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Processo n.º 26/02
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Nos presentes autos, o relator proferiu, em 5 de Janeiro de 2004, o seguinte despacho:
“1. O recorrente A. foi notificado, por carta registada expedida em
3 de Dezembro de 2003 (cf. fls. 969), do Acórdão n.º 582/2003, de 2 de Dezembro de 2003 (fls. 965 e 966), que indeferiu reclamação contra o despacho do relator, de 1 de Outubro de 2003, que determinara a sua notificação para, no prazo de 10 dias, constituir advogado, sob pena de o recurso não ter seguimento
(artigos 33.º do Código de Processo Civil e 83.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
Por telecópia que terá sido expedida em 19 de Dezembro de 2003, mas só deu entrada na secretaria deste Tribunal no subsequente dia 22 (cf. fls. 970 a 972), o recorrente, na primeira folha, anuncia pretender deduzir impugnação contra o referido Acórdão n.º 582/2003, ao que se seguem duas folhas incompreensíveis por eventualmente respeitarem a processo diferente, em que se peticiona a declaração de nulidade de um acórdão de 26 de Novembro de 2003, que seguramente não foi proferido nestes autos. Dada a ininteligibilidade deste requerimento, aliás não assinado, dele se não tomará conhecimento.
Em 23 de Dezembro de 2003 deu entrada na secretaria deste Tribunal, tendo sido expedido no precedente dia 22, requerimento, supostamente constituindo o original da telecópia expedida no dia 19, mas dela diferindo substancialmente, em que o recorrente deduz impugnação contra o Acórdão n.º
582/2003, arguindo-o de «nulidade processual» e de «nulidade essencial», e requerendo reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Atenta a quase total desconformidade entre as peças remetidas em 19 e 22 de Dezembro de 2003 e recebidas, respectivamente, em 22 e 23 dos mesmos mês e ano, a última não pode considerar-se como «original» da primeira nem, consequentemente, como apresentada na data desta.
Acontece, porém, que o prazo de 10 dias para arguir nulidades do acórdão terminava em 19 de Dezembro de 2003 (6.ª-feira), pelo que, considerando apenas o «original» expedido em 22 e recebido em 23 desse mês, o mesmo será admissível desde que o requerente proceda ao pagamento da respectiva multa, para o qual deverá ser notificado, uma vez que a ele não procedeu espontaneamente.”
Notificado o recorrente para proceder ao pagamento da multa devida, veio o mesmo, em 23 de Janeiro de 2004, requerer que pelo relator fosse admitido o requerimento de arguição de nulidades do Acórdão n.º 582/2003, recebido em 23 de Dezembro de 2003, com dispensa de multa, invocando justo impedimento que teria consistido em, na semana de 15 a 19 de Dezembro de 2003, se encontrar em convalescença de traumatismos múltiplos contraídos num acidente de viação ocorrido havia cerca de um mês e meio, e que, eventualmente pela conferência, fosse ordenado reenvio para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de questão prejudicial concernente à “gratuitidade da justiça pública”.
Estas pretensões foram indeferidas por despacho do relator, de 12 de Fevereiro de 2004, do seguinte teor:
“O recorrente A., notificado para proceder ao pagamento da multa liquidada na sequência do despacho de fls. 986 e 987, vem requerer ao relator a dispensa desse pagamento por pretenso «justo impedimento». Ora, para além de ser desde logo questionável se os factos alegados pelo recorrente seriam idóneos a preencher tal figura, o certo é que o recorrente não ofereceu «logo a respectiva prova», como impõe o n.º 2 do artigo 146.º do Código de Processo Civil, o que determina o indeferimento da aludida pretensão, sendo, para este efeito, irrelevante a extemporânea junção, com o original do requerimento remetido por fax, dos documentos de fls. 999 e 1000.
Por outro lado, é manifestamente infundada a suscitação de questão justificadora de «reenvio prejudicial», cujo objecto o recorrente não identifica com o mínimo de clareza e precisão, sendo irrelevante para efeitos de verificação dos requisitos do justo impedimento e do sancionamento de condutas processuais negligentes das partes o apuramento da existência de um hipotético «princípio da gratuitidade da justiça», a nível comunitário.
Indefere-se, assim, na sua totalidade, o requerimento de fls. 990 a
993.”
Notificado deste despacho, vem o recorrente do mesmo reclamar para a conferência, aduzindo:
“A. No seu desaforo em crescendo, congrega este último, de resto doutro, despacho reclamado, num só acto em dois quadros, três decisões identicamente inválidas: começa por emitir pronúncia infundada e, do mesmo passo, omitir pronúncia sobre o que devia, para acabar por pronunciar-se sobre o que não podia nem devia. De facto, B. decide-se ali ab initio, em ordem ao indeferimento do incidente de justo impedimento aduzido, que «o recorrente não ofereceu “logo a respectiva prova”, como impõe o n.º 2 do artigo 146.º do Código de Processo Civil», quando porém se encontra explicitamente alegado no requerimento em causa (pág. 2) que «o justo impedimento sucedido aquando do envio por telecópia do original da peça processual em questão» foi justamente impedido «invoc(ado) imediatamente, ao dele tomar agora conhecimento» (sic), ou seja: «ao ser afinal ciente, por via do Despacho sub judicio, da (ocorrência do mesmo)», tendo logo então, patentemente, apresentado a prova possível: a devida explicação, aqui acima reiterada; por outro lado, o ora reclamante – que tem perfeita consciência de que naquela data anterior mandara expedir por telefaxe uma peça processual de sua autoria não assinada, isto é, praticamente: anónima – requereu em simultâneo a admissão do documento original em falta «com base na regra do n.º 2 do artigo 147.º do mesmo Código» (sic), o que vale por solicitar a abertura de vista ao Ministério Público, a contraparte in casu, na firme convicção de que
(segundo a sociedade portuguesa da actualidade vem aceleradamente tomando conhecimento, através de actos públicos e notórios de quem de direito) aquela parte concederá sempre total apoio à autuação, neste processo como noutro, de todo e qualquer escrito anónimo (mesmo que, como no caso vertente, já só quando ex-anónimo). Ora, tampouco esta pretensão foi devidamente atendida: nem sequer objecto de pronúncia foi! Pior, C. muito pior, contudo, revela-se o pronunciamento a seguir – ilegalmente – desferido: a doble «sem-tença» de que «é manifestamente infundada a suscitação de questão justificadora de “reenvio prejudicial (sic)”, cujo objecto o recorrente não identifica com o mínimo de clareza e precisão» (!), «sendo irrelevante... o apuramento da existência de um hipotético “princípio da gratuitidade da justiça”, a nível comunitário» (sic)!! Sobre esta agudeza bonda hic et nunc realçar que: i) o princípio jusconstitucional, de ordem eurocomunitária, da gratuitidade da justiça estadual poderá porventura começar por ser «hipotético», todavia, num moderno Estado de direito (democrático, sobretudo), não será possível – e um
órgão soberano com função jurisdicional da especialidade não deverá querer, porque nem poderá – mantê-lo como mera «hipótese» para toda a gente durante todo o tempo; ii) como direito processual fundamental perfeitamente reconhecível, afirma-se o mesmo absolutamente relevante em todas e quaisquer situações jurídicas emergentes: principais, incidentais e outras que tais (muito pelo contrário, não pode nem deve é pretender criar-se artificialmente situações de facto quistas evasivas ao seu imperium); iii) o objecto da atinente questão pré-judicial encontra-se, imodéstia à parte, enunciado com toda a precisão nas alegações de direito apresentadas pelo signatário neste mesmo processo de recurso em 19 de Março de 2002 (há dois anos!), pelo que, na realidade, o que está em falta é, sim e tão-só, que esse Tribunal Supremo diligencie o devido cumprimento – ou contraia a responsabilidade pelo incumprimento – da obrigação (estatuída no n.º 3 do artigo 234.º do Tratado Instituinte da Comunidade Europeia) formal e solenemente assumida pelo Estado Português nos termos dos sexto e sétimo considerandos do Parecer, de 31 de Maio de 1985, dirigido pela Comissão das Comunidades Europeias ao Conselho e que, tido expressa e necessariamente em conta por este na sua Decisão de admissão, de 11 de Junho de 1985, consta apenso, obrigatoriamente, à Resolução da Assembleia da República n.º 22/85, datando de
10 de Julho de 1985 (publicada em 18 de Setembro de 1985: Diário da República, I Série, 1985, p. 3032-(1)), que aprovou o Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias. Termos por que, deferindo com toda a justiça à reclamação sub judice, esse Alto Tribunal ordenará, finalmente, o obrigatório reenvio ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias da questão pré-judicial já nestes autos, para esse efeito, formalmente enunciada.”
O recorrido, notificado desta reclamação, nada disse.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Quanto ao não atendimento da invocação de justo impedimento, por o recorrente não ter logo apresentado a respectiva prova, aduz o ora reclamante que o invocou e “explicou” logo que dele teve conhecimento. Porém, o que o despacho reclamado disse não foi que o reclamante não tivesse invocado o pretenso justo impedimento logo que dele ficou ciente, mas antes que não ofereceu logo a respectiva prova (que não se reduz à mera “explicação” dos factos), asserção esta que não vem contestada, e que conduz à improcedência desta parte da presente reclamação.
E também o reclamante não contesta a correcção das afirmações de que, no requerimento sobre que recaiu o despacho ora reclamado, a
“questão prejudicial” que justificaria o reenvio para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias não vinha formulada com o mínimo de clareza e precisão e que era irrelevante para efeitos de verificação do justo impedimento e do sancionamento de condutas processuais negligentes das partes o apuramento da existência de um alegado “princípio da gratuitidade da justiça”, a nível comunitário. A este respeito, o reclamante limita-se a referir que nas alegações do presente recurso de constitucionalidade, apresentadas em 19 de Março de 2002, teria suscitado, de forma clara, precisa e pertinente, uma questão prejudicial justificadora de reenvio para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Mas o despacho ora reclamado não tinha de se pronunciar sobre tal questão – que será apreciada quando houver de se conhecer da matéria das referidas alegações, o que ainda não ocorreu por falta de constituição de mandatário judicial do recorrente –, mas apenas sobre as questões suscitadas no requerimento de fls.
990 a 993.
3. Termos em que acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
10 (dez) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Abril de 2004
Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos