmento normativo em questão abre-se, todavia, essa possibilidade «quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem». Ora, tratando-se aqui de elementos da esfera privada e íntima do trabalhador ou do candidato a emprego, eles encontram-se indiscutivelmente protegidos pela reserva da intimidade da vida privada garantida pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição. Assim, mesmo que se entenda que, por si só, a possibilidade de o empregador exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador a prestação de informações relativas à sua saúde ou ao estado de gravidez não viola a garantia constitucional do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, por estar constitucionalmente justificada pela necessária protecção de outros valores, a abertura da sua possibilidade conferida pela segunda parte do artigo 17.º, n.º
2, do Código do Trabalho constitui, em qualquer caso, uma restrição do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada. Nestes termos, tal restrição só seria constitucionalmente admissível se, entre outros limites, observasse as exigências impostas pelo princípio da proibição do excesso constitucionalmente consagrado na segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição (nas suas dimensões de princípio da determinabilidade e principio da indispensabilidade ou do meio menos restritivo), o que, no caso em apreço, parece muito discutível. Mais concretamente, não parece que a indeterminabilidade que resulta da utilização de conceitos tão vagos como as «particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional», enquanto invocado fundamento para a restrição, seja compatível com a certeza requerida pela protecção de um domínio tão sensível como é o da reserva da intimidade da vida privada. Por outro lado, parece seguro que teria sido possível chegar aos mesmos fins que se procuram atingir com a restrição em causa através da utilização de meios menos restritivos, tal como o exige a observância do princípio da proibição do excesso. Assim, sem perda de eficácia, seria possível, como se defende no Parecer emitido pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (solicitado e emitido já depois da aprovação final global do Código do Trabalho pela Assembleia da República), atingir os mesmos fins recorrendo à intervenção de médico que se reservaria o conhecimento de tais dados e só comunicaria ao empregador se o trabalhador ou candidato a emprego estava ou não apto a desempenhar a actividade, tal como, de resto, o Código do Trabalho dispõe no artigo 19.º, n.º 3.”
Por estas razões, o segundo segmento normativo do artigo
17.º em causa “parece constituir uma violação da garantia de reserva da intimidade da vida privada consagrada no artigo 26.º da Constituição, bem como uma violação do princípio da proibição do excesso nas restrições a direitos, liberdades e garantias do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição”.
7. No aludido Parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados sustenta-se que o n.º 2 do artigo 17.º, para além de admitir, numa formulação bastante genérica, excepção à não vinculação do trabalhador a fornecer informações sobre o seu estado de saúde, deixa esta decisão nas mãos da entidade empregadora, sem que haja qualquer referência a uma intervenção médica ou enquadramento do pedido no âmbito dos serviços de higiene e saúde no trabalho, o que suscita a dúvida sobre se esta indagação sobre o estado de saúde, a coberto de um fundamento impreciso, e sem qualquer conexão com a preservação da saúde dos trabalhadores, não estará a contribuir para institucionalizar uma sistemática e global devassa da reserva da vida privada, constitucionalmente censurável. Comparando este regime com o do artigo 19.º, n.º
3, em que os testes e exames médicos só podem ser feitos por ordem e indicação do médico e em que, em princípio, o resultado dos mesmos será inacessível à entidade empregadora, no aludido parecer sugere-se que se clarifique, no artigo
17.º, que a solicitação por escrito e a respectiva fundamentação sejam subscritas por médico e que à entidade empregadora só seja revelada a aptidão ou a inaptidão para o cargo. Caso não seja feita tal precisão – conclui o parecer – ocorrerá violação dos artigos 26.º e 18.º, n.º 2, da CRP, por a limitação da intimidade da vida privada dos trabalhadores se revelar excessiva, não adequada, desproporcionada e desnecessária, traduzindo-se numa efectiva aniquilação de um direito fundamental sem se atender ao princípio da mútua compressão que deve nortear a harmonização dos direitos fundamentais. No caso, a restrição do direito ultrapassa o estritamente necessário para salvaguardar os direitos da entidade empregadora: esta não precisa de conhecer os dados, bastando que o médico se pronuncie no sentido de que o trabalhador está apto a desempenhar as funções e só o médico estará em condições de emitir tal juízo, e, por isso, a solução encontrada representa uma diminuição injustificada da extensão e alcance do conteúdo essencial do direito fundamental em causa.
8. O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 368/02
(Diário da República, II Série, n.º 247, de 25 de Outubro de 2002, págs. 17
780-17 791), a propósito das normas do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro
(que estabelece o regime de organização e funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho), na redacção dada pela Lei n.º 7/95, de
29 de Março, que previam a realização de exames periódicos de saúde aos trabalhadores, “tendo em vista verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua profissão, bem como a repercussão do trabalho e das suas condições na saúde do trabalhador” e estabeleciam o dever de os trabalhadores comparecerem aos exames médicos e realizarem os testes “que visem garantir a segurança e saúde no trabalho”, teve oportunidade de, com exaustiva invocação da sua jurisprudência anterior pertinente e da doutrina mais relevante, desenvolver o seguinte encadeamento argumentativo:
1) O direito à reserva da intimidade da vida privada, entre outros direitos pessoais, está previsto no artigo 26.º da CRP, sendo caracterizável como o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular, ou, noutra formulação, como o direito que toda a pessoa tem a que permaneçam desconhecidos determinados aspectos da sua vida, assim como a controlar o conhecimento que terceiros tenham dela;
2) Este direito analisa-se principalmente em dois direitos menores: o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem, nestas se incluindo obviamente os elementos respeitantes à saúde;
3) No caso então em apreço, muito embora a efectivação dos testes ou exames pressupusesse a aceitação do trabalhador, a verdade é que a respectiva realização constituía, para o candidato, um ónus relativamente à obtenção do emprego ou, para o trabalhador, um verdadeiro dever jurídico de que podia depender a própria manutenção da relação laboral;
4) Mas o aludido direito não é absoluto em todos os casos e relativamente a todos os domínios e mesmo a submissão juridicamente obrigatória a exames ou testes clínicos – constituindo uma intromissão na vida privada, na medida em que aqueles se destinam a recolher dados relativos à saúde, os quais integram necessariamente dados relativos à vida privada – pode, em certos casos e condições, ser tida como admissível, tendo em conta a necessidade de harmonização do direito à intimidade da vida privada com outros direitos ou interesses legítimos constitucionalmente reconhecidos (v. g., a protecção da saúde pública ou a realização da justiça), desde que respeitado o princípio da proporcionalidade;
5) No âmbito das relações laborais, tem-se por certo que o direito à protecção da saúde, a todos reconhecido no artigo 64.º, n.º 1, da CRP, bem como o dever de defender e promover a saúde, consignado no mesmo preceito constitucional, não podem deixar de credenciar suficientemente a obrigação para o trabalhador de se sujeitar, desde logo, aos exames médicos necessários e adequados para assegurar – tendo em conta a natureza e o modo de prestação do trabalho e sempre dentro de critérios de razoabilidade – que ele não representa um risco para terceiros: por exemplo, para minimizar os riscos de acidentes de trabalho de que outros trabalhadores ou o público possam vir a ser vítimas, em função de deficiente prestação por motivo de doença no exercício de uma actividade perigosa; ou para evitar situações de contágio para os restantes trabalhadores ou para terceiros, propiciadas pelo exercício da actividade profissional do trabalhador;
6) Impõe-se é que a obrigatoriedade dessa sujeição se não revele, pela natureza e finalidade do exame de saúde, como abusiva, discriminatória ou arbitrária;
7) No caso então em análise, o exame de saúde destinava-se exclusivamente a “verificar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua profissão, bem como a repercussão do trabalho e das suas condições na saúde do trabalhador”;
8) Embora reconhecendo que o fim a que os exames clínicos estavam legalmente adstritos podia, na prática e em determinados casos, ser obstáculo flanqueável na detecção de situações patogénicas que nada tenham a ver com a aptidão física ou psíquica do trabalhador para o exercício actual da sua profissão, nem com os efeitos das condições do trabalho na saúde do trabalhador, ponderou-se que o médico do trabalho estava vinculado, nos exames a que procedia ou mandava proceder, ao aludido objectivo legal, o que implicava, necessariamente, que ele se confinasse a um exame limitado e perfeitamente balizado por aquele objectivo, devendo ater-se ao estritamente necessário, adequado e proporcionado à verificação de alterações na saúde do trabalhador causadas pelo exercício da sua actividade profissional e à determinação da aptidão ou inaptidão física ou psíquica do trabalhador para o exercício das funções correspondentes à respectiva categoria profissional, bem como ao seu estado de saúde presente;
9) Devendo tais restrições respeitar, desde logo, o preceituado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP – isto é, que se encontrem expressamente previstas na Constituição e que se limitem ao necessário para salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos –, recorrendo ao preceituado nas disposições combinadas dos artigos 59.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, alínea c), e 64.º, n.º 1, da CRP, deverá admitir-se que a obrigatoriedade de sujeição a exame médico possa radicar na própria necessidade de verificar que a prestação de trabalho decorra sem risco para o próprio trabalhador e para terceiros;
10) Mas, nesta perspectiva, o que inequivocamente se exige é que esse exame se contenha no estritamente necessário, adequado e proporcionado à verificação de alterações na saúde do trabalhador causadas pelo exercício da sua actividade profissional e à determinação da aptidão ou inaptidão física ou psíquica do trabalhador para o exercício das funções inerentes à correspondente categoria profissional, para defesa da sua própria saúde, ou seja, é constitucionalmente imposto que o exame de saúde obrigatório se adeque, com precisão, ao fim prosseguido;
11) O mesmo vale para questionários e testes relativos a aspectos incluídos na vida privada do trabalhador: a utilização destes meios – abrangendo os testes sobre a saúde do trabalhador – deve ser limitada aos casos em que seja necessária para protecção de interesses de segurança de terceiros
(assim, por exemplo, testes de estabilidade emocional de um piloto de avião) ou do próprio trabalhador, ou de outro interesse público relevante, e apenas se se mostrarem realmente adequados aos objectivos prosseguidos;
12) Nesta conformidade, considerando que os exames de saúde previstos no Decreto-Lei n.º 26/94 estavam exclusivamente direccionados ao fim de prevenção dos riscos profissionais e à prevenção de saúde dos trabalhadores, entendeu o Tribunal Constitucional não se poder concluir que se tivesse instituído uma sistemática e global devassa da reserva da vida privada constitucionalmente censurável, e, por isso, não julgou inconstitucionais as normas então impugnadas.
9. Recordada essa orientação do Tribunal Constitucional e retornando à norma ora em apreciação, é incontroverso que: (i) os dados relativos à saúde ou estado de gravidez do candidato a emprego ou do trabalhador respeitam à intimidade da sua vida privada; (ii) a intromissão nessa esfera
íntima ocorre não apenas através da exigência da efectivação de testes e exames médicos, de que trata o artigo 19.º, mas também através da exigência de prestação de informações, prevista no n.º 2 do artigo 17.º; (iii) no contexto desta norma, a prestação das referidas informações por parte do candidato a emprego ou do trabalhador constitui um ónus relativamente à obtenção do emprego ou um verdadeiro dever jurídico de que pode depender a própria manutenção da relação laboral; (iv) tal restrição ao direito fundamental à intimidade da vida privada só será constitucionalmente admissível se observar as exigências impostas pelo princípio da proibição do excesso consagrado na segunda parte do n.º 2 do artigo 18.º da CRP.
No n.º 1 do artigo 19.º do Código do Trabalho é reproduzida a formulação usada no n.º 2 do artigo 17.º (“particulares exigências inerentes à actividade”) a par da referência à “protecção e segurança do trabalhador e de terceiros”, como finalidades justificadoras da imposição da efectivação de exames ou testes, o que parece sugerir que a finalidade invocada no artigo 17.º, n.º 2, não se prenderá com estas preocupações relativas à protecção e segurança do trabalhador e de terceiros, de indiscutível relevância constitucional.
No sentido da indeterminabilidade da restrição prevista no segmento normativo impugnado, poderá invocar-se o carácter vago da razão invocável para invadir a intimidade da vida privada do candidato ao emprego ou do trabalhador (“particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional”), a que acresce que a latitude do critério não permite discernir, dentre as hipóteses nele subsumíveis, aquelas em que seria reconhecível a necessidade de protecção de valores constitucionalmente relevantes daquelas em que o motivo invocado não teria valor suficiente para justificar a intromissão.
Entende, porém, este Tribunal Constitucional
(entendimento não partilhado pelo relator) que, nesta perspectiva, a solução legal não é merecedora de censura de inconstitucionalidade, porquanto, para além da protecção da segurança ou da saúde do trabalhador ou de terceiros, podem existir outras exigências ligadas a especificidades da actividade (“particulares exigências”) que justifiquem que sejam pedidas informações sobre a sua saúde ou estado de gravidez, ao trabalhador ou ao candidato ao emprego: é o caso da determinação da aptidão – ou da melhor aptidão – destes para a realização das tarefas que lhes serão cometidas (as quais, mesmo independentemente da segurança do trabalhador ou de terceiros, podem exigir, por exemplo, particular acuidade visual, ou de outro sentido). Ora, é justamente esse o sentido do segmento normativo impugnado.
Considera-se, no entanto, que a norma em apreço, numa outra dimensão, viola o princípio da proporcionalidade. Com efeito, para a finalidade tida em vista seria suficiente, como no caso do artigo 19.º, n.º 1, a intervenção do médico, com a imposição de este apenas comunicar ao empregador a aptidão ou inaptidão do trabalhador para o desempenho da actividade em causa. O empregador não tem necessidade de conhecer directamente dados relativos à esfera
íntima do candidato a emprego ou do trabalhador, bastando-lhe obter a informação da eventual existência de inconvenientes à contratação ou à atribuição de determinadas actividades. Ora, a vinculação do médico ao segredo profissional reduz ao mínimo a indevida e desnecessária divulgação de dados cobertos pela reserva da intimidade da vida privada. De resto, o juízo de adaptação ou inadaptação entre as condições de saúde e estado de gravidez e a natureza da actividade pressuporá, por vezes, conhecimentos científicos que, em princípio, só o médico possuirá.
Conclui-se, assim, que a norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do Código do Trabalho – na medida em que permite o acesso directo do empregador a informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador – viola o princípio da proibição do excesso nas restrições ao direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, decorrente das disposições conjugadas dos artigos
26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP.
B) Inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 436.º do Código do Trabalho, que permite a reabertura do procedimento disciplinar quando com base na sua invalidade haja sido impugnado judicialmente o despedimento.
10. O Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, introduziu a regra da proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (artigo 9.º, n.º 1), fazendo depender sempre a verificação de justa causa de procedimento disciplinar (artigo 11.º, n.º 2), cuja nulidade ou inexistência determinavam a nulidade do despedimento (artigo
12.º, n.º 1). A nulidade do despedimento (seja por inexistência de justa causa, seja por inadequação da sanção ao comportamento verificado, seja por nulidade ou inexistência do processo disciplinar) conferia ao trabalhador, para além do direito às prestações pecuniárias que deveria ter normalmente auferido desde a data do despedimento até à data da sentença, o direito à reintegração na empresa no respectivo cargo ou posto de trabalho e com a antiguidade que lhe pertencia, podendo o trabalhador, em substituição da reintegração, optar pela “indemnização de antiguidade”, correspondente a um mês de retribuição por cada ano ou fracção, não podendo ser inferior a três meses (artigo 12.º, n.ºs 2 e 3). O n.º 6 do artigo 11.º, relativo à tramitação do processo disciplinar, dispunha que a falta de qualquer dos elementos referidos nos números anteriores do mesmo preceito
(processo escrito; nota de culpa com descrição dos comportamentos imputados ao trabalhador; audição do arguido; realização das diligências por ele solicitadas e outras que se mostrem razoavelmente necessárias para o esclarecimento da verdade; sujeição do processo, depois de concluído, a parecer de entidade representativa dos trabalhadores; comunicação por escrito da decisão de despedimento com indicação dos fundamentos considerados provados, decisão essa a proferir só após decorridos 15 dias após o termo do prazo para emissão do aludido parecer) “determina nulidade insuprível do procedimento disciplinar e a consequente impossibilidade de se efectivar o despedimento com base nos comportamentos concretos invocados”. Esta disposição, implicando o carácter irreparável da nulidade do despedimento fundada em nulidade ou inexistência do processo disciplinar, não foi mantida na redacção dada ao referido artigo 11.º pelo Decreto-Lei n.º 841-C/76, de 7 de Dezembro, e a partir daí nunca mais foi reproduzida na legislação laboral portuguesa.
Neste contexto, registou-se divergência na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade de o empregador, apercebendo-se – após comunicar ao trabalhador a sua decisão de o despedir – da ocorrência de nulidade
(ou mesmo inexistência) do processo disciplinar, “revogar” aquela decisão e
(re)iniciar o processo disciplinar, corrigindo os vícios de que inicialmente padecia e eventualmente proferindo nova decisão de despedimento.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Julho de 2001, processo n.º 3236/00 (Acórdãos Doutrinais, n.º 485, págs.
709-750, em especial no seu ponto III.1.2., a págs. 726-738), dá-se notícia, tanto quanto possível exaustiva, dessas divergências.
Assim, no sentido da inadmissibilidade dessa renovação do procedimento, pronunciaram-se, na doutrina, Morais Antunes e Amadeu Guerra
(Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, Almedina, Coimbra, 1984, págs. 149 e 150), e Messias Carvalho (“A ilicitude do despedimento e seus efeitos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXI,
(IV da 2.ª Série), 1989, n.ºs 3/4, pág. 396), e, na jurisprudência, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 21 de Fevereiro de 1985, processo n.º 182/84
(Colectânea de Jurisprudência, ano X, tomo 1, pág. 344), do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de Dezembro de 1983, processo n.º 18 226 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 5, pág. 262), e do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Janeiro de 1988, processo n.º 1693 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 373, pág. 428), e de 17 de Maio de 1995, processo n.º 3954 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 447, pág. 417). Para esta corrente, sendo o despedimento uma declaração unilateral receptícia, ela produz todos os seus efeitos logo que chegue ao conhecimento do destinatário, provocando a imediata cessação da relação laboral, pelo que, sem o consentimento do trabalhador, a entidade patronal não lhe pode impor a restauração da relação.
No sentido da admissibilidade, pronunciaram-se, na doutrina, José António Mesquita (“Despedimento (Sanação da sua nulidade) – Caducidade do procedimento disciplinar (Conhecimento oficioso – Prazo)”, Revista do Ministério Público, ano 2, vol. 8, Dezembro 1981, pág. 41), Bernardo da Gama Lobo Xavier (“A recente legislação dos despedimentos (O processo disciplinar na rescisão por justa causa)”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, n.ºs 1-2-3-4, Janeiro-Dezembro 1978, pág. 153 e seguintes, em especial pág.
178), e Henrique Salinas (“Algumas questões sobre as nulidades do processo de despedimento”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXIV (VII da 2.ª Série), 1992, n.º 1, págs. 19 e seguintes, em especial págs. 53 e seguintes), e, na jurisprudência, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Fevereiro de 1983, processo n.º 3278 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 1, pág. 189), do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Junho de 1983, processo n.º 2174 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo 3, pág. 302), e de 9 de Fevereiro de 1987, processo n.º 5717 (Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 1, pág. 279), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17 de Fevereiro de 1987, processo n.º 1331 (Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 1, pág.
87), e do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Junho de 1988, processo n.º
1898, e de 6 de Dezembro de 1995, processo n.º 4249 (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo III, pág. 301), e, por último, o já citado acórdão de 12 de Julho de 2001. Para esta corrente, o que está efectivamente em causa é a delimitação dos poderes da entidade patronal enquanto detentora de poder disciplinar sobre o trabalhador, poder que não se resume à aplicação de sanções, mas também abarca a competência para organizar e dirigir o correspondente processo disciplinar e, nesta competência de direcção processual, não pode deixar de estar incluída a faculdade de apreciar, por iniciativa sua ou na sequência de reclamação do arguido, a ocorrência de nulidades processuais e, sendo caso, o poder de as declarar e de extrair dessa declaração todas as consequências, que normalmente se traduzirão na inutilização dos actos subsequentes, incluindo mesmo a decisão final do processo, se esta já tiver sido proferida. Constituíam, no entanto, pressupostos constantes destas posições, por um lado, o de que a instauração de novo processo disciplinar ou a prática dos actos indevidamente omitidos em processo já desencadeado tinham de respeitar os prazos de caducidade da acção disciplinar e de prescrição da infracção disciplinar, e, por outro lado, o de que a nova decisão de despedimento não podia reportar os seus efeitos à data da anterior.
11. Recordadas as divergências que o regime legal vigente suscita em matéria de possibilidade de reabertura do processo disciplinar, torna-se mais fácil compreender as dúvidas que a norma ora em análise suscita em termos de constitucionalidade.
Dispõe o artigo 436.º do Código – inserido na Subsecção III (Ilicitude do despedimento) da Secção IV (Cessação por iniciativa do empregador) do Capítulo IX (Cessação do contrato) do Título II (Contrato de trabalho) do Livro I (Parte geral) –, sob a epígrafe “Efeitos da ilicitude”:
“1. Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador
é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados;
b) A reintegrá-lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
2. No caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este pode ser reaberto até ao termo do prazo para contestar, iniciando-se o prazo interrompido nos termos do n.º 4 do artigo 411.º, não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez.”
Por seu turno, o n.º 4 do artigo 411.º determina que a comunicação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos no artigo 372.º, a saber: prazo para o exercício do procedimento disciplinar, fixado em 60 dias, a contar da data do conhecimento da infracção por parte do empregador ou do superior hierárquico com competência disciplinar; e prazo de prescrição da infracção disciplinar, fixado em um ano a contar do momento em que ela teve lugar, salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são aplicáveis os prazos prescricionais da lei penal.
O artigo 436.º do Código corresponde aos artigos 399.º do Anteprojecto e 425.º da Proposta de Lei, cujos n.ºs 2 dispunham que “sendo o despedimento declarado ilícito por nulidade do procedimento, com o trânsito em julgado da decisão judicial inicia-se o prazo interrompido nos termos do n.º 4 do artigo (...), não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez.” Isto é: enquanto no Anteprojecto e na Proposta de Lei a possibilidade de reabertura do processo disciplinar surgia com o trânsito em julgado da declaração judicial de ilicitude do despedimento por nulidade do procedimento, o Código só consente essa reabertura até ao termo do prazo para contestar a acção de impugnação de despedimento fundada em invalidade do procedimento disciplinar.
12. Para o Requerente, “esta possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar que, na prática, poderá ou tenderá mesmo a ocorrer mais de um ano após a ocorrência dos factos que determinaram o despedimento pode traduzir-se numa diminuição das garantias de defesa do trabalhador e afecta sensivelmente as garantias de certeza e segurança jurídicas, umas e outras próprias do princípio do Estado de Direito”, pois “a segunda oportunidade dada ao empregador, mesmo quando o despedimento se tenha processado com eventual violação grosseira dos mais elementares direitos de defesa do trabalhador despedido, faz desaparecer, numa primeira fase, o ónus do respeito das garantias formais do procedimento disciplinar por parte do empregador e, como este pode retirar benefícios dessa preterição, tem como riscos práticos prováveis o estímulo à inobservância das exigências procedimentais” e, “no lado do trabalhador, desincentiva-se a impugnação judicial dos despedimentos formalmente inválidos e dificultam-se, objectivamente, as hipóteses de uma defesa que poderá ter de ocorrer muitos meses após o despedimento e perante a invocação de factos que podem, nessa segunda oportunidade de abertura de um procedimento disciplinar conforme às exigências legais e constitucionais de defesa, estar a ser invocados pela primeira vez por parte do empregador”, ao que acresce que “a possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar nos termos previstos no artigo 436.º, n.º 2, permite o prolongamento dos prazos de prescrição da infracção e de caducidade do procedimento disciplinar”.
Daqui decorreria que “a norma constante do artigo 436.º, n.º 2, pode violar as garantias constitucionais de defesa do trabalhador despedido com preterição das exigência procedimentais que decorrem do princípio do Estado de Direito e pode constituir uma violação da garantia da certeza e segurança jurídicas próprias do mesmo princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição”.
13. Antes de entrarmos na apreciação da constitucionalidade da norma ora em causa, cumpre assinalar o respectivo alcance.
Surge como seguro que a norma não se aplica aos casos de inexistência do processo disciplinar e que se exige que, no mínimo, tenha sido emitida nota de culpa, pois só assim será possível fazer activar a previsão contida na segunda parte do preceito (reinício do prazo interrompido com a notificação da nota de culpa). Ora, existindo nota de culpa, ela delimita o objecto do processo, não podendo, na decisão sancionatória, ser invocados factos não constantes da nota de culpa, conforme determina o artigo 415.º, n.º 3, do Código do Trabalho, correspondente ao artigo 10.º, n.º 9, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante designado por LCCT). Assim, a reabertura do processo disciplinar não consentirá o alargamento da nota de culpa a novos factos (neste sentido: Pedro Romano Martinez, “Considerações gerais sobre o Código do Trabalho”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XLIV (XVII da 2.ª Série), n.ºs 1 e 2, Janeiro-Junho 2003, págs. 5 a 28, em especial pág. 24), a menos que a mesma ocorra antes de expirado o prazo de 60 dias cominado no n.º 1 do artigo 372.º do Código do Trabalho, o que raramente se verificará. Na verdade, atendendo a que na base da estipulação deste prazo está o entendimento de que o facto de o empregador ter deixado decorrer mais de 60 dias sobre a data do conhecimento das infracções imputadas ao trabalhador implica que não as considerou como tornando “imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, isto é, não as considerou como susceptíveis de integrar justa causa de despedimento, seria absolutamente injustificado que o empregador aproveitasse a reabertura do processo disciplinar para aditar à primitiva nota de culpa novas imputações que anteriormente considerara insusceptíveis de inviabilizar a persistência da relação laboral. Aliás, uma vez esgotado o aludido prazo de 60 dias, não faz sentido falar-se em reinício do mesmo prazo.
Interpretada, nos termos expostos, como inaplicável aos casos de inexistência de processo disciplinar e como não consentindo o alargamento das imputações contidas na nota de culpa (excepto se as novas infracções tivessem chegado ao conhecimento do empregador, ou do superior hierárquico com competência disciplinar, há menos de 60 dias), padecerá a norma em causa de inconstitucionalidade?
A possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar, em si mesma considerada, não ofende a perspectiva substantiva da proibição de despedimentos sem justa causa, pois a acção de impugnação do despedimento só soçobrará definitivamente se o empregador provar ter o trabalhador praticado infracção disciplinar que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. E também não viola a perspectiva procedimental dessa garantia constitucional, pois a reabertura do processo disciplinar visa justamente fazer respeitar os requisitos formais destinados a assegurar eficazmente os direitos de defesa do arguido.
Os efeitos perversos que, segundo o Requerente, essa possibilidade de reabertura do processo disciplinar poderá provocar, quer estimulando o desrespeito das regras procedimentais por parte do empregador, quer desincentivando os trabalhadores de impugnarem despedimentos formalmente inválidos, serão atenuados pelo facto de o empregador não poder reportar os efeitos do “segundo despedimento” à data do primeiro e de ao trabalhador sempre interessar fazer respeitar as garantias processuais que lhe assistem e impugnar despedimentos infundamentados.
A única objecção relevante respeita ao prolongamento do(s) prazo(s) de prescrição, que a solução legislativa consagra, enquanto que, como se viu, mesmo a jurisprudência e a doutrina que defendiam a admissibilidade da reabertura do processo disciplinar sempre pressupuseram que não eram excedidos os prazos prescricionais. Entende-se, apesar disso, que tal não afecta de forma intolerável os direitos de defesa dos trabalhadores arguidos nem os valores da segurança e da certeza jurídicas. Se é certo que agora expressamente se consagra que a acção de impugnação de despedimento tem de ser intentada no prazo de um ano (artigo 435.º, n.º 2), não é menos certo que os trabalhadores se sentem incentivados a propor essa acção no prazo de 30 dias subsequentes ao despedimento, sob pena de, no caso de procedência da acção, perderem o direito ao pagamento das retribuições devidas após esse período de 30 dias (artigo
437.º, n.º 4). Sendo de 10 dias (contados da eventual frustração de tentativa de conciliação a realizar no prazo de 15 dias após a recepção da petição) o prazo para contestar as acções de impugnação de despedimento (artigo 56.º, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro), daqui deriva que, em regra, a faculdade de reabertura do processo disciplinar será exercitada escassos meses após o despedimento, o que atenua fortemente os alegados factores de incerteza jurídica e de maior dificuldade do exercício do direito de defesa do trabalhador arguido.
Por último – e embora o Requerente não tenha invocado este fundamento de inconstitucionalidade, o que, como é sabido, não impede o Tribunal de o apreciar (artigo 51.º, n.º 5, da LTC) –, ainda se dirá que a solução em causa não viola o princípio non bis in idem. Este princípio – que a CRP consagra de forma expressa apenas no âmbito criminal (artigo 29.º, n.º 5), mas cuja aplicação a outros domínios sancionatórios se poderá fundar noutras normas e princípios constitucionais, desde logo os da certeza e segurança jurídicas, ínsitos no princípio do Estado de Direito – não obsta, nem sequer em processo criminal, a que, anulado por razões formais um julgamento (com a consequente eliminação da condenação que dele haja derivado), o arguido, relativamente ao qual procederam os motivos da anulação, seja sujeito a outro julgamento. Com efeito, interposto recurso ordinário e ocorrendo anulação do julgamento e reenvio do processo para novo julgamento (artigos 410.º, n.º 2, e
426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), não estamos perante dois julgamentos pela prática do mesmo crime, já que a anulação de um julgamento implicou o seu desaparecimento da ordem jurídica: o “novo” julgamento passará a ser o único julgamento do caso. Aliás, este Tribunal Constitucional, em recursos em que era invocada a violação do citado princípio, concluiu pela improcedência dessa arguição em casos em que a mesma conduta era sancionada como infracção disciplinar e como crime (Acórdãos n.ºs 263/94 e 161/95), ou como integrando um concurso real de crimes (Acórdão n.º 102/99), ou como integrando crime e contra-ordenação (Acórdão n.º 244/99), ou em que pelo mesmo crime eram responsabilizados a pessoa colectiva e o seu representante (Acórdãos n.ºs
212/95, 9/99, 134/01 e 389/01), ou em que, findo o julgamento em processo sumário, se decidiu proceder a reenvio para o processo comum (Acórdão n.º
452/02).
Conclui-se, assim, que a norma constante do n.º 2 do artigo 436.º do Código do Trabalho, que, como se viu, é inaplicável aos casos de inexistência de processo disciplinar e não consente o alargamento das imputações contidas na nota de culpa a novos factos, conhecidos há mais de 60 dias pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar, não padece de inconstitucionalidade.
C) Inconstitucionalidade da norma resultante da interpretação conjugada dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 438.º do Código do Trabalho, que permite a não reintegração de trabalhador de microempresa ou que ocupe cargo de administração ou de direcção, cujo despedimento haja sido judicialmente declarado ilícito, se o seu regresso for gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial.
14. O Código do Trabalho prevê que o contrato de trabalho cesse por caducidade, por revogação (por acordo das partes), por denúncia pelo trabalhador independentemente de justa causa e por resolução
(artigo 384.º). Esta resolução pode ser da iniciativa do empregador – por facto imputável ao trabalhador (consistente em comportamento culposo deste que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – artigo 396.º, n.º 1), por despedimento colectivo (fundado em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou em redução de pessoal determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos – artigo 397º, n.º 1), por extinção de posto de trabalho (determinada por motivos económicos, tanto de mercado como estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa, desde que, além do mais, estes motivos não sejam devidos a actuação culposa do empregador ou do trabalhador e seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – artigos 402.º e
403.º, n.º 1, alíneas a) e b)) ou por inadaptação do trabalhador (determinada pela inadaptação superveniente do trabalhador ao posto de trabalho, que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – artigos 405.º e
406.º, n.º 1) – ou da iniciativa do trabalhador com invocação de justa causa
(artigo 441.º).
Relativamente ao despedimento individual por facto imputável ao trabalhador, o Código do Trabalho considera-o ilícito (cf. artigos
429.º e 430.º): (i) se não tiver sido precedido do respectivo procedimento; (ii) se este procedimento for inválido (por faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa; por a nota de culpa não conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador; por não ter sido concedido o prazo de 10 dias úteis para o trabalhador consultar o processo e responder à nota de culpa ou, nas microempresas, por não ter sido garantida a audição do trabalhador; por não terem sido realizadas as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa e não consideradas patentemente dilatórias ou impertinentes; ou por a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito); (iii) se tiverem decorrido os prazos de prescrição do exercício do procedimento disciplinar ou da infracção disciplinar;
(iv) se se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; e (v) se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento.
A declaração judicial da ilicitude do despedimento implica a condenação do empregador a: (i) pagar as retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento (ou apenas desde 30 dias antes da data da propositura da acção de impugnação do despedimento, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento) até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, com dedução do aliunde perceptum, isto é, das importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; (ii) a indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados; e
(iii) a reintegrá-lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, podendo o trabalhador optar, em substituição da reintegração, por uma indemnização a fixar pelo tribunal, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do despedimento.
É neste contexto que se insere o artigo 438.º do Código do Trabalho, que, sob a epígrafe “Reintegração”, dispõe:
“1. O trabalhador pode optar pela reintegração na empresa até à sentença do tribunal.
2. Em caso de microempresa ou relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador pode opor-se à reintegração se justificar que o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial.
3. O fundamento invocado pelo empregador é apreciado pelo tribunal.
4. O disposto no n.º 2 não se aplica sempre que a ilicitude do despedimento se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso, bem como quando o juiz considere que o fundamento justificativo da oposição à reintegração foi culposamente criado pelo empregador.”
No correspondente n.º 2 do artigo 401.º do Anteprojecto o regime era extensivo igualmente às pequenas empresas, possibilidade que já não constava do correspondente artigo 427.º da Proposta de Lei. Nesta Proposta previa-se, no n.º 4 então aditado, o afastamento da possibilidade de não reintegração quando a ilicitude do despedimento resultasse de este se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso. Só na votação na especialidade é que foi aditada, como causa de exclusão do regime do n.º 2, a de o juiz considerar que o fundamento justificativo da oposição à reintegração fora culposamente criado pelo empregador (Diário da Assembleia da República, II Série-A, Suplemento ao n.º
85, de 9 de Abril de 2003, págs. 3504-(133) e 3504-(134)).
Nos termos do artigo 91.º, n.º 1, considera-se microempresa a que empregar no máximo 10 trabalhadores, pequena empresa a que empregar mais de 10 e até ao máximo de 50 trabalhadores, média empresa a que empregar mais de 50 e até ao máximo de 200 trabalhadores e grande empresa a que empregar mais de 200 trabalhadores.
Para se avaliar o alcance da medida em causa, interessará atentar nos seguintes dados estatísticos apurados pelo Ministério da Segurança Social e do Trabalho com base nos quadros de pessoal de 2000:
EmpresasTrabalhadores
Número%Número%
Microempresas173 35081,11637 33329,24
Pequena empresa30 79614,41480 55022,05
Média empresa7 5143,52391 41717,96
Grande empresa2 0650,97670 00930,74
Total213 725100,002 179 309100,00
Daqui resulta que este regime especial de não reintegração abrange 29,24% dos trabalhadores, abstraindo dos trabalhadores que ocupem cargos de administração ou de direcção.
15. Segundo o Requerente, “ainda que o seu verdadeiro sentido não seja fácil de apurar, da norma em causa parece resultar que em circunstâncias pré-determinadas (microempresas ou relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção) e sempre que o juiz considere não estar perante um dos fundamentos discriminados no n.º 4 do artigo 438.º, o empregador pode opor-se à reintegração de um trabalhador ilicitamente despedido se justificar que o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial e poderá fazer valer essa oposição mesmo quando o trabalhador opte pela reintegração na empresa”, embora não fique “claro se, à margem dos fundamentos discriminados no n.º 4, é o juiz ou o empregador quem, em última análise, decide da não reintegração”. Porém, “em qualquer das hipóteses, estaríamos perante um despedimento judicialmente considerado ilícito e, todavia, ao arrepio do que parece decorrer da garantia constitucional da segurança no emprego, o trabalhador ilicitamente despedido, desde que se verificassem alguns pressupostos sobre os quais não tem qualquer possibilidade de agir, perderia o direito a manter a seu posto de trabalho e a ser nele reintegrado”, e, “assim, a norma em apreço pode constituir uma violação da garantia de segurança no emprego e proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no artigo 53.º da Constituição”.
16. No regime legal actualmente vigente, a declaração judicial da ilicitude do despedimento tem sempre como efeito, além do mais, a condenação do empregador na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, a menos que este, até à sentença, opte pela
“indemnização de antiguidade”. Apenas no contrato de trabalho doméstico se prevê que a reintegração como consequência da declaração judicial da ilicitude do despedimento só ocorra se houver acordo entre trabalhador e empregador (artigo
31.º do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de Outubro).
Neste contexto, justifica-se que se recorde a jurisprudência deste Tribunal Constitucional sobre o alcance da proibição constitucional de despedimentos sem justa causa.
No Acórdão n.º 107/88 procedeu-se a desenvolvida análise da evolução legislativa pertinente e dos pronunciamentos doutrinais e jurisprudenciais que provocou, em termos que se consideram adquiridos. Face à norma do artigo 2.º, alínea d), do Decreto da Assembleia da República n.º 81/V, então sujeito a fiscalização preventiva da constitucionalidade, que, ao definir o sentido da autorização legislativa a conceder ao Governo para rever o “regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, do contrato de trabalho a termo e o regime processual da suspensão e redução da prestação do trabalho”, previa a “admissão de substituição judicial da reintegração do trabalhador, em caso de despedimento ilícito, por indemnização quando, após pedido da entidade empregadora, o tribunal crie a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho”, ponderou-se o seguinte:
“Na vertente agora em apreço, autoriza a norma que, em caso de despedimento judicialmente declarado ilícito, a reintegração do trabalhador, após pedido da entidade empregadora, seja substituída por indemnização quando o tribunal crie a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho.
Quer isto dizer que, não obstante o despedimento ordenado pela entidade patronal haver sido declarado ilícito na acção que contra a mesma e por tal facto instaurou o trabalhador, pode ainda assim o juiz, quando criar a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho, substituir a reintegração por indemnização, após pedido em tal sentido da entidade empregadora.
A inexistência de justa causa, a inadequação da sanção ao comportamento verificado e a nulidade ou inexistência do processo disciplinar determinam a nulidade do despedimento que, apesar disso, tenha sido declarado e constituem no trabalhador o direito à reintegração na empresa no respectivo cargo ou posto de trabalho (cf. artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75).
O acto que extingue o contrato de trabalho, no regime da norma em apreço, vem a revelar-se ilícito, antijurídico, e, não obstante isso, pode vir a ocasionar o despedimento quando o juiz criar a convicção da impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho.
Quer isto dizer que a entidade patronal, ao desencadear um despedimento ilícito, originou uma situação de conflito e tensão na relação laboral, acabando o clima de perturbação a ela devido por servir para levar o juiz a substituir a reintegração por indemnização.
Não existe aqui lugar para o apelo a qualquer princípio de tu quoque, de compensação de culpas, pois que, ao menos no recorte abstracto da situação normativa, apenas à entidade empregadora pertence responsabilidade na degradação da relação de trabalho, por efectuar um despedimento ilícito em termos de assim ser reconhecido pelo tribunal.
A culpa do empregador, através do mecanismo instituído neste norma, volta-se, não contra ele próprio, mas sim contra o trabalhador, que acaba despedido, em última análise, por força de um acto judicialmente declarado ilícito e situado na esfera de exclusiva responsabilidade da entidade patronal.
É que a eventual impossibilidade do reatamento de normais relações de trabalho dever-se-á, em direitas contas, ao menos na generalidade das situações, ao próprio despedimento ilícito e às tensões que se lhe seguiram e o acompanharam.
A substituição da reintegração pela indemnização, em semelhante quadro, permitiria que a entidade patronal sempre pudesse despedir o trabalhador
à margem de qualquer «causa constitucionalmente lícita», bastando-lhe para tanto criar, mesmo que artificialmente, as condições objectivas (despedimento ilícito
+ perturbações da relação laboral = impossibilidade do reatamento de normais relações do trabalho) conducentes à cessação do contrato de trabalho.
É patente a violação do disposto no artigo 53.º da Constituição.”
O Tribunal Constitucional viria a ser novamente confrontado com esta problemática perante pedidos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade de diversas normas da Lei (de autorização legislativa) n.º
107/88, de 17 de Setembro (originado na iniciativa legislativa sobre que se debruçara o Acórdão n.º 107/88), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro
(emitido ao abrigo daquela autorização), e do Regime Jurídico por ele aprovado
(LCCT), entre elas as que previam “formas de cessação do contrato de trabalho com base em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador ou do trabalhador, fundadas em motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado, relativos à empresa, estabelecimento ou serviço que, em cada caso concreto, tornassem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho” e especificamente a cessação do contrato por extinção do posto de trabalho. A este propósito, e tendo em vista a garantia constitucional da segurança no emprego, ponderou-se no Acórdão n.º 581/95:
“III (...) – 1. A Constituição, no artigo 53.º, garante aos trabalhadores «a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos». Esta garantia constitui uma manifestação essencial da fundamentalidade do direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada. Por via dela se afirma em modo paradigmático a influência jus-fundamental nas relações entre privados, que não
é aí apenas uma influência de irradiação objectiva, mas uma influência de ordenação directa das relações contratuais do trabalho.
E é também o valor da autonomia que se realiza no programa da norma constitucional do artigo 53.º. A Constituição deixa claro o reconhecimento de que as relações do trabalho subordinado não se configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se estabelecem no sistema civilístico dos contratos. A relevância constitucional do «direito ao lugar» do trabalhador envolve um desvio claro da autonomia contratual clássica e do
«equilíbrio de liberdades» que a caracteriza. É que as normas sobre direitos fundamentais detêm, no plano das relações de trabalho, uma eficácia de protecção da autonomia dos menos autónomos. Aqui é evidente o desiderato constitucional de ligação da liberdade fáctica e da liberdade jurídica. A Constituição faz depender a validade dos contratos não apenas do consentimento das partes no caso particular, mas também do facto de que esse consentimento «se haja dado dentro de um marco jurídico-normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos não está subordinada à do outro» (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, pág. 178).
A segurança no emprego implica, pois, a construção legislativa de um conjunto de meios orientados à sua realização. Desde logo, estão entre esses meios a excepcionalidade dos regimes da suspensão e da caducidade do contrato de trabalho e da sua celebração a termo. Mas a proibição dos despedimentos sem justa causa apresenta-se como elemento central da segurança no emprego, como a «garantia da garantia».
Enquanto pauta de valoração, que carece de preenchimento, a «justa causa» implica uma abertura hermenêutica à estrutura geral da Constituição e à ordem de valores que entranha essa estrutura. Se bem que a «justa causa» se subtraia a uma definição conceptual, excluindo assim um método subsuntivo para lhe conferir operatividade, ela não pode ter-se como
«fórmula vazia pseudo-normativa» compatível «com todas ou quase todas as formas concretas de comportamento e regras de comportamento (...). Ao invés, contém uma ideia jurídica específica» (Karl Larenz, referindo-se às pautas de regulação que carecem de preenchimento valorativo e exemplificando precisamente com a «justa causa» (Metodologia da Ciência do Direito, tradução portuguesa, 2.ª edição, a partir da 5.ª edição alemã de 1983, Lisboa, 1989, págs. 263-264)).
A interpretação tem pois que fazer apelo aos valores da dignidade e da autonomia e aos paradigmas do Estado social de direito. O critério de medida da legislação haverá de ter em conta que para a ordem constitucional o trabalho constitui um importante meio de auto-realização do indivíduo, que o trabalhador é «um fim em si», não é um simples meio para os planos de vida do empregador, e também que – como afirma Forsthoff – para a ordem da Constituição Social, «a realidade da concreta existência individual deixou de se desenvolver num espaço vital dominado e passou a desenvolver-se num espaço vital efectivo» (Ernst Forsthoff, «Problemas constitucionales del Estado Social», in Wolfgang Abendroth / Ernst Forsthoff / Karl Doehring, El Estado Social, tradução castelhana, Madrid, 1986, págs. 43 e seguintes).
Essa ideia tem expressão exemplar no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/88 (citado): «(...) A garantia de segurança do emprego
(...) postula, desde logo, a garantia da estabilidade da posição do trabalhador na relação de trabalho e de emprego e a sua não funcionalização aos interesses da entidade patronal. E esta verificação não pode deixar de interpenetrar o verdadeiro sentido da justa causa para despedimento e a avaliação constitucional que sobre ela se empreenda» (sublinhado agora).
2. Da justa causa retira-se, no essencial, que o trabalhador não pode ser privado do trabalho por mero arbítrio do empregador. A garantia constitucional da segurança no emprego significa, num certo sentido, como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, uma «alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa» que, assim, «não goza de liberdade de disposição sobre as relações de trabalho» (Constituição da República Portuguesa Anotada,
3.ª edição, Coimbra, 1993, pág. 287).
Na teleologia da norma do artigo 53.º da Constituição está pois a ideia de que a estabilidade do emprego envolve uma «resistência» aos desígnios do empregador, que ela não pode ser posta em causa por mero exercício da vontade deste.
Este sentido nuclear assinalou-o a jurisprudência constitucional ao conceito de justa causa e à garantia, que funda, da segurança no emprego. Em vários momentos deixa claro que em nenhuma circunstância estão justificados os despedimentos arbitrários ou discricionários.
O acórdão n.º 107/88 (citado) perguntava se a garantia constitucional da segurança no emprego admitia apenas a justa causa disciplinar como fundamento de despedimento (existência de culpa grave do trabalhador) ou se admitia também «despedimentos fundados em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador e que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho». E se bem que se não houvesse aí concretizado uma resposta definitiva para o problema, advertiu-se logo para que a eventual admissibilidade de despedimentos fundados em causas objectivas haveria de pressupor um particular sistema (legal) de garantias substantivas e de procedimento.
Este acórdão – que empreendera um longo excurso pela legislação laboral anterior aos trabalhos preparatórios da Constituição – afirmou ainda que não cabia na «intenção jurídico-normativa» da norma constitucional do artigo 53.º o ressurgimento da figura do motivo atendível que o Decreto-Lei n.º 372-A/75 erigira em causa de despedimento e definira como «o facto, situação ou circunstância objectiva, ligado à pessoa do trabalhador ou à empresa, que dentro dos condicionalismos da economia da empresa, torne contrária aos interesses desta e aos interesses globais da economia a manutenção da relação de trabalho».
Mesmo para quem não empreenda esta aproximação
«originalista» da norma constitucional, é clara a ideia – aliás, expressamente assumida no mesmo acórdão – de que a essencialidade da justa causa está na não funcionalização do trabalho aos interesses do empregador ou à mera conveniência da empresa. Ideia que vem também estruturar a argumentação do acórdão n.º 64/91
(citado): aqui, é retomado o problema que se deixara em aberto no primeiro acórdão, da determinação dos fundamentos de cessação do contrato de trabalho constitucionalmente admissíveis. Diz-se: «(...) ao lado da ‘justa causa’ disciplinar, a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral». O acórdão adverte para que, neste caso dos despedimentos por causa objectiva, se impõe a instituição de garantias substantivas e de procedimento. Entre essas garantias estão a de determinação das causas (com suficiente concretização dos conceitos da lei), da controlabilidade das situações de impossibilidade objectiva, e do asseguramento ao trabalhador de uma indemnização.
3. Manifestamente, a Constituição não quis afastar as hipóteses de desvinculação do trabalhador naquelas situações em que a relação de trabalho não tem viabilidade de subsistência e que não são imputáveis à livre vontade do empregador. A cessação do contrato de trabalho tem aqui um fundamento que radica na mesma lógica de legitimação dos despedimentos colectivos. Para usar a formulação do acórdão n.º 64/91 (citado), «a verdadeira impossibilidade objectiva de subsistência da relação laboral é que justifica a legitimidade constitucional dos despedimentos colectivos (...). Ora, é uma impossibilidade análoga que há-de justificar também (aqui) os despedimentos individuais (...)».
Nos despedimentos por causa objectiva não existe o pressuposto da culpa, com a censura ético-jurídica que lhe vai ligada. A emergência da cessação do vínculo laboral não deriva de qualquer facto que o trabalhador houvesse que ter prevenido com a sua própria vontade. E também não é imputável ao empregador. «A inviabilidade [do contrato] respeita a todos, é uma impossibilidade objectiva» (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II,
5.ª edição, Coimbra, 1992, págs. 66-67).
Ao decidir sobre a validade dos despedimentos concretamente declarados, o tribunal abstrai dos pontos de vista relativos à culpa para erigir em critério de decisão as causas e circunstâncias que a lei ligou àquela impossibilidade. A garantia constitucional da segurança no emprego exige aqui que o «direito do sistema» seja já, na maior medida possível,
«direito do problema», direito operativo que não regulação aberta capaz de potenciar despedimentos arbitrários, judicialmente incontroláveis.”
Passando depois à análise das normas então impugnadas
(artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 e artigos 26.º a 33.º da LCCT), o citado Acórdão n.º 581/95 expendeu o seguinte:
“Desde logo, a norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 não afronta a garantia constitucional da segurança no emprego. Ali, as causas objectivas de cessação do contrato de trabalho são ordenadas a uma circunstância de impossibilidade prática, de inexigibilidade da permanência do contrato. Segundo o programa da norma, essas causas devem revelar «a inexistência ou inadequação prática de medida alternativa à extinção do vínculo» (Monteiro Fernandes). Depois, não devem ser em qualquer caso imputáveis a culpa do empregador. Finalmente, está o Governo-legislador incumbido de instituir, quanto a essas formas de cessação, um sistema adequado de garantias substantivas e de procedimento.
A norma vem, por este modo, ao encontro dos pressupostos que o acórdão n.º 107/88, ao analisar o Decreto n.º 81/V, já ensejava para a admissibilidade – que então não discutiu – dos despedimentos por causa objectiva.
Ora, é justamente o desiderato estabelecido na norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88, que se realiza nas normas dos artigos 26.º a 33.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89. Aqui, o Governo exerce uma competência normativa que tem os limites e se ordena aos fins ditados na lei de autorização.
Nas normas dos artigos 26.º a 33.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, o legislador exige, no sentido da Constituição, uma motivação justa, processualmente adequada, judicialmente controlável e com pagamento de uma indemnização para os despedimentos por causa objectiva. Para isso, explicita as causas (motivos económicos ou de mercado, motivos tecnológicos, motivos estruturais (artigo 26.º, n.ºs 1 e 2)), impõe a verificação cumulativa de certas condições (artigo 27.º, n.º 1, alíneas a), b), c), d) e e)) e também critérios para a «concretização dos postos de trabalho a extinguir» (artigo 27.º, n.º 2).
Dentre as condições a que se subordina a cessação do contrato de trabalho relevam, em especial, a de não imputabilidade dos motivos invocados a culpa do empregador (artigo 26.º, n.º 1, alínea a)), a de impossibilidade prática da subsistência do vínculo (artigo 26.º, n.º 1, alínea a)) e a não existência de contratos a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto (artigo 26.º, n.º 1, alínea a)), para além da garantia – que mais se afirma como garantia a posteriori – de uma indemnização. E relevam porque aí se revêem os traços essenciais da justificação que a garantia constitucional de segurança no emprego exige aos despedimentos por causa objectiva: a não disponibilidade do empregador sobre a relação de trabalho, a emergência da resolução do contrato como «imperativo prático» (Monteiro Fernandes), a inexistência de formas contratuais a termo para as tarefas correspondentes ao posto de trabalho a extinguir, aqui se consubstanciando um
«controlo de prognoses» (Gomes Canotilho e Vital Moreira) sobre a permanência no futuro das causas de extinção do vínculo.
A condição de impossibilidade prática de subsistência do contrato
(artigo 26.º, n.º 3) é mesmo especialmente concretizada por forma a poder-se constituir em critério de valoração para o controlo do despedimento. Esse critério – que é, de novo, explicitado na norma do artigo 30.º, n.º 1, alínea b)
– é o da inexistência de uma alternativa razoável à cessação do vínculo
(sublinhado no original).
Mas no sistema das normas em análise relevam ainda garantias adequadas de procedimento: a entidade empregadora deve comunicar às estruturas representativas dos trabalhadores a intenção de extinguir os postos de trabalho em causa (artigo 28.º). Essas estruturas e o trabalhador podem «em caso de oposição à cessação, emitir parecer fundamentado» e «solicitar a intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho» (artigo 29.º).
A decisão de despedimento deve ser fundamentada, entre o mais, com a indicação dos motivos e «justificação de inexistência de alternativas à cessação do contrato do ocupante do posto de trabalho extinto» (artigo 30.º) e comunicada ao trabalhador e seus representantes e também à Inspecção-Geral do Trabalho.
O Decreto-Lei n.º 64-A/89 define ainda as causas de nulidade do despedimento cujo controlo é cometido ao tribunal (artigo 32.º) e institui a providência cautelar da suspensão de cessação do contrato (artigo 33.º). Finalmente, garante ao trabalhador os direitos a aviso prévio, crédito de horas e compensação pecuniária por despedimento (artigo 31.º, remetendo para os artigos 21.º, 22.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 23.º).
A cessação do contrato de trabalho por causas objectivas, prevista nas normas dos artigos 26.º a 33.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, não afronta a garantia constitucional da segurança no emprego. Aí estão suficientemente determinadas as causas objectivas e a sua ligação à circunstância da impossibilidade prática de subsistência do vínculo laboral, aí se afasta expressamente a liberdade de «disposição» do empregador, aí se estabelecem garantias adequadas de procedimento. Essas normas radicam a cessação do contrato de trabalho na ideia de que a manutenção do trabalho deixou de ser possível ou proporcionada em certas situações. E têm a determinabilidade exigível para oferecer ao juiz critérios de controlo dos despedimentos concretamente declarados.”
A evocação da anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a presente problemática não pode prescindir de referência a dois aspectos tratados no Acórdão n.º 64/91, emitido em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade do Decreto da Assembleia da República n.º
302/V: um relativo à prestação de trabalho em comissão de serviço e o outro relativo à cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador.
Quanto ao primeiro aspecto, o diploma em causa, propondo-se regular pela primeira vez em Portugal o desempenho de funções em comissão de serviço no âmbito de um contrato de trabalho subordinado, previa três situações: (i) desempenho dessas funções por trabalhador da empresa, (ii) desempenho por pessoa estranha à empresa mas com simultânea colocação em lugar ou categoria existente ou a criar na empresa e (iii) desempenho por pessoa estranha à empresa com previsão da cessação do contrato com a cessação da comissão de serviço. Podendo o desempenho de funções em comissão de serviço
(para o exercício de cargos de administração, de direcção directamente dependentes da administração e de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos) cessar em qualquer momento por decisão de qualquer das partes, a violação da garantia da segurança do emprego não se colocava nas duas primeiras situações: cessada a comissão de serviço por iniciativa do empregador, o trabalhador da empresa regressava à categoria anteriormente detida (ou àquela a que entretanto devesse ter sido promovido) e o trabalhador recém admitido assumiria o lugar ou a categoria para que fora simultaneamente contratado. Só na terceira situação se colocavam as questões do eventual desrespeito da aludida garantia constitucional e da admissibilidade da disposição pelo trabalhador de um direito irrenunciável. A essas questões a maioria do Tribunal emitiu então pronúncia de não inconstitucionalidade com a seguinte fundamentação:
“Foi entendido que os cargos dirigentes ou a eles equiparados se revestem de um evidente carácter fiduciário, de tal forma que, pela sua natureza, são exercidos pelos titulares de forma precária, estando subjacente sempre uma ideia de que a todo o tempo pode cessar a comissão, por decisão de qualquer das partes no contrato. Não está legalmente excluído que as partes possam apor um termo a este contrato. Em algumas dessas funções, nomeadamente nas funções de administração, tem-se predominantemente entendido que se não está perante um contrato de trabalho, mas antes perante um contrato de mandato ou de prestação de serviço em regime liberal, como, aliás, foi aventado durante o debate parlamentar desta proposta de lei.
Em outros, porém, especialmente nos de secretariado pessoal, existe prestação de serviços ou de trabalho, embora com regime próprio. Mas também então se verifica aquela modificação no conteúdo ou na essencialidade do dever de lealdade, que Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 190) considera típica dos «cargos de direcção ou de confiança»: «a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador». Não necessita este Tribunal de dirimir a questão de saber se o carácter fiduciário (e, portanto, a diferente ponderação em que a fidelidade pessoal e adequação funcional objectiva determinam o conteúdo dos deveres do prestador de serviços) implica a constituição de um tipo contratual distinto do contrato de trabalho. Bastará ao Tribunal reconhecer que, nestes casos, há fundamento material para um regime de cessação do contrato, restrito ao contrato ou acordo de comissão de serviço, que o fará terminar com a cessação da relação de confiança considerada essencial. Nestes casos, a quebra de relação fiduciária torna absolutamente impossível o serviço comissionado, como se de impossibilidade objectiva se tratasse, não tendo sentido falar-se de derrogação de normas inderrogáveis a este propósito” (itálicos no original).
Relativamente à admissibilidade da cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador, o Tribunal não considerou constitucionalmente ilegítima esta nova figura, com base na seguinte argumentação:
“Este Tribunal perfilha o entendimento de que não é constitucionalmente ilegítima esta nova figura de cessação de contrato de trabalho, nos precisos termos em que está regulada no Decreto em apreciação, desenvolvendo assim a problemática que se deixara em aberto no Acórdão n.° 107/88, isto é, a questão da admissibilidade de despedimentos individuais fundados em «causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».
Em abono da constitucionalidade da figura agora prevista no diploma sub judicio poderá desde logo argumentar-se, num primeiro entendimento, que o conceito constitucional de justa causa é susceptível de cobrir factos, situações ou circunstâncias objectivas, não se limitando à noção de justa causa disciplinar que está aceite no nosso Direito do Trabalho desde 1976 (artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 372-A/75, na redacção do Decreto-Lei n.° 841-C/76:
«comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho»; noção esta repetida no artigo 9.°, n.° l, da nova Lei dos Despedimentos de 1989, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89). Partindo da ideia de que a Constituição,
«quando proíbe os despedimentos sem justa causa, coloca-se noutra perspectiva: a da defesa do emprego e da necessidade de não consentir denúncias imotivadas. Não fez apelo aos casos excepcionais da antiga ‘justa causa’ que legitimava uma rescisão imediata sem indemnizações; a proibição constitucional tem uma explicação diversa, pois pretende atingir os despedimentos arbitrários, isto é, sem motivo justificado» (Bernardo da Gama Lobo Xavier, «A recente legislação dos despedimentos», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, 1976, pág. 161, passo transcrito na declaração de voto conjunta dos Conselheiros Cardoso da Costa e Messias Bento, anexa ao Acórdão n.° 107/88), é assim possível defender que a Constituição não veda formas de despedimento do trabalhador com fundamento em motivos objectivos, «tais como o despedimento tecnológico ou por absolutas necessidades da empresa». Isto sem prejuízo de o despedimento por estes últimos motivos dever obedecer a uma regulamentação específica, rodeada de adequadas garantias.
Mas ainda quando se não partilhe o ponto de vista acabado de referir, quanto ao preenchimento do conceito constitucional indeterminado de justa causa, continuar-se-á a sustentar, agora num segundo entendimento, o juízo de legitimidade constitucional desta regulamentação. É que, mesmo partindo-se de uma «densificação semântica» do conceito constitucional de justa causa que privilegie a história dos trabalhos preparatórios e a preocupação do legislador constituinte de proscrever os despedimentos com base em motivo atendível, previstos na Lei dos Despedimentos de 1975 (vejam-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., Coimbra, 1984, pág. 291), deve entender-se que, ao lado da «justa causa»
(disciplinar), a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral. Já se não estará perante situações de despedimento com base em justa causa quando se permite a cessação do contrato de trabalho pela causa objectiva de o trabalhador não conseguir adaptar-se a uma alteração tecnológica do seu posto de trabalho, inadaptação que, sem culpa do empregador, torne praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral e justifique por isso, a respectiva caducidade. Não pode admitir-se que baste a conveniência da empresa, por razões objectivas, para ser constitucionalmente legítimo pôr-se termo ao contrato de trabalho. Há-de considerar-se que tem de verificar-se uma prática impossibilidade objectiva e que tais despedimentos hão-de ter uma regulamentação substantiva e processual distinta da dos despedimentos com justa causa (disciplinar), de tal forma que fiquem devidamente acauteladas as exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade, não podendo através desse meio conseguir-se, em caso algum, uma «transfiguração» da regulamentação que redunde na possibilidade, mais ou menos encapotada, de despedimentos imotivados ou ad nutum ou de despedimentos com base na mera conveniência da empresa.
Ainda segundo este ponto de vista mais restritivo na densificação semântica da noção constitucional de justa causa, considera-se que a verdadeira impossibilidade objectiva de subsistência da relação laboral é que justifica a legitimidade constitucional dos despedimentos colectivos, regulamentados pelo Decreto-Lei n.° 84/76, de 28 de Janeiro, já depois de aprovado o texto do que viria a ser o artigo 52.°, alínea b), da versão original da Constituição de
1976, correspondente ao actual artigo 53.° da Constituição. Ora é uma impossibilidade objectiva análoga que há-de justificar também os despedimentos individuais com base em motivos de inadaptação por evolução tecnológica
(«despedimentos tecnológicos»), a que se referia o deputado Francisco Marcelo Curto no debate da Assembleia Constituinte com o deputado Mário Pinto, na sessão em que foi aprovado o texto da referida norma constitucional (remete-se para o Diário da Assembleia Constituinte, n.° 48, de 18 de Setembro de 1975, pág. 1388, e para o texto do Acórdão n.° 107/88 e para as declarações de voto dos Conselheiros Raul Mateus, Cardoso da Costa e Messias Bento), pois não se vê por que há-de ser constitucionalmente legítimo o despedimento colectivo de dois trabalhadores numa empresa de, por exemplo, 40 trabalhadores, com base em motivos tecnológicos, e já passe a ser ilegítimo o despedimento individual de um trabalhador na mesma empresa, por inadaptação decorrente de introdução de modificações tecnológicas no seu posto de trabalho (vejam-se os artigos 13.°, n.° 2, da Lei dos Despedimentos de 1975, na redacção introduzida pelo citado Decreto-Lei n.° 84/76, e 16.° da Lei dos Despedimentos de 1989). Ponto fundamental é que a regulamentação substantiva e processual seja distinta da prevista para os despedimentos com justa causa, os conceitos utilizados não sejam vagos ou demasiado imprecisos (como se entendeu no Acórdão n.° 107/88 que sucedia com o diploma então em apreço) e que as garantias concedidas ao trabalhador, quer no plano da fiscalização (por entidade estranha ao vínculo) da existência de uma situação de impossibilidade objectiva, quer no que toca à indemnização a conceder-lhe, estejam asseguradas.
Determinante neste juízo de constitucionalidade foi pois – para qualquer das posições em presença – o regime traçado em concreto no diploma em apreciação, constante das onze alíneas do n.° 6 do seu artigo 2.°, quer no que toca à caracterização da causa de despedimento e da finalidade visada, quer no que toca aos seus elementos integrantes e aos condicionalismos ligados à sua efectivação, quer, por último, às significativas garantias do trabalhador que aí estão previstas.
Impõe-se, por isso, uma análise da regulamentação globalmente traçada no Decreto n.° 302/V.
Do corpo do n.° 6 do artigo 2.°, retira-se que a cessação do contrato de trabalho por inadaptação nos casos em que forem introduzidas modificações tecnológicas no posto de trabalho há-de visar «acautelar a eficácia da reestruturação das empresas como instrumento essencial da competitividade no mercado e, nessa medida, de segurança do emprego dos respectivos trabalhadores, bem como proteger a posição do trabalhador, garantindo-lhe, nomeadamente, prévia formação profissional e um período de adaptação suficiente no posto de trabalho». Os elementos integradores desta causa constam das três primeiras alíneas do referido número, e, nas alíneas d) e e), prevê-se um aviso prévio fundamentado obrigatoriamente comunicado ao trabalhador e à estrutura representativa dos trabalhadores, assegura-se a intervenção desta estrutura na apreciação dos motivos invocados e reconhece-se um direito de oposição do próprio trabalhador quanto à cessação. Além disso, garantem-se os direitos a aviso prévio, a crédito de horas durante esse período, a uma compensação pecuniária proporcional à duração do contrato e até a rescisão do contrato pelo trabalhador durante o prazo de pré-aviso, sem perda do direito à compensação.
No plano das garantias processuais da protecção do emprego, o Decreto em apreciação tutela as consequências da ilicitude do despedimento, confere carácter urgente às acções judiciais destinadas a declarar a mesma ilicitude, bem como prevê a instituição de providência cautelar de suspensão desta causa de cessação do contrato de trabalho. Impõe-se à entidade patronal a manutenção do nível de emprego permanente, bem como a obrigação de informação e consulta das estruturas representativas dos trabalhadores quanto às modificações nos postos de trabalho decorrentes da reestruturação ou alterações tecnológicas. Por último, estabelece-se um «adequado regime punitivo» relativo
às infracções cometidas pela entidade empregadora na matéria.
Há-de, assim, concluir-se que não se mostram violados os artigos
53.º ou 18.º, n.º 2, da Constituição, visto que a cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador nos casos de introdução de modificações tecnológicas no posto de trabalho é ainda compatível com o princípio constitucional da proibição dos despedimentos sem justa causa, funcionando como ultima ratio, verificação de uma situação de impossibilidade objectiva, mostrando a regulamentação proposta que fica afastado o risco de transfiguração ou desvirtuamento do instituto, de forma a que a sua aplicação não permita, na prática, os despedimentos imotivados ou ad nutum ou com base na mera conveniência da empresa.” (itálicos no original).
17. Recordada a anterior jurisprudência mais relevante deste Tribunal sobre a noção de despedimento sem justa causa, da qual não resulta directamente qualquer solução para o presente caso, é tempo de retornar
à norma ora em apreciação, norma cuja interpretação suscita algumas dúvidas.
A declaração judicial da ilicitude do despedimento, determinando a invalidade desse facto extintivo da relação contratual laboral, implica que juridicamente tudo se deve passar como se essa relação nunca tivesse sido interrompida, pelo que a “reintegração” surge como o efeito normal de tal declaração. Porém, a legislação vigente confere ao trabalhador – e apenas a este
– a faculdade de renunciar à reintegração e optar pela indemnização de antiguidade, configurando assim o facto de ele ter sido alvo de um despedimento ilícito como integrando uma justa causa para a rescisão do contrato de trabalho por sua iniciativa. Reintegração e indemnização de antiguidade não são alternativas que estejam colocadas ao mesmo nível, surgindo a indemnização como sucedâneo da reintegração. Este sistema é mantido como regra pelo Código do Trabalho (cf. artigos 436.º, n.º 1, alínea b), e 439.º, n.º 1): o que resulta do sistema do Código é que o trabalhador tem, à partida, direito à reintegração, embora ele (e só ele) possa optar, como sucedâneo, pela indemnização de antiguidade.
Seguidamente, cumpre assinalar que, pela sua inserção sistemática, a norma em causa parece susceptível de aplicação a todas as situações de ilicitude de despedimento, quer este despedimento se funde em facto imputável ao trabalhador, em extinção do posto de trabalho ou em inadaptação do trabalho, quer se trate de despedimento colectivo.
Depois, da fórmula usada no n.º 3 resulta que há-de partir da iniciativa do empregador a oposição à reintegração, embora incumba ao tribunal a verificação da efectiva ocorrência do fundamento legal dessa oposição, no caso de essa ocorrência ser questionada pelo trabalhador.
Finalmente, a culpa do empregador, que exclui o direito de oposição à reintegração, respeita à criação da situação de grave prejuízo e perturbação para o prosseguimento da actividade empresarial, o que não se confunde com a culpa do mesmo empregador ao ter procedido a um despedimento ilícito.
18. O cerne da questão suscitada a propósito desta norma consiste em saber se à proibição constitucional do despedimento sem justa causa corresponde, necessária e invariavelmente, a invalidade de tal despedimento e o consequente direito do trabalhador à reintegração – uma tutela específica, ou
“real”, do posto de trabalho – ou se existirão situações em que são constitucionalmente admissíveis desvios – com tutela ressarcitória – à regra da reintegração, e se uma destas situações não poderá ser a hipótese ora em apreciação.
No direito ordinário está hoje consagrada, pelo menos, solução que é expressão desta segunda possibilidade: é o caso, já referido, do contrato de trabalho doméstico.
Para além disto, no caso do contrato de trabalho do praticante desportivo, apesar de o artigo 27.º, n.º 2, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, consagrar o direito do trabalhador/praticante desportivo à reintegração no clube em caso de despedimento ilícito, João Leal Amado
(Vinculação versus Liberdade. O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, págs. 297-307) critica essa opção legislativa, por reputar não constitucionalmente imposta em todos os casos a tutela reintegratória e considerar que a voluntariedade da relação desportiva não convive facilmente com a coercibilidade do vínculo jurídico-laboral do praticante, pelo que a lei deveria prescindir daquela tutela nesse domínio, optando por um sistema meramente ressarcitório, que é, aliás, o consagrado, para o futebol profissional, tanto na PRT de 1975 como no CCT de
1991 e até no CCT de 1999, já posterior àquela lei. Por outro lado, Jorge Leite e Coutinho de Almeida (Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, Coimbra Editora,
1985, págs. 263-264), reflectem em geral sobre a obrigação de “reocupação do posto de trabalho” como consequência da nulidade do despedimento, adiantando que
“a ordem jurídica não pode nem deve estimular obstáculos de natureza subjectiva
à realização de direitos fundamentais ou de quaisquer outros, antes os deve contrariar”, e que “a oposição gerada em sentimentos do empregador (respeitáveis ou condenáveis) não pode prevalecer sobre os interesses na realização do direito ao trabalho e à segurança no emprego”, e concluindo que a obrigação de reintegração “se deve excluir do âmbito do contrato de serviço doméstico e de empresas familiares ou quase-familiares”. Na mesma linha, referem-se na doutrina situações em que os elementos pessoais da relação de trabalho sejam de tal forma preponderantes que se possa dizer que a imposição da manutenção do vínculo jurídico contra a vontade de um dos sujeitos acabará por se traduzir numa violação inaceitável de outros direitos igualmente dignos de tutela, maxime quando estejam em causa valores também eles constitucionalmente protegidos
(Pedro Furtado Martins, Despedimento ilícito ..., citado, págs. 28-29, que aponta como exemplos as relações de trabalho em organizações não empresariais, tais como partidos políticos, associações sindicais e patronais, instituições religiosas, escritórios de profissionais liberais, etc., as relações de trabalho em empresas de dimensão e natureza familiar ou quase familiar e as relações de trabalho em que exista uma acentuada componente fiduciária).
O Tribunal Constitucional entende – contra a posição do ora relator – que a norma em análise, ao prever, em certos termos, a oposição, pelo empregador, à reintegração, por o regresso do trabalhador de microempresa, ou que ocupe cargo de administração ou de direcção, ser “gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial” não é inconstitucional num sistema que, como o nosso, admite também justas causas objectivas de despedimento (assim, os citados Acórdãos n.ºs 107/88, 64/91 e
581/95). Na verdade, nas microempresas, se o reatamento da relação de trabalho importar, numa avaliação objectiva e realizada por uma entidade com garantias de independência, grave prejuízo e perturbação para a prossecução da actividade da empresa, pode, em confronto com este resultado, não ser exigível a subsistência do vínculo contratual, e, assim, a reintegração do trabalhador.
Chegará a esta conclusão de não inconstitucionalidade, desde logo, quem perfilhe opinião semelhante à defendida nos votos de vencido apostos ao citado Acórdão n.º 107/88, no sentido da conformidade constitucional da norma, já referida, do artigo 2.º, alínea d), do Decreto da Assembleia da República n.º 81/V.
Mas mesmo para quem não perfilhe esta posição, o texto agora em análise não tem de merecer um juízo de inconstitucionalidade. Na verdade, ele comporta, relativamente ao anterior, gradações qualitativas e quantitativas com relevo suficiente para apontarem orientação oposta. Desde logo, porque expressamente se afasta a oposição à reintegração quando a ilicitude do despedimento se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, “ainda que com invocação de motivo diverso”. E se circunscreve a exclusão da tutela reintegratória às “microempresas ou relativamente a trabalhadores que ocupem cargos de administração ou de direcção”, o que limita significativamente o universo dos destinatários da norma.
Depois, porque se estabelece um diferenciado regime indemnizatório nos casos de procedência da oposição patronal à reintegração. Assim, se o trabalhador, em substituição de reintegração, optar pela via indemnizatória, o tribunal fixará um montante entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, nos termos previstos nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 439.º, não podendo a indemnização ser inferior a três meses. Já se a oposição à reintegração for julgada procedente, o quantum indemnizatório é calculado entre 30 e 60 dias, não podendo ser inferior a seis meses de retribuição base e diuturnidades (n.ºs 4 e 5 do artigo 439.º).
De qualquer modo, e decisivamente, o texto anteriormente sindicado bastava-se com o pressuposto da criação, pelo tribunal, da “convicção da impossibilidade de reatamento das normais relações de trabalho”, enquanto agora, criado o princípio geral da reintegração do trabalhador, se permite, por via excepcional, o afastamento dessa regra se o fundamento invocado for considerado, pelo tribunal, como “gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial”, não se admitindo ainda a não reintegração se o juiz considerar que o fundamento justificativo de oposição a esta foi “culposamente criado pelo empregador”.
A intervenção do juiz, no anterior caso, não se confinaria a uma formal dedução, como se essa sua intervenção se reduzisse à condição de “um impessoal e fungível operador”. Mas, de todo o modo, no texto agora em análise, a intervenção do tribunal insere-se numa disciplina procedimental – que, no Código, não encontrará lugar adequado para se desenvolver –, subentendendo, naturalmente, a sujeição ao contraditório e à consequente repartição do ónus probatório (a cargo do empregador, pelo menos na hipótese contemplada na parte final do n.º 2 do artigo 438.º; eventualmente, a recair sobre o empregado – quando não oficiosamente suscitada e decidida – no caso da parte final do n.º 4 do mesmo preceito).
E ainda para quem se insira nesta segunda posição, atrás referida, se bem que se possa surpreender uma certa afinidade entre a situação objecto do Acórdão n.º 107/88 e a actual, há que concluir pela ausência de similitude: bastava, então, que a normal relação de trabalho não pudesse ser reatada, sendo suficiente a simples afectação das relações entre as partes por razões subjectivas; agora, torna-se necessário que a reintegração perturbe e danifique gravemente a prossecução da actividade empresarial, dado objectivo controlado judicialmente, nos termos que se deixaram apontados, sendo certo que, nas empresas de tipo familiar e outras de reduzidas dimensões, a ruptura da relação laboral pode suscitar problemas de incontornável gravidade, directamente projectados na própria laboração empresarial. Problemas de incontornável gravidade, esses, que são os elementos objectivos decisivos para a não reintegração. Não pode, pois, dizer-se que esta é causada pelo empregador, ou que o novo regime corresponda à previsão de uma nova causa de cessação do contrato de trabalho por vontade do empregador.
Por seu lado, as diferenciações procedimentais introduzidas não têm apenas valor semântico, sendo certo que já no Acórdão n.º
107/88, se bem que nas referidas declarações de voto, não deixou de se apontar para a incontroversa ligação íntima entre problemas como os da estabilidade do emprego e do equilíbrio económico da empresa, cuidando-se de sublinhar que o texto do aresto deixou em aberto a questão da admissibilidade de despedimentos individuais fundados em causas objectivas, não imputáveis a culpa do empregador, que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, estendendo o conceito constitucional da justa causa de despedimento a motivos económicos, tecnológicos ou estruturais da empresa.
Mais tarde, o Tribunal teve ensejo de reflectir sobre a situação específica das pequenas empresas, face ao parâmetro constitucional do artigo 53.º, considerando a respectiva funcionalidade e a imediação e pessoalização das relações que nelas se estabelecem entre empregador e empregado.
Assim, no citado Acórdão n.º 64/91 escreveu, a dado passo:
“(...) haverá que reconhecer-se que a proporção em que a empresa – a sua funcionalidade e a sua eventual eficácia – depende de cada trabalhador é, em princípio, maior nas pequenas do que nas grandes empresas.”
E, mais adiante:
“(...) quanto mais pequena a empresa mais importância relativa têm a confiança pessoal e, portanto, o dever de lealdade do trabalhador. Poderá justificar-se assim um grau mais elevado de exigência, quer quanto à eficácia funcional, quer quanto ao entendimento pessoal, que necessitará de um mais elevado tempo de apreciação (...). Acresce que é conhecido serem os trabalhadores das pequenas empresas frequentemente chamados a desempenhar tarefas diversificadas, agindo de forma polivalente, podendo essa diversificação resultar da necessidade de substituir outros trabalhadores em incertos intervalos de tempo, o que justificará uma mais complexa e demarcada avaliação
[estava em causa o período experimental].”
E também no já citado Acórdão n.º 581/95 não deixou de reconhecer-se não ser a estrutura das pequenas empresas como a das grandes empresas, impessoal, burocrática e racionalizada, mas sim “uma estrutura pessoal em que se afirma ainda a ‘autoridade carismática’ da entidade empregadora (...) com uma gestão de recursos humanos e funcionais menos desenvolvida e sofisticada”.
Em qualquer dos dois casos, teve-se por necessário distinguir entre grandes e pequenas empresas face ao programa da norma constitucional sobre a segurança no emprego, justificando-se os procedimentos diferenciados considerando as estruturas e o funcionamento distintos, acrescendo a imediação, nas últimas, das relações estabelecidas.
Cuida-se que nas microempresas é, por maioria de razão, mais “dramática” a intensidade que conduz à razoabilidade do esquema, proposto no Código, quanto à tutela reintegratória e à tutela indemnizatória.
Está-se, assim, perante um regime que não ameaça de forma desproporcionada a estabilidade do emprego, até porque só pode funcionar precedendo uma decisão judicial, ou seja, rodeada da garantia do juiz – realizando, em termos não censuráveis, uma concordância prática dos interesses em presença, por isso mesmo não ferindo as exigências constitucionais.
D) Inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 4.º do Código do Trabalho, que possibilita o afastamento das normas do Código por instrumentos de regulamentação colectiva, salvo quando delas resultar o contrário.
19. Na legislação actualmente vigente, o artigo 13.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (doravante designado por LCT), dispõe que: “As fontes de direito superiores prevalecem sempre sobre as fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador”, e o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º
519-C1/79, de 29 de Dezembro, estipula que: “1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem: (...) b) Contrariar normas legais imperativas; c) Incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei; (...).” Este último diploma consagra ainda a regra de que a regulamentação colectiva
“não pode ser afastada pelos contratos individuais de trabalho, salvo para estabelecer condições mais favoráveis para os trabalhadores” (artigo 14.º, n.º
1).
O artigo 4.º do Código do Trabalho – inserido no Título I (Fontes e aplicação do Direito do Trabalho) do Livro I (Parte geral) –, dispõe, sob a epígrafe “Princípio do tratamento mais favorável”, o seguinte:
“1. As normas deste Código podem ser afastadas por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
2. As normas deste Código só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se delas não resultar o contrário.”
Este preceito corresponde aos artigos 4.º do Anteprojecto e da Proposta de Lei, sendo que naquele apenas se estabelecia que
“Entende-se que as normas deste Código estabelecem um conteúdo mínimo de protecção do trabalhador, sempre que delas não resultar o contrário.”
20. Segundo o Requerente, a norma do n.º 1 deste artigo aparentemente significa que, “ao contrário do disposto no artigo 112.º, n.º 6, da CRP, a lei agora aprovada pela Assembleia da República confere a actos de natureza não legislativa o poder de afastar a aplicação dos seus preceitos, a não ser quando deles resultar o contrário”, pois, “como se estabelece no artigo
2.º do Código do Trabalho, os instrumentos de regulamentação colectiva podem ser instrumentos negociais (basicamente as convenções colectivas), mas também instrumentos não negociais de clara natureza administrativa, como são os regulamentos de extensão ou os regulamentos de condições mínimas”.
Ora, inferindo-se, a contrario, do disposto no artigo
4.º, n.º 2, que “a possibilidade de derrogação dos preceitos do Código do Trabalho pelos instrumentos de regulamentação colectiva pode ser feita num sentido mais ou menos favorável ao trabalhador, o que significa que, independentemente da natureza e força material que se reconheça às convenções colectivas, esta lei confere a actos administrativos a possibilidade de afastamento das garantias ou direitos consagrados em acto legislativo – a Lei que aprova o Código do Trabalho”, sustenta o Requerente que parece violar a hierarquia constitucional dos actos normativos e o princípio da tipicidade dos actos legislativos, consagrados no artigo 112.º, n.ºs 1 e 6, da CRP.
Resulta da formulação do pedido e do parâmetro constitucional invocado, directamente referenciado à possibilidade de “actos administrativos” afastarem garantias ou direitos consagrados em actos legislativos, que, em rigor, a questão de constitucionalidade suscitada não respeita às convenções colectivas, mas tão-só aos regulamentos administrativos
(sejam regulamentos de extensão ou regulamentos de condições mínimas).
21. Assim delimitada a questão, importa distinguir entre regulamentos de extensão (correspondentes às actuais portarias de extensão), através dos quais, quando circunstâncias sociais e económicas o justifiquem, se procede à extensão do âmbito de aplicação das convenções colectivas, após a entrada em vigor destas, a empregadores do mesmo sector de actividade e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a sua actividade na área geográfica e no âmbito sectorial e profissional fixado naqueles instrumentos, ou a empregadores e a trabalhadores do mesmo âmbito sectorial e profissional, desde que exerçam a sua actividade em área geográfica diversa daquela em que os instrumentos se aplicam, quando não existam associações sindicais ou de empregadores e se verifique identidade ou semelhança económica e social; e regulamentos de condições mínimas (correspondentes às actuais portarias de regulamentação do trabalho), utilizáveis nos casos em que não seja possível o recurso ao regulamento de extensão, se verifique a inexistência de associações sindicais ou de empregadores e estejam em causa circunstâncias sociais e económicas que o justifiquem.
A doutrina, em geral, tem questionado a constitucionalidade das portarias de regutamentação de trabalho, através das quais dois Ministros (o do Trabalho e o da tutela ou responsável pelo sector de actividade) criam normas jurídico-laborais, mas já não das portarias de extensão, nas quais, diferentemente das portarias de regulamentação do trabalho, os Ministros se limitam a alargar o âmbito de aplicação de uma convenção, não criando directamente cláusulas normativas novas (cf. Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. I, Serviço de Textos dos Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1998, págs. 88-89; cf. ainda Mário Pinto, Direito do Trabalho, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1996, pág. 151, nota
218; ver, porém, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Os Regulamentos Administrativos em Direito do Trabalho, separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Coimbra, 1987).
E, na verdade, tal distinção impõe-se. Mesmo aceitando, como tem entendido este Tribunal Constitucional, que a portaria de extensão se apropria, fazendo seu, o conteúdo normativo da convenção, assim preenchendo as normas da portaria o conceito de norma para o efeito da sua submissão ao controlo de constitucionalidade a efectuar por este Tribunal (cf., entre outros, o Acórdão n.º 392/89), o certo é que tais regulamentos não integram qualquer produção normativa inovatória, ao contrário do que acontece com as portarias de regulamentação do trabalho (ou regulamentos de condições mínimas, na terminologia do Código).
A admissibilidade constitucional dos regulamentos de extensão radica no poder conferido à lei pelo artigo 56.º, n.º 4, da CRP, de estabelecer regras quanto à eficácia das normas das convenções colectivas de trabalho e na preocupação de, por essa via, assegurar, na medida do possível, a igualdade de tratamento dos trabalhadores. Como assinala Maria do Rosário Palma Ramalho (Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 919-923), “as portarias de extensão constituem o meio de assegurar a eficácia geral da convenção colectiva e de suprir as lacunas resultantes do funcionamento normal de um sistema convencional de regulamentação colectiva das relações de trabalho assente no pluralismo e na liberdade de associação sindical e patronal”, explicando-se o modus operandi da portaria de extensão “pelo objectivo de suprir a existência de vazios regulativos, mas também de assegurar, tanto quanto possível, a uniformidade da situação jurídica dos trabalhadores da mesma categoria ou área profissional”. A isto acresce que, “do ponto de vista técnico, é forçoso reconhecer a especificidade da fisionomia da portaria de extensão, justamente pelo modo como exerce a sua função normativa”: “é que, sendo a portaria um instrumento normativo público (...), o seu comando normativo não consiste na regulação directa das situações jurídicas em causa, mas em mandar aproveitar para essas situações um regime previamente definido para outras situações; só que, como sabemos, esse regime é de base convencional, foi instituído por entidades privadas, em prossecução dos seus interesses específicos e ao abrigo da sua autonomia colectiva, logo, com total independência em relação aos poderes públicos – ou seja, é um regime de direito privado”. Do exposto conclui a autora citada que, “mantendo-se, em termos formais, um produto do poder regulamentar do Estado, em termos substanciais o que as portarias de extensão fazem é dotar de força pública um regime jurídico de direito privado para viabilizar a sua aplicação a sujeitos privados que, por efeito dos princípios da liberdade e do pluralismo sindical que inspiram o sistema de negociação colectiva, dele estavam excluídos”.
Independentemente da questão de saber se os regulamentos de extensão ainda contêm, pelos seus efeitos, uma modificação da lei num sentido proibido pelo artigo 112.º, n.º 6, da CRP, o certo é que, atentos o seu carácter não inovatório, em termos de normação substantiva, e o seu objectivo de assegurar, por relevantes razões sociais e económicas, uma uniformização mínima do tratamento dos trabalhadores da mesma profissão ou de profissão análoga e/ou do mesmo âmbito sectorial e profissional, e, sobretudo, considerando que ao prever a sua emissão o legislador está ainda a regular a eficácia, através do alargamento do seu âmbito pessoal, das normas constantes de convenções colectivas de trabalho, como lhe é consentido pelo n.º 4 do artigo 56.º da CRP, entende-se que a norma do artigo 4.º, n.º 2, do Código do Trabalho, na parte em que se refere a regulamentos de extensão, não padece de inconstitucionalidade.
Quanto aos regulamentos de condições mínimas, importa distinguir quatro categorias de normas do Código do Trabalho: (i) normas absolutamente imperativas, que não consentem qualquer derrogação, seja in melius, seja in pejus (exemplos: artigos 210.º e 383.º, n.º 1, primeira parte);
(ii) normas parcialmente imperativas, que consentem derrogação apenas num desses sentidos (in melius: artigo 110.º; in pejus: artigos 167.º, n.º 2, e 369.º, n.º
1); (iii) normas “dispositivas”, que consentem derrogações em ambos os sentidos
(exemplos: artigos 66.º, n.º 2, 194.º, n.º 1, 314.º, n.º 2, 315.º, n.º 3,
316.º, n.º 2, e 383.º, n.º 2); e (iv) normas supletivas, em que a norma do Código só actua se não houver regulação por instrumento colectivo ou pelo contrato individual de trabalho (exemplos: artigos 166.º, n.º 1, 178.º, n.º 2,
184.º, n.º 3, 256.º, n.ºs 2 e 3, e 268.º, n.º 1).
A questão da eventual violação do disposto no n.º 6 do artigo 112.º da CRP só se coloca relativamente às normas do Código das segunda e terceira categorias, que procederam, de modo imediatamente operativo, à regulação de certas matérias. A possibilidade, por força do impugnado artigo
4.º, n.º 1, de essas normas, dotadas de incondicionada eficácia, serem afastadas por actos não legislativos é que coloca um problema de conformidade com a estatuição daquele preceito constitucional. Já não assim quanto às normas supletivas, em que o Código entende que a matéria deve ser regulada, em primeira linha, por instrumentos de regulamentação colectiva e só para a hipótese de estes instrumentos nada regularem é que estabelece o regime aplicável. Nesta hipótese, a operatividade da norma legal está dependente da verificação de uma condição, pelo que não chegou a constituir-se o “congelamento do grau hierárquico” da lei reguladora da matéria, que está na base da estatuição do n.º
6 do artigo 112.º.
Posto isto, a argumentação desenvolvida a propósito da conformidade constitucional dos regulamentos de extensão não se pode estender aos regulamentos de condições mínimas, que têm carácter normativo inovatório e não se ligam a nenhum instrumento de regulamentação colectiva negocial anterior. Ao prever que as normas não absolutamente imperativas nem supletivas
(no sentido acabado de assinalar) do Código (que é um acto legislativo) possam ser afastadas por regulamentos de condições mínimas (que são actos de natureza não legislativa), o questionado artigo 4.º, n.º 1, viola irremissivelmente o disposto no artigo 112.º, n.º 6, da CRP.
E) Inconstitucionalidade da norma constante da segunda parte do artigo 606.º do Código do Trabalho, que prevê a consagração nas convenções colectivas de “cláusulas de paz social relativa”.
22. Dispõe o artigo 606.º do Código em causa – inserido no Capítulo II (Greve) do Subtítulo III (Conflitos colectivos) do Título III
(Direito colectivo) do Livro I (Parte geral) –, sob a epígrafe “Contratação colectiva”:
“Para além das matérias referidas no n.º 1 do artigo 599.º, pode a contratação colectiva estabelecer normas especiais relativas a procedimentos de resolução dos conflitos susceptíveis de determinar o recurso à greve, assim como limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes por motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção.”
Este preceito corresponde ao artigo 615.º do Anteprojecto e ao artigo 592.º da Proposta de Lei, com meros ajustamentos de redacção.
O n.º 1 do artigo 599.º estipula que os serviços mínimos previstos nos n.ºs 1 e 3 do artigo anterior – serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis e serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações – devem ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo com os representantes dos trabalhadores.
23. Para o requerente, a segunda parte deste preceito, permitindo o estabelecimento, na contratação colectiva, de “limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes por motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção”, “suscita a controversa questão da possibilidade de renúncia ou, mais propriamente, de disposição do direito à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes”, prosseguindo:
“Sendo o direito à greve um direito, liberdade ou garantia dos trabalhadores consagrado no artigo 57.º da Constituição, é, pelo menos, constitucionalmente duvidoso se podem os sindicatos vincular-se juridicamente a aceitar as limitações convencionalmente acordadas, renunciando ou dispondo do direito de declarar a greve de que são legalmente titulares. É que, sendo a declaração sindical da greve um pressuposto da possibilidade de exercício do direito à greve por parte dos trabalhadores, a renúncia ou disposição, mesmo que temporária, parcelar ou condicionada, do direito de declarar a greve por parte dos sindicatos priva os trabalhadores, nos exactos termos e condições daquela renúncia, do exercício do seu direito constitucional à greve.
Assim, a segunda parte do artigo 606.º pode constituir uma violação do direito à greve consagrado no artigo 57.º da Constituição.”
24. A norma ora em apreço não tem correspondência na legislação actualmente vigente.
O n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 392/74, de 27 de Agosto, considerava ilícita a greve que tivesse como objectivo a modificação de contratos e acordos colectivos de trabalho, antes de expirado o seu prazo de vigência. O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no parecer n.º 123/76-B, considerando que o artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa, entretanto entrada em vigor, atribuíra aos trabalhadores competência para “definir o âmbito dos interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito”, concluiu que aquele artigo 5.º do diploma de 1974 devia ter-se por revogado (ponto 11 do citado parecer). Posteriormente, no parecer n.º 156/81, já face à actual Lei da Greve, após recordar o que fora dito no parecer n.º 123/76-B e constatando que esta Lei não formula qualquer restrição em tal domínio, reconheceu que se impunha “concluir, face ao direito constituído, pela licitude da greve desencadeada na vigência de instrumento de regulamentação colectiva do trabalho, visando a sua revisão e alteração, quando legalmente o mesmo não pode ser denunciado” (ponto 2.2.e) e conclusão 12.ª). Este último parecer tem duas declarações de voto quanto a esta questão, nas quais se sustenta que, resultando dos artigos 16.º, n.ºs 2 e 4, e 44.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, que a denúncia da convenção colectiva relativamente a tabelas salariais, antes de decorridos dez meses sobre a sua vigência, não só não tem validade como constitui acto punível com pena de multa, daí derivará que uma greve com essa finalidade não será lícita, atenta a ilicitude desse fim; no entanto, conferindo a lei geral, relativamente a qualquer contrato e quando as circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar tenham sofrido uma alteração anormal, o direito à parte lesada de obter a resolução do contrato ou a modificação deste segundos juízos de equidade (artigo 437.º do Código Civil), afigura-se que, “enquanto aquela greve se relacionar com o exercício deste direito, tem de se reconhecer a sua legitimidade e a sua licitude”.
Na falta de disposição legal expressa sobre a matéria, a doutrina nacional mostra-se dividida quanto à admissibilidade de restrições ou limitações ao exercício do direito de greve assentes no dever de paz social subjacente à contratação colectiva. A questão pode pôr-se quer na perspectiva de uma limitação imanente à própria contratação colectiva (como corolário lógico da juridicidade da convenção, integrante do seu conteúdo obrigacional), quer na perspectiva de limitações constantes de explícitas cláusulas de paz social. De acordo com a primeira, correspondendo o instrumento de regulamentação colectiva a um acordo entre empregadores e trabalhadores, destinado a vigorar durante um determinado período, os princípios gerais de cumprimento pontual dos contratos e de actuação das partes segundo as regras da boa fé (artigos 406.º, n.º 1, e
762.º, n.º 2, do Código Civil) implicariam a abstenção de comportamentos susceptíveis de o pôr em perigo (o que incluiria o recurso à greve), independentemente da formulação de cláusulas expressas nesse sentido. Na segunda perspectiva, a existência dessa “autolimitação” do exercício do direito à greve dependeria da sua explicitação no clausulado da convenção e a sua admissibilidade dependeria da sua duração, da sua extensão quanto aos motivos e das consequências ligadas à sua violação.
Parece seguro não ser de considerar como admissíveis
“renúncias” ao exercício do direito de greve por tempo ilimitado, nem “renúncias absolutas” embora limitadas ao período de vigência normal da convenção (no sentido de que, nesse período, as associações sindicais não poderiam declarar qualquer greve, independentemente da motivação e dos objectivos da mesma).
Cingindo-nos a cláusulas de paz social limitadas no tempo e à matéria da convenção, mesmo aí são muito divergentes as posições doutrinais conhecidas. Há quem considere que a proibição do recurso à greve apenas respeita a pretensões de alteração do clausulado aprovado, mas já não valerá quando a associação sindical invoque alteração anormal das circunstâncias em que se fundou a decisão de contratar ou quando recorra à greve para pressionar o empregador a cumprir a convenção.
São também díspares as opiniões quanto a saber se os trabalhadores filiados na associação sindical que outorgou a convenção integrando cláusula de paz social ficam vinculados por esse compromisso ou se, pelo contrário, podem esses trabalhadores aderir a uma greve decretada por outro sindicato ou pela assembleia de trabalhadores, não adstritos ao dever de paz social. E, nesta hipótese, há quem considere que a associação sindical que aceitou a cláusula de paz social pode ser responsabilidade por não ter feito os esforços necessários para dissuadir os seus filiados da adesão à greve decretada por outro sindicato, embora esta obrigação deva ser entendida como obrigação de comportamento, que não como obrigação de resultado.
Finalmente, o decretamento da greve em violação de cláusula de paz social torna, segundo alguns, a greve ilícita, com as consequências daí decorrentes para os trabalhadores que a ela adiram, enquanto outros entendem que esse decretamento apenas responsabiliza a associação sindical, por violação do compromisso assumido.
A resposta a estas hesitações, essencial para o juízo de constitucionalidade a emitir, importa a assunção de uma interpretação das normas pertinentes do Código do Trabalho.
Ultrapassado o entendimento doutrinal que considerava inaplicável ao direito colectivo do trabalho o instituto da alteração anormal das circunstâncias (“orientação negativista” sustentada na Alemanha por Rundstein, Nipperdey, Hueck, Kaskel e Herrmann, conforma dá conta António Menezes Cordeiro, Convenções Colectivas de Trabalho e Alterações de Circunstâncias, Lex, Lisboa, 1995, págs. 103-105), a tese favorável a essa aplicabilidade encontrará apoio no n.º 2 do artigo 561.º do Código do Trabalho, segundo o qual “durante a execução da convenção colectiva atender-se-á às circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar”.
Isto assente, afigura-se que o sentido normal ou natural da expressão “motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção”, utilizada na parte final do questionado artigo 606.º abarca quer a greve decretada para, sem alteração de circunstâncias, se obter modificação do clausulado, quer a greve decretada com invocação da superveniência de alteração anormal das circunstâncias que tornaria injusto ou excessivamente oneroso o clausulado acordado ou parte dele (negando os empregadores ou as suas associações a ocorrência dessa alteração anormal), quer ainda a greve decretada para protestar contra alegado incumprimento da convenção por parte do lado empresarial, invocação essa que poderá estribar-se em diferentes interpretações do mesmo clausulado. Na verdade, não se vê que os últimos dois tipos de greve não possam ser considerados como tendo por causa motivos relacionados com o conteúdo da convenção.
Apurada a abrangência das limitações que se prevê que os sindicatos assumam, resta saber quais as consequências, para os trabalhadores
(que são os titulares do direito de greve), de eventual quebra desse compromisso. Ora, tendo presentes os artigos 562.º e 604.º do Código do Trabalho, surge como incontroverso que, por um lado, o compromisso assumido pela associação sindical vincula os seus filiados (aliás, mal se compreenderia que assim não fosse, pois na contratação colectiva o sindicato representa os seus filiados) em termos de estes poderem ser responsabilizados pelos prejuízos causados pela falta culposa ao cumprimento das obrigações – todas elas – emergentes da convenção, e, por outro lado, a greve declarada de forma contrária
à lei faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas, com perda de retribuição e de antiguidade e integrando violação do dever de assiduidade, disciplinarmente sancionável (cf. artigo 231.º).
Com aquele alcance e com estas consequências, a norma em causa não pode deixar de ser considerada incompatível com a consagração constitucional do direito de greve como direito irrenunciável dos trabalhadores.
Esta conclusão não é afastada pela eventualidade, sempre incerta, de os trabalhadores poderem aderir a greve decretada por outro sindicato existente na empresa ou por assembleia de trabalhadores (nos limitados casos previstos no n.º 2 do artigo 592.º do Código do Trabalho), que, aliás, não se vislumbra que possam convocar greves com o específico motivo de obterem a alteração ou o cumprimento de uma convenção de que não são partes.
Importa não esquecer que, embora o direito à greve seja, por natureza, um direito de exercício colectivo, ele tem como titulares todos e cada um dos trabalhadores. O seu exercício “normal” mediante decisão das associações sindicais, não imposto constitucionalmente, mas apenas previsto na lei ordinária, em termos, aliás, de não exclusividade, não pode fazer esquecer que a respectiva titularidade radica nos trabalhadores. Ora, já tem sido questionado que a representação dos trabalhadores pelas associações sindicais no
âmbito da contratação colectiva seja credencial bastante para se considerar licitamente delegada nessas associações a possibilidade de renúncia, mesmo temporária (durante a vigência da convenção colectiva) e relativa (“relativa” no sentido de que apenas impede o recurso à greve fundada em certas e determinadas razões: no caso, às razões relacionadas com as matérias reguladas na convenção), desse direito fundamental que lhes assiste.
Seja como for, não parece razoável ensaiar, no caso, uma interpretação conforme à Constituição, que “salve” a constitucionalidade da norma pela consideração de que sempre poderiam as associações sindicais denunciar a convenção, assim recuperando a liberdade para a declaração da greve, pois tal, na prática, equivale à destruição da “paz social” em muito maior medida: não só não se evita a greve como, para a tornar possível, se destrói a contratação colectiva.
Conclui-se, assim, que a norma questionada viola o n.º 1 do artigo 57.º da CRP.
F) Inconstitucionalidade da norma resultante da interpretação conjugada dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 557.º do Código do Trabalho, relativa à cessação de efeitos das convenções colectivas após o período de sobrevigência.
25. Nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º
519-C1/79, de 29 de Dezembro, “as convenções colectivas e as decisões arbitrais vigoram pelo prazo que delas constar expressamente” (n.º 1), mas “a convenção colectiva e a decisão arbitral mantêm-se em vigor até serem substituídas por outro instrumento de regulamentação colectiva” (n.º 2).
O artigo 557.º do Código em causa – inserido na Secção VI (Âmbito temporal) do Capítulo II (Convenção colectiva) do Subtítulo II
(Instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho) do Título III (Direito colectivo) do Livro I (Parte geral) –, dispõe, sob a epígrafe “Sobrevigência”:
“1. Decorrido o prazo de vigência previsto no n.º 1 do artigo anterior, a convenção colectiva renova-se nos termos nela previstos.
2. No caso de a convenção colectiva não regular a matéria prevista no número anterior, aplica-se o seguinte regime:
a) A convenção renova-se sucessivamente por períodos de um ano;
b) Havendo denúncia, a convenção colectiva renova-se por um período de um ano e, estando as partes em negociação, por novo período de um ano;
c) Decorridos os prazos previstos nas alíneas anteriores, a convenção colectiva mantém-se em vigor, desde que se tenha iniciado a conciliação ou a mediação, até à conclusão do respectivo procedimento, não podendo a sua vigência durar mais de seis meses.
3. No caso de se ter iniciado a arbitragem durante o período fixado no número anterior, a convenção colectiva mantém os seus efeitos até à entrada em vigor da decisão arbitral.
4. Decorrida a sobrevigência prevista nos números anteriores, a convenção cessa os seus efeitos.”
O Anteprojecto previa que, decorrido o prazo de vigência, a convenção colectiva se renovava por um período de um ano e que, decorrido este período de renovação, as cláusulas da convenção colectiva continuam a produzir efeitos durante mais um ano, desde que as partes estivessem em negociação, podendo, no entanto, a sua aplicação ser imediatamente afastada por qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial ou contrato de trabalho (artigo 569.º) e que, decorridos estes prazos, a convenção colectiva cessava a sua vigência (artigo 571.º, n.º 3). Já na Proposta de Lei se previa que, decorrido o prazo de vigência, a convenção colectiva se renovava sucessivamente por períodos de um ano (ou superior, desde que previsto na convenção) e que, havendo denúncia, a convenção se renovava por um período de um ano e, estando as partes em negociação, por novo período de um ano (salvo se período superior estiver previsto na convenção); decorridos estes prazos, a convenção mantinha-se em vigor, desde que se tivesse iniciado a conciliação ou a mediação, até à conclusão do respectivo procedimento, não podendo a sua vigência durar mais de seis meses; se, durante este período, se tivesse iniciado a arbitragem, a convenção mantinha os seus efeitos até à entrada em vigor da decisão arbitral; finalmente, decorrida a sobrevigência, a convenção cessava os seus efeitos.
26. O Presidente da República questiona a constitucionalidade da “norma que resulta da interpretação conjugada dos n.ºs 2,
3 e 4” deste artigo 557.º, no sentido de que “decorrido o prazo da chamada sobrevigência sem que se tenha celebrado nova convenção ou sem que se tenha iniciado a arbitragem, a convenção colectiva em vigor cessa os seus efeitos”, aduzindo, para concluir pela eventual violação das normas e princípios consagrados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 56.º da CRP, o seguinte:
“Ora, se é certo que, até por força das remissões previstas no artigo 56.º, n.ºs
3 e 4, da Constituição, o legislador tem, neste domínio, uma larga margem de conformação, o alcance da norma atrás referida pode ser de tal ordem que ponha em causa, na prática, o cerne da garantia constitucional da regulamentação colectiva convencional das relações de trabalho.
De facto, quando o legislador constituinte reconhece o direito à contratação colectiva e remete para o legislador ordinário a densificação da sua garantia e das condições e regras da legitimidade para a celebração de convenções colectivas e da eficácia das suas normas não está apenas a consagrar um direito cujo exercício compete às associações sindicais, mas está também a instituir um modo de regulação autónoma das relações de trabalho que retira ao Estado o monopólio legiferante e convoca os próprios interessados para a respectiva elaboração.
Assim, quando, ao longo de dezenas de anos, de forma sistemática e generalizada, as relações de trabalho passam a estar substancialmente reguladas através deste modo de autonomia normativa colectiva e social e, sobretudo, ele recolhe a respectiva consagração constitucional, a contratação colectiva e a regulação convencional das relações de trabalho adquirem a natureza constitucional objectiva de garantias institucionais a que se aplica, até por força da sua inserção sistemática, o regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias.
Neste sentido, se é certo que o legislador está constitucionalmente habilitado e obrigado a densificar o conteúdo de tal garantia institucional, ele não pode, em contrapartida, fazê-lo de tal sorte que resulte, ou possa resultar na prática, esvaziado o seu alcance essencial. Ora, quando impõe a caducidade das convenções colectivas em vigor sem que esteja assegurada a entrada em vigor das novas, o legislador ordinário pode estar a determinar a criação, a curto prazo, de um extenso vazio contratual – para tanto bastando que uma das partes outorgantes oriente intencional e sistematicamente a sua acção nesse sentido. Logo, a norma em apreço pode estar a afectar o próprio conteúdo essencial da garantia institucional da contratação colectiva e da regulação convencional das relações de trabalho.”
27. No sentido da inconstitucionalidade desta solução, tem-se argumentado que ela representaria uma ingerência estadual na autonomia colectiva em domínios em que o legislador ordinário, de acordo com o alcance constitucional do direito à contratação colectiva, reconhecera a legitimidade desta contratação, ingerência essa traduzida na expulsão do sistema jurídico de produtos negociais reconhecidos como fontes de direito, só porque os sujeitos interessados não os alteraram ou substituíram, isto é, uma caducidade imposta pelo legislador quando no sentido da cessação de efeitos da convenção não se manifesta nenhuma vontade colectiva comum. Noutra perspectiva e ainda neste sentido, poderia argumentar-se que a Constituição incumbe a lei de “garantir” o exercício do direito de contratação colectiva (direito que a mesma Constituição só consagra de forma expressa como integrando a competência das associações sindicais, não existindo norma similar à do artigo 56.º, n.º 3, para as associações de empregadores), visto como um direito colectivo dos trabalhadores, essencial à afirmação do Estado Social; ora, essa “garantia” implica uma actuação positiva do legislador no sentido de fomentar a contratação colectiva, alargar ao máximo o seu âmbito de protecção, manter a contratação vigente e evitar o alastramento de vazios de regulamentação. Nesta perspectiva, surgiria como inadequada, porque desproporcionada e inidónea a alcançar eficazmente aqueles objectivos, uma solução legislativa, como a constante da norma questionada, que facilita a cessação de efeitos das convenções vigentes, mesmo quando estão ainda em curso negociações entre as partes ou a decorrer a conciliação ou a mediação, isto é, que impõe a caducidade sem que ambas as partes nisso acordem e antes de esgotadas as possibilidades de aprovação de nova convenção.
Entende, porém, o Tribunal (posição que não é acompanhada pelo relator) que a questionada solução legislativa, impondo limites que se consideram mitigados à sobrevigência, se mostra razoável e equilibrada. Desde logo, ela surge como mera solução supletiva, competindo às partes, em primeira linha, a adopção do regime que reputem mais adequado. Depois, é assegurado, após a denúncia e até ao início da arbitragem, um período de sobrevigência que pode atingir os dois anos e meio. Finalmente, seria contraditório com a autonomia das partes, que é o fundamento da contratação colectiva, a imposição a uma delas, por vontade unilateral da outra, da perpetuação de uma vinculação não desejada.
Constituiu, no entanto, pressuposto desta posição o entendimento de que a caducidade da eficácia normativa da convenção não impede que os efeitos desse regime se mantenham quanto aos contratos individuais de trabalho celebrados na sua vigência e às respectivas renovações.
G) Inconstitucionalidade das normas constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX, que estabelecem o regime transitório de uniformização da regulamentação colectiva de trabalho.
28. O artigo 15.º do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX dispõe o seguinte, sob a epígrafe “Regime transitório de uniformização”:
“1. Nos casos em que, após a entrada em vigor do Código do Trabalho, seja outorgado instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial aplicável em empresa ou sector nos quais se encontrem em vigor um ou mais instrumentos outorgados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho é observado o seguinte procedimento: a) Os trabalhadores da empresa ou sector, que não sejam filiados em sindicato outorgante, susceptíveis de serem abrangidos pelo âmbito sectorial ou profissional de aplicação do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial em causa, podem escolher, por escrito, o instrumento que lhes é aplicável; b) Sempre que, decorridos no mínimo três meses após a entrada em vigor do novo instrumento, a maioria dos trabalhadores estiver abrangida ou tiver entretanto optado pela sua aplicação, cessam os efeitos dos anteriores instrumentos, de
âmbito sectorial e profissional idêntico ao do novo instrumento, aplicáveis na empresa; c) Sempre que, decorridos no mínimo seis meses após a entrada em vigor do novo instrumento, a maioria dos trabalhadores das empresas do sector susceptíveis de serem abrangidos pelo âmbito sectorial ou profissional de aplicação do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial em causa, estiver abrangida ou tiver entretanto optado pela sua aplicação, cessam os efeitos dos anteriores instrumentos, de âmbito sectorial e profissional idêntico ao do novo instrumento, aplicável ao sector; d) Após a cessação dos efeitos do instrumento anteriormente aplicável, em virtude do disposto nas alíneas b) e c), os demais trabalhadores podem optar pela aplicação do novo instrumento.
2. O disposto no número anterior é apenas aplicável se o novo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial tiver sido outorgado por sindicato que, no momento da escolha prevista na alínea a), disponha de significativa representatividade e autonomia negociais aferidas, nomeadamente, em função da verificação de um dos seguintes requisitos:
a) Represente 5% dos trabalhadores do sector de actividade;
b) Tiver um mínimo de 1500 filiados;
c) Estiver filiado em associação com assento na Comissão Permanente de Concertação Social;
d) Possua uma adequada capacidade financeira decorrente do pagamento das quotizações sindicais dos respectivos filiados.
3. O disposto no número anterior não prejudica a capacidade de qualquer sindicato celebrar convenções colectivas.”
No Anteprojecto não constava norma correspondente a este preceito. Na Proposta de Lei, o artigo 15.º (não dividido em números) correspondia ao n.º 1 do artigo 15.º do diploma sujeito a fiscalização, tendo, na discussão na especialidade, sido aprovadas propostas de aditamento dos n.ºs 2 e 3 (cf. n.º 652 do citado Relatório, no Diário da Assembleia da República, II Série-A, Suplemento ao n.º 85, de 9 de Abril de 2003, pág. 3504-(190)).
Na legislação actualmente vigente não existe disposição correspondente nem está previsto nenhum mecanismo de “uniformização” de convenções colectivas aplicáveis em determinada empresa ou sector de actividade, e – assinale-se desde já – o próprio Código do Trabalho não prevê similar mecanismo fora deste período transitório. A concorrência de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só se verifica quando a uma concreta relação laboral sejam aplicáveis mais do que um desses instrumentos, por, por exemplo, um determinado trabalhador ser simultaneamente abrangido por um contrato colectivo e por um acordo de empresa, e só para esse tipo de concorrência de instrumentos é que o Código, tal como actualmente o Decreto-Lei n.º 519-C1/79 (artigo 14.º) fixam critérios de prevalência ou de preferência.
29. Segundo o Requerente, este artigo 15.º “pretende regular o regime transitório de uniformização nas empresas e sectores de actividade dos instrumentos de regulamentação colectiva negociais aplicáveis”, mas a forma como o seu n.º 1, “nas suas diferentes alíneas, estabelece esse regime de uniformização pode configurar uma violação do princípio da autonomia e representatividade sindical do artigo 56.º, n.º 1, da Constituição, bem como o direito de contratação colectiva do artigo 56.º, n.º 3, da Constituição”, prosseguindo:
“De facto, o artigo 15.º, n.º 1, alínea a), prevê, verificadas as condições do n.º 2 do mesmo artigo, o direito de adesão individual dos trabalhadores (filiados ou não em qualquer sindicato) a convenção outorgada por sindicatos de que não são filiados. Logo, mesmo não contribuindo, financeira ou materialmente, para a existência e acção de uma associação sindical, mesmo não sendo por ela representado, qualquer trabalhador, não sindicalizado ou filiado noutro sindicato e assim permanecendo, pode beneficiar das convenções por ele outorgadas desde que, simplesmente, assim o declare. Por sua vez, as alíneas b) e c) do mesmo artigo fazem cessar, verificada a adesão da maioria dos trabalhadores da empresa ou do sector a novo instrumento de regulamentação, os efeitos das anteriores convenções, independentemente da vontade das associações sindicais que as outorgaram ou da vontade dos trabalhadores que pretendessem continuar por elas abrangidos.
Ora, estas soluções não apenas podem constituir um desincentivo sério à filiação e participação sindical, como podem contribuir para a desestruturação das tradicionais relações de representatividade sindical, num sentido que é muito dificilmente compatível com a relevância que a Constituição dá às associações sindicais, à sua actividade e aos seus direitos. Por outro lado, afectam sensivelmente a autonomia e a representatividade sindical, esvaziando, de forma que para algumas associações sindicais pode ser decisiva, o seu direito constitucional à contratação colectiva e à representação dos associados.”
30. A norma em causa suscita diversas dificuldades de interpretação quer quanto aos titulares do direito de opção previsto na alínea a) do n.º 1, ao objecto desse direito, ao prazo para o seu exercício, aos destinatários da declaração de opção e aos efeitos desta, quer quanto ao sentido da alternativa das alíneas b) e c) do mesmo n.º 1, quer quanto ao universo de referência a ter em conta para cálculo da maioria dos trabalhadores, quer quanto
à entidade competente para a verificação dos requisitos de que depende a cessação de efeitos de convenções anteriores, quer quanto ao prazo para exercício do direito de opção dos “demais trabalhadores” previsto na alínea d) do n.º 1, quer quanto ao entendimento a dar aos conceitos de “significativa representatividade negocial” e de “significativa autonomia negocial”, referidos no n.º 2, quer quanto à entidade competente para aferir destas representatividade e autonomia negociais.
Porém, não se torna necessário, para o efeito ora em causa, proceder à dilucidação dessas dúvidas, nem tomar posição quanto à razoabilidade dos critérios para aferição das “significativas” representatividade e autonomia negociais, elencados, aliás de modo meramente exemplificativo, no n.º 2 do preceito, norma não incluída no pedido.
Quanto à norma da alínea a) do n.º 1, entendendo-se que se justifica a sua apreciação de modo autónomo, e embora se reconheça o efeito de desincentivo à filiação sindical, que pode decorrer da admissibilidade de adesão individual a convenção celebrada por sindicato em que não estão filiados, por parte de trabalhadores filiados ou não noutro sindicato, não se afigura que tal solução padeça de inconstitucionalidade. A lei vigente considera abrangidos pela convenção colectiva os trabalhadores que estejam filiados na associação sindical signatária no início do processo negocial, mesmo que se hajam desfiliado antes da conclusão desse processo (artigo 8.º do Decreto-Lei n.º
519-C1/79, regra mantida no artigo 553.º do Código do Trabalho). Pelas portarias de extensão vão beneficiar de convenções colectivas trabalhadores não filiados nos sindicatos que as subscreveram. Embora restrito à matéria retributiva, a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de que o princípio da igualdade retributiva (para trabalho igual salário igual), com consagração constitucional, prevalece sobre o princípio da filiação, que radica em determinação contingente do legislador ordinário, e, assim, reconhece aos trabalhadores não filiados no sindicato outorgante de determinada convenção o direito de reclamar o estatuto remuneratório nesta convenção estabelecido para trabalhadores que desempenhem funções idênticas, segundo a quantidade, natureza e qualidade. Tudo isto são exemplos da não coincidência entre filiação sindical e protecção do regime convencional. Trata-se, aliás, de solução que se mostra harmónica com a concepção institucional (que não estritamente representativa dos interesses dos seus associados) das associações sindicais que resulta da Constituição (cf. n.º 2 do artigo 56.º, que lhes atribui papel relevante na elaboração da legislação do trabalho, na gestão das instituições de segurança social, na elaboração e acompanhamento da execução dos planos económico-sociais, na concertação social, na reestruturação das empresas). O aludido inconveniente é, aliás, facilmente ultrapassável com a previsão, como sucede noutros países, da possibilidade de os signatários da convenção aprovarem norma que torne a sua aplicação a não filiados dependente do pagamento de uma determinada importância a título de custos de negociação (“cânon de negociação”, como é designada em Espanha) – cf. Jorge Leite, obra e volume citados, pág. 246 e nota 87).
Já quanto às normas das alíneas b) e c) do n.º 1 deste artigo 15.º surge como flagrante a sua inconstitucionalidade, por violação do direito à contratação colectiva, uma vez que delas resulta, por imposição estranha à vontade dos contratantes, a cessação de efeitos das convenções em vigor, em cuja persistência continuavam interessados os respectivos outorgantes, colocando os trabalhadores filiados na associação sindical subscritora da anterior convenção na situação de terem de aderir a convenção subscrita por sindicato concorrente. Tal representa uma inconstitucional expropriação do direito de contratação colectiva dos sindicatos “minoritários”, sendo que esse direito é constitucionalmente garantido a todos os sindicatos.
A propósito da norma do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º
519-C1/79, que estabelecia que as convenções verticais (por sectores de actividade), uma vez publicadas e entradas em vigor, faziam cessar as convenções horizontais (por profissões), ainda que estas não tivessem esgotado o seu período mínimo de vigência, Mário Pinto (obra citada, pág. 274) advertia que tal prevalência “pressupõe que a associação signatária da convenção horizontal que cessa é também signatária da nova convenção vertical, pois que só deste modo se respeitam os princípios vigentes acerca do direito à negociação colectiva e sobre o âmbito de eficácia das convenções colectivas”. Pela mesma razão, o direito constitucionalmente consagrado à negociação colectiva é intoleravelmente ferido com a possibilidade, que deflui das referidas alíneas b) e c), da cessação da vigência de convenções contra a vontade dos respectivos outorgantes só pelo facto de, na mesma empresa ou sector, a maioria dos trabalhadores ter optado pela aplicação de outra convenção outorgada por diferente associação sindical. Daí a inconstitucionalidade de tais normas, por violação dos n.ºs 1 e
3 do artigo 56.º da CRP.
III – Decisão
31. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do Código do Trabalho, aprovado pelo Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX, enquanto permite a exigência de prestação de informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador, quando particulares exigências inerentes
à actividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação;
b) pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma constante do segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do Código do Trabalho, na medida em que permite o acesso directo do empregador a informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador, por violação do princípio da proibição do excesso nas restrições ao direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, decorrente das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
c) não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 436.º do mesmo Código, que permite que, impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, o empregador reabra, por uma única vez, esse procedimento, até ao termo do prazo para contestar, sendo este regime inaplicável em caso de inexistência de procedimento disciplinar e não consentindo o alargamento das imputações contidas na nota de culpa a outros factos, conhecidos há mais de 60 dias pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar;
d) não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 438.º do mesmo Código;
e) considerar que, relativamente à norma do n.º 1 do artigo 4.º do mesmo Código, o pedido apenas abrange os regulamentos de extensão e os regulamentos de condições mínimas;
f) não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 4.º do Código do Trabalho, na parte em que se refere a regulamentos de extensão;
g) pronunciar-se pela inconstitucionalidade da mesma norma, na parte em que permite que regulamentos de condições mínimas possam afastar normas do Código que não prevejam que a regulação da matéria seja feita, em primeira linha, por instrumentos de regulamentação colectiva, por violação do artigo 112.º, n.º 6, da CRP;
h) pronunciar-se pela inconstitucionalidade, por violação do n.º 1 do artigo 57.º da CRP, da norma constante da segunda parte do artigo 606.º do Código do Trabalho, enquanto permite a assunção de limitações, por parte dos sindicatos outorgantes de convenção colectiva, à declaração de greve durante a vigência da convenção e por motivos relacionados com o conteúdo desta, incluindo-se nesses motivos a reacção contra alegado incumprimento da convenção por parte das associações patronais ou dos empregadores ou a reivindicação de modificação do clausulado por invocada alteração anormal das circunstâncias, e sendo considerada ilícita a greve declarada com desrespeito pela referida limitação;
i) não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 557.º do Código do Trabalho, que prevê que, decorrido o período de sobrevigência, a eficácia normativa da convenção colectiva caduque, continuando todavia o respectivo regime a aplicar-se aos contratos individuais de trabalho anteriormente celebrados e às respectivas renovações;
j) não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX;
l) pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes das alíneas b) e c) do n.º 1 do mesmo artigo 15.º, por violação do n.ºs 1 e 3 do artigo 56.º da CRP.
Lisboa, 25 de Junho de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator; vencido quanto às decisões das alíneas a), d) e i), conforme declaração de voto junta).
Carlos Pamplona de Oliveira (Vencido quanto às alíneas b), e), g) e h) da decisão conforme declaração que junto).
Benjamim Silva Rodrigues (Vencido quanto às alíneas b), e), g), h) e l) da decisão conforme declaração de voto anexa).
Rui Manuel Moura Ramos (Vencido quanto às alíneas g) e h) da decisão nos termos da declaração de voto anexa).
Artur Faria Maurício (Vencido quanto às alíneas d) e i) no essencial pelas razões constantes da declaração de voto do Cons. Mário Torres, na parte correspondente).
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Com declaração quanto
à alínea f); vencida quanto às alíneas b), e), g), h) e l) da decisão, conforme declaração junta).
Paulo Mota Pinto (Vencido quanto às alíneas g) e h), e, em parte, quanto às alíneas a) e b) da decisão, nos termos da declaração de voto que junto).
Bravo Serra (Vencido, em parte, quanto à alínea b) da decisão; vencido quanto às alíneas g) e h) da decisão; com declaração quanto à alínea f) da decisão, tudo nos termos da declaração de voto junta).
Gil Galvão (Vencido quanto à alínea d) da decisão por entender, nomeadamente, que, nas hipóteses contempladas na norma a que ela se refere, não tendo sido considerada procedente, pelo tribunal competente, a existência de uma justa causa de despedimento (e não estando em causa a protecção de um direito fundamental), o não reconhecimento da continuidade do vínculo laboral (traduzido numa não “reintegração” do trabalhador, em rigor, não despedido) não pode deixar de configurar uma flagrante violação da proibição contida no artigo 53.º da Constituição).
Maria Helena Brito (Vencida quanto às decisões constantes das alíneas a), d) e i); vencida, em parte, quanto à decisão constante da alínea f); com a declaração de que votaria em termos mais amplos a decisão de inconstitucionalidade constante da alínea g), tudo nos termos da declaração de voto junta).
Maria Fernanda Palma (Vencida quanto à alínea a); vencida quanto à alínea d); vencida quanto à alínea e); vencida, em parte, quanto à alínea f); vencida quanto à alínea i). Votei a alínea c) com declaração de voto e a alínea g) com a declaração de que votaria a inconstitucionalidade em termos mais amplos. Tudo nos termos de declaração de voto junta).
Luís Nunes de Almeida (Vencido quanto à alínea d), pelo essencial das razões expressas pelo Ex.mo Relator; e quanto à alínea e), nos termos da declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Pamplona de Oliveira).
O Ex.mo Conselheiro Alberto Tavares da Costa, que não assina por não estar presente, tem voto de conformidade quanto às alíneas a), b), c), d), h), j) e l), voto de vencido quanto às alíneas e) e i), voto de parcialmente vencido quanto à alínea f), e declaração, quanto à alínea g), de que votaria a inconstitucionalidade em termos mais amplos, tudo nos termos da declaração que depositou nas mãos do relator e que ora se anexa – Mário José de Araújo Torres.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto às decisões das alíneas a), d) e i), pelas seguintes razões:
1. Quanto à decisão da alínea a):
Entendo que o questionado segundo segmento do n.º 2 do artigo 17.º do Código do Trabalho não apenas viola o princípio da proibição do excesso “na medida em que permite o acesso directo do empregador a informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador”, como se decidiu na alínea b), mas também viola o mesmo princípio enquanto, na sua directa estatuição, permite a exigência de prestação de informações sobre dados pessoais íntimos sempre que “particulares exigências inerentes à actividade profissional o justifiquem”. Como resulta da comparação do n.º 2 do artigo 17.º com o n.º 1 do artigo 19.º do Código do Trabalho, essa expressão cobre realidade diversa da relacionada com a finalidade de “protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros”, de indiscutível relevância constitucional.
Daqui resulta que o carácter vago e indeterminado da expressão “quando particulares exigências inerentes à actividade profissional o justifiquem” possibilita intromissões na intimidade da vida privada do trabalhador ou do candidato ao emprego baseadas, a par de outros hipotéticos fundamentos constitucionalmente relevantes, em motivos não constitucionalmente atendíveis. Ora, as restrições aos direitos fundamentais só são legítimas se visarem salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Ao não assegurar o respeito por este condicionamento, a norma em causa (independentemente da intermediação de um médico) viola o artigo 18.º, n.º
2, da Constituição. Para o efeito, é irrelevante o requisito de fornecimento por escrito da fundamentação da exigência de prestação de informações, pois a determinabilidade dos motivos justificadores de restrições a direitos fundamentais tem de constar da própria lei restritiva, não podendo ser relegada para a fundamentação dos actos concretos invasores da intimidade da vida privada. A exigência de fundamentação destes actos só poderá servir para facilitar o controlo da sua subsunção a algum dos motivos legitimadores das restrições, que devem constar, com precisão, da própria lei.
2. Quanto à decisão da alínea d):
Embora já se entendesse, face à versão originária da Constituição (que inseria as normas sobre direitos dos trabalhadores entre os
“direitos económicos, sociais e culturais”), que o direito à segurança no emprego, com proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, era um dos direitos fundamentais dos trabalhadores, a que se referia a primitiva redacção do artigo 17.º, e que, por isso, já gozava do regime próprio dos direitos, liberdades e garantias, a transferência, operada pela primeira revisão constitucional, do conjunto dos “direitos fundamentais dos trabalhadores” para o título dos “direitos, liberdades e garantias” revestiu-se de um “particular significado constitucional”, quer por traduzir “o abandono de uma concepção tradicional dos «direitos, liberdades e garantias» como direitos do homem ou do cidadão genéricos e abstractos, fazendo intervir também o trabalhador (exactamente: o trabalhador subordinado) como titular de direitos de igual dignidade”, quer por implicar “uma óbvia subversão do conceito tradicional da empresa (...) como domínio privado dos seus titulares, dispondo soberanamente das relações e postos de trabalho”. E também é significativo que o primeiro dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores constitucionalmente consagrado seja o direito à segurança no emprego, com destaque para a garantia contra despedimentos sem justa causa: “trata-se de uma expressão directa do direito ao trabalho (artigo 58.º), o qual, em certo sentido, consubstancia um aspecto do próprio direito à vida dos trabalhadores” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, págs. 285 e 286).
O carácter vital deste direito acentua a sua radical fundamentalidade: como se disse no Acórdão n.º 581/95, a proibição dos despedimentos sem justa causa é “a garantia da garantia”. Daqui decorre que o sentido óbvio dessa proibição é o da rejeição da possibilidade de o empregador privar, sem justa causa, o trabalhador do seu emprego, o que implica que, julgada improcedente a justa causa invocada, a única forma de tutela adequada seja a reintegratória, que não a sancionatória ou a indemnizatória. Como referem José Joaquim Gomes Canotilho e Jorge Leite (A Inconstitucionalidade da Lei dos Despedimentos, separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia, Coimbra, 1988, págs. 51 e 52): “Se o acto que extingue o contrato vem, afinal, a revelar-se antijurídico, a única reacção adequada do ordenamento jurídico compatível com o sistema da estabilidade é a de privar aquele acto da sua consequência normal, determinando a sua invalidade e consequente subsistência do vínculo contratual. A «monetarização» do despedimento como alternativa à reintegração permitiria, afinal, à entidade empregadora aquilo que a CRP quer, manifestamente, proibir – «desembaraçar-se» do trabalhador apesar de não haver causa legítima de despedimento.” (Cf. ainda António Barbosa de Melo, “Reflexão sobre o projecto de diploma relativo à cessação do contrato de trabalho”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXI, 1989, n.ºs 3-4, onde se sustenta que o regime então analisado, que, “na ordem prática das coisas (e disto é que tratam as leis e o direito, e não de teorias e ideologias) (...) significa a mesmíssima coisa que autorizar a entidade empregadora a rescindir unilateralmente o contrato individual de trabalho a troco, tão-só, de uma compensação pecuniária ao trabalhador despedido”, “se não concilia, em meu modo de ver, com a protecção imediata que o artigo 53.º da CRP dá ao bem jurídico que designa por segurança no emprego”, embora preconizasse a consagração, como causa objectiva de despedimento, que a entidade empregadora poderia accionar de novo, a “degradação do ambiente de trabalho resultante da reintegração do trabalhador ilicitamente despedido”, que funcionaria como “contra-estímulo a que o trabalhador que venceu a luta judicial se arvore em «rei» da sua relação de trabalho”, já que “a espada que fica a pender sobre a sua cabeça levá-lo-á a tudo fazer para que a nova causa de despedimento possível não venha a ter lugar”).
A tutela reintegratória só poderá ser afastada em situações em que outros valores constitucionalmente relevantes o justifiquem, como é o caso do contrato de serviço doméstico, em que a imposição da reintegração poderia atentar contra a intimidade da vida familiar. É essa a
única situação até agora contemplada na legislação ordinária. O exemplo da função pública, por vezes invocado como uma segunda excepção, é claramente improcedente: da genérica previsão de a Administração invocar impossibilidade ou grave prejuízo para o interesse público no cumprimento das sentenças dos tribunais administrativos não resulta que pudesse ser considerada procedente eventual oposição à reintegração de funcionário vítima de acto expulsivo contenciosamente anulado com fundamento em vício impeditivo da repetição do acto com o mesmo conteúdo decisório. Pelo contrário, mesmo quando o lugar do funcionário demitido já tenha sido provido por terceiro, por acto administrativo
“firme”, aquele funcionário, obtida a anulação do acto expulsivo, tem direito a ser provido em lugar de categoria igual ou equivalente àquela em que deveria ser colocado, ou, não sendo isso possível, à primeira vaga que venha a surgir na categoria correspondente, exercendo transitoriamente funções fora do quadro até
à integração neste (cf. artigo 173.º, n.º 4, do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e artigo 83.º, n.º 4, do Estatuto Disciplinar, norma esta relativa à revogação ou alteração de pena expulsiva na sequência de revisão do processo disciplinar).
Na situação contemplada na norma ora em apreço não se descortina a presença de valores constitucionalmente relevantes que justifiquem o sacrifício do mais fundamental dos direitos fundamentais dos trabalhadores: o direito ao trabalho.
Relendo a jurisprudência deste Tribunal quanto à garantia da segurança do emprego e à proibição de despedimentos sem justa causa
(cf. n.º 16 do precedente acórdão) e recordando o alargamento que, a nível da legislação ordinária, o conceito de justa causa foi registando, constata-se que, até ao presente, sempre se exigiu a verificação de uma situação de impossibilidade na manutenção da relação laboral para se permitir o despedimento. No Acórdão n.º 581/95, considerou-se constitucionalmente admissível a causa objectiva de despedimento então apreciada (extinção do posto de trabalho) porque condicionada à impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho, requisito que consta da alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º da LCCT e se mantém na alínea b) do n.º 1 do artigo 403.º do Código do Trabalho. No Acórdão n.º 64/91, considerou-se constitucionalmente admissível a causa objectiva de despedimento então apreciada (inadaptação do trabalhador) porque condicionada à verificação de uma situação de impossibilidade objectiva da subsistência da relação de trabalho, requisito que consta do n.º 1 do artigo
27.º do Decreto-Lei n.º 400/91, de 16 de Outubro, e se mantém no n.º 1 do artigo 406.º do Código do Trabalho.
Este requisito de impossibilidade prática, mesmo interpretado no sentido de não exigibilidade, desaparece na nova causa de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador criada pelo artigo
438.º, n.º 2, do Código do Trabalho, o que significa um claro e inconstitucional retrocesso a nível da protecção legal do direito da segurança no emprego, retrocesso que a presente decisão do Tribunal Constitucional coonesta.
Que se trata de uma nova causa de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador surge como constatação indesmentível. Na verdade, a declaração judicial da ilicitude do despedimento implica, como consequência jurídica necessária, que tudo se passa como se a relação laboral nunca tivesse sido interrompida (nesta perspectiva, o termo “reintegração”, como efeito daquela declaração, pode ser enganador, já que não se trata, em rigor, de uma alteração da situação jurídica para o futuro, mas tão-só da invalidação ex tunc de alteração ilícita ocorrida no passado). Assim sendo, a cessação do contrato de trabalho tem na sua origem a iniciativa do empregador de se opor à reintegração. Iniciativa esta que, como não podia deixar de ser, sempre que ocorra contestação do trabalhador, terá de ser apreciada, quanto à sua base legal, pelo tribunal. Mas esta intervenção do tribunal não afecta a evidência de que a iniciativa da cessação do contrato de trabalho partiu do empregador. E que, contrariamente a todos os casos até agora admitidos, não tem como fundamento uma situação de impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho, mas tão-só a alegação da inconveniência económica do regresso do trabalhador ilicitamente despedido. Trata-se, incontroversamente, da funcionalização da garantia da segurança do emprego aos interesses da entidade patronal, ou da transfiguração ou desvirtuamento do instituto da proibição dos despedimentos sem justa causa com base em mera conveniência da empresa, que este Tribunal, nos Acórdãos n.ºs 107/88, 581/95 e 64/91, tinha frontalmente postergado, mas que agora considera constitucionalmente tolerável.
Que a situação que agora surge como justificadora do afastamento da empresa do trabalhador vítima de despedimento ilícito (“grave prejuízo e perturbação para a prossecução da actividade empresarial”) não é, em si mesma, praticamente inviabilizadora da manutenção da relação laboral resulta da circunstância de ela só justificar a oposição do empregador à reintegração se se tratar de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção. Com efeito, se aqueles prejuízo e perturbação implicassem necessariamente a inexigibilidade da subsistência da relação laboral, eles deveriam operar mesmo que a empresa tivesse mais de 10 trabalhadores e que o trabalhador não desempenhasse funções de administração ou de direcção.
Com isto entramos numa segunda linha de defesa da constitucionalidade da solução questionada: a de estarem em causa relações familiares ou quase familiares ou lugares de especial confiança.
Desde logo, o “ambiente familiar” que por vezes se invoca como conatural às microempresas nada tem a ver com a “família” como instituição constitucionalmente protegida e cuja intimidade se visou proteger com a não imposição da reintegração no caso do contrato de serviço doméstico. Depois, mesmo que se entendesse que a reintegração poderia não ser imposta também nas empresas de natureza familiar ou quase familiar, cujos elementos estão ligados por laços de parentesco ou de afinidade, seguramente que nessa categoria não cabem todas, nem sequer a grande maioria, das microempresas. Recorde-se que este regime especial de não reintegração foi inicialmente proposto, no Anteprojecto, para as pequenas e microempresas, que representavam
95,52% das empresas e 51,29% dos trabalhadores. Face à enormidade da extensão desta previsão, a redacção final do Código restringiu o âmbito de aplicação deste regime às microempresas, que, mesmo assim, representam 81,11% das empresas e 29,24% dos trabalhadores. Ninguém sustentará que têm estrutura familiar ou quase familiar mais de 80% das empresas, empregando cerca de 30% dos trabalhadores.
Quanto aos trabalhadores que exerçam cargos de administração e de direcção, tem-se invocado, em defesa da tese da constitucionalidade, a admissibilidade do exercício dessas funções em regime de comissão de serviço, resolúvel por livre iniciativa de qualquer das partes. Porém, há que salientar, desde logo, que não há coincidência entre as suas previsões: só os cargos de direcção directamente dependentes da Administração é que actualmente podem (artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro) e no futuro poderão (artigo 244.º do Código do Trabalho) ser exercidos em comissão de serviço, e não todos os cargos de direcção. Depois, dir-se-á que nada justifica que o empregador, que, podendo fazê-lo, não preencheu os cargos de administração e de direcção directamente dependentes da Administração em regime de comissão de serviço, mas antes segundo o regime comum do contrato de trabalho subordinado, não deixe de estar vinculado a todos os aspectos deste regime comum, por ele aceite, designadamente quanto ao dever de reintegração dos trabalhadores ilicitamente despedidos. Por último, permita-se que remeta para as declarações de voto dos Ex.mos Conselheiros Armindo Ribeiro Mendes e Antero Monteiro Diniz, apostas ao Acórdão n.º 64/91, onde proficientemente se evidencia que os trabalhadores dirigentes são trabalhadores por conta de outrem subordinados aos poderes de direcção e disciplinar da entidade patronal, não sendo meros prestadores de serviços ou profissionais liberais nem partes de um qualquer nebuloso contrato misto, pelo que nada justifica que quanto a eles não funcione plenamente a garantia do artigo 53.º da Constituição.
É, assim, constitucionalmente intolerável que, declarada judicialmente a ilicitude do despedimento e não ocorrendo causa superveniente que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral, se permita o afastamento da consequência natural daquela declaração judicial: a reintegração do trabalhador. O trabalhador foi ilicitamente despedido, cumpre (e nada indicia que deixará de cumprir) os seus deveres elencados no artigo 121.º do Código do Trabalho, designadamente os deveres de urbanidade, respeito, assiduidade, pontualidade, zelo, diligência, obediência, lealdade, e defesa e promoção dos interesses da empresa, e, mesmo assim, vê ser-lhe negado o direito
(vital) ao trabalho, por invocação de um motivo cuja verificação escapa ao seu controlo.
A possibilidade de eventual crispação das relações na sequência da reintegração não constitui motivo justificativo do novo afastamento do trabalhador, até porque outras situações existirão de crispação e de conflitualidade, conaturais a relações em que os interesses das partes se contrapõem, sem que daí se faça derivar a privação do emprego para o trabalhador, mesmo quando esses conflitos levam à condenação do empregador pela prática de crimes ou de contra-ordenações laborais (cf. artigos 608.º a 689.º do Código).
Os defensores da tese da constitucionalidade deste novo regime insistem nas garantias acrescidas que resultariam da previsão da intervenção do tribunal prevista no n.º 3 e das restrições consagradas no n.º 4 do artigo 438.º. Mas tais garantias não têm o alcance que à primeira vista aparentam ostentar.
Na verdade, só pode vislumbrar no n.º 3 do artigo 438.º um acréscimo de garantias quem considerasse admissível – o que se antolha de todo em todo intolerável – que, num Estado de direito, a oposição do empregador
à reintegração do trabalhador, por este contestada, pudesse operar por si mesma sem que coubesse a um tribunal a apreciação da legalidade do fundamento invocado para aquela oposição. Expliquemo-nos: declarada judicialmente a ilicitude do despedimento, com a natural condenação do empregador na reintegração do trabalhador, surge o empregador a opor-se à reintegração, alegando que ela seria gravemente prejudicial e perturbadora para a prossecução da actividade empresarial. Ouvido o trabalhador, por óbvia imposição dos princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo, constitucionalmente consagrados, de duas uma: ou o trabalhador concorda com o empregador e nesse caso o tribunal condena o empregador na indemnização prevista no n.º 4 do artigo
439.º; ou o trabalhador opõe-se à não reintegração, quer contestando que o seu regresso tenha aqueles efeitos prejudiciais, quer alegando que o despedimento teve motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos ou que a fundamento justificativo da oposição à reintegração foi culposamente criado pelo empregador. Perante este litígio, não se descortina que outra solução fosse admissível, perante os princípios constitucionais do acesso aos tribunais e da reserva do juiz, senão a de atribuir ao tribunal a apreciação do fundamento invocado pelo empregador. Isto é: se não existisse o n.º 3 do artigo 438.º do Código do Trabalho, tudo se passaria (por directa aplicação dos mais elementares princípios constitucionais em matéria processual) exactamente da mesma forma como se irá passar existindo tal preceito, o que revela a sua completa inanidade.
Por outro lado, a estrutura dos n.ºs 2 e 4 do artigo
438.º claramente aponta para que o facto constitutivo do direito do empregador a opor-se à reintegração consiste tão-só na previsão de prejuízo e perturbação da actividade empresarial, surgindo os factos previstos no n.º 4 (motivação do despedimento e culpa do empregador na criação daquela situação de perturbação) como factos impeditivos desse direito, o que implicará que o ónus da respectiva prova recaia sobre o trabalhador. Assim, uma situação de non liquet quanto à existência de culpa do empregador será resolvida em desfavor do trabalhador, o que atenua o alcance que esta pretensa garantia, introduzida na votação na especialidade, poderia, à primeira vista, representar.
Finalmente, é particularmente chocante que não se tenha expressamente previsto, entre as situações que excluem o direito de oposição à reintegração, as do despedimento de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes (que teria sido expressamente previsto em compromisso tripartido apresentado à Comissão Permanente de Concertação Social) (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Estudos de Direito do Trabalho, volume I, Almedina, Coimbra,
2003, pág. 65), ou do despedimento de representantes dos trabalhadores, ou de despedimentos abusivos, isto é, que surgem, em geral, como retaliação pela reclamação legítima contra as condições de trabalho ou pelo exercício ou pretensão de exercício de direitos legítimos por parte dos trabalhadores (cf. artigo 374.º).
Argumenta-se ainda que, em compensação da não reintegração, se aumenta substancialmente o valor da indemnização de antiguidade. Acontece, porém, que enquanto o actual artigo 13.º, n.º 3, da LCCT manda arbitrar uma indemnização correspondente a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, o Código do Trabalho manda calcular a indemnização “normal” entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, e a indemnização “agravada”, no caso de ser julgada procedente a oposição à reintegração, entre 30 e 60 dias, nos mesmos termos, não podendo ser inferior a seis meses de retribuição base e diuturnidades (artigo 439.º, n.ºs 1 e 4). O que significa que um trabalhador com seis anos de antiguidade, cujo despedimento foi judicialmente declarado ilícito e que, contra sua vontade, não foi reintegrado, receberá uma indemnização correspondente a seis meses apenas da
“retribuição base” e das “diuturnidades”, tal como definidas no n.º 2 do artigo
250.º do Código do Trabalho, com exclusão de todas as demais prestações, mesmo que regulares e periódicas, feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, que, com frequência, atingem valores superiores ao da própria remuneração base. Tratar-se-á, nesses casos, de um preço barato para o empregador se “desembaraçar” de trabalhadores “incómodos”, mesmo após o reconhecimento judicial da inexistência de justa causa para o despedimento.
Não posso deixar de considerar que esta “monetarização” do despedimento como alternativa à reintegração é incompatível com a garantia constitucional da segurança do emprego, com proibição dos despedimentos sem justa causa.
Sendo a solução substancialmente inconstitucional, não é a intervenção do tribunal que a transforma em constitucionalmente admissível: uma violação da Constituição não deixa de ser uma violação da Constituição por ser autorizada por um juiz.
3. Quanto à decisão da alínea i):
A Constituição, no n.º 3 do seu artigo 56.º, não se limita a reconhecer às associações sindicais o exercício do direito de contratação colectiva, como incumbe a lei (ordinária) de o garantir. Em consonância com esta incumbência, o artigo 539.º do Código do Trabalho proclama que “o Estado deve promover a contratação colectiva, de modo que os regimes previstos em convenções colectivas sejam aplicáveis ao maior número de trabalhadores e empregadores”. Entendo que o regime que resulta dos n.ºs 2, 3 e
4 do artigo 557.º do Código do Trabalho nem respeita aquela incumbência nem se coaduna com esta proclamação.
Subscrevo, sem hesitações, os argumentos que no texto do acórdão são referenciados como defendidos pelos que concluem pela inconstitucionalidade das normas ora questionadas.
Por um lado, a imposição da caducidade da convenção representa uma ingerência estadual na autonomia colectiva em domínios em que o legislador ordinário, de acordo com o alcance constitucional do direito à contratação colectiva, reconhecera a legitimidade desta contratação, ingerência essa traduzida na expulsão do sistema jurídico de produtos negociais reconhecidos como fontes de direito, só porque os sujeitos interessados não os alteraram ou substituíram, isto é, uma caducidade imposta pelo legislador quando no sentido da cessação de efeitos da convenção não se manifesta nenhuma vontade colectiva comum.
Por outro lado, atribuindo a Constituição à lei a incumbência de “garantir” o exercício do direito de contratação colectiva
(direito que a mesma Constituição só consagra de forma expressa como integrando a competência das associações sindicais, não existindo norma similar à do artigo 56.º, n.º 3, para as associações de empregadores), visto como um direito colectivo dos trabalhadores, essencial à afirmação do Estado Social, essa
“garantia” implica uma actuação positiva do legislador no sentido de fomentar a contratação colectiva, alargar ao máximo o seu âmbito de protecção, manter a contratação vigente e evitar o alastramento de vazios de regulamentação. Nesta perspectiva, surge como inadequada, porque desproporcionada e inidónea a alcançar eficazmente aqueles objectivos, uma solução legislativa, como a constante da norma questionada, que facilita a cessação de efeitos das convenções vigentes, mesmo quando estão ainda em curso negociações entre as partes ou a decorrer a conciliação ou a mediação, isto é, que impõe a caducidade sem que ambas as partes nisso acordem e antes de esgotadas as possibilidades de aprovação de nova convenção.
Por isso votei no sentido de que o Tribunal Constitucional se pronunciasse pela inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 557.º do Código do Trabalho, por violação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa.
Mário José de Araújo Torres
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto às alíneas b), e), g) e h) da decisão pelos motivos que sumariamente passo a expor:
Quanto à alínea b):
Entendo que o n.º 2 do artigo 17.° do Código em análise não viola o princípio da proibição do excesso nas restrições ao direito à reserva da intimidade da vida privada. Em primeiro lugar, o direito em causa não
é um direito absoluto, admitindo restrições e condicionamentos; em segundo lugar, a restrição prevista está perfeitamente justificada e o núcleo essencial do direito foi convenientemente protegido pelo mecanismo da exigência de fundamentação escrita que, obviamente, é jurisdicionalmente controlável.
Este elemento é, a meu ver, suficiente para retirar qualquer dúvida quanto à conformidade constitucional da norma.
Quanto à alínea e):
Salvo o devido respeito, não concordo com a delimitação do pedido feita pelo Tribunal. O pedido não pode ser interpretado como restrito a uma determinada dimensão normativa do preceito em análise, pelo que, a meu ver, abrange os instrumentos de regulação colectiva de trabalho de que fala a norma, incluindo, por isso, as convenções colectivas.
Quanto à alínea g):
A interpretação correcta da norma do n.º 1 do artigo 4.° do Código ora em análise era apenas a de permitir que as regras não imperativas deste diploma pudessem ser afastadas por um instrumento de regulamentação colectiva, como, aliás, tem pacificamente ocorrido.
Paralelamente, é meu entendimento de que o n.º 6 do artigo 112.° da Constituição apenas proíbe a existência de normas, com força legal, para além dos actos legislativos previstos na Constituição; esta norma não é, portanto, ofendida pelo n.º 1 do artigo 4.° do Código do Trabalho, que se refere a regulamentos, diplomas cuja existência está expressamente prevista nos n.º 7 e 8 do citado artigo 112.° da CR, com natureza subsidiária à dos actos legislativos.
É esta a razão pela qual discordo da decisão.
Quanto à alínea h):
É meu entendimento que o conteúdo da norma constante da
2.ª parte do artigo 606.° do Código do Trabalho coincide precisamente com a norma do n.º 2 do artigo 57.° da Constituição, onde se afirma que “compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito”.
O que a aludida 2.ª parte do artigo 606.° do Código visa permitir é que os trabalhadores, através dos seus sindicatos, possam definir o
âmbito de interesses a defender através da greve, autorizando o estabelecimento de cláusulas de paz social em instrumentos de contratação colectiva, o que, como se viu, tem cabimento constitucional expresso.
Carlos Pamplona de Oliveira
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto às pronúncias de inconstitucionalidade constantes das alíneas b), g), h) e l) da decisão, bem como quanto à delimitação do pedido efectuada nos termos da sua alínea e).
São as seguintes, em síntese, as razões da nossa discordância com o decidido:
a) Quanto à decisão constante da alínea b):
Resulta evidente do confronto entre as disposições dos artigos 17.° e 19.°, ambos do Código do Trabalho, aprovado pelo Decreto da Assembleia da República n.° 51/IX, que é diferente o âmbito material das ressalvas efectuadas em cada um deles. O que se regula no segundo segmento do artigo 17.° é o direito do empregador a exigir do candidato a emprego ou do trabalhador que preste informações relativas ao seu estado de saúde ou estado de gravidez, “quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva justificação”.
O objecto material de regulação é, assim, o direito de exigir informações desde que se verifique o circunstancionalismo nele descrito. Logo, o que em relação a tal preceito se poderá questionar é a constitucionalidade do direito do empregador a pedir informações sobre o estado de saúde ou estado de gravidez do candidato a emprego ou do trabalhador, em tais circunstâncias.
É completamente diferente a matéria disciplinada na ressalva constante do artigo 19.°: aqui, o que se regula é o direito do empregador de exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador a realização ou a apresentação de testes ou exames médicos quando estes tenham por finalidade a protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respectiva fundamentação. Consequentemente, também, o que poderia ser objecto de sindicação constitucional seria o direito do empregador de exigir a realização ou a apresentação de testes ou exames médicos.
Estamos, pois, perante problemas distintos, contendendo o primeiro, essencialmente, com a regulação dos preliminares do contrato de trabalho ou com os termos em que se desenvolve a relação jurídica de trabalho, enquanto o segundo respeita, aberta e claramente, ao foro médico, embora conexo com a segurança, higiene e saúde no trabalho.
No segundo caso estão em causa actos médicos conexos com a relação de trabalho.
Sendo assim, a problemática da sua compatibilidade com o direito constitucional à reserva da intimidade da vida privada, em cujo domínio insofismavelmente se inserem os dados relativos à saúde e ao estado de gravidez, nunca poderia deixar de ser equacionada, de acordo com os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade impostos pelo artigo 18.°, n.°
2, da Constituição da República Portuguesa (doravante designada apenas por CRP), sem que se levasse em linha de conta, por um lado, os direitos do trabalhador e de terceiros, cuja salvaguarda constitucional igualmente se impõe, como o direito à vida ou à integridade física do próprio candidato a emprego ou trabalhador ou de terceiros (artigos 24.° e 25.° da CRP) e o direito à saúde das mesmas pessoas (artigos 59.°, n.º 1, alínea c), e n.º 2, alínea c), e 64.°, n.°
1, da CRP), e, por outro, o acesso a tais dados mediante, apenas, a intervenção de um médico.
A intervenção do médico em tais casos de restrição do direito fundamental de reserva à intimidade da vida privada, consubstanciados na exigência de realização ou de apresentação de testes ou de exames médicos, corresponde a uma evidente exigência imposta pelo princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.°, n.° 2, da CRP, na acepção da justa medida, porquanto só ele tem idoneidade deontológica e capacidade técnica específica (relevando-se naquela, essencialmente, o dever de sigilo profissional, quanto à identificação e explicitação daqueles dados, a que se encontra obrigado) para aferir da necessidade, adequação e grau de intromissão na vida privada relativa à saúde que há que atingir para salvaguardar direitos do próprio candidato a emprego, trabalhador ou de terceiros.
Foi, aliás, esta a perspectiva com que essa questão foi analisada no Acórdão deste Tribunal n.° 368/02, publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Outubro de 2002 – a cujo juízo aqui inteiramente se adere –, a propósito dos artigos 13.°, 16.° (excepcionados os seus n.ºs 2, alínea a), e 6, cuja inconstitucionalidade não se conheceu), 17.° (excepcionado o seu n.° 2, cuja inconformidade constitucional não foi conhecida), 18.° e 19.° do Decreto-Lei n.° 26/94, de l de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 7/95 (relativo ao regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho).
Cabe aqui anotar, de resto, que o artigo 19.° do Código do Trabalho não faz mais, relativamente à matéria nele regulada, do que adoptar a doutrina de tal Acórdão.
Ora, a situação regulada no segunda parte do n.° 2 do artigo 17.° do Código do Trabalho é diferente, porque não está em causa a exigência ao candidato ao emprego ou ao trabalhador da realização ou apresentação de testes ou exames médicos de qualquer natureza para comprovação das condições físicas ou psíquicas. Esse poderá ser, eventualmente, um momento posterior, aplicando-se, então, o artigo 19.°.
O Acórdão concluiu, no que concordamos, pela “não inconstitucionalidade da exigência de prestação de informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador, quando particulares exigências inerentes à actividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação”.
Entendeu, todavia, que o acesso directo por parte do empregador às informações relativas à saúde ou estado de gravidez violavam aquele direito fundamental de reserva à intimidade da vida privada, ao fim e ao cabo, por entender também aqui aplicável o grau de justa medida exigível para a sujeição a exames ou testes médicos. É nisso que estamos em absoluto desacordo.
Para a tese que fez maioria, o princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de proibição do excesso ou de justa medida, actua neste domínio, segundo, sempre, o mesmo grau de intensidade ou força constrangente, não desfrutando o legislador de qualquer discricionariedade normativa de ponderação, não obstante serem diferentes os bens materiais constitucionalmente protegidos.
Ora, o que é certo é que, por natureza, a extensão jurídica da justa medida não pode deixar de variar em função do tipo e grau de afectação que é feita ao conteúdo não essencial do direito fundamental à reserva de intimidade da vida privada que tenha de ser restringida para que seja possível realizar uma harmonização com o conteúdo de outros direitos fundamentais ou interesses legalmente protegidos, bem como do grau de realização que estes outros direitos fundamentais hão-de atingir, por via da descompressão resultante do estabelecimento de restrições ao outro direito, mas de tal modo a que não saia também afectado o núcleo essencial destes outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. A proporcionalidade ou justa medida
é, assim, um conceito racional e relacionalmente biunívoco. Por outro lado, é também, constitucionalmente, na senda do que se disse, um conceito de limites relativos.
Ora, nas hipóteses reguladas no artigo 17.°, n.° 2, estamos perante situações em que o que se pede ao candidato ao emprego ou trabalhador é tão-só que preste as informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez cujo conhecimento imediato por parte do empregador esteja justificado por particulares exigências inerentes à actividade profissional a ser exercida e sobre cuja existência seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.
Estão em causa informações que são absolutamente necessárias para aferir da aptidão, sob o ponto de vista da saúde, do candidato a emprego ou do trabalhador para exercer ou manter a actividade profissional sem risco de saúde ou de segurança do próprio trabalhador ou de terceiros.
Por outro lado, trata-se de dados de saúde de que o trabalhador tem conhecimento.
Sendo assim, não se torna necessária, ao invés do que se passa no artigo 19.°, a intermediação de qualquer médico, para que esses dados possam tecnicamente ser conhecidos e valorados.
Acresce – o que não deixa de ser decisivo, igualmente, para efeitos de aferição da obediência ao princípio da proporcionalidade na sua dimensão de proibição do excesso – que o candidato ao emprego e o trabalhador têm a possibilidade de controlar a legalidade da exigência de prestação de tais informações, recorrendo, inclusivamente, a juízo, ou até recusar-se a prestá-las quando ilicitamente pedidas, e que o empregador tem de lhes fornecer fundamentação escrita na qual justifique em que medida é que ocorrem, em concreto, essas particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional que obrigam à prestação de informações.
A prestação dessas informações relativas à saúde e ao estado de gravidez, desde que se verifiquem essas particulares exigências inerentes à actividade profissional, cujo conhecimento é, aliás, essencial para o empregador, tanto assim que este não pode eximir-se da responsabilidade por acidentes de trabalho (cf. artigo 287.° do Código do Trabalho), não deixa de corresponder, de um outro lado, ao cumprimento de um dever geral de boa fé por parte do candidato a emprego ou do trabalhador na formação do contrato de trabalho e na sua execução (cf. artigos 227.° do Código Civil e 93.°, 97.°, n.°
2, e 119.° do Código do Trabalho).
Dispondo-se o empregador, no exercício dos direitos de iniciativa económica privada e de propriedade, constitucionalmente reconhecidos
(artigos 61.° e 62.° da CRP), a celebrar e a manter um contrato de trabalho para o exercício de actividades profissionais que envolvem particulares riscos de saúde ou de segurança para o trabalhador ou terceiros, afigura-se ser proporcionada ou corresponder a uma justa medida a obrigação do candidato ou do trabalhador de lhe manifestar as suas condições de saúde ou estado de gravidez conhecidos, susceptíveis de implicar com a especial natureza da actividade profissional que comporta aqueles riscos.
A intermediação de um médico para recolher e avaliar a adequação do trabalhador ou candidato a emprego, sob o ponto de vista de saúde, quando estes já têm conhecimento dos dados relevantes e podem ser, de imediato, contrastados com a justificação escrita dada pelo empregador – a qual, a maior das vezes, constituirá o resultado de uma análise feita, em termos abstractos, a pedido do empregador, pelos médicos das especialidades relacionadas com os riscos cuja consumação se pretende evitar ao trabalhador ou a terceiros –, representa o acrescentamento de um ónus sobre o empregador, assente numa suspeição injustificada no plano normativo, o qual, além do mais, implicará, sempre, o retardamento da tomada das necessárias decisões de contratar ou de adoptar os comportamentos de prevenção.
A justa medida das restrições do direito de reserva à intimidade da vida privada passa aqui pela possibilidade da tomada imediata das decisões cujo efeito útil é o de contratar ou não contratar o candidato a emprego para o exercício da actividade profissional sujeita a especiais exigências ou de tomar, no menor tempo possível, as medidas necessárias ao acautelamento dos direitos de saúde e de segurança do trabalhador e de terceiros.
Acresce, por último, que a prestação desses dados relativos à intimidade da vida privada, com a imanente quebra da reserva para o empregador, justificar-se-ia racionalmente também aqui enquanto contrapartida funcionalizada às vantagens que o trabalhador sempre alcança com a celebração do contrato de trabalho com o empregador a quem presta as informações.
b) Quanto à decisão constante da alínea e):
Ao contrário do considerado nesta alínea da decisão, é por demais evidente que o pedido do Requerente, de pronúncia da inconstitucionalidade da norma do artigo 4.°, n.° l, do Código do Trabalho, abrange tanto os regulamentos administrativos, como as próprias convenções colectivas e as decisões arbitrais. Isso mesmo resulta dos próprios termos em que o pedido é feito e que de seguida se transcrevem na parte útil: “Significa isto que, aparentemente, e ao contrário do disposto no artigo 112.°, n.° 6, da Constituição, a lei agora aprovada pela Assembleia da República confere a actos de natureza não legislativa o poder de afastar a aplicação dos seus preceitos, a não ser que deles resulte o contrário. De facto, como se estabelece no artigo
2.° do Código do Trabalho, os instrumentos de regulamentação colectiva podem ser instrumentos negociais (basicamente as convenções colectivas), mas também instrumentos não negociais de clara natureza administrativa, como são os regulamentos de extensão ou os regulamentos de condições mínimas. (...) esta lei confere a actos administrativos a possibilidade de afastamento das garantias ou direitos consagrados em acto legislativo – a Lei que aprova o Código do Trabalho. Assim, a norma constante do artigo 4.°, n.° l, do Código do Trabalho parece violar a hierarquia constitucional dos actos normativos e o princípio da tipicidade dos actos legislativos consagrados no artigo 112.°, n.ºs 1 e 6, da Constituição” (itálico acrescentado para sublinhar a intencionalidade).
Nesta perspectiva, o Acórdão deveria apreciar igualmente a questão posta da inconstitucionalidade das convenções colectivas e das decisões arbitrais com base na invocada violação do princípio da tipicidade dos actos legislativos consagrados no artigo 112.°, n.ºs l e 6, da Constituição, concluindo, porém, pela sua constitucionalidade.
c) Quanto à alínea g) constante da decisão:
Antes de mais, há que notar que o âmbito da pronúncia de inconstitucionalidade constante desta alínea, nos termos da qual se decidiu ser inconstitucional a norma do n.° 1 do artigo 4.° do Código do Trabalho, “na parte em que permite que regulamentos de condições mínimas possam afastar normas do Código que não prevejam que a regulação da matéria deva ser feita, em primeira linha, por instrumentos de regulamentação colectiva”, coincide, a nosso ver, com parte do campo hipotético abrangido pela ressalva feita no preceito (“... salvo quando delas resultar o contrário”).
A hipótese normativa correspondente à declaração de inconstitucionalidade sobrepõe-se, pura e simplesmente, segundo decorre de uma correcta hermenêutica, à de parte da hipótese que integra a ressalva feita no preceito. Consequentemente, o vício de que estaria afectado o regulamento de condições mínimas, que fosse, porventura, emitido contra o referido tipo de normas, seria o de ilegalidade por violação de norma legal de hierarquia superior.
É que na referida ressalva cabe a impossibilidade de serem afastadas normas do Código que não prevejam que a regulação da matéria deva ser feita, em primeira linha, por instrumentos de regulação colectiva. Tratam-se, ao fim e ao cabo, de normas imperativas do Código, que, na parte que aqui importa, nunca poderão, portanto, ser afastadas pelos regulamentos de condições mínimas e pelas decisões arbitrais.
Dado essa proibição constar da ressalva feita no preceito, não é curial ir buscar o parâmetro da sua ilegitimidade à Constituição, convertendo um vício de simples ilegalidade administrativa
(inconstitucionalidade indirecta) num vício de inconstitucionalidade.
De resto, não se vê como é que o desrespeito por normas imperativas estabelecidas no próprio Código de Trabalho, como decorre dos exemplos dados no Acórdão, possa degenerar num vício de inconstitucionalidade.
Note-se, por outro lado, que nem os requisitos de admissibilidade que são exigidos pelo artigo 578.° do Código do Trabalho para a emissão de regulamentos de condições mínimas permitem, sem ofensa do princípio da hierarquia das fontes, que o próprio artigo em causa aceita, que outra pudesse ser a solução legal.
Acresce que discordamos ainda do parâmetro constitucional que é convocado para censurar a dimensão da norma abarcada na pronúncia de inconstitucionalidade.
A legitimidade constitucional para a emissão de convenções colectivas, regulamentos de extensão e de regulamentos de condições mínimas deve colher-se fora do quadro da hierarquia das fontes normativas de natureza política, como sempre se entendeu mesmo antes da Constituição de 1976.
Ao contrário do que está pressuposto no pedido, não são actos normativos apenas os que constam do artigo 112.° da CRP. Os aí indicados são os actos normativos de fonte legislativa ou regulamentar, e mesmo assim apenas alguns deles, pois é evidente escapar-lhes, por exemplo, os regimentos parlamentares (artigo 175.°, alínea a)) e as decisões do Tribunal Constitucional, bem como as dos outros tribunais a que a lei confira força obrigatória geral (artigo 119.°, n.° 1, alínea g), da CRP).
Entre os actos normativos cuja admissibilidade constitucional deve colher-se fora do artigo 112.° figuram as convenções colectivas de trabalho a que alude o artigo 56.°, n.ºs 3 e 4, da CRP, cuja natureza normativa é incontroversa, dado que se impõem como tais às relações de trabalho, funcionando assim como fonte de direito (cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, pág. 308; José Barros Moura, A Convenção Colectiva entre as Fontes de Direito do Trabalho, Coimbra, 1984, maxime pág. 80 e seguintes e 116 e seguintes). E no mesmo plano, quanto à sua fonte de admissibilidade constitucional, há que colocar, por várias razões, os agora denominados regulamentos de extensão
(artigo 573.° e seguintes), antes designadas por portarias de extensão, os regulamentos de condições mínimas (artigo 577.° e seguintes) e as decisões arbitrais (artigo 564.° e seguintes, todos do Código do Trabalho).
Em primeiro lugar, porque esses actos normativos sempre foram vistos, quer antes quer depois da Constituição de 1976, como instrumentos materiais de regulação colectiva das relações de trabalho autónomos em relação
às demais fontes de direito constitucionalmente admitidas.
É certo que, quanto aos regulamentos de extensão, essa sua natureza é mais evidente por estar mais próxima da letra do n.° 4 do artigo
56.° da CRP, onde se dispõe que “a lei estabeleç[a]e as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como da eficácia das suas normas”, sendo a questão da extensão do âmbito subjectivo colectivo das convenções colectivas um puro problema de extensão do âmbito de eficácia pessoal das normas (sem qualquer inovação substantiva) de uma convenção colectiva de trabalho que foi resultado de contratação colectiva entre os sindicatos e os representantes dos empregadores.
De qualquer modo não pode negar-se que a força jurídica da extensão apenas resulta directa e imediatamente do acto regulamentar, encontrando-se a lei constitucional habilitante na lei cuja emissão está autorizada no referido artigo 56.°, n.° 4, da CRP.
Ora, também a legitimidade constitucional para a emissão dos regulamentos de condições mínimas é susceptível de ser colhida na mesma lei habilitante a que alude o n.° 4 do artigo 56.° da CRP.
Na verdade, a questão da emissão dos regulamentos de condições mínimas não deixa de ser um problema de eficácia das convenções colectivas, na sua dimensão de impossibilidade da extensão subjectiva colectiva das convenções colectivas existentes, pois a sua emissão apenas está prevista
“nos casos em que não seja possível o recurso ao regulamento de extensão, verificando-se a inexistência de associações sindicais ou de empregadores e estando em causa circunstâncias sociais e económicas que o justifiquem ...”
(artigo 578.° do Código do Trabalho).
Depois, porque não faz o menor sentido, do ponto de vista da protecção dos interesses dos trabalhadores, que constituem a razão essencial da sua emissão, enquanto parte colectiva mais fraca, que a autoridade administrativa não possa agir a coberto da mesma legitimidade constitucional que detém para a emissão dos outros regulamentos de regulação das relações colectivas de trabalho e isso tudo quando no artigo 579.° do Código do Trabalho se obriga à instituição de uma comissão técnica onde “... são incluídos, sempre que se mostre possível assegurar a necessária representação, assessores designados pelos trabalhadores e pelos empregadores interessados” e se dispõe claramente que “o regime previsto para a elaboração dos regulamentos de extensão é subsidiariamente aplicável” (artigo 579.°, n.ºs 3 e 5, do Código do Trabalho) (itálico acrescentado para reforçar a intencionalidade do argumento).
Mas existe ainda uma razão histórica para não sujeitar estes regulamentos de condições mínimas ao regime do actual artigo 112.° da CRP.
É que, quanto saibo, quando se discutiu a revisão constitucional de 1982, que levou ao aditamento do artigo 115.°, que corresponde ao actual artigo 112.°, nunca foi equacionado o problema da inclusão dos instrumentos de regulação colectiva de trabalho na sua previsão.
Mas ainda que se entenda o contrário, sempre será possível descortinar nas normas do Código do Trabalho acabadas de referir a credencial legal requerida pelo artigo 112.°, n.° 6, da CRP para a emissão dos regulamentos de condições mínimas, ficando, claro, sujeitos à regra contida na ressalva prevista no artigo 4.°, n.° 1, do mesmo Código.
Finalmente, cabe ainda dizer, na linha do que já atrás se disse, que resulta directamente da conjugação entre o disposto na ressalva feita no artigo 4.°, n.° 1, e o prescrito no artigo 578.° do Código do Trabalho que não é legalmente permitida aos regulamentos de condições mínimas a possibilidade de “afastar normas do Código que não prevejam que a regulação da matéria seja feita, em primeira linha, por instrumentos de regulação colectiva”.
Na verdade, decorre do disposto no artigo 578.° do Código do Trabalho que os regulamentos de condições mínimas nunca podem ter um
âmbito de regulação material superior ao que é permitido aos regulamentos de extensão e por indexação necessária ao que é permitido às convenções colectivas de trabalho.
E o que acaba de dizer-se pode aplicar-se, mutatis mutandis, às decisões arbitrais, tendo em conta o seu âmbito material e o disposto nos artigos 564.° e seguintes do Código do Trabalho.
d) Quanto à alínea h) da decisão: Antes de mais, não pode deixar de referir-se a vaguidade da própria decisão de inconstitucionalidade, bem como dos fundamentos que a suportam, que se pensa ser contrária à tradição do Tribunal e à segurança jurídica que aquela deve propiciar a todos os possíveis destinatários da pronúncia do Tribunal, entre eles se contando o órgão competente para “expurgar” a norma dos sentidos considerados inconstitucionais. Também neste domínio, vale o princípio da separação e interdependência dos poderes, a solicitar a demarcação precisa ou determinabilidade das decisões derivadas do exercício das respectivas competências constitucionais (artigo 111.° da CRP).
O artigo 606.° do Código do Trabalho foi considerado inconstitucional por violação do n.° 1 do artigo 57.° da CRP “enquanto permite a assunção de limitações, por parte dos sindicatos outorgantes de convenção colectiva, à declaração de greve durante a vigência da convenção e por motivos relacionados com o conteúdo desta, incluindo-se nesses motivos a reacção contra alegado incumprimento da convenção por parte das associações patronais ou dos empregadores ou a reivindicação de modificação do clausulado por invocada alteração anormal das circunstâncias, e sendo considerada ilícita a greve declarada com desrespeito pela referida limitação”.
Temos assim – e foi esse exactamente o sentido com que a norma foi contrastada com a Constituição – que a segunda parte do referido artigo 606.° só foi julgada inconstitucional quando interpretado no sentido de fazerem parte dos motivos relacionados com o conteúdo da convenção em que os sindicatos outorgantes tenham assumido limitações à declaração de greve, durante a sua vigência, o incumprimento da convenção por parte das associações patronais ou dos empregadores ou a reivindicação de modificação do clausulado por invocada alteração anormal das circunstâncias e aquela declaração de greve ser considerada ilícita.
Ora também aqui estamos perante a “idealização” de um sentido normativo que não corresponde ao resultado normal da interpretação da norma, a determinar segundo o pertinente método hermenêutico.
A assunção de limitações à declaração de greve por parte das associações sindicais tem o seu fundamento constitucional no princípio da boa fé que deve presidir à negociação colectiva.
Estamos perante um princípio geral de direito que constitui uma emanação directa do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.° da CRP e que foi também assumido, nesta sua dimensão, pelo Código do Trabalho, quer na negociação colectiva (artigo 547.°), quer na execução das convenções (artigo 561.°), quer, finalmente, na actuação das partes durante os conflitos (artigo 582.°).
Deste modo não será razoável admitir-se como estando incluído nos motivos abarcados pela limitação à declaração de greve prevista no preceito o incumprimento da própria convenção colectiva por parte das associações patronais e dos empregadores.
Trata-se de uma posição interpretativa que vai, aliás, contra o mais elementar princípio geral da boa fé a que as partes estão obrigadas no cumprimento das obrigações colectivas que decorre daquele preceito constitucional e dos citados preceitos do Código do Trabalho e que corresponde, também, ao que é afirmado, como sua densificação, no direito civil, no artigo
762.° do Código Civil.
Tratando-se de uma convenção bilateral, conquanto colectiva, não se vêem quaisquer razões para não se admitir como efeito próprio da mesma, no caso de incumprimento por uma das partes, a exceptio non adimpleti contractus, tal como acontece no direito civil (artigo 428.° do Código Civil), dado esta ter a natureza de um princípio geral fundado precisamente na boa fé posta no recíproco cumprimento e, decorrentemente, com a consequência necessária de a greve então decretada nunca poder ser tida como ilícita.
E o mesmo se diga quanto à inclusão nesse sentido interpretativo assumido pela maioria que fez vencimento da alteração anormal das circunstâncias. Na verdade, é o próprio Código do Trabalho a prever expressamente, no seu artigo 561.°, que “durante a execução da convenção colectiva atender-se-á às circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar”. Donde só se pode concluir que o preceito do artigo 606.° nunca poderia abranger “nos motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção”, em que a declaração de greve deveria ser tida por ilícita por constituir uma violação das limitações assumidas na convenção e para durar pelo tempo da sua vigência, a alteração anormal das circunstâncias.
A admissibilidade da assunção de limitações à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes da mesma convenção e por motivos relacionados com esta, excluídas as referidas hipóteses, deve, deste modo, considerar-se, até, inclusivamente, como uma obrigação fundada no princípio geral da boa fé, com consagração constitucional e na lei infra-constitucional. E não se diga que está proibida aos sindicatos a assunção da obrigação da não declaração de greve, por o direito de greve ser da titularidade dos trabalhadores, a negociação colectiva o não abranger como seu objecto e se tratar, na expressão de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, pág. 312), de “um direito não sujeito a lei restritiva”.
Em primeiro lugar, há que ter em conta que os sindicatos outorgantes da convenção apenas assumem a obrigação de não declarar a greve. O que é objecto da sua vinculação é tão-só o aspecto relativo ao direito de greve para o exercício do qual detêm competência, de par com outras organizações dos trabalhadores: – a declaração de greve.
Depois, porque os sindicatos não estão a dispor definitivamente do direito de greve, pois, para além dos casos em que a declaração de greve sempre será lícita, à luz da própria convenção, a que nos já referimos, os trabalhadores sempre poderão decretar a greve através de outras organizações suas ou aderir à greve decretada por outros sindicatos que não estão vinculados à convenção limitadora.
Depois ainda, porque não estamos perante o estabelecimento de uma restrição efectuada por lei. A limitação – e apenas ao direito de declarar a greve – é assumida pelo próprio titular deste direito e é concretizada no exercício de um direito fundamental de natureza igual ao direito de greve, como é o direito à contratação colectiva. Anote-se aqui que a O. I. T. tende a construir o direito à greve como componente da liberdade sindical e do direito à negociação colectiva (cf. La Liberté Syndicale, págs. 64 e seguintes).
Finalmente, ainda, porque não está negada a possibilidade do sindicato poder denunciar a convenção estatuidora da cláusula de paz social e com essa denúncia “recuperar” toda a extensão do direito de greve.
O argumento constante do acórdão de que uma tal possibilidade “equivale à destruição da «paz social» em muito maior medida: não só se evita a greve como, para a tornar possível, se destrói a contratação colectiva” corresponde a uma visão unilateral e redutora do fenómeno, provando demais.
Na verdade, a contratação colectiva não é destruída. As partes continuam a dispor do respectivo direito. E, quanto à paz social, ela é destruída, sim, durante a vigência da convenção colectiva, mas apenas pelo exercício da greve.
Por último, importa referir que a responsabilidade dos sindicatos e dos trabalhadores filiados por uma greve decretada ao arrepio das cláusulas de paz social, desde que ilicitamente violadas, não é mais do que uma exigência postulada pelo incumprimento de tais obrigações livremente assumidas dentro da autonomia colectiva.
e) Quanto à alínea l) da decisão:
O Acórdão considerou inconstitucionais as alíneas b) e c) do artigo 15.° do Decreto da Assembleia da República n.° 51/IX “por violação do direito à contratação colectiva, uma vez que delas resulta, por imposição estranha à vontade dos contratantes, a cessação dos efeitos de convenções em vigor, em cuja persistência continuavam interessados os respectivos outorgantes, colocando os trabalhadores filiados na associação sindical subscritora da anterior convenção na situação de terem de aderir a convenção subscrita por sindicato concorrente. Tal representa uma inconstitucional expropriação do direito de contratação colectiva dos sindicatos «minoritários», sendo que esse direito é constitucionalmente garantido a todos os sindicatos”.
Esta posição do acórdão só se compreende à luz do entendimento de uma completa fusão (e confusão) entre o direito à contratação colectiva, a sua titularidade e a convenção colectiva que resulta dela. Ora, uma coisa é o reconhecimento da competência constitucional dos sindicatos para exercer o direito de negociação colectiva, aspecto este que, sim, constitui um direito deles exercido em representação dos trabalhadores, que são os seus verdadeiros titulares, outra coisa diferente é a convenção colectiva que daquela emerge.
Na verdade, enquanto instrumento de regulação colectiva, com natureza normativa (cf. José Barros Moura, obra citada, pág. 80 e seguintes), a convenção não deixa de se autonomizar em relação a quem foi efectivamente sua parte contratante, ficando a ser direito substantivo de regulação colectiva respeitante a todos os trabalhadores e empregadores objectivamente (na acepção de categoria profissional) por ela abrangidos.
E tanto assim é, por um lado, que ela não caduca pelo simples facto de, por exemplo, terem deixado de pertencer (por desfiliação, aposentação ou morte) aos sindicatos que a negociaram todos os trabalhadores que nele estavam filiados aquando dessa contratação e, por outro, que ela não deixa de aplicar-se quer aos trabalhadores que, embora já detivessem essa qualidade, apenas se filiaram mais tarde nesse sindicato, quer aos trabalhadores que só mais tarde adquiriram essa qualidade e se filiaram, quer, finalmente, até aos trabalhadores não filiados.
O direito de representação das associações sindicais, relativamente aos trabalhadores, para a promoção e defesa dos seus direitos, nos termos do artigo 56.°, n.° 1, da CRP, não tem a natureza de procuração plural mas de um “mandato de categoria” colectivo ou de representação quer dos trabalhadores filiados quer dos não filiados, mas pertencentes à categoria abrangida pelo sindicato.
Como dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, pág. 306),
“... é igualmente óbvio que, ao promoverem os interesses dos seus associados, as vantagens respectivas podem abranger todos os trabalhadores da mesma categoria, e não apenas os sindicalizados, dando-se por isso uma promoção imediata dos direitos e interesses de todos os trabalhadores pertencentes à categoria abrangida pelo sindicato, mesmo que não estejam sindicalizados”.
Vistas assim as coisas, é por demais razoável que a lei possa determinar, em certas circunstâncias, a caducidade das convenções. O artigo 56.°, n.° 4, da CRP constitui credencial bastante para que a lei possa prescrever esse efeito na medida em que o mesmo acaba por respeitar à eficácia das normas das convenções.
O que se exige, mesmo para quem entenda que o direito de contratação colectiva tem a natureza de um direito fundamental dos trabalhadores, enquadrado nos direitos, liberdades e garantias fundamentais, como tem sido a jurisprudência maioritária deste Tribunal (cf. Acórdãos n.ºs
966/96 e 517/98, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 34.°, pág. 431 e seguintes, e vol. 40.°, pág. 573 e seguintes), é que se respeite o núcleo essencial desse direito de contratação colectiva do qual elas resultam, não tendo o mesmo a natureza de um direito fundamental dos sindicatos, pois estes apenas têm, quanto a este objecto material, competência representativa, incumbindo-lhes “defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores” (artigo 56.°, n.° 1, da CRP).
A questão que, aqui, se colocaria era, pois, tão-só a de saber se tal restrição obedeceria às exigências do artigo 18.°, n.ºs 2 e 3, da CRP, mormente no que respeita ao princípio da proporcionalidade.
E, postas as coisas neste pé, entendemos que sim. E por várias razões.
Em primeiro lugar, porque estamos perante uma solução de direito transitório que visa responder a décadas de inexistência da possibilidade de opção.
Depois, porque a caducidade das convenções, nos casos previstos na lei, advém do exercício de um outro direito fundamental dos trabalhadores, qual seja o da sua liberdade sindical – liberdade dos trabalhadores de se sindicalizar ou não e de aderir ou não (possibilidade que o acórdão não afastou) às convenções colectivas celebradas pelos sindicatos em que não estão filiados – que decorre do artigo 55.°, n.° 2, alínea b), da CRP.
Depois, porque a adesão dos trabalhadores que poderá levar à caducidade de certa convenção colectiva tem por objecto precisamente o produto da contratação colectiva traduzido numa convenção em cujo conteúdo vêem a melhor defesa dos seus direitos e interesses. Nesta dimensão da melhor defesa dos seus interesses se pode encontrar a razão (de justa medida) de colocar “os trabalhadores filiados na associação sindical subscritora da anterior convenção na situação de terem de aderir a convenção subscrita por sindicato concorrente”.
Depois, ainda, porque a possibilidade de adesão dos trabalhadores à convenção colectiva que entendem defender melhor os seus interesses e a caducidade das que não merecem o seu mesmo juízo, revelado pela não adesão, acaba por favorecer a construção da unidade dos trabalhadores na melhor defesa dos seus direitos e interesses, sendo que esta unidade para a defesa dos seus direitos e interesses é um dos objectivos pelos quais o artigo
55.°, n.° 1, da CRP reconhece aos trabalhadores a liberdade sindical.
Depois, ainda, porque a caducidade é, também, uma solução que encontra apoio no princípio democrático, estruturante do nosso sistema constitucional (artigo 2.° da CRP), da predominância da regra da maioria sobre as minorias.
Finalmente, porque o sindicato que viu a sua convenção caducar não fica privado do direito de contratação colectiva, já que pode abrir novo processo negocial, visando a obtenção de um regime que favoreça melhor os trabalhadores do que aquele que viu caducar, como expressamente se admite no n.°
3 do mesmo artigo 15.°. Nesta perspectiva, a solução legal até pode ser um modo de alargar o âmbito e dinamizar a contratação colectiva.
De tudo resulta, pois, poder considerar-se estar assegurado um mínimo de eficácia constitucionalmente relevante do direito de contratação colectiva, mesmo visto da perspectiva da titularidade representativa do mesmo por parte dos sindicatos que veriam as suas convenções colectivas caducar.
Contra estas razões não valem os argumentos, invocados pelo Requerente, de esta solução “poder constituir um desincentivo sério à filiação e participação sindical” e, igualmente, poder afectar “sensivelmente a autonomia e a representatividade sindical”.
E não valem porque a solução é construída sobre o principal pilar dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores previsto na Constituição e que é o direito de liberdade sindical dos trabalhadores
(artigo 55.° da CRP).
Em segundo lugar, porque a convenção prevalecente à qual os trabalhadores aderissem não poderia deixar de ser vista como uma convenção resultante da autonomia sindical, mas em que o grau de representatividade subjectiva, evidenciada pelo maior número de aderentes, seria superior.
Em terceiro lugar, porque a Constituição não configura as associações sindicais como estruturas económicas cujas viabilidade e estabilidade individuais tenham obrigatoriamente de existir e de cuja actividade não possam aproveitar-se os trabalhadores nelas não inscritos: enquanto estruturas nascidas da liberdade sindical elas deverão ficar sujeitas às contingências derivadas do exercício dessa mesma liberdade sindical.
Benjamim Silva Rodrigues
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Não acompanhei a maioria do Tribunal no juízo de inconstitucionalidade dos regulamentos de condições mínimas contido na alínea g) da decisão. É certo que, diferentemente dos regulamentos de extensão, eles não se ligam a nenhum instrumento de regulação colectiva negocial anterior e têm carácter normativo inovatório. Mas a sua existência só será possível precisamente nos casos em que se revele impossível o recurso àqueles, se não se verifiquem os pressupostos do exercício do direito de negociação colectiva (por inexistência de organismos representativos dos parceiros sociais) e estejam em causa circunstâncias sociais e económicas que o justifiquem – designadamente a uniformização mínima do tratamento dos trabalhadores da mesma profissão ou de profissão análoga e/ou do mesmo âmbito sectorial e profissional. Eles têm assim uma clara natureza subsidiária face aos regulamentos de extensão, ao apenas poderem ser emitidos quando a emissão destes últimos esteja excluída e se verifique o mesmo condicionalismo que os justifica. Por outro lado, o seu processo de elaboração pretende assegurar, na medida do possível, a necessária representação dos parceiros sociais, assim os aproximando ainda, na medida do possível, dos regulamentos de extensão, o que se acentua com a aplicação, a título subsidiário, aos regulamentos de condições mínimas, do regime previsto para a elaboração dos regulamentos de extensão (artigo 579.º, n.º 4, do Código). Tratando-se em ambos os casos de actos de natureza não legislativa que visam igualmente suprir a existência de vazios regulativos e assegurar a uniformidade da situação jurídica dos trabalhadores da mesma categoria ou área profissional, não se me afigura que se lhes não possa estender a argumentação desenvolvida a propósito da conformidade constitucional dos regulamentos de extensão, na medida em que o artigo 4.º, n.º 1, do Código do Trabalho garante a prevalência das normas deste Código sempre que estas a pretendam ver assegurada.
2. Votei igualmente vencido quanto à matéria da alínea h) da decisão por entender constitucionalmente admissível a estipulação de limitações ao direito à greve no âmbito da negociação colectiva. Diversamente do que se afirma no acórdão, entendo que da admissibilidade de tais restrições não decorre necessariamente a limitação convencional do exercício de um direito fundamental, quando se admita que o exercício do direito de greve desencadeie a denúncia da convenção colectiva de que tais restrições decorrem. A cláusula da paz social relativa contida no preceito cuja constitucionalidade se sindica sempre terá assim um conteúdo útil e a greve declarada em seu desrespeito não será por esse simples facto ilícita, contrariamente ao que conclui a interpretação que no acórdão se faz do preceito em apreço. Por último, também não partilhamos a interpretação que o acórdão faz do preceito sub judicio, na medida em que inclui na expressão “motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção”, quer a greve decretada com invocação da superveniência de alteração anormal das circunstâncias que tornaria injusto ou excessivamente oneroso o clausulado acordado ou parte dele, quer ainda a greve decretada para protestar contra alegado incumprimento da convenção por parte do empregador.
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencida quanto à alínea b) da decisão, por não considerar que a norma que permite o acesso directo (única dimensão da norma que foi considerada inconstitucional) do empregador a informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador, nas condições e com as exigências constantes dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 17.º do Código, viole o princípio da proibição do excesso nas restrições ao direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada.
Entendeu a posição que fez vencimento que seria suficiente para a finalidade tida em vista pelo preceito a “intervenção do médico, com a imposição de este apenas comunicar ao empregador a aptidão ou inaptidão do trabalhador para o desempenho da actividade em causa”, não só porque ao empregador apenas interessa este resultado, mas também porque o médico está sujeito ao sigilo profissional e dispõe de conhecimentos científicos que poderão relevar para o efeito.
Penso, todavia, que esta intermediação do médico, no estrito contexto do n.º 2 do artigo 17.º, não é constitucionalmente imposta, como meio de evitar a violação do princípio constitucional acima referido.
Desde logo, porque tenho, na verdade, as maiores dúvidas sobre a adequação de tal exigência. Na verdade, se é plenamente justificada a necessidade de intervenção do médico nas hipóteses previstas no artigo 19.º, uma vez que, aqui, se permite a exigência de testes e exames médicos, já nas situações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 17.º caberá perguntar que intervenção se espera do médico, se, para comunicar ao empregador se existem ou não
“inconvenientes à contratação ou à atribuição de determinadas actividades” não faz, sequer – sob pena de se cair na previsão do artigo 19.º – , o exame do candidato ou do trabalhador, nem aprecia resultados de testes a que o mesmo tenha sido submetido. Não creio que sem esse exame ou sem essa apreciação o médico possa prestar ao empregador a informação pretendida. Não vejo, assim, que, neste contexto, se possam considerar relevantes os seus conhecimentos científicos.
Para além disso, os requisitos que o artigo 17.º coloca como condição da obrigação de prestar as informações em causa – refiro-me em particular à necessidade de fundamentar, por escrito, a sua exigência, sendo tal fundamentação susceptível de controlo judicial, em caso de litígio – e a aplicabilidade expressamente prevista no n.º 4 do artigo 17.º do regime de protecção de dados pessoais para o tratamento dos dados fornecidos ao empregador garantem, por um lado, a adequação da exigência e, por outro, a protecção dos interesses do candidato ao emprego ou do trabalhador; é que, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, o empregador fica sujeito “a sigilo profissional” quanto aos dados pessoais que forem tratados
(quer automatizadamente, quer manualmente, como resulta do n.º 1 do artigo 4.º da mesma Lei).
2. Votei vencida quanto à alínea e) da decisão porque entendo que a dúvida de constitucionalidade colocada pelo Presidente da República relativamente ao n.º 1 do artigo 4.º do Código não se restringe à compatibilidade com os n.ºs 1 e 6 do artigo 112.º da Constituição da
“possibilidade de derrogação dos preceitos do Código do Trabalho” por regulamentos administrativos (de extensão ou de condições mínimas), abrangendo igualmente essa “possibilidade de derrogação” por convenções colectivas e por decisões de arbitragem obrigatória.
Não creio que seja possível interpretar o âmbito do pedido contra texto expresso recorrendo à adequação ou inadequação do “parâmetro constitucional invocado”.
3. No que respeita à alínea f) da decisão, relativa à compatibilidade do mesmo n.º 1 do artigo 4.º do Código de Trabalho, na parte em que respeita aos regulamentos de extensão, com os n.ºs 1 e 6 do artigo 112.º da Constituição, não votei no sentido da inconstitucionalidade mas não posso, nem deixar de expressar algumas dúvidas quanto à não verificação de tal inconstitucionalidade, nem acompanhar o acórdão quando recorre ao n.º 4 do artigo 56.º da Constituição para fundamentar a não inconstitucionalidade.
Votei no sentido da não inconstitucionalidade, desde logo, porque não creio que, ao introduzir a regra constante do (actual) n.º 6 do artigo 112.º da Constituição, o legislador constituinte de 1982 tenha querido acabar com os instrumentos não negociais de regulamentação colectiva (actuais portarias de extensão e de regulamentação do trabalho).
As consequências de tal inadmissibilidade seriam de tal modo gravosas, por razões que julgo desnecessário enunciar, que seria exigível uma demonstração inequívoca dessa vontade para que me sentisse habilitada a concluir nesse sentido.
Mas votei no sentido da não inconstitucionalidade também porque admito que seja possível considerar que não infringe aquela regra constitucional a admissibilidade de regulamentos administrativos (quer de extensão, quer de condições mínimas, na terminologia do novo Código) para regular matérias disciplinadas no Código, é certo (porque, caso contrário, a hipótese não cabe no n.º 1 do artigo 4.º), mas por normas expressamente declaradas (sempre pelo n.º 1 do artigo 4.º) como não imperativas.
Embora seja sempre exacto afirmar que tais regulamentos têm como efeito o afastamento de normas contidas no Código que, não fora a sua aprovação, seriam aplicáveis – e é esta a razão fundamental das dúvidas que referi –, também me não parece de excluir a possibilidade de entender que o mesmo n.º 1, no fundo, vem permitir como que o equivalente a uma deslegalização das matérias reguladas no próprio Código por norma não imperativa.
Em qualquer caso, não creio que se deva ver no n.º 1 do artigo 4.º do Código a vontade de atribuir força de lei aos regulamentos em causa.
O que já me não parece possível é encontrar no n.º 4 do artigo 56.º da Constituição a credencial constitucional para a admissibilidade de regulamentos de extensão. Com efeito, é para a lei – e não para regulamento – que este preceito constitucional remete a tarefa de definição da eficácia das normas das constantes convenções colectivas de trabalho; não pode, pois, ser invocado para afastar o n.º 6 do artigo 112.º quando está precisamente em causa a questão de saber se a lei pode, em vez de fazer ela própria essa definição, remetê-la para regulamento.
Daqui decorre que considero irrelevante para a questão de constitucionalidade colocada a circunstância de os regulamentos de extensão não terem carácter inovatório, no sentido de que apenas alargam regulamentação já constante de convenção colectiva, assim alcançando uma uniformização importante na perspectiva da igualdade. Do ponto de vista das exigências constantes do n.º 6 do artigo 112.º da Constituição, subsiste o problema da redução do âmbito de aplicação das normas do Código, bem como o da diferença de fundamento da obrigatoriedade de um e de outro instrumentos – a vontade da Administração, nos regulamentos, a vontade dos interessados, nas convenções.
Ora, se não suscita qualquer dificuldade de compatibilização com o n.º 6 do artigo 112.º da Constituição o n.º 1 do artigo
4.º do Código na medida em que se refere a estas convenções é, justamente, por terem base convencional, assim caindo fora do âmbito de aplicação daquele n.º 6
(ver, neste sentido, o acórdão n.º 98/95, Diário da República, II Série, de 16 de Junho de 1995).
4. Resulta do que acabei de afirmar a razão pela qual também não acompanhei o acórdão no julgamento de inconstitucionalidade, constante da alínea g) da decisão, do n.º 1 do artigo 4.º na parte relativa aos regulamentos de condições mínimas que venham “afastar normas do Código que não prevejam que a regulação seja feita, em primeira linha, por instrumentos de regulamentação colectiva”.
Em meu entender, a razão que permitirá a aprovação de regulamentos de extensão vale igualmente para os regulamentos de condições mínimas; devo, aliás, observar que não encontro fundamento, neste contexto, para a distinção feita pelo acórdão entre as normas (total ou parcialmente) não imperativas do Código.
5. Votei vencida quanto à alínea h) da decisão porque entendo que o acórdão adoptou para o artigo 606º do Código uma interpretação que se me afigura incorrecta, ao atribuir ao preceito um sentido meramente literal e ao ignorar os elementos que se deveriam extrair de outras normas, directa ou indirectamente relacionadas com a mesma matéria.
Assim, e desde logo haveria que ter atendido ao n.º 1 do artigo 591.º do Código, onde expressamente se proclama a irrenunciabilidade do direito à greve; para além disso, deveria ter sido ponderada a implicação da aplicabilidade, no âmbito da contratação colectiva, das regras sobre a resolução e modificação dos contratos por alteração das circunstâncias, constantes do artigo 437.º do Código Civil, bem como da consagração expressa da relevância dessas circunstâncias na execução da convenção (n.º 1 do artigo 561.º do Código do Trabalho); finalmente, também deveriam ter sido consideradas as exigências decorrentes, por um lado, da regra de que as partes devem proceder de boa fé “no cumprimento da convenção colectiva” (n.º 1 do citado artigo 561.º do Código do Trabalho) e, por outro, da necessidade de encontrar um sentido que melhor garanta o equilíbrio entre os contraentes.
Ora, da interpretação sistemática do preceito decorre que ele não pode ser entendido como permitindo o afastamento convencional da possibilidade de decretar a greve, nem em caso de incumprimento da convenção pela entidade patronal, nem quando se verifica uma alteração das circunstâncias em que as partes a celebraram; antes se deve entender que apenas admite limitações convencionais à possibilidade de declaração de greve durante a vigência da convenção, no pressuposto dessa vigência e para tentar modificar a própria convenção (cláusulas de paz social relativa e não absoluta, portanto).
A concluir, cumpre observar que, ainda que se entenda que tal impossibilidade se deva considerar implícita em qualquer convenção colectiva, não seria inútil um preceito legal com o conteúdo atrás definido, pois que, como se sabe, é controverso tal entendimento.
6. Votei, ainda, vencida quanto à alínea l) da decisão, por discordar de que as normas constantes das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo
15.º do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX violem os n.ºs 1 e 3 do artigo 56.º da Constituição (direito à contratação colectiva).
Devo, antes de mais, observar que penso que não deveriam ter sido apreciadas separadamente, por um lado, a alínea a) do n.º 1 e, por outro, estas alíneas b) e c), uma vez que, na economia do preceito, a possibilidade de escolha ali definida aparece indissociavelmente ligada, e como que constituindo um seu pressuposto, à caducidade aqui prevista.
Seja como for, não votei a inconstitucionalidade, em primeiro lugar, por se tratar de normas que integram um regime transitório, destinado a promover a uniformização das regras convencionais aplicáveis numa empresa ou num sector de actividade e, por esta via, a alcançar uma maior igualdade entre os trabalhadores abrangidos; em segundo lugar, porque a pronúncia pela inconstitucionalidade – assente na ideia de que a cessação dos efeitos das convenções, “por imposição estranha à vontade dos contraentes”, equivale a uma expropriação do direito de contratação colectiva dos sindicatos outorgantes – só pode justificar-se, a meu ver, na ideia de que os sindicatos têm um interesse autónomo (em relação aos trabalhadores que representam) na manutenção de convenções que outorgaram; ora não creio que a circunstância de a Constituição radicar nos sindicatos o direito à contratação colectiva (n.º 3 do seu artigo 56.º) implique tal reconhecimento.
É que, não impedindo a caducidade das convenções anteriores que os efeitos do respectivo regime se mantenham quanto aos contratos individuais de trabalho celebrados na sua vigência, ou quanto às suas renovações, como o acórdão afirma expressamente, a propósito da apreciação da norma “resultante da interpretação conjugada dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 557.º do Código do Trabalho”, no seu ponto F), não se vê que possam ser prejudicados os trabalhadores que pretendam continuar abrangidos por tais convenções.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto às alíneas g) e h) da decisão, e, em parte, quanto às alíneas a) e b), pelas razões que passo a expor:
1. Seguindo a ordem do acórdão, e começando pelo artigo
17º, n.º 2, parte final, do Código do Trabalho (CT), discordei das alíneas a) e b) da decisão na parte relativa à exigência, à candidata ao emprego ou à trabalhadora, de informações sobre o seu estado de gravidez.
A norma em apreço insere-se na subsecção do CT sobre
“direitos de personalidade”, que não realiza apenas uma “concentração do tratamento”, antes contém “matéria de grande novidade e inequívoco interesse”
(assim, Maria do Rosário Palma Ramalho, “O novo Código do Trabalho”, in Estudos de direito do trabalho, vol. I, Coimbra, 2003, pág. 29), colmatando, em vários pontos, um verdadeiro vazio legislativo – como é de justiça reconhecer, independentemente da opinião sobre as soluções consagradas. Resulta, a contrario, dessa norma que o empregador pode exigir informações sobre a saúde ou o estado de gravidez do candidato a emprego ou do trabalhador “quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação”. E o Tribunal pronunciou-se pela sua inconstitucionalidade, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26º, n.º 1, e 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), apenas na medida em que ela “permite o acesso directo do empregador” a essas informações – ou seja, tão-só por não prever um procedimento menos gravoso, e não devido aos termos e ao alcance dos fundamentos para a exigência de informações.
a) Estou de acordo com a decisão quanto às informações relativas ao estado de saúde (embora em termos diferenciados quanto ao candidato a emprego e quanto ao trabalhador), mesmo admitindo – como parece resultar do confronto com os artigos 19º, n.º 1, e 20º, n.º 2, do CT (admissibilidade da exigência de “realização ou apresentação de testes ou exames médicos” e da utilização de meios de vigilância à distância quando tenham “por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem”) – que a fórmula utilizada
(“quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem”) pode incluir mais do que a protecção e a segurança do trabalhador ou de terceiros. A meu ver, ela ainda exprime o essencial: que terão de existir exigências específicas da actividade desenvolvida, e não apenas gerais, que justifiquem, por exemplo, que a determinação da aptidão (ou da melhor aptidão) do candidato a emprego ou do trabalhador passe pela exigência de informações sobre a saúde. Nem será fácil, ou, sequer, possível, indicar, com a generalidade bastante, o fundamento susceptível de justificar a exigência dessas informações, sem recorrer a um conceito indeterminado do tipo do empregue no artigo 17º, n.º 2, parte final, do CT (atente-se, quanto ao direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, na bem maior indeterminação da fórmula do artigo 80º, n.º 2, do Código Civil: “a natureza do caso e a condição das pessoas”). E isto, sendo certo que – como, embora não seja explicitamente autonomizado na fundamentação deste aresto, se disse já no citado acórdão n.º
368/02, e se afigura decisivo – a concretização daquele fundamento deve, ela própria, obedecer a um critério de proporcionalidade no caso concreto, o qual é susceptível de controlo externo, facilitado pela exigência de fundamentação escrita.
Ainda quanto à exigência de informações sobre o estado de saúde, entendo, aliás, que, como este Tribunal também já salientou no acórdão n.º 368/02 e se recorda no acórdão, as situações do candidato ao emprego e do trabalhador não são inteiramente equiparáveis na sua relevância constitucional: enquanto, para o primeiro, essas informações serão, normalmente, apenas um ónus para a obtenção de emprego, para o segundo pode, em actividades cujo desempenho pressuponha particulares exigências de saúde, existir um verdadeiro dever jurídico – e, aliás, reconhecível logo no momento da celebração do contrato – de prestação de informações relativas ao estado de saúde.
b) Já no que diz respeito às informações sobre o estado de gravidez, da candidata ao emprego ou da trabalhadora, discordei da decisão por entender que a fórmula utilizada, na medida em que inclui como fundamento mais do que a segurança e a saúde da trabalhadora ou de terceiros (incluindo o feto), é excessivamente ampla, permitindo ao empregador a exigência de informações sobre um estado não patológico e que, além do mais, possibilita inaceitáveis discriminações em função do género. Designadamente, quando não está em causa a protecção e a saúde da trabalhadora (eventualmente) grávida ou de terceiros, a possibilidade de o empregador exigir informações sobre este estado para apurar a aptidão – ou a melhor aptidão – para a actividade em causa afigura-se-me de todo em todo inaceitável. A meu ver – e sempre na medida em que não estejam em causa apenas a segurança e a saúde da grávida ou de terceiros –, não basta então um controlo da proporcionalidade da exigência no caso concreto, já que, por um lado, a informação em causa se reporta à maternidade, que merece
“especial protecção” por parte do Estado (artigo 68º, n.º 3, da CRP), e, por outro lado, possibilita (ou inculca mesmo, pois a exigência de informação terá normalmente esse objectivo) actuações, por parte do empregador, de discriminação em razão do género, e em função da maternidade. É, pois, logo qualquer fundamento para a exigência de informação, na medida em que vai além da protecção da segurança e da saúde da grávida ou de terceiros, que, a meu ver, carece de justificação – sendo esse o caso, designadamente, da exigência de informações sobre a gravidez (para além da protecção da saúde e da segurança, repito) com a finalidade exclusiva de determinar a melhor aptidão ou de aumentar a produtividade.
A distinção entre as informações sobre a saúde e sobre o estado de gravidez afigura-se-me, pois, necessária quanto aos fundamentos da sua exigência. Mas também a proibição de acesso directo à informação, resultante da alínea b) da decisão, faz, a meu ver, menos sentido quanto às informações sobre o estado de gravidez. Isto, não apenas por se tratar de um estado não patológico
– antes merecedor de protecção – e que, em regra, a breve trecho sai da esfera da “intimidade da vida privada”, como, também, por a própria intervenção do médico ser, aqui, menos adequada a proteger a informação: ante uma resposta do médico no sentido da inaptidão, na sequência da pergunta do empregador à trabalhadora (ou à candidata ao emprego) especificamente sobre o seu estado de gravidez, não poderá normalmente dizer-se que a reserva sobre a informação tenha ficado preservada pela intervenção do terceiro.
Teria, pois, julgado inconstitucional, por violação do artigo 26º, n.º 1, da CRP (que consagra o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à “protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”), a norma do artigo 17º, n.º 2, in fine, do CT, na medida em que permite ao empregador a exigência, à candidata ao emprego ou à trabalhadora, de informações sobre o seu estado de gravidez, que não sejam justificadas pela protecção da segurança e da saúde daquelas ou de terceiros, mas já não na medida em que, nos casos em que tal exigência é de admitir, permite ao empregador o acesso directo a tais informações.
2. Dissenti também da alínea g) da decisão, que se pronunciou pela inconstitucionalidade, por violação do artigo 112º, n.º 6, da CRP, da norma do artigo 4º, n.º 1 do CT, “na parte em que permite que regulamentos de condições mínimas possam afastar normas do Código que não prevejam que a regulação da matéria seja feita, em primeira linha, por instrumentos de regulamentação colectiva”.
a) O alcance deste juízo de inconstitucionalidade não se me afigura claro – como, aliás, julgo acontecer também, por exemplo, quanto ao
“pressuposto” referido na alínea i) da decisão ou quanto à alínea j), de que também discordei –, já que não consigo acompanhar a distinção, no CT, entre as
“categorias de normas” ditas “dispositivas” e “supletivas”, tal como é feita do aresto – as categorias (iii) e (iv), distinguidas no ponto 21 –, para se concluir, apenas para as primeiras, que, quanto aos regulamentos de condições mínimas, “o questionado artigo 4º, n.º 1, viola irremissivelmente o disposto no artigo 112º, n.º 6, da CRP”.
Entendo, na verdade, que, para o artigo 4º, n.º 1, do CT, e respectiva apreciação constitucional, apenas é relevante a distinção entre as normas imperativas (no seu todo ou quanto à parte ou sentido em que não consintam derrogações) e as restantes, que, nos termos da lei, podem ser afastadas por instrumentos de regulamentação colectiva. A distinção adicional do aresto, dentro destas últimas, entre, por um lado, normas do CT “que não prevejam que a regulação da matéria seja feita, em primeira linha, por instrumentos de regulamentação colectiva”, e, portanto, “dotadas de incondicionada eficácia”, e, por outro lado, normas (“supletivas”, no sentido do aresto) que “só actua[m] se não houver regulação por instrumento colectivo ou pelo contrato individual de trabalho” – ou “em que o Código entende que a matéria deve ser regulada, em primeira linha, por instrumentos de regulamentação colectiva e só para a hipótese de estes instrumentos nada regularem é que estabelece o regime aplicável” –, cuja operatividade estaria “dependente da verificação de uma condição”, não obedece a um critério claro, desde logo, por tomar como ponto de referência, ora apenas a falta de regulação colectiva, ora a ausência de qualquer estipulação, incluindo a individual – misturando, pois, o que é dispositivo (ou “supletivo”, na terminologia do aresto) apenas em relação a instrumentos de regulamentação colectiva (por exemplo, o artigo 256º, n.ºs 2 e
3, do CT; no artigo 166º, n.º 1, diversamente, não está sequer em causa uma norma dispositiva) e o que pode também ser alterado por contrato individual
(exemplos dos artigos 178º, n.º 2, 184º, n.º 3, e 268º, n.º 1).
Por outro lado, logo os exemplos apresentados revelam claramente que tal distinção sobrevaloriza a formulação literal, sem relevância substancial (e, portanto, constitucional), do preceito, não havendo – o que é decisivo – garantia, ou, sequer, qualquer indício, de que a diferença seja mais do que puramente casual, por ter sido sistematicamente tomada em conta na redacção do diploma em apreço. O que, aliás, não pode admirar, pois a distinção também se não encontra na doutrina, a qual, em regra, se limita a classificar as normas dispositivas (por vezes ditas também facultativas) em subespécies como, por exemplo, concessivas ou permissivas, interpretativas e supletivas (assim, v. g., João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Coimbra, 1983, pág. 97, e, em sentido próximo, José de Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e teoria geral, 9ª ed., Coimbra, 1995, págs. 551 e segs.). Não pode certamente ser da circunstância de uma norma conter um inciso final ressalvando “disposição diversa estabelecida em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” (artigo 194º, n.º 1, do CT, quanto ao período normal de trabalho diário do trabalhador nocturno, quando vigore regime de adaptabilidade, apontado no aresto como exemplo de norma “dispositiva”), em vez de se iniciar com a expressão “na falta de disposições incluídas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” (n.ºs 2 e 3 do artigo 256º do CT, sobre a retribuição especial do trabalhador isento de horário de trabalho, indicados como normas “supletivas”), ou de “diferenças” semelhantes, que depende o
“congelamento do grau hierárquico” das respectivas normas legais, e, consequentemente, a compatibilidade do artigo 4º, n.º 1, do CT com o n.º 6 do artigo 112º da CRP!
b) Em meu entender, a pergunta de que o Tribunal haveria de ter partido, para apurar a conformidade do preceito questionado com o artigo
112º, n.º 6, da CRP, era, antes, a de saber se esta norma constitucional, ao proibir a lei de “conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa (…) modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”, veda a aprovação de normas legais dispositivas em relação a instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, sem distinção entre os negociais e os não negociais – a aprovação de normas que não são, pois, apenas
“convénio-dispositivas” (v. Maria do Rosário Palma Ramalho, Da autonomia dogmática do direito do trabalho, Coimbra, 2000, págs. 843 e seg.), mas, antes, dispositivas também em relação a “instrumentos de regulamentação colectiva não negociais”.
Logo no plano da interpretação do artigo 112º, n.º 6, da CRP, tenho dúvidas de que se possa dizer que, pelos seus efeitos, estes instrumentos de regulamentação colectiva impliquem, quanto às normas não imperativas, uma modificação da lei do tipo da que o legislador constitucional pretendeu proibir com a introdução daquela disposição constitucional.
Como se sabe, o antecedente desta é o artigo 115º, n.º
5, aditado pela Lei Constitucional n.º 1/82, na sequência dos projectos de revisão constitucional n.ºs 1/II e 4/II (apresentados pela ASDI e pela FRS, in Diário da Assembleia da República [DAR], II legislatura, 1ª sessão legislativa, II série, n.º 55, pág. 2298, e n.º 70, pág. 2697). Tratou-se de uma norma apresentada com um “escopo de ordem, de equilíbrio, de definição precisa”, e que constituiria, nas palavras do Deputado Luís Nunes de Almeida na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (DAR, II série, suplementos ao n.º 19, de
25 de Novembro de 1981, pág. 432-(25), e ao n.º 44, de 27 de Janeiro de 1982, pág. 904-(27)), “um caso de higiene jurídica”, não deixando, porém, de se alertar, desde logo, para os “riscos de que uma norma deste tipo é susceptível”
(assim, a Deputada Margarida Salema, DAR, loc. cit.). Este Tribunal já teve, aliás, a propósito de outra dimensão da mesma norma constitucional, ocasião de aderir a uma sua interpretação restritiva, quanto aos regulamentos executivos
(Acórdão n.º 1/92, in Diário da República [DR], Série I-A, n.º 43, de 20 de Fevereiro de 1992).
Ora, não só não se encontra na discussão que deu origem a esse artigo 115º, n.º 5, qualquer menção que leve a crer que foram considerados como abrangidos pela sua hipótese os instrumentos administrativos de regulamentação colectiva do trabalho, já então existentes, como parece sustentável que, tratando-se de normas que o legislador pretendeu justamente como dispositivas, não só em relação a instrumentos negociais, como também aos não negociais, estes últimos não modificam o regime legal enquanto tal, não invertendo ou adulterando a hierarquia dos actos normativos, e antes o concretizam para determinado sector, profissão ou área geográfica.
c) Isto mesmo, aliás, é o que acontece também com outros instrumentos de regulamentação, como as convenções colectivas de trabalho, não podendo deixar de estranhar-se que normas que o legislador pretendeu que fossem dispositivas em relação a todos os instrumentos de regulamentação colectiva viessem a poder ser alteradas apenas por instrumentos negociais, mas já não, quando estes não podem existir, pelos correspondentes instrumentos não negociais, que visam, justamente, suprir a sua falta.
Na verdade, o acórdão fundamenta a inexistência de inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 4º do CT, na parte em que se refere a regulamentos de extensão, não só no seu carácter materialmente não inovatório e nos seus objectivos de uniformização, como na circunstância de, ao prever a sua emissão, o legislador estar ainda a “regular a eficácia” das convenções colectivas de trabalho, como lhe consente o n.º 4 do artigo 56º da CRP, deixando em aberto a questão de saber se, independentemente desta previsão específica, estaríamos perante uma modificação da lei proibida pelo artigo 112º, n.º 6 (no sentido de que as exigências constitucionais sobre regulamentos não são aplicáveis à declaração de força obrigatória geral das convenções colectivas, vejam-se, aliás, já as decisões do Tribunal Constitucional Federal alemão intituladas Allgemeinverbindlicherklärung I e II, de 1977 e 1980, in Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, respectivamente vol. 44, págs. 322 e segs., e vol. 55, págs. 7 e segs.).
Além do efeito de mera extensão da disciplina convencional e do reconhecimento constitucional contido no artigo 56º, n.º 4, é ainda, porém, relevante, a meu ver, a circunstância de os regulamentos de extensão dependerem da inexistência de um regime convencional aplicável, ou, mesmo, da impossibilidade de este vir a existir (artigo 575º, n.ºs 1 e 2, do CT), que mostra bem tratar-se aqui de suprir as falhas dos instrumentos de regulamentação colectiva negociais.
Ora, para os regulamentos de condições mínimas, o artigo
578º do CT, estando em causa circunstâncias sociais e económicas que o justifiquem, faz depender a sua admissibilidade de que “não seja possível o recurso ao regulamento de extensão, verificando-se a inexistência de associações sindicais ou de empregadores” – e, portanto, de que não possa existir disciplina convencional susceptível de ser estendida. Não só, pois, o artigo 4º, n.º 1, do CT vale apenas para as normas deste diploma que sejam dispositivas, como os regulamentos ora em questão existem também para suprir falhas – embora, por assim dizer, mais radicais – da contratação colectiva, com o “objectivo de assegurar, por relevantes razões sociais e económicas, uma uniformização mínima do tratamento dos trabalhadores”.
Entendido assim o tipo de normação em causa, como concretização para determinado sector, atendendo às respectivas particularidades e para suprir a inexistência de instrumentos de regulamentação colectiva negociais, de normas legais dispositivas, que poderiam ser afastadas por estes outros instrumentos, afigura-se-me não poder concluir-se que está em causa uma autorização da lei para modificação dos seus preceitos, no sentido constitucionalmente proibido pelo artigo 112º, n.º 6, da CRP.
E, nestes termos, não me teria pronunciado pela inconstitucionalidade do artigo 4º, n.º 1, do CT, mesmo na parte em que se refere a regulamentos de condições mínimas.
3. Não subscrevi também a pronúncia de inconstitucionalidade contida na alínea j) da decisão, do artigo 606º, parte final, do CT, que permite à contratação colectiva estabelecer “limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes por motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção”.
Esta norma foi considerada inconstitucional, “por violação do n.º 1 do artigo 57.º da CRP”, devido ao que se entendeu serem o seu
“alcance e consequências”: isto é, “incluindo-se nesses motivos”, para além da modificação do clausulado sem alteração de circunstâncias, “a reacção contra alegado incumprimento da convenção por parte das associações patronais ou dos empregadores ou a reivindicação de modificação do clausulado por invocada alteração anormal das circunstâncias, e sendo considerada ilícita a greve declarada com desrespeito pela referida limitação”.
A minha discordância do aresto resulta, neste ponto, de entender que ele procedeu, sem justificação, a uma interpretação ad terrorem – e, consequentemente, “inconstitucionalizadora” – da norma em causa, preferindo atribuir-lhe, com base em pressupostos inverosímeis e em considerações contraditórias, um âmbito que não é imposto pela sua letra e é contrário à razão da norma e a outros elementos de interpretação, e determinando as suas consequências de forma verdadeiramente drástica, apesar de, a meu ver, errada – tudo isto, aliás, não considerando sequer a evidente possibilidade de, sem se afastar significativamente do “sentido normal ou natural” do preceito, o interpretar em conformidade com a Constituição.
a) Com efeito, é sabido que uma norma só deve ser declarada inconstitucional quando não possa ser interpretada em harmonia com a Constituição, podendo esta harmonia resultar também de um “conteúdo ambíguo ou indeterminado da lei ser determinado mediante conteúdos constitucionais” (Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 19ª ed., Heidelberg, 1993, pág. 31), já que as normas constitucionais não são apenas normas-parâmetro, mas antes, também, materiais, que, nesta faceta, determinam o conteúdo das normas a apreciar. O fundamento da interpretação conforme à Constituição não radica, aliás, em qualquer favor legis, mas antes na força normativa da Constituição e na hierarquia das normas (Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 6ª ed., Coimbra, 2002, pág. 1294), e, em última instância, na unidade da ordem jurídica, pelo que – não dependendo também da possibilidade de imposição vinculativa da interpretação aos restantes tribunais – vale, igualmente, nos processos de fiscalização abstracta, incluindo a fiscalização preventiva (assim, Rui Medeiros, A decisão de inconstitucionalidade, Lisboa, 1999, págs. 394 e segs.). Aliás, este Tribunal tem efectuado, também em fiscalização preventiva, interpretações em conformidade com a Constituição – assumidamente, por exemplo, no acórdão n.º 108/88 (in DR, I série, de 25 de Junho de 1988). Esta interpretação apenas é de rejeitar se não se justificar – assim, por exemplo, no acórdão n.º 254/92, in DR, Série I-A, de
31 de Julho de 1992, justificou-se a rejeição do recurso à interpretação conforme à Constituição, num caso de fiscalização preventiva, com a circunstância de ela subverter a vontade presumida do legislador e não se verem
“quaisquer razões de ordem substancial que o justifiquem” – ou se for impossível, por corresponder a uma revisão do seu conteúdo: não há fundamento para salvar a lei “quando o procedimento metódico revela que todos os sentidos possíveis contrariam a Constituição” (J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., pág. 1296, itálico aditado).
Ora, no presente caso, não só se omitiu qualquer justificação para que a norma não fosse interpretada em conformidade com a Constituição – referindo-se apenas um seu “sentido normal ou natural”, aliás, muito discutível em vários aspectos –, como estamos muito longe daqueles limites a este procedimento, posto que os elementos interpretativos permitem claramente o entendimento da norma, em conformidade com a Constituição, no sentido de que nela se permite tão-só a limitação convencional à declaração de greve para modificação do conteúdo da convenção, sendo as consequências da greve contrária a esta cláusula as previstas, em geral, para o não cumprimento da convenção.
b) Com efeito, o artigo 591º, n.º 3, do CT preceitua que
“o direito à greve é irrenunciável”, pelo que, logo por razões sistemáticas, deveria preferir-se uma interpretação das normas do Código que preservasse o sentido desta proclamação.
Esta interpretação foi, porém, rejeitada, sem justificação bastante, pelo acórdão, que preferiu substituir o bom cânone interpretativo, recomendado pelos fundamentos referidos, pelo da interpretação em desconformidade com a Constituição. E isto, aproveitando, ainda, para, en passant, lançar um veredicto de inconstitucionalidade (pois este, diz-se,
“parece seguro”) sobre uma norma que se não encontra no CT e não estava em causa: a previsão da possibilidade de ditas “renúncias absolutas”, “no sentido de que, nesse período, as associações sindicais não poderiam declarar qualquer greve, independentemente da motivação e dos objectivos da mesma” (dizendo, porém, que a possibilidade de cláusula expressa de paz social absoluta é admitida no direito alemão, veja-se Brox/Rüthers, Arbeitsrecht, 13ª ed., 1997, p. 193; a mesma informação pode, entre nós, colher-se em António Monteiro Fernandes, Direito do trabalho, 10ª ed., Coimbra, 1998, pág. 707).
O entendimento “inconstitucionalizador” da norma em apreço incidiu, em primeiro lugar, sobre a “abrangência das limitações” à greve permitidas pela norma em causa. Afigura-se, porém, pelo menos inverosímil considerar, com base no “sentido normal ou natural da expressão ‘motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção’”, que estão também previstas na parte final do artigo 606º do CT cláusulas limitativas da declaração da greve
“para protestar contra alegado incumprimento da convenção por parte do lado empresarial”. É que tal pressupõe admitir a possibilidade – realmente absurda – de o sindicato contraente aceitar, com tal cláusula, prescindir da greve mesmo para reagir contra o próprio não cumprimento da convenção pela outra parte. Acresce que, em caso de (mesmo só alegada) inexecução da convenção pela outra parte, a cláusula desta que limita o recurso à greve não terá, evidentemente, qualquer efeito limitativo, não por a Constituição não a permitir, mas, desde logo, por a convenção não estar a ser cumprida pela outra parte (“inadimplenti non est adimplendum”). Trata-se, simplesmente, de uma aplicação do regime geral da convenção colectiva, sem se tornar sequer necessária, neste ponto, qualquer interpretação em conformidade com a Constituição.
Também a inclusão, na hipótese do artigo 606º, parte final, do CT, da limitação da greve decretada com invocação de alteração anormal das circunstâncias é desmentida pela aplicação do regime geral da convenção colectiva, uma vez que (como se lê na declaração de voto aposta ao Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 156/81, citado no acórdão) “conferindo a lei geral, relativamente a qualquer contrato e quando as circunstâncias em que as partes fundaentaram a decisão de contratar tenham sofrido uma alteração anormal, o direito à parte lesada de obter a resolução do contrato ou a modificação deste segundo juízos de equidade (artigo 437.º do Código Civil), afigura-se que, ‘enquanto aquela greve se relacionar com o exercício deste direito, tem de se reconhecer a sua legitimidade e a sua licitude’”. O acórdão dá, aliás, por “assente” a tese favorável à aplicabilidade da alteração das circunstâncias às convenções colectivas, com apoio no n.º 2 do artigo 561º do Código do Trabalho (segundo o qual “durante a execução da convenção colectiva atender-se-á às circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar”), e invocando, nesse sentido, António Menezes Cordeiro (Convenções Colectivas de Trabalho e Alterações de Circunstâncias, Lisboa, 1995, págs. 103-105). Mas, a meu ver incompreensivelmente, recusa-se a extrair daqui a consequência de que a convenção – e a própria cláusula limitativa da declaração de greve – pode ser modificada ou denunciada com fundamento na alteração das circunstâncias. Vale a pena, a este propósito, recordar o que na obra invocada no acórdão a este propósito se escreve pouco mais à frente (ob. cit., pág. 110): “quando as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato se alterem, ao ponto de a exigência das obrigações assumidas ser gravemente contrária aos princípios da boa fé, a convenção deve ser alterada ou, no limite, pode ser denunciada, visto o disposto no artigo 437º/1 do Código Civil”. Trata-se, pois, também aqui, de uma mera aplicação do regime geral, mesmo no caso de os empregadores ou as suas associações negarem a ocorrência dessa alteração anormal (pressuposto, evidentemente, que esta tenha existido), o qual pode facultar a denúncia imediata da convenção – e não, evidentemente, a denúncia para o fim do prazo prevista no artigo 558º, n.º 2 –, incluindo a cláusula de paz social, assim afastando qualquer limitação à greve nesta hipótese.
c) Quanto às consequências da greve declarada em violação da cláusula de paz social, o preceito do artigo 606º nada diz. A sanção normal será, pois a responsabilidade da entidade vinculada pela cláusula pelo não cumprimento da convenção: isto é, a responsabilidade dos sindicatos outorgantes nos termos do artigo 562º (assim, aliás, Pedro Romano Martinez, Considerações gerais sobre o Código do Trabalho, pág. 22, cit. no acórdão apenas a propósito de outra norma).
Apesar de assumido como “incontroverso” no acórdão, não pode deixar de discordar-se do entendimento de que também os trabalhadores filiados na associação sindical que outorgou a convenção podem ser responsabilizados pelos prejuízos causados pela falta culposa ao cumprimento das obrigações emergentes da convenção, por terem ficado vinculados por esse compromisso. Nada impõe tal conclusão, que resulta, a meu ver, da confusão entre os conteúdos obrigacional e normativo da convenção, e entre esta e o conteúdo dos contratos individuais. Na verdade, a “representação” dos filiados reporta-se normalmente, não ao conteúdo obrigacional, mas à aprovação de normas que vão integrar os contratos celebrados por aqueles, pelo que da convenção colectiva emergem obrigações para as respectivas partes, ficando os trabalhadores – que não são partes – vinculados pelo conteúdo normativo da convenção. Assim, quando um trabalhador se afasta dos deveres resultantes, para si, das normas aprovadas na convenção, não está a deixar de cumprir a convenção, mas antes o seu contrato individual de trabalho. Aliás, o artigo 606º, parte final, do CT, apenas prevê
“limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes” e não obrigações para os trabalhadores, sendo, ainda, o próprio acórdão a salientar, pouco mais à frente, que é “questionado que a representação dos trabalhadores pelas associações sindicais no âmbito da contratação colectiva seja credencial bastante para se considerar licitamente delegada nessas associações a possibilidade de renúncia”.
Também a conclusão de que a violação da cláusula de paz social torna a greve, não só violadora da convenção, mas também ilícita, com efeitos disciplinares para os trabalhadores grevistas, não é inculcada pelo CT, sendo, aliás, perfeitamente possível, ainda que se entendesse o contrário, subordinar a conformidade com a Constituição à ausência de tais consequências.
Por último, também não pode concordar-se com a negação de que mesmo os trabalhadores filiados no sindicato outorgante da convenção colectiva em causa podem, sem quaisquer consequência, aderir a uma greve declarada por outro sindicato (ou, nos termos do artigo 592º, n.º 2, do CT, pela assembleia de trabalhadores). Diversamente do que, aumentando drasticamente o alcance e as consequências da cláusula de paz social, se diz no aresto, esse outro sindicato existente na empresa (ou a assembleia de trabalhadores, nos casos previstos no citado artigo) podem perfeitamente declarar uma greve motivada por matérias relativas ao conteúdo da convenção de que não são partes, logo se vendo, aliás, que são apenas estes motivos relativos ao conteúdo convencional que estão em causa, e não “o específico motivo de obter a alteração ou o cumprimento de uma convenção” de que se não é parte (embora, mesmo quanto a estes, possam existir “greves de solidariedade”).
d) Em meu entender, o Tribunal podia e devia, pois, ter interpretado o artigo 606º, parte final, do CT no sentido de este se referir às greves que visem alterar o conteúdo da convenção durante o seu prazo de vigência, não se vislumbrando justificação para o ter deixado de fazer.
Entendo que, com este âmbito, o “dever de paz social” é inequivocamente constitucional, correspondendo ao que esteve já previsto na Lei da Greve de 1974 (artigo 5º do Decreto-Lei n.º 392/74, de 27 de Agosto, segundo o qual era “ilícita a greve que tenha como objectivo a modificação de contratos e acordos colectivos de trabalho, antes de expirado o seu prazo de vigência”), e
à posição largamente maioritária nas ordens jurídicas que nos são mais próximas. Nestas, o que se discute hoje é se esse dever é um elemento natural da convenção colectiva, como exigência decorrente do princípio pacta sunt servanda e da boa fé, ou se apenas existe quando estiver previsto em cláusula adrede. Mesmo quanto a esta alternativa, porém, a posição dominante em várias ordens jurídicas é hoje também a de que, pondo fim ou prevenindo uma luta laboral, do próprio
“sentido da convenção colectiva como ‘contrato de paz’ resulta para as partes na convenção um dever de paz, mesmo que este não tenha sido expressamente convencionado na convenção” – assim Brox/Rüthers, Arbeitsrecht, cit., pág. 192; entre nós, veja-se, por exemplo, António Menezes Cordeiro, Manual de direito do trabalho, reimpressão, Coimbra, 1997, pág. 401 (a “obrigação de paz relativa constitui o complemento necessário da própria jurisdicidade das convenções colectivas”); já António Monteiro Fernandes, Direito do trabalho, cit., págs.
709 e seg., admite a consagração de um “dever relativo de trégua” no plano propriamente convencional, e não enquanto imposição legal; admitindo os “pactos de paz” no direito espanhol, veja-se Manuel Alonso Olea/Maria Emília Casas Baamonde, Derecho del trabajo, 16ª ed., Madrid; e, referindo que um “certo debate sobre a possibilidade das cláusulas de paz sindical” ocorreu em Itália nos anos 60, veja-se, para o direito italiano, Giuseppe Pera, Compendio di diritto del lavoro, 5ª ed., Milano, 2000, págs. 70 e 83.
Mesmo, aliás, que se entendesse que o direito à greve não é compatível, sequer, com uma obrigação, de meios, a cargo dos sindicatos de evitar a greve para alterar o conteúdo da convenção, e com as consequências resultantes do não cumprimento desta, julgo que se não deveria ter “descartado”, ainda assim, a possibilidade de interpretar a norma em causa “em conformidade com a Constituição”, no sentido de permitir apenas, como consequência desse não cumprimento, a perda de direitos ou de contrapartidas concedidas pela própria convenção, ou, em alternativa, a cessação imediata de vigência da convenção por denúncia das associações sindicais, tendo como fundamento o exercício do direito de greve. A justificação adiantada para considerar esta última interpretação como pouco razoável, por conduzir à destruição da paz social em muito maior medida (“não só não se evita a greve como, para a tornar possível, se destrói a contratação colectiva”) baseia-se numa evidente petição de princípio: dá como assente que a cláusula de paz social convencionada já deixou de ser cumprida
(ou, pior, que não é para cumprir), e não considera que ela pode, mesmo só naqueles termos, ter um importante efeito pacificador e preventivo.
O artigo 606º, parte final, do CT, não merecia, pois, a interpretação “inconstitucionalizadora” que a maioria do Tribunal preferiu fazer. Entendo, antes, que aquela norma era susceptível de ser interpretada em conformidade com a Constituição, pelo que não me teria pronunciado pela sua inconstitucionalidade.
Paulo Mota Pinto
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido, em parte, quanto à alínea b) da decisão do presente acórdão, de que esta declaração faz parte integrante, já que, na minha perspectiva, a norma constante do segundo segmento do n.° 2 do artigo 17.° do Código de Trabalho, aprovado pelo Decreto da Assembleia da República n° 51/IX, na medida em que permite o acesso directo do empregador a informações sobre a saúde e o estado de gravidez, só viola o princípio da proibição do excesso nas restrições à reserva da intimidade da vida privada quando essas informações se reportem ao trabalhador.
Na verdade, se a aludida norma não enfermasse de tal vício, seria lícito o acesso directo do empregador a tais informações e, consequentemente, caso o mesmo as solicitasse directamente ao trabalhador, este, se se recusasse a fornecê-las, incorreria eventualmente em infracção disciplinar o que, eventualmente, poderia ter acentuadas repercussões na relação de emprego que já existia entre a entidade patronal e o trabalhador.
Ora, esta hipotética consequência, a meu ver, seria desproporcionada e excessiva no balanceamento entre a estrita e relevante necessidade da entidade empregadora para a avaliação da aptidão do trabalhador no que respeita à execução do contrato de trabalho, e a reserva da intimidade da vida privada deste último.
Já pelo que toca ao candidato a emprego, na minha
óptica, uma tal patente desproporção se não depara.
É que, de um lado, é aceitável que a entidade empregadora, atenta a estrita e relevante necessidade de aptidão para o desempenho de determinado posto de trabalho, possa saber se o candidato reúne as cabidas características para tanto, estando em causa, como está, por um lado, uma mera prospecção sobre alguém que possa vir a desempenhar um tal cargo e, por outro, as relevantes necessidades da empresa.
Se o candidato entender que a resposta aos pedidos de informação do (eventual) empregador ofendem a sua intimidade, poderá recusar-se a fornecê-las ou contrapor que somente as fornecerá a um médico que, vinculado que está ao segredo profissional, transmitirá ao empregador tão-só informação sobre se aquele candidato está, ou não, apto a desempenhar o posto de trabalho a que se candidatou. Com essa recusa ou contraposição, o candidato não incorrerá em qualquer ilícito e, por conseguinte, não se me afigura que haja, no segmento normativo em apreço e na medida em que o preceito é agora apreciado, um excesso ou uma desproporcionalidade censurável.
2. Votei igualmente vencido quanto ao decidido sob as alíneas g) e h), o que faço pelo essencial das razões que constam da declaração de voto da Ex.ma Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza e para a qual, com vénia, remeto.
3. Conquanto não tenha ficado vencido quanto à decisão
ínsita na alínea f), não posso deixar de manifestar as dúvidas semelhantes às que, referentemente à norma vertida no n.° 1 do artigo 4.° do mencionado Código do Trabalho, na parte em que se refere a regulamentos de extensão, se surpreendem na declaração de voto da Ex.ma Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.
Bravo Serra
DECLARAÇÃO DE VOTO
l. Votei vencida quanto às decisões constantes das alíneas a), d) e i), pelos fundamentos invocados na declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Mário Torres.
2. Votei vencida, em parte, quanto à decisão constante da alínea f) e votaria em termos mais amplos a decisão de inconstitucionalidade constante da alínea g), pelas razões que a seguir enuncio.
A posição que assumi quanto à matéria tratada na parte D) do acórdão (n.°s 19 a 21) resulta de me ter pronunciado no sentido da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4.°, n.° l, do Código do Trabalho, aprovado pelo Decreto da Assembleia da República n.° 51/IX, na medida em que tal norma permite o afastamento de normas do Código através de instrumentos de regulamentação colectiva menos favoráveis para os trabalhadores, por violação do princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, inerente ao princípio do Estado Social.
Embora não tenha consagração num preceito constitucional determinado, o princípio que é normalmente designado como “princípio do tratamento mais favorável do trabalhador” não pode deixar de se considerar um elemento estruturante da Constituição laboral portuguesa.
A Constituição da República Portuguesa rejeita um modelo liberal e intervém directamente no mundo do trabalho, definindo um estatuto social mínimo cujo respeito impõe não apenas às entidades privadas, mas também
às entidades públicas, e, desde logo, ao próprio legislador. A protecção social dos trabalhadores é concretizada através de um conjunto diversificado de meios: atribuição de direitos individuais aos trabalhadores (entre outros, segurança no emprego, direito à retribuição de modo a garantir uma existência condigna, direito à prestação do trabalho em condições de higiene e segurança, direito a um limite máximo da jornada de trabalho); atribuição de direitos às organizações representativas dos trabalhadores (direito de participar na elaboração da legislação do trabalho, direito de contratação colectiva, direito à greve); participação do Estado, através da função legislativa, nas tarefas de concretização e de garantia dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.
Ora, a meu ver, do princípio do Estado Social consagrado na Constitução Portuguesa é possível retirar o “princípio do tratamento mais favorável do trabalhador”. Tal significa que as várias injunções constitucionais no domínio laboral devem interpretar-se no sentido de que estabelecem uma tutela mínima: ao Estado cabe definir e garantir um programa, que os destinatários podem concretizar, melhorando, mas não piorando, as condições que derivam da lei.
Considerem-se, designadamente, o artigo 2.°, o artigo
9.°, alíneas b) e d), os artigos 58.° e 59.°, o artigo 81.°, alíneas a) e b), da Constituição.
A noção de “democracia económica, social e cultural”, consagrada no artigo 2.° da Constituição, “é a fórmula constitucional para aquilo que em vários países se designa por «Estado social» e que se traduz essencialmente na responsabilidade pública pela promoção do desenvolvimento económico, social e cultural, na satisfação de níveis básicos de prestações sociais para todos e na correcção de desigualdades sociais” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra,
1993, anotação ao artigo 2.°, pág. 66).
A Constituição define entre as tarefas fundamentais do Estado a de “garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático” e a de “promover (...) a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos (...) sociais
(...) – (artigo 9.º, alíneas b) e d)). Por outro lado, incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social “promover o aumento do bem estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas” e “promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento” (artigo 81.°, alíneas a) e b)).
Assim, mal se compreenderia que as medidas adoptadas pelo Estado, por exemplo para “assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito”, nos termos do artigo 59.º, n.º 2, da Constituição, pudessem depois ser afastadas por instrumentos de regulamentação colectiva menos favoráveis.
Da análise dos preceitos constitucionais citados resulta portanto que, quanto a diversos aspectos relacionados com a situação dos trabalhadores, compete ao Estado estabelecer um standard mínimo de protecção, a partir do qual os trabalhadores e os empregadores podem, no exercício da autonomia colectiva, concretizar os seus equilíbrios, mas sem desvirtuar o nível de protecção atribuído pela lei.
Os direitos atribuídos pela lei aos trabalhadores, enquanto garantias da dignidade e da liberdade dos trabalhadores, terão de ser acautelados, devendo ser considerados como limites ao exercício dos poderes patronais.
A Constituição da República Portuguesa assenta assim na concepção que desde sempre inspirou o direito do trabalho.
Na verdade, o direito do trabalho surgiu como disciplina jurídica autónoma contra o liberalismo económico, tendo como objectivo fundamental a protecção dos trabalhadores. Daí a sua “unilateralidade”, cujo sentido se traduz na “procura da realização, por via normativa, do reequilíbrio numa relação originariamente desnivelada” (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11.ª ed., Coimbra, 1999, pág. 21).
Ora, “a presença, no domínio dos conflitos hierárquicos das fontes do trabalho, de uma regra do tratamento mais favorável do trabalhador, resulta natural, se se atentar na génese e evolução do juslaborismo
(...). Na sua base coloca-se a questão social e a situação de vulnerabilidade em que, nela, se encontram os trabalhadores, atentando-se, para mais, na incapacidade então demonstrada pelo Direito civil das codificações na resolução dos graves problemas assim ocasionados” (Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, pág. 205 e seguintes).
No contexto da Constituição laboral portuguesa, tal como acima ficou definido, para que o direito de contratação colectiva preencha plenamente a sua função social e económica – que se traduz em garantir que a disciplina contratual corresponda a um ponto de equilíbrio entre as posições dos contraentes – há que respeitar determinados princípios, desde logo, o “princípio do tratamento mais favorável do trabalhador” (bem como o princípio da maior favorabilidade global na sucessão de convenções).
Concluo assim que, ao admitir, sem qualquer limitação, o afastamento das normas do Código por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, o preceito em análise – que curiosamente tem como epígrafe “princípio do tratamento mais favorável” – permite a aplicação de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (quer negociais, quer não negociais) que estabeleçam um tratamento menos favorável para os trabalhadores e possibilita o afastamento do standard mínimo de protecção dos trabalhadores legalmente estabelecido.
Maria Helena Brito
DECLARAÇÃO DE VOTO
I
1. Votei vencida o presente Acórdão em duas questões essenciais atinentes à configuração constitucional do Direito do Trabalho:
a) Votei vencida quanto à pronúncia pela não inconstitucionalidade das normas que, pressupondo a alteração da fundamentação do direito constitucional dos trabalhadores à contratação colectiva, extraem consequências da conversão de tal direito em pura manifestação de autonomia privada (nessas normas incluo as que se referem à justificação constitucional dos regulamentos administrativos e à caducidade das convenções colectivas de trabalho).
b) Votei também vencida relativamente à pronúncia pela não inconstitucionalidade da norma que prevê a não obrigatoriedade da reintegração do trabalhador de microempresa ou que ocupe cargo de administração ou direcção, cujo despedimento haja sido declarado ilícito judicialmente, se o seu regresso for gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial. Ao dar-se prevalência ao interesse do empregador ou da empresa sobre o direito à segurança no emprego do trabalhador, viola-se a proibição constitucional dos despedimentos sem justa causa em articulação, precisamente, com o direito à segurança no emprego.
2. Votei ainda parcialmente vencida quanto à questão do acesso dos empregadores a dados relativos à saúde e ao estado de gravidez dos candidatos a emprego ou trabalhadores, quando particulares exigências inerentes
à actividade profissional o justifiquem, a qual só parcialmente foi objecto de pronúncia de inconstitucionalidade e deveria ter sido, em meu entender, considerada inconstitucional no seu todo, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição.
Por fim, apresentei declaração de voto relativamente à pronúncia pela não inconstitucionalidade da norma que permite a reabertura do procedimento disciplinar quando esteja ferido de nulidade, sobretudo na medida em que tal reabertura permita um prolongamento do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.
II
3. Apresentados, em suma, os pontos de dissidência relativamente à maioria que aprovou o Acórdão, passarei a expor as razões da minha posição, no puro plano da interpretação da Constituição, entendida como ponto de confluência de uma vontade histórica, de um texto colectivo e de uma conglomeração de valores que consubstanciam um consenso básico sobre o modo de organização de uma sociedade.
É, pois, como intérprete da Constituição, a quem cabe investigar o equilíbrio de valores (por vezes conflituantes) em que esta assenta, bem como as possibilidades e limites de evolução, sem revisão constitucional, do consenso anteriormente referido, que exporei as razões da minha posição.
4. Desde logo, votei vencida a alínea a) da decisão, relativa à norma do artigo 17.º, n.º 2, do “Código do Trabalho”, na medida em que permite o acesso dos empregadores a informações sobre a saúde ou o estado de gravidez do trabalhador quando particulares exigências inerentes à actividade profissional o justifiquem.
Entendo que a fórmula legal que permite exigir informações sobre a saúde e estado de gravidez com fundamento nas “particulares exigências inerentes à actividade profissional” é indeterminada e carece de fundamentação específica, permitindo, por isso, uma restrição desproporcionada do direito – fundamental – à reserva da vida privada (artigos 26.º, n.º 1, e
18.º, n.º 2, da Constituição).
Com efeito, ultrapassando tal critério a fórmula de
“protecção e segurança do próprio trabalhador ou de terceiros”, que é utilizada, noutro contexto, no artigo 19.º do “Código do Trabalho”, ele remete para uma
área em que as exigências de necessidade, proporcionalidade e adequação a que é obrigatório obedecer nas restrições de direitos fundamentais não são satisfeitas.
O critério vago permite condicionar o candidato ao emprego ou o trabalhador, colocando-o numa posição enfraquecida e podendo compeli-lo a fornecer informações sobre a sua vida privada, como condição de contratação ou manutenção do emprego. Isto pode implicar, aliás, formas subtis de discriminação de certas pessoas, como as mulheres grávidas ou os portadores de doenças socialmente mal toleradas.
5. A primeira grande questão em que dissidi da decisão constante do presente Acórdão é a que diz respeito à pronúncia pela não inconstitucionalidade das chamadas portarias de extensão (alínea f) da decisão), a que se refere o artigo 4.º, n.º 1, do “Código do Trabalho”.
A minha discordância fundamenta-se na natureza do direito à contratação colectiva como direito fundamental dos trabalhadores
(consagrado no artigo 56.º, n.ºs 3 e 4, da Constituição) e expressão do Estado Social e não como pura decorrência da autonomia privada.
Enquanto direito dos trabalhadores e não, obviamente, dos empregadores, o direito à contratação colectiva não pode ser encarado no mesmo plano que a liberdade negocial dos empregadores. Se é um direito dos trabalhadores, não pode ter exactamente o mesmo conteúdo que a autonomia privada reconhecida a todos os cidadãos e que a Constituição nem explicita como direito específico.
O direito à contratação colectiva só é um direito específico e um direito fundamental enquanto, no seu conteúdo mínimo, atinja três fins: compensação do desequilíbrio negocial entre os trabalhadores e os empregadores (modo de realização da igualdade material); especial vinculatividade contra uma eventual ausência de vontade negocial dos empregadores e alternativas negociais desequilibradas (ao nível do contrato individual de trabalho); papel de fonte de Direito do Trabalho, que afasta normas legais não imperativas menos favoráveis para os trabalhadores (no plano infraconstitucional, a consagração do favor laboratoris antecedeu a própria Constituição de 1976, tendo sido concretizada pelo artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 49 408, de 21 de Novembro de 1969).
Nesta lógica, que subjaz à Constituição, a resposta ao problema da violação do artigo 112.º, n.º 6, pelas chamadas portarias de extensão ou pelas portarias de regulamentação de condições mínimas não é muito difícil de solucionar. Tais instrumentos administrativos são fontes específicas do Direito do Trabalho, justificadas ainda pelo próprio direito dos trabalhadores à contratação colectiva ou correspondendo a um alargamento do
âmbito pessoal das normas emanadas das convenções colectivas de trabalho.
Com efeito, a intervenção do Estado na extensão das normas das convenções colectivas de trabalho, por razões de igualdade, ou na aprovação de condições mínimas, para obviar a uma eventual indisponibilidade negocial, justifica-se em nome do próprio direito à contratação colectiva – o qual, constituindo um direito fundamental dos trabalhadores, poderia ser praticamente esvaziado se estes instrumentos não existissem. A credencial constitucional para a especialidade de tais instrumentos regulamentares perante a lei é, como se disse, o próprio artigo 56.º, n.ºs 3 e 4, enquanto consubstancia um direito dos trabalhadores à negociação colectiva.
Se, porém, as convenções colectivas de trabalho passam a ser pura expressão da autonomia privada, mas sem especial vinculatividade
(nomeadamente em termos de sobrevigência) nem condicionamento pelo favor laboratoris, então chega-se a uma situação em que as portarias de extensão ou de regulamentação de condições mínimas de trabalho alteram a hierarquia das fontes normativas sem que nada o autorize (visto que deixa de ser considerado argumento decisivo para a derrogação do artigo 112.º, n.º 6, o direito dos trabalhadores consagrado no artigo 56.º, n.ºs 3 e 4, da Constituição).
Na realidade, se é logicamente concebível uma especialidade das normas emanadas das convenções colectivas relativamente às leis mais favoráveis, com fundamento na autonomia privada, já não se entende (na perspectiva do Estado Social) por que razão meros regulamentos administrativos podem densificar leis em branco ou afastar leis de conteúdo mais favorável em nome de um alargamento de âmbito pessoal das convenções colectivas de trabalho que os destinatários dos regulamentos não subscreveram e bem assim que a Administração crie regulamentos de condições mínimas sem qualquer fundamento em critérios legais ou que afaste mesmo os critérios legais mais favoráveis ao trabalhador.
A pura lógica de homogeneização de sectores é típica do Estado corporativo, mas não do Estado Social e nem sequer de um modelo liberal
(cf., sobre a natureza da intervenção legal, Manuel Correa Carrasco, La negociacion colectiva como fonte del derecho del trabajo, Madrid, 1997, p. 1901 e ss. e p. 217 e ss.). Com efeito, não será paradoxal que, justificada a natureza de fonte normativa das convenções colectivas de trabalho na pura autonomia privada, se venham a conceber instrumentos regulamentares derivados dessas convenções em que os respectivos destinatários não puderam sequer manifestar a sua vontade?
E como justificar os regulamentos de condições mínimas como fonte normativa a partir do artigo 56.º, n.ºs 3 e 4, da Constituição, em que se prevê o direito dos trabalhadores à contratação colectiva? Como justificá-los sem os conceber como sucedâneo de uma contratação colectiva especificamente protectora dos trabalhadores e associada ao favor laboratoris? Retirado este conteúdo do direito à contratação colectiva poderá ela condicionar as fontes normativas legais, sobrepondo-se a objectivos promocionais de direitos típicos do Estado Social de Direito?
A delimitação do objecto do presente recurso excluiu a questão da constitucionalidade da norma (rectius, da parte da norma) que admite que as convenções colectivas de trabalho prevaleçam sobre outras fontes normativas com regimes mais favoráveis, contra o meu entendimento – visto que propugnei o respectivo conhecimento. Porém, a ponderação de tal questão é decisiva por me parecer inevitavelmente agregada ao pedido do Presidente da República, devido à natureza do problema que coloca, como pressuposto de uma pronúncia pela inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade das portarias de extensão e de condições mínimas de trabalho que também incluam regimes menos favoráveis ao trabalhador do que os legais.
É certo que ainda se poderia admitir (embora eu não concorde com tal opinião) que as convenções colectivas de trabalho contivessem regimes menos favoráveis, afirmando que os trabalhadores, titulares do direito de contratação colectiva, assim o quiseram em defesa dos seus interesses – mas esquecendo que, numa perspectiva de anterioridade em relação à negociação colectiva, a admissibilidade desses regimes menos favoráveis descaracteriza o referido direito, parificando a posição de trabalhadores e empregadores como se, tendencialmente, a lei não atribuísse quaisquer direitos aos primeiros.
Ainda assim, o que será sempre incompreensível é admitir que regulamentos administrativos contemplem regimes menos favoráveis aos trabalhadores do que os legais (note-se que o princípio do primado da fonte normativa mais favorável subsiste no Direito espanhol, no artigo 3.º, n.º 3, do Estatuto de los Trabajadores – cf., sobre a questão, Manuel Alonso Olea, Derecho del Trabajo, 19.ª ed., Madrid, 2001, pp. 923-4), por duas razões decisivas: ao aprovar esses regimes, o Estado está a negar direitos que ele próprio consagrou legalmente, pondo em causa o princípio da confiança e a sua missão promocional de direitos (cf. Michel Despax, Négociations, conventions et accords collectifs,
2.ª ed., Paris, 1989, p. 513 e ss., e Wolfgang Däubler, Das Arbeitsrecht, 1,
15.ª ed., Hamburg, p. 268 e ss., que referem as funções protectivas de direitos destes instrumentos); por outro lado, o argumento de que os trabalhadores dispuseram dos seus próprios interesses já não vale, mesmo que entendido em sentido formal.
Numa outra perspectiva, se se concluir pela inadmissibilidade de as convenções colectivas de trabalho incluírem regimes menos favoráveis, então será forçoso concluir igualmente, e até por maioria de razão, pela inadmissibilidade de os regulamentos administrativos preverem regimes menos favoráveis ao trabalhador.
Ora, a meu ver, as convenções colectivas de trabalho só valem como fontes normativas especiais relativamente ao artigo 112.º, n.º 6, da Constituição, na medida em que constituem um direito dos trabalhadores, não podendo, por isso, derrogar direitos que a lei lhes confere. Por conseguinte, só posso concluir, por maioria de razão, que os regulamentos administrativos também não podem derrogar regimes legais mais favoráveis, uma vez que a sua justificação ante o artigo 112.º, n.º 6, é assegurarem a efectividade do direito
à contratação colectiva.
Foi pelas razões enunciadas que votei vencida parcialmente a alínea f) da decisão, no que se refere às portarias de extensão, e no sentido de uma mais ampla inconstitucionalidade quanto à alínea g) da decisão, no que respeita aos regulamentos de condições mínimas (os quais também são, em meu entender, inconstitucionais quando estabeleçam um tratamento menos favorável para o trabalhador do que o decorrente das chamadas normas legais supletivas – dito de outro modo, não aceito a existência de normas legais supletivas nessa hipótese, mas antes, em rigor, de normas que apenas podem ser derrogadas um sentido mais favorável para o trabalhador).
6. Quanto à alínea i) da decisão, votei igualmente vencida porque entendo que a caducidade das convenções colectivas de trabalho prevista pelo artigo 557.º, n.ºs 2, 3 e 4 do “Código do Trabalho”, permite um vazio de regulamentação que atinge sobretudo as medidas protectoras dos trabalhadores e desequilibra a posição destes perante os empregadores na negociação de convenções de trabalho.
Na verdade, os trabalhadores são constrangidos a negociar novas convenções e a aceitar, eventualmente, cláusulas menos favoráveis, na medida em que se perfila como alternativa a caducidade das convenções anteriores e um eventual vazio de regulamentação ou as condições mínimas previstas na lei.
Por outro lado, creio que é contraditório invocar a autonomia privada para pôr fim a um princípio com a relevância do favor laboratoris e, simultaneamente, desconsiderar aquela autonomia e não admitir sequer que as partes que negoceiam uma convenção colectiva de trabalho pretendam fazê-la valer por um período alargado de anos ou mesmo sem limitação temporal.
O sentido do direito à contratação colectiva como direito fundamental fica, assim, desvirtuado, operando-se uma mutação funcional de conceitos valorativos que pressupõe, aqui como no ponto anterior, uma revisão pela lei ordinária da “Constituição laboral”.
7. Quanto à alínea d) da decisão, concordando, no essencial, com as razões aduzidas pelo Conselheiro Mário Torres na sua declaração de voto, direi simplesmente que o artigo 438.º, n.ºs 2, 3 e 4, do
“Código do Trabalho”, ao admitir a não reintegração do trabalhador de microempresa ou que ocupe cargo de administração ou direcção despedido sem justa causa (ainda que compita ao Tribunal apreciar se o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial), viola a proibição de despedimentos sem justa causa em conjugação com o direito à segurança no emprego (artigo 53.º da Constituição).
Se é verdade que a Constituição, ao proibir os despedimentos sem justa causa, não diz explicitamente que a consequência da sua ilicitude é a reintegração do trabalhador e não apenas a indemnização, também é certo que nunca autoriza ou admite o despedimento sem justa causa. Deste modo, a restrição do direito à reparação integral dos danos (através de uma
“reconstituição natural”) constitui uma restrição de um direito – o direito à segurança no emprego – que não é prevista ou autorizada pela própria Constituição nem assenta numa ponderação de valores constitucionalmente fundada.
A invocação da protecção da prossecução da actividade empresarial é, para além disso, uma fórmula vaga e indeterminada, que não permite distinguir as razões objectivas da sua fundamentação nem demonstra que princípios de justiça elementares num Estado de Direito, instrumentais da realização de direitos de personalidade (quer se tenha uma visão comunitária quer se tenha uma visão contratual da relação juslaboral), não são sacrificados por razões de ordem económica ou em nome do interesse colectivo.
O primado da protecção da pessoa sobre valores importantes, mas ainda instrumentais, como a produtividade ou o interesse da empresa, é corolário de um “núcleo moral mínimo” que, com fontes inspiradoras plurais, tais como o pensamento político da social-democracia e do socialismo democrático ou a doutrina social da Igreja, constitui o ponto de equilíbrio (o
“consenso por sobreposição” das sociedades liberais democráticas, na perspectiva de Rawls) da Constituição Portuguesa – exprime, enfim, a sua tradição
“humanista”, a tradição que não precisa de estar escrita na Constituição para se poder dizer que nela está inscrita.
Aliás, a jurisprudência do Tribunal Constitucional evidencia esta linha de orientação, ao rejeitar expressivamente “a funcionalização do trabalhador aos interesses da empresa” (Acórdão n.º 581/95, na linha do Acórdão n.º 107/88) e ao admitir apenas em situações expressamente qualificáveis de impossibilidade objectiva da manutenção do vínculo laboral a cessação daquele vínculo.
O caso em análise está, porém, marcado pela sua génese – o despedimento ilícito – e não por uma circunstância objectiva que origine prejuízo para a prossecução da actividade empresarial. O trabalhador não pode, por isso, ser considerado “causa” de tal prejuízo. Causa será, necessariamente, a ruptura causada pelo despedimento ilícito.
Também os casos de contratos especiais citados no Acórdão, como exemplos de direito ordinário, não são comparáveis. No contrato de serviço doméstico, há uma ponderação de valores diversa que justifica a não reintegração, por estar em causa a inserção do trabalhador num ambiente familiar em que a protecção da privacidade colide com o direito à segurança no emprego. No caso do contrato desportivo, em que todavia se prevê o direito à reintegração, a hipotética flexibilização de tal direito ainda poderá ser justificada, para quem invoca esse exemplo, pela natureza de tal contrato, no qual a segurança no emprego é compensada por outras características. E o contrato desportivo não pode ser o paradigma do contrato de trabalho dos trabalhadores das microempresas ou do contrato de trabalho dos administradores e directores de empresa.
A situação que analisámos é, assim, pela sua génese e natureza, essencialmente idêntica à considerada no Acórdão n.º 107/88 e diversa da do Acórdão n.º 581/95 (ambos citados no presente Acórdão) ou dos casos concretos de contratos especiais referidos, configurando-se, assim, como uma objectiva rejeição da anterior jurisprudência.
A atribuição aos tribunais da possibilidade de atender aos fundamentos do empregador para a não reintegração do trabalhador, em nome do interesse da empresa, corresponde a impor ao juiz que considere alterada a referida ordem de valores constitucionais e que admita a prevalência sobre o direito do trabalhador à segurança no emprego de objectivos económicos definidos pelo empregador. Mas a realidade da empresa é ainda, em última análise, justificável pela dignidade de cada uma das pessoas que a constituem e deve ser sempre compatibilizada com o núcleo essencial dos direitos dos trabalhadores.
Finalmente, num país em que as condições precárias da economia tornam o sector das microempresas relativamente vasto e em que a possibilidade de encontrar trabalho não é elevada, eliminar o direito de reintegração nas ditas microempresas é permitir que o Direito contribua para a precariedade do emprego e ponha mesmo em causa as condições de estabilidade de agregados familiares.
A articulação da proibição constitucional dos despedimentos sem justa causa com o direito, também constitucional, à segurança no emprego não pode deixar ao intérprete uma margem de arbítrio sobre a prevalência dos valores conflituantes, como se pretende no presente Acórdão.
8. Finalmente, votei com reservas a não inconstitucionalidade do artigo 436.º, n.º 2, do “Código do Trabalho”, relativo
à reabertura do procedimento disciplinar.
Na verdade, para além de duvidosamente conciliável com um processo justo e com o direito de defesa no âmbito do processo disciplinar
(artigo 32.º, n.º 10, da Constituição), a reabertura do procedimento disciplinar determinada por vícios formais não pode conduzir a um prolongamento do prazo prescricional, sob pena de se protelar abusivamente tal prazo e afectar, desse modo, as garantias de um processo justo nos termos dos artigos 2.º e 32.º, n.º
10, da Constituição. No processo disciplinar, tal como o Tribunal Constitucional tem afirmado para o processo penal, os actos ou as decisões nulas não podem ter o efeito de interrupção do prazo prescricional (cf. Acórdão n.º 483/02, de 20 de Novembro – D. R., II Série, de 10 de Janeiro de 2003).
Maria Fernanda Palma
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto à alínea e), nos termos da declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Pamplona de Oliveira, e quanto à alínea i), nos termos da declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Mário Torres, que acompanho, no essencial.
Votei vencido, em parte, quanto à decisão constante da alínea f) e votaria em termos mais amplos a decisão de inconstitucionalidade constante da alínea g), de acordo com a declaração de voto do Ex.ma Conselheira Maria Helena Brito, que acompanho, no essencial.
Alberto Tavares da Costa