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Proc. n.º 810/02
1ª Secção Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam no Tribunal Constitucional:
A. interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recurso contencioso, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 134/98 de 15 de Maio, a pedir a anulação da deliberação da Vereadora do Pelouro de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa que indeferira o pedido de licenciamento para obras de alteração/ remodelação para o piso térreo e cave do edifício sito na Rua
------------------ n.º -------------- em -----------------.
No entanto, o Tribunal solicitado rejeitou o recurso por extemporaneidade, considerando que fora excedido o prazo fixado na alínea a do n.º 1 do artigo 28º da LPTA (2 meses) para ser proposto tal pedido contencioso.
Inconformada, a Recorrente recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 23 de Outubro de 2002, negou provimento ao recurso, confirmando aquela decisão.
É do decidido que vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º, n.º1, alínea b) da LTC.
A Recorrente alegou, formulando as seguintes conclusões:
“1. Ao interpretar o n.º 5 do art. 35º da LPTA no sentido de não admitir como data de apresentação de peça processual em juízo a da efectivação do registo quando o mandatário tenha escritório na sede do tribunal, cria o STA uma situação de beneficio, actualmente injustificável, em favor das partes representadas por mandatário com escritório fora da sede do tribunal, assim violando o princípio da igualdade ínsito no art. 13.º da CRP . Na verdade,
2. Quando foi publicada a LPTA (Julho de 1985) inexistia na lei processual civil preceito equivalente ao que agora consta do art. 150º, n.º 2, al. b) do C PC.
3. O legislador da LPTA (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho) sentiu a necessidade de discriminar positivamente o signatário da petição de recurso que tivesse domicílio profissional fora da sede do tribunal atento o número reduzido de Tribunais Administrativos de Círculo, a natureza (bastante limitativa pelos parâmetros actuais) dos modos de comunicação então em vigor no País e a ausência de modos alternativos de apresentação de peças processuais em juízo. Porém,
4. Após 1985 houve um extraordinário aumento dos modos de comunicação e uma profunda reforma do processo civil, generalizada aos demais segmentos do ordenamento jurídico, por via da qual os actos das partes puderam passar a ser remetidos:
- por correio registado, considerando como data de tais actos a da efectivação do respectivo registo postal (art.º 150º, n.º 1, do C PC, versão originária, e art.º 150º, n.º 2, al. b), última versão posterior);
- por telecópia (Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro), art.º 150,0, n.º 1, al. c), do CPC;
- por correio electrónico (art.º 150,0, n.º 2, al. c), C PC, última versão).
5. Verifica-se, assim, que a discriminação positiva que o legislador do Contencioso Administrativo levou a efeito em 1985, através do n.º 5 do art.º
35.0 da LPTA, perdeu sentido em face da generalização aos demais ramos do direito adjectivo actual da possibilidade de remessa por correio dos actos a praticar pelas partes, faculdade essa reforçada, inclusive, por novos meios alternativos de prática dos actos processuais.
6. O novo Código do Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPT A), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, expressamente postula, no art.º 23.º a aplicação da lei processual civil, sem limitações, à entrega ou remessa das peças processuais ajuízo.
7. O juízo sobre a igualdade deve ser feito numa base actualista e evolutiva, ponderando em cada momento a razão de ser das diferenças encontradas e da sua compatibilidade ou conformidade com o texto constitucional.
8. A diferença de tratamento que o n.º 5 do art.º 35º da LPTA, na interpretação sob censura da recorrente, postula entre signatários com domicílio na sede do tribunal e signatários com domicílio fora da sede do tribunal, se já fez sentido em tempos - onde a rapidez e a facilidade das comunicações ainda se mediam pelas distâncias quilométricas - não é, nos tempos actuais, razoável e consonante com o sistema jurídico.
9. Assim, o n.º 5 do art.º 35.º da LPTA, quando interpretado no sentido da não admissão da data da efectivação do registo como data da apresentação da petição de recurso contencioso em Tribunal que haja sido enviada por correio registado, quando o seu signatário tiver escritório na sede desse tribunal, deverá ser julgado inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP .
10. A violação do princípio da igualdade é manifesta nas duas seguintes vertentes: a) Nega-se à parte patrocinada por mandatário residente na comarca o que se admite ao aí não residente, mesmo quando este último passou a dispor, por via de alterações na lei, de meios alternativos e de facilidades que não justificam tal discriminação;
b) Nega-se na jurisdição administrativa aquilo que se admite nas demais jurisdições ( e também na nova jurisdição administrativa, conforme art.º 23.º do CPTA), sem que se descortinem razões para tanto. Para além disso,
11. o aliás douto Acórdão recorrido, ao considerar extemporânea a apresentação daquela petição de recurso, expedida por correio registado no último dia do prazo para o efeito, violou também, salvo o devido respeito e melhor opinião, o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva ínsito no art.
20º da CRP . Com efeito,
12. Pelos motivos que invocou, o aliás douto Acórdão impediu que a recorrente pudesse fazer valer em juízo as suas razões, frustrando-lhe o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, por razões que hoje, não somente pelo espírito mas também pela letra da própria lei (art.º 23º, CPTA) claramente não subsistem.”
A Autora Recorrida apresentou contra-alegações nas quais defendeu a manutenção da sentença.
Cumpre decidir:
A questionada norma contida no artigo 35º, n.º5 da LPTA já foi objecto de apreciação concordante por este Tribunal nos Acórdãos n.ºs 462/02, 652/03
(inéditos) e 46/03, publicado no Diário da República, II série, de 7/05/2003, aí se tendo concluído pela sua não inconstitucionalidade.
É esta jurisprudência que, por se não descortinarem razões para a abandonar, seguiremos de perto.
A regra geral no contencioso administrativo, consagrada no artigo 35º, nº1 da LPTA, é a de que o recurso contencioso deve ser interposto por via da entrega da respectiva petição na secretaria do tribunal à qual é dirigida.
Uma das excepções a esta regra é a que resulta do n.º 5 do mesmo artigo: a de o advogado signatário não ter escritório na comarca sede do tribunal à qual é dirigida, podendo, nesse caso, aquela peça ser enviada sob registo postal à secretaria do tribunal, caso em que valerá como data de entrada a do respectivo registo.
Ora é nesta diversidade de regimes que a Recorrente detecta um motivo de inconstitucionalidade que residiria na injustificada diferenciação de tratamento entre os mandatários forenses.
Todavia, o tratamento diverso que é dado ao caso conforme os mandatários forenses tenham ou não o seu escritório na sede da comarca do tribunal tem uma
óbvia justificação material, apresentando-se - ao contrário do que defende a Recorrente - como uma solução racional e não arbitrária.
De facto, dado o reduzido número de tribunais administrativos de círculo existentes no País (e consequente afastamento geográfico entre eles), os advogados cujos escritórios se não situassem na sede da comarca encontrar-se-iam em evidente desvantagem relativamente aos seus colegas que, tendo o seu escritório nessa localidade, com muito maior facilidade se podem deslocar à secretaria do tribunal.
Por outro lado, no âmbito dos seus poderes de livre conformação, o legislador determinou, que, nesses casos, possibilitando-se o envio da petição por via postal, se consideraria como data de entrada dos papeis a do respectivo registo postal.
Pretende-se, manifestamente, evitar maior onerosidade na entrega das petições quanto aos advogados que, tendo o escritório fora da sede da comarca do tribunal, se veriam em princípio obrigados a deslocações, provavelmente mais difíceis, para apresentar as petições de recurso na secretaria do tribunal, o que até poderia implicar uma injustificada redução do prazo processual dentro do qual deveria ser praticado o acto.
Pode indiscutivelmente entender-se que melhor solução legislativa seria a de atribuir indiscriminadamente a todos os mandatários forenses a faculdade de remeter as petições de recurso contencioso sob registo postal, valendo como data da entrada a do registo postal, como acontece no processo civil (artigo 150º do Código de Processo Civil) e como provavelmente ficará consagrado no futuro Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Mas tal juízo não tem qualquer relevância para a questão da constitucionalidade: uma pior solução legislativa não determina por si só a respectiva inconstitucionalidade.
É que, como este Tribunal tem sublinhado, a ideia de igualdade não se opõe à existência de regimes jurídicos diferenciados, pois o que o princípio da igualdade recusa é o arbítrio legislativo. São, por isso, constitucionalmente admissíveis (= sem ofensa do princípio da igualdade) as diferenças de tratamento material e racionalmente justificadas pela diversidade das situações reguladas, como é o caso em apreço.
A norma do artigo 35º, n.º 5 da LPTA não confere, assim, aos seus destinatários um benefício racionalmente infundado, limitando-se a disciplinar realidades diversas, com a finalidade de eliminar a eventual ocorrência de situações injustificadamente desfavoráveis. Não se mostra, em suma, ferido o princípio da igualdade.
A este respeito, o já referido Acórdão n.º 46/03 refere o seguinte:
“ O direito ao recurso também não é violado, uma vez que o dever de entregar a peça processual na Secretaria do Tribunal em nada afecta o poder que o sujeito tem de utilizar os mecanismos processuais que a lei coloca ao seu dispor. Com efeito, a entrega das peças processuais constitui encargo do respectivo sujeito, sendo manifestamente improcedente sustentar a violação do direito ao recurso pela norma que estabelece que a entrega se faz na Secretaria do Tribunal em nada afecta o poder que o sujeito tem de utilizar os mecanismos processuais constitui encargo do respectivo sujeito, sendo manifestamente improcedente sustentar a violação do direito ao recurso pela norma que estabelece que a entrega se faz na Secretaria do Tribunal. O artigo n.º 268º, n.º4, da Constituição, que consagra a garantia de tutela judicial efectiva também não se encontra violado pela norma que consagra o encargo de a petição do recurso ter de ser entregue na Secretaria do Tribunal quando o respectivo signatário tiver escritório na comarca da sede do tribunal.
É que esse encargo é absolutamente razoável e justificado, uma vez que corresponde ao modo normal de relacionamento entre causídicos e os tribunais. A circunstância de existirem outros, nomeadamente tecnológicos, mais confortáveis não torna ilegítima a solução que pode considerar-se tradicional.”
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso interposto.
Custas pela Recorrente. Taxa de justiça: 15 UC
Lisboa, 2 de Julho de 2003 Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida