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Procº nº 296/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 28 de Abril de 2003 o relator proferiu nos autos despacho com o seguinte teor:-
“1. Tendo, por sentença proferida em 27 de Março de 2001 pelo Juiz do
1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, sido considerada improcedente a oposição que o A. deduziu à execução fiscal que contra si foi instaurada no 3º Bairro Fiscal do Porto para cobrança coerciva de Esc.
1.409.813$00, que seria devida a título de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares referente aos anos de 1994 e 1995, dessa sentença recorreu o oponente para Tribunal Central Administrativo.
Por despacho proferido em 12 de Março de 2002 pelo Relator do Tribunal Central Administrativo, foi o recurso julgado deserto por falta de apresentação atempada de alegações.
Para assim se decidir, escreveu-se em tal despacho:-
‘.......................................................................................................................................................................................................................................................
É que os presentes autos deram entrada na R. Finanças em 10.1.2000, ou seja já no âmbito da vigência do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o qual entrou em vigor em 1-1-2000 - cfr. seu art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, sendo por isso aplicável integralmente nos presentes autos.
E nos termos do disposto no art.º 282.º n.ºs 1 e 3 deste CPPT, o recorrente tem de apresentar as suas alegações, ou logo como requerimento de interposição do recurso ou, no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho que admitir o recurso, não podendo alegar no tribunal para que se recorre, nem mesmo no STA, ainda que tenha mencionado, no requerimento de interposição do recurso, essa intenção de alegar no tribunal ‘ad quem’.
.......................................................................................................................................................................................................................................................’
Requerido o esclarecimento e reforma desse despacho, e sendo uma tal pretensão indeferida por despacho de 4 de Junho de 2002, veio o oponente a reclamar dos mesmos para a Conferência, o que fez em requerimento onde se pode ler:
‘A., no Recurso Jurisdicional nº 5595/01, da 2ª Secção, em que contende com a Fazenda Pública, não se conformando com os despachos proferidos em 12 de Março de 2002 e esclarecido pelo despacho de 04 de Junho corrente, vem requerer que os mesmo sejam submetidos à Conferência, [a fim] de ser proferido acórdão sobre a matéria.
O presente requerimento é feito nos termos e ao abrigo do artº 686 e do nº 3 do artº 700 do Cód. Proc. C[i]vil aplicável supletivamente.
Se V. Ex.a entender que o atrás requerido é inviável, então o recorrente, manifestando a sua inconformidade com os despachos em causa, deles pretende agravar para a 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, devendo o recurso subir nos termos e com os efeitos legais’.
Tendo o Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 8 de Outubro de
2002, indeferido a reclamação, do mesmo recorreu o oponente para o Tribunal Constitucional, o que fez por intermédio de requerimento onde disse:
‘A., no Processo Recurso Jurisdicional nº 5595/01 em que contende com a Fazenda Pública, não se conformando com o acórdão de 08/10/2002 e por o problema já estar anteriormente levantado nos autos, dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 70 da Lei deste
último Tribunal, por violação expressa do artº 4 do Dec.Lei 433/99 e do artº 20 da C.R.P.’
O recurso interposto por intermédio do transcrito requerimento foi admitido por despacho lavrado em 3 de Março de 2002 pelo Relator do Tribunal Central Administrativo.
Os autos vieram a ser remetidos ao Tribunal Constitucional em 9 de Abril de 2003.
2. Não obstante o despacho de admissão de recurso para este Tribunal, porque o mesmo não vincula tal órgão de administração de justiça (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a presente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da vertente impugnação.
Na realidade, situando-nos, como nos situamos, perante um recurso esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da lei nº 28/82, mister é que, precedentemente à decisão judicial que se intenta submeter à censura do Tribunal Constitucional, a «parte» que figura como impugnante nesse recurso tenha suscitado a questão da desconformidade com o Diploma Básico por banda de uma norma jurídica constante do ordenamento jurídico infra-constitucional.
Ora, como resulta patente do relato supra efectuado, o ora recorrente, aquando da reclamação para a conferência do despacho do Relator do Tribunal Central Administrativo, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a uma dada norma ínsita naquele ordenamento, nomeadamente no que tange ao artº 4º do Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro (confronte-se, neste particular, o requerimento consubstanciador da reclamação, acima transcrito) - contrariamente ao que é afirmado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional -, sendo ainda de anotar que idêntica postura omissiva se surpreende no requerimento em que solicitou o esclarecimento do citado despacho.
Neste contexto, falece, in casu, um dos requisitos da impugnação a que alude a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, motivo pelo qual se não toma conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo impugnante, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta”.
Do transcrito despacho reclamou, com esteio no nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, o A., que fundamentou a sua discordância na seguinte corte argumentativa:
- que existe um lapso ou uma contradição no despacho impugnado, pois que no mesmo, por um lado, se diz que o ora impugnante, aquando da reclamação para a conferência do despacho proferido pelo Relator do Tribunal Central Administrativo, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade e, por outro, no relato constante desse mesmo despacho, se afirma que o dito reclamante, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 8 de Outubro de 2002, referiu que o problema de inconstitucionalidade estava já anteriormente levantado nos autos;
- que se deve sufragar o entendimento segundo o qual o problema da inconstitucionalidade e o seu desenvolvimento não deve ser efectuado numa reclamação para a conferência de um despacho proferido por um relator do tribunal onde foi proferida a decisão pretendida recorrer perante o Tribunal Constitucional;
- que o “problema ora em causa da inadmissibilidade de alegações, por extemporâneas, e consequente deserção do recurso, quanto à sua inconstitucionalidade por incontroversa ilegalidade dos preceitos do Código de Processo Tributário e do Código de Procedimento e do Processo Tributário, só poderia ser levantado em alegações que o apreciasse e nunca na simples reclamação para a Conferência do despacho do Exmo Relator”;
- que, na alegação que produziu no recurso para o Tribunal Central Administrativo, suscitou questões de inconstitucionalidade a decidir pelo Tribunal Constitucional, embora atinentes à caducidade e à prescrição.
Ouvida sobre a reclamação, o Director-Geral dos Impostos nada disse.
Cumpre decidir.
2. É, a todos os títulos, evidente a falta de razão do reclamante.
Em primeiro lugar, não se vislumbra o lapso ou a contradição a que se reporta a reclamação de que ora se cura.
Efectivamente, da circunstância de o reclamante, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ter afirmado que suscitara anteriormente questões de inconstitucionalidade, não deflui que essa concreta suscitação possa relevar para efeitos de se ter por assente que, para o que releva no caso sub specie, houve a suscitação de uma específica questão de inconstitucionalidade em termos de o juízo que viesse a ser proferido por este órgão de administração de justiça se repercutir utilmente na decisão tomada no tribunal a quo.
É que, como se tem por indubitável, nos recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade (e é este que está em causa) a que aludem os artigos 280º, nº1, da Lei Fundamental e 70º, nº 1, alíneas a), b), g) e h), da Lei nº 28/82, embora o respectivo objecto seja o de normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional, o que é impugnado são as decisões tomadas pelos tribunais das várias ordens existentes em Portugal.
Ora, o que, in casu, foi recorrido foi justamente o acórdão prolatado em 8 de Outubro de 2002 pelo Tribunal Central Administrativo, o qual confirmou o despacho do Relator que julgara deserto, por falta atempada de apresentação de alegação, o recurso querido interpor pelo ora reclamante da sentença proferida em 27 de Março de 2001 pelo Juiz do 1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto.
Desta arte, a questão que aquele Tribunal Central tinha de resolver era, e tão só, a de saber se, na verdade, estava ou não correcta a postura que tinha sido assumida no despacho que considerara deserto o recurso.
E foi essa questão aquela que, precisamente, veio a ser decidida em tal aresto, não se acolhendo, consequentemente, a impugnação que o A., por via de reclamação para a conferência, deduzira do indicado despacho do Relator do Tribunal Central Administrativo.
Neste contexto, se porventura o agora reclamante entendesse que os normativos que fundaram o despacho do Relator do Tribunal Central Administrativo padeciam do vício de desconformidade com o Diploma Básico, e se, na hipótese de a conferência não vir a deferir a reclamação interposta daquele despacho, quisesse lançar mão do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, então sobre si impendia, forçosamente, o
ónus de, na peça processual consubstanciadora da dita reclamação, equacionar essa questão de desconformidade.
O que, de todo em todo, não fez.
Não releva, como é obvio, a eventual circunstância de, na alegação - a que se não atendeu, por se considerar extemporaneamente apresentada - do recurso interposto da sentença lavrada no 1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, terem, porventura, sido levantados problemas de enfermidade constitucional respeitantes a normativos (ainda que alcançados por interpretação) que regulam institutos como os da prescrição e da caducidade.
E não releva, justamente pela consideração de que a apreciação das questões conexionadas com esses institutos não constituía o thema decidendum do acórdão a proferir pelo Tribunal Central Administrativo que, como acima se disse, era, tão somente, o de saber se era, ou não, de manter o decidido pelo despacho do Relator daquele Tribunal que julgara deserto o recurso com base nas disposições constantes dos artigos 4º, do Decreto-Lei nº 433/99, de
26 de Outubro, e 282º, números 1 e 3, do Código de Procedimento e do Processo Tributário.
Pois bem.
Estas disposições, ratio juris do despacho então reclamado, não foram, pelo então reclamante e aquando da reclamação para a conferência do Tribunal Central Administrativo, questionadas do ponto de vista da sua conformidade constitucional.
E foram elas mesmas que fundaram o decidido no acórdão de 8 de Outubro de 2002, aresto que se quis submeter à censura do Tribunal Constitucional. Sequentemente, não pode deixar de considerar-se que o momento e local processualmente adequados para equacionar a questão da inconstitucionalidade a elas respeitante eram o da e a peça processual consubstanciadora da reclamação.
As questões de inconstitucionalidade referentes aos institutos da prescrição e da caducidade (porventura suscitadas na alegação que o ora reclamante apresentou no recurso interposto da sentença tirada no Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto), não poderão ser visualizadas como constituindo, só por si, a congregação da totalidade dos requisitos do recurso fundado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e atinente ao acórdão de 8 de Outubro de 2002, já que neste ão foi tomada qualquer decisão quanto a essas matérias.
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 6 de Junho de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida