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Proc. n.º 03/04
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que figuram como recorrente o IEP - Instituto das Estradas de Portugal, (ex - ICOR - Instituto para a Construção Rodoviária) e como recorridos A. e outros, o ora recorrente promoveu contra os ora recorridos a expropriação por utilidade pública das parcelas 91.1 e 91.2 da planta cadastral do Projecto de Construção da Variante Nascente de -------------------------. Inconformados com o montante fixado na decisão arbitral, recorreram expropriante e expropriados, tendo a sentença do Tribunal Judicial da Comarca de ------------------ julgado parcialmente procedente o recurso dos expropriados e improcedente o recurso do expropriante, fixando o valor da indemnização em 571.542,88 euros.
2. Desta decisão foi interposto recurso de apelação pelo ora recorrente, que alegou, concluindo da seguinte forma:
“1ª. Dos dois relatórios apresentados resulta que a área integrada em 'Espaços Industriais' é de 2.050 m2, e a restante (22.019 m2) em RAN.
2ª. Não pode concordar-se com a metodologia seguida no laudo maioritário e sancionado pela douta sentença no que respeita à classificação de parte do terreno integrado em RAN (5.956 m2) como 'equiparado a apto para a construção'.
2ª.O legislador, ao distinguir o solo apto para construção do solo para outros fins, não adoptou um critério abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído ou integrado em prédios rústicos, é passível de edificação, mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa.
3ª. Para que determinado solo seja classificado como apto para construção não basta a verificação de alguma das circunstâncias enumeradas nas quatro alíneas que integram o referido n° 2 do art. 25° - necessário se torna que, na prática, de acordo com as leis e regulamentos em vigor, seja possível a construção nesse solo e que esta constitua o seu aproveitamento económico normal.
4ª. A interpretação integrada das regras de classificação e avaliação dos solos impostas pelo Código das Expropriações obriga a que sejam classificados e avaliados como solos para outros fins aqueles cujo destino efectivo ou possível numa utilização económica normal e tendo em conta as suas circunstâncias e condições de facto - não possa ser a construção, de acordo com as leis e regulamentos em vigor.
5ª E assim será mesmo que, relativamente a tais solos, se verifique alguma das situações previstas no n° 2 do art. 25° do CE.
6ª. Na verdade, nos termos do princípio geral enunciado no n° 1 do art. 23° do CE/99, a justa indemnização visa «ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data» - sublinhado nosso.
7ª.A aplicação 'cega' das regras constantes do art. 25° do CE, nos casos em que a construção não é possível face às leis e regulamentos em vigor, (ou nos casos em que, sendo a construção possível, não constitua o aproveitamento económico normal) conduziria à violação do princípio geral do n° 1 do art. 23°, determinando que a indemnização não correspondesse ao valor real e corrente do bem, «de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal».
8ª. Aliás, mesmo o n° 1 do art. 26° do CE/99, impõe que «O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor» (sublinhado nosso).
9ª. A própria redacção da al. a) do n° 2 do art. 25° reforça a interpretação defendida, ao exigir que o acesso rodoviário e demais infraestruturas nela referidas tenham «as características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir».
10ª. Assim, face ao actual Código das Expropriações, são inconstitucionais, por violação do princípio da justa indemnização por expropriação, as normas do n° 1 do art. 23° e n° 1 do art. 26° desse código, quando interpretadas por forma a incluir na classificação de 'solo apto para a construção' solos em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor (no caso, em virtude da sua integração em RAN) não é permitida a construção ou esta não constitua o seu aproveitamento económico normal, expropriados para implantação de vias de comunicação.
11ª. A interpretação das normas citadas do actual Código das Expropriações segundo a qual os terrenos integrados em RAN - expropriados com o fim de neles se implantarem vias de comunicação - podem/devem ser classificados como aptos para construção viola o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação, condensado no art. 62°/2 da CRP, uma vez que conduz a que seja atribuído ao expropriado uma indemnização que ultrapassa o valor real e corrente, ou valor de mercado, distorcendo, deste modo, em benefício do expropriado, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação.
12ª. Porque assim é, na avaliação do solo integrado em RAN, deve seguir-se o laudo do Sr. Perito indicado pelo apelante, único que respeita os critérios legais e atende à realidade da área em causa, distinguindo a parte do solo de culturas arvenses da do solo de vinha em ramada.
[...]
19ª. A douta sentença em crise violou, entre outros, o disposto nos artigos 62° da CRP, nos arts. 1º, 22° a 27° do CE.
3. Por acórdão de 6 de Novembro de 2003, o Tribunal da Relação do Porto não deu razão à recorrente quanto às conclusões 1ª a 12ª das alegações, concedendo apenas parcial provimento ao recurso quanto aos valores indemnizatórios atribuídos ao terreno expropriado “com aptidão para a Construção Industrial” e
“equiparado a Apto para Construção Industrial”, fixando a indemnização total a arbitrar aos expropriados em 554.096,99 euro. A decisão assentou, na parte ora relevante, na seguinte fundamentação:
“[...] No que tange à determinação do conceito de justa indemnização, é óbvio que o legislador constitucional deixou a cargo da lei ordinária a definição dos critérios concretos que permitem, caso a caso, preencher tal conceito, por forma a ser fixado o quantum indemnizatório. Assim, dispõe o art.º 23° do Cód. das Exp. Na redacção supra referida, que “A justa indemnização não visa compensar o beneficio alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”. Já na jurisprudência e doutrina anteriores ao CE aqui aplicável se defendia que, para efeito da fixação da justa indemnização, há que atender ao valor que as parcelas expropriadas têm na livre concorrência, devendo a indemnização justa corresponder ao valor que no mercado atingem as coisas equivalentes.[1] Esse valor de mercado ou corrente do bem expropriado continua a ser uma referência para conduzir à compensação plena dos prejuízos sofridos constitucionalmente pelo expropriado, à justa indemnização consagrada [2]
Também o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 50/90, in DR, 1-A, de 30/3/90, decidiu que a 'justa indemnização' há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização deve ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica, nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer, positiva ou negativamente, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação. Também Alves Correia [3] refere que “A indemnização por expropriação visa compensar o sacrifício especial suportado pelo expropriado, ou, por outras palavras, garantir a observância do princípio da igualdade que tinha sido violado com a expropriação, apresentando-se como uma reconstituição em termos de valor da posição de proprietário que o expropriado detinha' - negrito nosso. O mesmo é dizer - como também já sustentava o autor acabado referir (ob. e loc. cits.) – que o dano patrimonial suportado pelo expropriado só é ressarcido de forma integral e justa se a indemnização for correspondente ao valor comum do bem expropriado, ou seja, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda. Nos termos do art.º 38°, n.º 1, do Código das Expropriações citado, dispõe-se que não havendo acordo sobre o valor global da indemnização, este é fixado por arbitragem, com recurso para os tribunais, aos quais caberá fixar a indemnização a pagar pela entidade expropriante. Vejamos, então, das questões suscitadas nas conclusões das alegações da recorrente. Quanto à primeira questão - da classificação do solo: Para a determinação do valor dos bens expropriados, e portanto da indemnização devida pela expropriação, interessa conhecer o solo, classificando-o em solo apto para a construção e em solo para outros fins –art.º 25° do C.E.
É fundamentalmente sobre a classificação do solo que se insurge a recorrente/expropriante, insurgindo-se, por consequência, contra o valor indemnizatório atribuído aos expropriados. Conforme se vê dos relatórios de peritagem de fls. 353 a 362 e 372 a 381, são substancialmente divergentes os valores indemnizatórios encontrados nos dois relatórios juntos: o dos Peritos nomeados pelo tribunal e pelos expropriados fixado, que entenderam por bem fixar o valor da indemnização global em
571.542,88 Euros (fls. 359) e o do Perito nomeado pela expropriante que fixou tal valor em 217.106,09 Euros (fls.381). A disparidade de valores resultou do diferente enquadramento feito no que tange
à classificação do solo expropriado: terreno apto para construção industrial ou equiparado a apto para construção industrial e terreno para outros fins
(produção arvense). Vejamos. Entenderam os peritos indicados pelo tribunal e o perito indicado pelos expropriados que, além dos 2.050 m2 correspondente à parte do terreno com aptidão industrial – “área integrada em Espaços Industriais”--, que ambas as partes acordam em que deve ser classificado como “solo apto para construção”, também «a parte do terreno da parcela com frente para a via pública e numa profundidade de 50 metros em relação àquela (5.956 m2) deve ser valorizada como os terrenos de construção, ou equivalente ao que neles seja possível edificar, atendendo ao seu carácter industrial que é a classificação de parte do terreno e a mais próxima da parte restante - sendo que, relativamente a esta área de 5.956 m2, no dito laudo de peritagem escreveu-se que 'o terreno com estas características encontra-se a facear a Estrada Municipal, que é um acesso de qualidade, infra-estruturado e muito próximo do nó de acesso às Auto-Estradas'. A parte restante do terreno expropriado--«terreno interior que se situa a mais de 50 metros da via pública»--, com a área de 16.063 m2, foi considerado dever ser classificada como solo para outros fins (agrícolas) - nesta parte do terreno também não há divergência entre os litigantes. Ao invés, o perito indicado pelo expropriante, discordando da classificação do solo feita no laudo acabado de referir e aceite na decisão recorrida, sustenta que, com excepção dos 2.050 m2 (respeitante à parcela 91.1), todo o solo expropriado deveria ser classificado como “solo para outros fins'. Esta a principal divergência dos Srs. Peritos e questão central suscitada nas conclusões das alegações de recurso. Vejamos, pois. Ficou provado com interesse para a questão em apreço, essencialmente, o seguinte:
[...] A área total expropriada tem uma configuração irregular, de declive muito suave para Poente e está classificada na Planta de Ordenamento do Plano Directos Municipal de -------------------- em “Espaços Canais”, integrando a Reserva Agrícola Nacional (RAN)' e “Espaços Industriais”. A envolvente das parcelas expropriadas está classificada na Planta de Ordenamento do PDM como 'RAN', “Espaços de Aglomerado Tipo 4” (2 pisos),
'Espaços de Aglomerado Tipo 3' (2 pisos) e “espaços Industriais”. Existem nos arruamentos e acessos que faceiam os prédios de onde foram destacadas as parcelas expropriadas as seguintes infraestruturas: acesso rodoviário com pavimentação, rede de abastecimento de água, rede de distribuição de energia eléctrica rede telefónica. As parcelas de terreno objecto desta expropriação distam cerca de 2 Km do centro da cidade de -----------------. A parte da parcela mais a Norte é quase contígua à Estrada Nacional n.º
--------. A parte mais distante fica a cerca de 300 metros. Estas parcelas de terreno ficam a cerca de 600 metros do acesso à Auto-Estrada. As parcelas confrontam com a estrada Municipal --------, sendo que a parcela
91.1 margina também com a Rua ---------------------. Na área envolvente dessas parcelas e num raio inferior a 300 metros existem diversas habitações e moradias de rés-do-chão e andar, implantadas em lotes com cerca de 500 m2. Parte das parcelas e dos prédios de onde as mesmas são destacadas estão classificadas na carta de ordenamento do P.D.M. como áreas industriais, existindo nessa mesma área diversos pavilhões industriais. Há que ver, portanto, se a parte do terreno que se encontra a facear a Estrada Municipal, com a área de 5.956 m2, deve, ou não, ser classificada como terreno equiparado a apto para construção (industrial). Ora, dispõe o artº 25º, n.º 2 do CE: 'Considera-se solo apto para construção: a) O que dispõe de acesso e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir. b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente; c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a); d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o n° 5 do artigo 10º” Acrescenta-se no n.º 3 deste art.º 25° que “Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior' - negrito nosso. Daqui logo se vê que, enquanto para a valorização do solo o C.C. estabelece uma série de critérios referenciais, ou seja, que podem ser afastados quando se prove que não conduzem à justa indemnização, para a classificação do solo o legislador estabeleceu uma série de requisitos (4 alíneas do n.º 2 do art.º 25°) que, no entender de jurisprudência e doutrina, constituem automaticamente prova da aptidão construtiva de um solo . Daqui se conclui que, tendo presente a classificação legal de solos para construção, além dos 2.050 m2 expropriados – área esta expressamente integrada em 'Espaços industriais” também o terreno com os supra aludidos 5.956 m2 terá, como se entendeu na decisão recorrida sufragando o laudo maioritário, que ser classificado ou valorizado como de construção industrial ou equivalente ao que nele seja possível edificar. Não pode deixar de ser assim, atendendo ao seu carácter industrial que é a classificação de parte do terreno e a mais próxima da parte restante, considerando-se a sua localização e infra-estruturas existentes, pois se trata de terreno a facear a Estrada Municipal, que é um acesso de qualidade, infra-estruturado e muito próximo do nó de acesso às Auto- Estradas, Como se escreveu no laudo de peritagem subscrito pelos peritos do tribunal e dos expropriados (fls. 354), a globalidade da propriedade de onde foram destacadas as parcelas expropriadas “está inserido numa pequena parte em núcleo urbano dotado de um nível médio de equipamentos, comércio e serviços, dispondo do lado Nascente da Estrada Municipal, com pavimento de tapete asfáltico e largura média de 7 metros, parcialmente infraestruturado com redes de abastecimento de água, energia eléctrica e telefones.” Mais se refere ali que “a envolvente da parcela está classificada na Planta de Ordenamento do PDM como «RAN». «Espaços de Aglomerado Tipo 4» (2 pisos),
«Espaços de Aglomerado Tipo 3» (2 pisos), e «Espaços Industriais». Como tal, sustenta-se nesse laudo de peritagem que “a parte do terreno da parcela com frente para a via pública e numa profundidade de 50 metros em relação àquela, deverá ser valorizado como os de construção, ou equivalente ao que nele seja possível edificar”. Concordamos inteiramente com esta posição. Sustenta a expropriante que para que se possa classificar um determinado solo como apto para construção não basta que se verifique uma ou algumas das situações contempladas no n.º 2 do art.º 25° do CE, antes sendo necessário que, na prática e de acordo com a lei e regulamentos em vigor seja possível a construção nesse solo e que este constitua o seu aproveitamento norma. E tal não acontece no que concerne à aludida parcela de terreno expropriado com a área de
5.956 m2”, integrada em zona de reserva agrícola nacional (RAN). Qui juris ? O art.º 25° do C. Exp. tem uma redacção diferente da que tinha o art.º 24° anterior Cód. -- de 1991 (DL n° 438/91, de 9.09)--, a que corresponde. Na verdade, dispunha-se no n.º 5 do citado art.º 24° que “Para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”. Este número foi eliminado na actual redacção do art.º 25º. E daqui que se seja pensado a concluir que o legislador omitiu de todo a solução a dar àqueles casos em que por virtude de proibição legal ou regulamentar não é possível edificar em determinado solo. Não nos parece, porém. Tal como defendem os expropriados, também nos parece que a eliminação deste n.º
5 não foi feita por acaso, antes visou pôr termo à querela doutrinal e jurisprudencial, visando eliminar uma condicionante injusta, já que conduzia a situações de acentuadas desigualdades. Como tal, entendemos que não é pelo simples facto de um terreno se incluir em RAN que, por si só, já não pode ser valorizado como terreno apto para construção. Assim já foi decidido por esta Relação[4], onde se escreveu que :
'a circunstância de um terreno se situar em zona de Reserva Agrícola Nacional não obsta, só por si, a que esse terreno possa ser considerado e avaliado como apto para construção'. Ver, ainda, o Ac. desta Relação de 12.12.89, Col. Jur., Ano X!V, V, 205.[5] A Relação de Guimarães considerou que um terreno integrado na RAN ou na REN pode ser considerado apto para construção se a sua exploração visa a construção de prédios urbanos Da mesma forma o Tribunal Constitucional já se pronunciou - na vigência do anterior Código das expropriações- no sentido da inconstitucionalidade, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, da norma contida no n.º5 do art.º 24°, enquanto interpretada no sentido de excluir da classificação de “solo apto para construção' os solos integrados em R.A.N. expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola - no caso, tratava-se de um quartel de bombeiros [6]. No entanto - curiosamente - o mesmo Tribunal Constitucional não manteve essa posição em casos de expropriação para implantação de vias de comunicação[7]. Se assim já era entendido, obviamente que com a eliminação do n.º 5 do art.º 24 o do anterior CE as coisas parecem ficar mais claras. Só assim se vê utilidade na dita eliminação, tendo-se presente que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados' (art.º 9°, n.º3 do Cód. Civil). Por entender ser essa a posição do legislador, escreveu Perestelo de Oliveira[8] que “dada a eliminação da regra constante do n° 5 do art.º 24° do Código revogado, o solo continua a ser considerado apto para construção ainda que, por lei ou regulamento, designadamente um plano urbanístico, não esteja destinado a esse fim“ . Entre os regulamentos a que se refere o dito nº5 do art.º 24° contam-se os planos de ordenamento do território [9] A questão em apreço é da maior importância atendendo a que se tem assistido a uma verdadeira febre de novas construções [10] Portanto, se dos regimes da RAN e REN [11] resulta a inedificabilidade, embora não absoluta, dos terrenos aí situados, à primeira vista somos tentados a excluir os respectivos terrenos da categoria de “solos aptos para construção”. Ora, sendo certo que [] há jurisprudência a defender que tais solos não podem ser considerados “aptos para construção” , mas tão só “para outros fins”, de acordo com a sua função natural[12]como já vimos supra, (Acs citados -- das Relações do Porto e de Guimarães), tem-se veiculado, e de forma crescente, a tese de que tais classificações não impedem que sejam considerados ' solos aptos para construção”, desde que se verifiquem nos requisitos de que o Código das Expropriações faz depender a inclusão nesta categoria, acrescentando-se, por vezes, ser necessário haver uma expectativa forte de ser possível construir nos mesmos[13].
É certo que para se alcançar a justa indemnização não se pode ficar acorrentado a uma definição meramente teórica de aptidão para construção, sendo necessário verificar qual a real capacidade edificativa do solo.[14] Ora, como no caso sub judice entendemos estarem verificados os pressupostos fácticos (materiais) e legais para que a dita parcela que, com profundidade de
50 metros confronta com a estrada (com 5.956 m2 de área), seja considerada como terreno equiparado a apto para fins industriais, terá esta que ser avaliada nos mesmos termos da avaliação do terreno com a área de 2050 m2, ou seja, como terreno apto para construção, assistindo, como tal, razão aos Srs. Peritos nomeados pelo tribunal e pelos expropriados, cuja posição a decisão recorrida corroborou. Não pense, assim, a expropriante que estamos a fazer 'tábua rasa' das reais aptidões do solo, não dando relevância às condições materiais para que possam ocorrer as edificações. Se não se atendesse a tais condições, então sim, certamente que muitos eram os solos que por passe de mágica adquiriam uma aptidão construtiva que nunca detiveram. Porém, como vimos, tais condições materiais existem e foram tidas na devida conta. Aliás, para tal conclusão-valorização desse terreno como solo com aptidão construtiva- parece apontar também o disposto no n° 12 do art.º 26° do CE. Sendo certo, porém, que pensamos que foi intenção do legislador, ao inserir este preceito destinado à valorização dos solos aptos para construção, pretender instituir um critério para a valorização dos solos que, previamente, preenchem alguma das alíneas do n .º 2 do art.º 25º A reforçar o exposto, sempre se diga que, como bem anotam os expropriados, pretendendo o Estado a dita parcela de terreno para afectação aos fins que não são agrícolas, seria injusto sacrificar uma vez mais os expropriados - que já ficaram sacrificados com a integração em RAN--, atribuindo-se-lhes uma indemnização resultante da classificação do prédio como solo apto para outros fins, pois que, nessa medida, o valor a atribuir sempre seria irrisório e inadequado a reparar os prejuízos sofridos pelos expropriados. Repare-se que, como já resulta do disposto nos arts. 9°, no1, al. d) do Dec.-Lei n° 196/89 e 4°, no2, als. b) e d) do Dec.-Lei n° 93/90, as restrições à edificação nos solos integrados na RAN e na REN sempre comportavam desvios na medida em que a lei prevê que estes solos possam ser desafectados para a construção de vias de comunicação, seus acessos e outros empreendimentos de interesse público. Pelo que se não vê que, verificado qualquer dos requisitos previstos no citado n° 2 do artº 25° do CE, não possam tais parcelas desafectadas ser indemnizadas como solos para construção. A respeito da (muito curiosa, salvo o devido respeito) supra apontada diferença que o Tribunal Constitucional fez entre expropriação/edificação para fins diferentes de utilidade agrícola e expropriação para implantação de vias de comunicação, criticando esta distinção, José Vieira da Fonseca entende dever optar-se pela solução segundo a qual o valor dos terrenos deve ser determinado pelo projecto de expropriação, interessando o aproveitamento que a entidade beneficiária da expropriação faz do terreno, nos termos da declaração de utilidade pública independentemente do género de construção previsto no projecto lembrando o autor que uma auto-estrada tem uma mais relevância económica do que um quartel de bombeiros, permitindo milhões de contos de lucro à entidade beneficiária da expropriação Sobre este ponto, e a reforçar, pode ver-se, ainda, a posição de Jaime Drumond Vale.[15] Diga-se, ainda, que, como já escrevia Gonçalo Capitão,[16] mesmo considerando que um terreno expropriado não deve ser considerado apto para construção, isso não significa que 'deva ser afastada totalmente, com certeza e segurança, a potencialidade edificativa do prédio'. Há que não ser cegos e ver a realidade que se nos depara diante nossos olhos, no que damos razão à Relação do Porto quando, no Ac. de 21.10.1989, escreveu que
'com o alastramento da cidade do Porto há uma absorção constante das zonas periféricas, pelo que só ficticiamente estas se podem continuar a considerar rurais, passando a ser economicamente dominadas pela mesma lei de valor que domina as áreas e zonas de aglomerado urbano'. O mesmo se diga de muitas outras cidades ou zonas do país. Improcede, nesta parte, o recurso da expropriante, não se alvejando, na interpretação ora seguida, qualquer inconstitucionalidade nas citadas normas do CE. Melhor seria, talvez, v .g., que o legislador tivesse remetido (de forma expressa), v .g., para a classificação do solo dada pelo PDM dando igualmente, relevância às características materiais e condicionantes legais e regulamentares do solo. Mas não entendeu assim. E face à eliminação do citado n° 5 do art.º 24° do anterior CE, com as explanações tecidas supra, não alvejamos outra solução que não seja a aqui tomada, considerando, por consequência, a dita parcela de terreno expropriada (com a área de 5.956 m2) classificada como equiparada a apta para Construção Industrial. Como tal naufragam as conclusões lª a 12ª das alegações da recorrente.
[...].”
4. É deste acórdão que vem interposto o presente recurso, através de um requerimento do seguinte teor:
“[...]1. O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n° 28/82, de 15 de Novembro) - cfr., também, al. b) do n° 1 do art. 280° da Constituição da República Portuguesa;
2. O acórdão recorrido considerou que «não é pelo simples facto de um terreno se incluir em RAN que, por si só, já não pode ser valorizado como terreno apto para construção»;
3. Decidindo que, apesar de se encontrar inserida na RAN, deve uma parcela de terreno expropriada para a construção de uma via de comunicação ser classificada e avaliada como solo apto para a construção, «verificado qualquer dos requisitos previstos no citado n° 2 do art. 25° do CE»;
4. Ao decidir dessa forma, aplicou as normas contidas nos nºs. 1 do artigo 23° e n.º1 do artigo 26° do actual Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º
168/99, de 18 de Setembro de 1999), interpretadas por forma a incluir na classificação de 'solo apto para a construção' solos em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor (no caso, em virtude da sua integração em RAN), não
é permitida a construção ou em que esta não constitui o seu aproveitamento económico normal, expropriados para implantação de vias de comunicação.
5. Tal interpretação viola frontalmente o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação, condensado no art. 62°/2 da CRP, bem come o princípio da igualdade plasmado no seu art. 13°.
6. O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de tais normas, nessa interpretação, nas alegações da apelação interposta, da seguinte forma:
«A interpretação integrada das regras de classificação e avaliação dos solos impostas pelo Código das Expropriações obriga a que sejam classificados e avaliados como solos para outros fins aqueles cujo destino efectivo ou possível- numa utilização económica normal e tendo em conta as suas circunstâncias e condições de facto - não possa ser a construção, de acordo com as leis e regulamentos em vigor. E assim será mesmo que, relativamente a tais solos, se verifique alguma das situações previstas no n° 2 do art. 25° do CE. Na verdade, nos termos do n° 1 do art. 23° do CE/99, a justa indemnização visa
«ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data» - sublinhado nosso. Assim, as regras de classificação dos solos vertidas no art. 25° do CE/99 têm de ser conjugadas com o princípio geral do n° 1 do art. 23° citado. A aplicação, que diríamos 'cega', das regras constantes do art. 25° do CE/99, nos casos em que a construção não é possível face às leis e regulamentos em vigor, (ou nos casos em que, sendo a construção possível, não constitua o aproveitamento económico normal) conduziria à violação desse princípio geral, determinando que a indemnização não correspondesse ao valor real e corrente do bem, «de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal». Aliás, mesmo o n° 1 do art. 26° do CE/99, impõe que:
«O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor» (sublinhado nosso). A própria redacção da al. a) do n° 2 do art. 25° reforça a interpretação que se vem sustentando, ao exigir que o acesso rodoviário e demais infraestruturas nela referidas tenham «as características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir». Não basta, assim, para a classificação de um determinado solo como apto para construção, a simples verificação de alguma das situações previstas no n° 2 do art. 25° do CE. Necessário se torna que, na prática, de acordo com as leis e regulamentos em vigor, seja possível a construção nesse solo e que esta constitua o seu aproveitamento económico normal.
É o que resulta da regra geral imposta pelo n° 1 do art. 23° do CE/99, conjugada e confirmada pela redacção dada ao n° 1 do art.26° desse código. No âmbito da vigência do anterior Código das Expropriações, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma do seu n.º 5 do artigo 24°, interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação. E, assim, face ao actual Código das Expropriações, dir-se-á que são inconstitucionais. por violação do princípio da justa indemnização por expropriação, as normas do n° 1 do art. 23° e n° 1 do art. 26° desse código, quando interpretadas por forma a incluir na classificação de 'solo apto para a construção' solos em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor (no caso, em virtude da sua integração em RAN) não é permitida a construção ou esta não constitua o seu aproveitamento económico normal, expropriados para implantação de vias de comunicação. Com efeito não se pode olvidar que o princípio da justa indemnização por expropriação tem um carácter 'bilateral' e, por isso, opera na direcção e em benefício do 'expropriado', mas também do 'expropriante' (Alves Correia in Parecer publicado na CJ, Tomo I, Ac. ST J, 2001, pag. 45). Assim sendo, uma interpretação das normas citadas do actual Código das Expropriações segundo a qual os terrenos integrados em RAN - expropriados com o fim de neles se implantarem vias de comunicação - podem/devem ser classificados como aptos para construção viola o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação, condensado no art. 62°/2 da CRP, uma vez que conduz a que seja atribuído ao expropriado uma indemnização que ultrapassa o valor real e corrente, ou valor de mercado, distorcendo, deste modo, em benefício do expropriado, «a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação», como se realçou no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 52/90 (publicado no DR, I Série, de 30 de Março de
1990). Pelo exposto, deverão tais solos ser classificados e avaliados como solos para outros fins» .
7. São as normas contidas nos nºs. 1 do artigo 23° e n.º 1 do artigo 26° do actual Código das Expropriações aquelas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, por se entender que devem ser interpretadas, precisamente, por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação.”
5. Notificadas as partes para alegar, concluiu assim o recorrente:
“1ª. O legislador, ao distinguir o solo apto para construção do solo para outros fins, não adoptou um critério abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído ou integrado em prédios rústicos, é passível de edificação, mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa.
2ª. Para que determinado solo seja classificado como apto para construção não basta a verificação de alguma das circunstâncias enumeradas nas alíneas que integram o referido n° 2 do art. 25° - necessário se torna que, na prática, de acordo com as leis e regulamentos em vigor, seja possível a construção nesse solo e que esta constitua o seu aproveitamento económico normal.
3ª. A interpretação integrada das regras de classificação e avaliação dos solos impostas pelo Código das Expropriações obriga a que sejam classificados e avaliados como solos para outros fins aqueles cujo destino efectivo ou possível
- numa utilização económica normal e tendo em conta as suas circunstâncias e condições de facto - não possa ser a construção, de acordo com as leis e regulamentos em vigor.
4ª E assim será mesmo que, relativamente a tais solos, se verifique alguma das situações previstas no n° 2 do art. 25° do CE.
5ª. Nos termos do princípio geral enunciado no n° 1 do art. 23° do CE/99, a justa indemnização visa «ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data».
6ª. A aplicação 'cega' das regras constantes do art. 25° do CE, nos casos em que a construção não é possível face às leis e regulamentos em vigor, (ou nos casos em que, sendo a construção possível, não constitua o aproveitamento económico normal) conduziria à violação do princípio geral do n° 1 do art. 23°, determinando que a indemnização não correspondesse ao valor real e corrente do bem, «de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal».
7ª. Aliás, mesmo o n° 1 do art. 26° do CE/99, impõe que «O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor» (sublinhado nosso).
8ª. A própria redacção da al. a) do n° 2 do art. 25° reforça a interpretação defendida, ao exigir que o acesso rodoviário e demais infraestruturas nela referidas tenham «as características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir».
9ª. Assim, face ao actual Código das Expropriações, são inconstitucionais, por violação do princípio da justa indemnização por expropriação, as normas do n° 1 do art. 23° e n° 1 do art. 26° desse código, quando interpretadas por forma a incluir na classificação de 'solo apto para a construção' solos em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor (no caso, em virtude da sua integração em RAN) não é permitida a construção ou esta não constitua o seu aproveitamento económico normal, expropriados para implantação de vias de comunicação.
10ª. A interpretação das normas citadas do actual Código das Expropriações segundo a qual os terrenos integrados em RAN - expropriados com o fim de neles se implantarem vias de comunicação - podem/devem ser classificados como aptos para construção viola o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação, condensado no art. 62°/2 da CRP, uma vez que conduz a que seja atribuído ao expropriado uma indemnização que ultrapassa o valor real e corrente, ou valor de mercado, distorcendo, deste modo, em beneficio do expropriado, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação.
11ª. Na verdade, nos terrenos incluídos em RAN ou REN a ineptidão para a edificação é anterior ao plano e resulta da 'função social', da 'vinculação social' ou da 'vinculação situacional' da propriedade que incide sobre aqueles terrenos.
12ª. Estando o valor venal do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao 'jus aedificandi' - resultante da inserção de terrenos especialmente adequados à actividade agrícola na RAN - e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção por particulares, não pode invocar-se o princípio da
'justa indemnização' de modo a ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, que se configura como legalmente inexistente.
13ª. Destinando-se a desanexação da Reserva Agrícola exclusivamente à construção de uma via de comunicação - e não à transformação de prédio até então legalmente
'rústico' em 'urbano' - a parcela de terreno expropriado não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo a especial afectação de parcela à construção de tal via pública de comunicação absolutamente incompatível com qualquer vocação edificativa do terreno expropriado.
14ª. Não se vislumbra, no caso dos autos, qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas, com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público o que afasta decisivamente a aplicação da jurisprudência firmada no Acórdão n.º 267/97. TERMOS EM QUE, deverá dar-se provimento ao presente recurso, devendo o acórdão recorrido ser reformado em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade das normas contidas nos n.ºs. 1 do artigo 23° e n.º1 do artigo 26° do actual Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro de 1999), interpretadas por forma a incluir na classificação de 'solo apto para a construção' solos em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor (no caso, em virtude da sua integração em RAN), não é permitida a construção ou em que esta não constitui o seu aproveitamento económico normal, expropriados para implantação de vias de comunicação [...].”
6. O recorrido, por seu turno, concluiu assim as suas contra-alegações:
“[...] Afirma-se no artº 1 do C.E. que os “bens imóveis e os direitos a ele inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública ... mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização”. Por seu turno, consagra o Código das Expropriações no seu artº 23 que “a justa indemnização não visa consagrar o benefício alcançado pela entidade expropiante mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa uti1ização económica normal, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data” Adianta ainda a Lei que o valor dos bens deverá corresponder ao valor real e corrente dos mesmos em situação normal de mercado. Se é certo que o princípio da justa indemnização tem consagração constitucional,
é também certo, que é a Lei Ordinária que define os critérios que, tendencialmente, ajudarão a alcançar a concretização do conceito de justa indemnização.
É indubitável, que para que se alcance a justa indemnização em caso de expropriação e, assim, se alcance o valor real e corrente do bem expropriado, necessário se toma proceder à correcta avaliação dos solos. Ora, a este propósito, o novel Código das Expropriações, procede à diferenciação dos solos equiparando-os a “solos aptos para construção” ou a “solos aptos para outros fins”. Em concreto, dispõe o artº25 do C.E. que o solo se classifica em solo apto para construção e solo [apto] para outros fins, sendo que, em concretização desta diferente classificação dos solos elenca o n° 2 do normativo em referência, o tipo de circunstâncias que determina a classificação dos solos como solos aptos para construção, afirmando-se então no n° 3 do mesmo artigo que se considerará solo apto para outros fins o que se não encontre em nenhuma das situações elencadas no n.º 2 do normativo em referência. O actual quadro legal, veio introduzir algumas e significativas alterações ao anterior regime vazado no Código das Expropriações de 1991. Na verdade, consagrava o n° 5 do artº 24 do C.E. anteriormente em vigor que
“para efeitos do presente Código é equiparado a solo para outros fins, o solo que, por Lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção: Comparando a redacção dos dois normativos, desde logo se constata a eliminação da menção que anteriormente consagrava ou impunha a equiparação a “solos para outros fins” de todos aqueles que por Lei ou regulamento não pudessem ser utilizados na construção. A eliminação de tal preceito, não foi aleatória, conforme bem refere o Acórdão Recorrido, tendo pelo contrário um objectivo muito claro - qual seja - o de pôr termo á querela jurisprudencial e doutrinal e a de, em consequência, eliminar uma condicionante que se revelava injusta, pois que conduzia a notórias situações de desigualdade. Deste modo, conforme bem se frisa no Arresto Recorrido, exclui, com a entrada em vigor do Código das Expropriações, a limitação constante da anterior legislação que impunha que todo o solo incluído em RA.N não pudesse ser ,classificado como solo apto para construção. Ora, inexistindo actualmente, tal como inexiste, a limitação que resultava do anterior Código das Expropriações, nada obsta a que a parcela de terreno a que se refere os presentes autos se classifique como solo para construção. Aliás, nesse sentido apta até, com extrema clareza o n° 12 do artº 26 do Código das Expropriações quando estipula que “sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”. Como tem sido reconhecido quer pela Doutrina quer pela Jurisprudência, este normativo tem por notória intenção colocar em situação de igualdade os cidadãos que por força dos instrumentos da gestão territorial, tenham sido alvo de sacrifícios relativamente aos quais não hajam sido compensados. E não se diga sequer que a aplicação deste normativo aos casos em que um determinado terreno se encontra inserido em R.A.N, criará uma situação
“artificial” de capacidade edificativa que inexistiria anteriormente.
É que, precisamente, este normativo só tem aplicação nos casos em que, pelo facto de um determinado terreno possuir algumas das características consignadas no artº 25 do Código das Expropriações, ou seja, possuir características e condições que apontam para uma real e objectiva capacidade edificativa, injusto ou injustificado seria, proceder á sua classificação como “solo apto para outros fins”, e isto, unicamente pela circunstância de o mesmo se encontrar inserido em R.A.N ou em R.E.N.
É consabido que a Lei Constitucional, impondo que se atribua aos expropriados uma indemnização justa, não concretiza o conceito da justa indemnização. Contrariamente é à Lei Ordinária que incumbe tal tarefa, tal como é à Lei Ordinária que está remetida a função de fixar um quadro legal que permita a correcta classificação dos solos. A questão da classificação dos solos é pois uma questão crucial na correcta valorização dos bens expropriados. Ora, é certo que a Lei Constitucional não tutela expressamente o direito a edificar como um direito que se inclua, necessária e naturalmente, no conteúdo do direito de propriedade. Todavia, a jurisprudência deste Tribunal, mesmo que aparentemente diversa, não deixou de se afirmar no sentido de que o “jus aedificandi” deverá imperativamente ser considerado como factor de valorização, principalmente naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa. Tal capacidade ou potencialidade edificativa, por seu turno, terá de ser aferida tendo em conta o quadro legal existente e as características próprias das parcelas expropriadas. E assim, será em sede de legislação ordinária que se terá de procurar a correcta classificação e valorização dos solos para assim se lograr a correcta e justa valorização do bem expropriado. Ora, inexistindo como inexiste qualquer limitação de ordem legal - na legislação ordinária - para que um solo mesmo que integrado em R.A.N, possa ser classificado como “solo apto para construção”, nenhum impedimento haverá também para que nesse caso se aplique o regime legal vazado no n° 12 do artº 26 do Código das Expropriações. Aliás, no caso em apreço nos autos, não só não existe tal limitação, como injustificado seria avaliar a parcela de terreno como solo apto para outros fins. Se o Tribunal recorrido o tivesse feito, ignorando as características da parcela em causa (aliás, bem comprovadas pela peritagem subscrita pela unanimidade dos peritos), então sim se teria feito errada aplicação dos preceitos contidos no Código das Expropriações, violando-se notória e injustificadamente o princípio constitucional da Justa Indemnização. Termos em que, por inexistir qualquer inconstitucionalidade na aplicação e interpretação das normas constantes do n° 1 do art° 23 e n° 1 do artº 26 do Código das Expropriações, não se deverá conceder provimento ao presente recurso, confirmando-se na integra todo o teor e conteúdo do Acórdão Recorrido, [...]”
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
7. A decisão recorrida considerou que, embora haja jurisprudência a defender que os solos incluídos na RAN ou na REN “não podem ser considerados “aptos para construção”, mas tão só “para outros fins”, de acordo com a sua função natural
[..., se tem] veiculado, e de forma crescente, a tese de que tais classificações não impedem que sejam considerados “solos aptos para construção”, desde que se verifiquem os requisitos de que o Código das Expropriações faz depender a inclusão nesta categoria, acrescentando-se, por vezes, ser necessário haver uma expectativa forte de ser possível construir nos mesmos.” Invoca em apoio de tal tese alguns acórdãos anteriores, quer da Relação do Porto, quer da Relação de Guimarães, e, contrapõe o actual Código das Expropriações ao anterior (1991), salientando o facto de o actual artigo 25º ter uma redacção diferente da do anterior artigo 24º, a que corresponde, nele não constando o número 5 que estatuía que “para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”. Invoca, ainda, o Acórdão n.º 267/97, de 19 de Março de 1997, do Tribunal Constitucional, para considerar inconstitucional esta última norma, considerando, todavia, que “curiosamente - o mesmo Tribunal Constitucional não manteve essa posição em casos de expropriação para implantação de vias de comunicação”.
Entende, por sua vez, o recorrente que “a interpretação das normas citadas do actual Código das Expropriações segundo a qual os terrenos integrados em RAN - expropriados com o fim de neles se implantarem vias de comunicação - podem/devem ser classificados como aptos para construção viola o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação, condensado no art. 62°/2 da CRP, uma vez que conduz a que seja atribuído ao expropriado uma indemnização que ultrapassa o valor real e corrente, ou valor de mercado, distorcendo, deste modo, em beneficio do expropriado, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação.”
8. O Tribunal Constitucional teve oportunidade, por diversas vezes no passado, nomeadamente em casos em que estavam em causa acórdãos do Tribunal da Relação do Porto que consideravam inconstitucional - e, consequentemente, desaplicavam -, a norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991, de se pronunciar sobre a constitucionalidade desta norma.
De facto, a norma contida no n.º 5 do 24º do Código das Expropriações de 1991 foi efectivamente julgada inconstitucional, “enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para a construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola”, pelo Acórdão n.º 267/97 (publicado no Diário da República, II série, de 21 de Maio de 1997). Este juízo, não veio, todavia, a repetir-se em casos posteriormente julgados neste Tribunal. Assim, no Acórdão 20/2000 (publicado no Diário da República, II série, de 28 de Abril de
2000), decidiu-se “não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação”. E esta jurisprudência, no sentido da não inconstitucionalidade, veio a ser confirmada e desenvolvida posteriormente pelo Tribunal, não só em relação a solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação, mas também expropriados para outros fins, nomeadamente nos Acórdãos n.ºs 247/2000, 346/2003, 347/2003 e 425/2003 (disponíveis na página do Tribunal Constitucional na Internet, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), e nos Acórdãos n.ºs
219/2001, 243/2001, 172/2002, 121/2002, 155/2002, 417/2002, 419/2002, 333/2003 e
557/2003 (publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 6 e 4 de Julho de 2001, 3 de Junho de 2002, 12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002, 17 de Outubro de 2003 e de 23 de Janeiro de 2004).
Da jurisprudência do Tribunal decorre que a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 só foi julgada inconstitucional num único caso em que a Administração classificou uma parcela de terreno, dotada de todas as infra-estruturas, como de utilidade pública agrícola e integrou-a, por isso, na RAN, para, posteriormente e uma vez desvalorizada, vir a adquiri-la, pagando por ela um valor correspondente ao de solo não apto para construção (a que acresce o facto de que a sua apropriação ocorreu apenas uma semana antes da publicação da Portaria n.º 380/93, que, por sua vez, veio desafectar da RAN todo o terreno em que se situava a referida parcela). Em todos os restantes casos citados, nomeadamente em recursos interpostos de acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
(que recusara a aplicação, por inconstitucionalidade, daquela norma), e em que estavam em causa quer a construção de vias de comunicação, quer de diferentes edifícios, o Tribunal pronunciou-se, sempre, no sentido da não inconstitucionalidade. Ou seja, em todos os outros casos, mesmo naqueles em que a expropriação se não destinou a implantação de vias de comunicação mas sim de edifícios públicos – por exemplo, escolas -, o Tribunal Constitucional, não tendo dado conta de “qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em «manipulação das regras urbanísticas», com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público”, não julgou a norma inconstitucional.
9. A situação que ora se nos oferece representa como que o espelho da situação anterior, sem que igualmente se questione “qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas” a que atrás se fez referência. Isto é, quando anteriormente se considerava inconstitucional a norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações (1991), interpretada com o sentido de excluir da classificação de 'solo apto para a construção' o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado, nomeadamente, para implantação de vias de comunicação, entende-se, agora, interpretar as normas do n° 1 do artigo 23° e do n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999) por forma a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado, precisamente, para implantação de vias de comunicação.
Entende, por seu turno, o recorrente que tal interpretação é inconstitucional, por violação do princípio da justa indemnização por expropriação, “condensado no art. 62°/2 da CRP, uma vez que conduz a que seja atribuído ao expropriado uma indemnização que ultrapassa o valor real e corrente, ou valor de mercado, distorcendo, deste modo, em beneficio do expropriado, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação”.
A questão de constitucionalidade que vem submetida à consideração deste Tribunal pode, assim, formular-se do seguinte modo: é inconstitucional a interpretação das normas contidas no n° 1 do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de «solo apto para a construção» e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação?
Vejamos.
9.1. É o seguinte o teor das normas questionadas:
“Artigo 23.º Justa indemnização
1 - A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
[...] Artigo 26.º Cálculo do valor do solo apto para a construção
1 - O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º
[...]”
9.2. A Constituição não fixa qualquer critério rígido de cálculo do valor da justa indemnização por expropriação, deixando margem ao legislador para que, dentro dos parâmetros constitucionais, o concretize. Este, no n.º 1 do artigo
23º do Código das Expropriações, estatuiu que “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal...”. O Tribunal Constitucional, por sua vez, já teve inúmeras ocasiões de se pronunciar sobre a questão. Assim, no Acórdão n.º
243/2001 (Diário da República, II Série, de 4 de Julho de 2001), afirmou-se o seguinte:
“[...] Ora, a indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada
à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a factores especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. O quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos. [...]”
No que se refere a terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional (ou na Reserva Ecológica Nacional), o Tribunal Constitucional também já teve ocasião de salientar que, para efeitos da “justa indemnização”, o que releva não é o facto do terreno deixar de ter aptidão agrícola, salvaguardando, nomeadamente, o facto de se poder entender que a Constituição, pela determinação do pagamento de uma
“justa indemnização”, não impõe a qualificação como “solo apto para construção” de terrenos integrados naquelas Reservas, ainda que expropriados para que neles se edifiquem construções urbanas (nesse sentido, cfr. Acórdãos n.ºs 333/2003 e
557/2003 já citados). Acresce que, ainda em relação a terrenos incluídos na Reserva Agrícola Nacional (objecto de parecer favorável para uma das limitadas utilizações não agrícolas que tais terrenos – solos agrícolas - podem, legalmente, vir a ter, por força de interesse público que o legitime), se afirmou naquele citado Acórdão n.º 557/2003, que se justifica,
“a conclusão de que a norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações (1991), interpretada com o sentido de excluir da classificação de
'solo apto para a construção' o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para fins diversos da utilidade pública agrícola permitidos por lei, em concreto com a finalidade de nele se construir uma escola – tendo sido concedido parecer favorável à utilização do solo agrícola para esse fim, nos termos da alínea d), do n.º 2, do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho -, não é inconstitucional, não violando qualquer princípio constitucional, nomeadamente os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade.”
A proibição de construir que incide sobre os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional é, aliás, na jurisprudência deste Tribunal, uma consequência da “vinculação situacional” da propriedade que incide sobre os solos com tais características. De facto, como se afirmou no Acórdão n.º 347/2003 já citado:
“[...] de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (DL. n.º 196/89, de 14/6, alterado pelos DLs. n.os 274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10), REN (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) ou
áreas non aedificandi previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de urbanização ou Planos de pormenor (Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), não é possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica. [...]”
Daí que se conclua que, embora em teoria seja crível que se possa construir em qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária. Essa impossibilidade, que é determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio ecológico e a protecção de ecossistemas fundamentais), encontra justificação constitucional, respectivamente, no artigo 93º da Constituição, que consagra como objectivos da política agrícola o aumento da “produção e a produtividade da agricultura” e a garantia de um “uso e [] gestão racionais dos solos”, e no artigo 66º também da Constituição, que prevê a criação de reservas para
“garantir a conservação da natureza”. A proibição de construir em terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta pela natureza intrínseca da propriedade, nada mais é, assim, do que “uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo” (cfr. Acórdão n.º 329/99, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Julho de 1999). Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação.
9.3. Aqui chegados e no quadro desta jurisprudência, há então que verificar se viola ou não algum princípio constitucional a interpretação das normas contidas no n° 1 do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação.
Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa, afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula. Ora, neste contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a saber: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos.
Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para construção de uma via de comunicação - uma das limitadas utilizações que, por força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo, considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seu “justo valor” – para o determinar há que atender ao valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado
-, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido contemplados com a expropriação. Nesse sentido, escreveu-se nos Acórdãos n.ºs
333/2003 e 557/2003 já citados:
“[...] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da 'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar. E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado, os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente estabelecida. Ora, se é verdade que o “princípio da igualdade de encargos” entre os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização, obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso, não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública. Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção.”
Pelo exposto, há que considerar que a interpretação das normas contidas no n° 1 do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999), que conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição.
III. Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição, as normas contidas no n° 1 do artigo 23° e no n°
1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999), quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação; b) conceder provimento ao recurso e, em consequência, ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 20 de Abril de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Luís Nunes de Almeida
[1] Cfr. Ac.. desta Relação, de 5/7/74, BMJ 235, 262; Ac. do ST J de 3O/1/76, BMJ 253, 236; Ac. Rel. de Lisboa de 9/1/84, CJ, Ano IX, Tomo I, 100 e, ainda, Ac. desta Relação de 21/3/85, CJ X, T II, pág. 233, bem como parecer dos Professores Meneses Cordeiro e Teixeira de Sousa, in Col. Jur. , Ano XV, 21 e segs.
[2] Cfr. Expropriações por Utilidade Pública, Osvaldo Gomes, pág. 2O5.
[3] in As garantias do particular na expropriação por utilidade pública, Coimbra, 1982, pág. 128.
[4] Ac. De 07.02.1991, Col.Jur.,AnoXVI, T.I,pág.246.
[5] In http://www.dgsi.pt/.
[6] Ac. Trib. Const. N° 267/97, de 19.O3.97, in DR, 11 Série, n° 117, de
21.O5.97.
[7]Acs. n° 20/2000, de 11.01.2000 e 172/2002, de 17.04.2002, in DR de 28.04.2000 e 03.06:2002, respectivamente.
[8] In Código das Expropriações, pág. 97, 2000, 2ª ed.
[9] Sobre a natureza regulamentar dos planos, v. Luis Perestelo de Oliveira, Planos Municipais de Ordenamento do Território. Coimbra, 1990, págs. 25 ss.).
[10] Como já vimos escrito, constroem-se mais edificações novas em Portugal do que nos países mais ricos da Europa.
[11] Aprovados, respectivamente, pelos Decs.-Leis nºs 196/89, de 14.06 e 93/90, de 19.03
[12] Ac. Rel. de Guimarães, de 25.09.2002, in http:/www.dgsi.pt.
[13] Acs. Rel. do Porto de 12.03.2002, 14.10.2002, e 09.12.2002, todos em http://dgsi.ptl
[14] Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Almedina, de Elias da Costa,
2000, págs. 273 ss.
[15] Principais linhas inovadoras do Código das Expropriações de 1999, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n° 14, Dezembro de 2000/págs. 36 e segs.
[15] A justa indemnização ela expropriação por utilidade pública', Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 8, Dezembro de 1997, pág. 100.
[16] 19 Legislação fundamental de direito do urbanismo, I, obra colectiva, Lisboa, Lex-Ediçôes Jurídicas, 1994, pág 395.