Imprimir acórdão
Processo n.º 463/2004
3ª Secção Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. O Partido Social Democrata e o Partido Popular requereram ao Tribunal Constitucional, em 16 de Abril de 2004, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 22º da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio, aplicável por força do artigo 1º da Lei n.º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu) a apreciação e anotação da coligação eleitoral denominada 'FORÇA PORTUGAL', que adopta a sigla 'PPD/PSD . CDS-PP' e o símbolo constante do documento anexo ao requerimento do pedido, com o objectivo de apresentar uma candidatura conjunta na eleição para deputados ao Parlamento Europeu, eleitos em Portugal, designada para o dia 13 de Junho de 2004.
O requerimento vem assinado pelo Secretário Geral do Partido Social Democrata e por um vogal da Comissão Executiva do Partido Popular, com reconhecimento notarial das assinaturas nessas qualidades. [A identificação do representante em juízo do Partido Popular como vogal da “Comissão Directiva” é fruto de lapso, porventura devido ao facto de ser relativamente recente a alteração estatutária de que resultou a alteração de designação (Conselho Nacional de 20 de Março de 2004; vid. fls. 702, do Proc. n.º 2/PP), que o reconhecimento da assinatura em conformidade com os elementos registados neste Tribunal permite ultrapassar].
E vem instruído com o símbolo da coligação e com extracto das actas das reuniões, de 17 de Março de 2004, do Conselho Nacional e da Comissão Política Nacional do Partido Social Democrata e de 20 de Março de 2004 do Conselho Nacional do Partido Popular, em que cada um dos partidos deliberou constituir a coligação, bem como com exemplares da publicação em dois jornais diários do anúncio a que se refere o n.º 1 do artigo 22º da Lei n.º 14/79,de 14 de Maio, ex vi do artigo 1º da Lei n.º 14/87, de 29 de Abril.
2. Os partidos políticos requerentes encontram-se devidamente representados
(cfr. artigo 25º, n.º 1, alínea a) dos Estatutos do Partido Social Democrata e artigo 50º n.º 4, alínea a) dos Estatutos do Partido Popular, arquivados neste tribunal).
Os documentos que acompanham o pedido mostram que as deliberações tomadas com o objectivo de constituir a coligação pretendida foram adoptadas pelos órgãos dos respectivos partidos para o efeito competentes (cfr. artigo
18º, nº2, alínea e) dos Estatutos do Partido Social Democrata e artigo 43º, n.º
1, alínea d) dos Estatutos do Partido Popular).
3. De acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 11º da Lei Orgânica nº
2/2003, de 22 de Agosto (Lei dos Partidos Políticos - LOP), as coligações e frentes para fins eleitorais regem-se pelo disposto na Lei Eleitoral. Em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 22º da Lei nº 14/79, aplicável por força da artigo 1º da Lei nº 14/87, as 'coligações de partidos para fins eleitorais devem ser anotadas pelo Tribunal Constitucional e comunicadas até à apresentação efectiva das candidaturas em documento assinado conjuntamente pelos
órgãos competentes dos respectivos partidos a esse Tribunal, com indicação das suas denominações, siglas e símbolos'.
Por Decreto do Presidente da República n.º 19-A/2004, publicado no Diário da República, I Série-A , n.º 84, supl., de 8 de Abril de 2004, foi fixado o dia 13 de Junho do corrente ano para a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos por Portugal, mostrando-se assim o requerimento em causa apresentado em data pertinente (cfr. citado artigo 22º, nº 1, da Lei nº 14/79).
4. A sigla e símbolo da coligação em referência não incorrem em qualquer ilegalidade, considerando, nomeadamente, quer o artigo 51º, n.º 3, da Constituição da República, quer o artigo 12º, n.ºs 1 e 3 da Lei Orgânica n.º
2/2003, não se confundindo com os correspondentes elementos de outros partidos ou de coligações constituídas por outros partidos.
O símbolo e a sigla são compostos pelo conjunto dos símbolos e siglas dos partidos que integram a coligação, em reprodução rigorosa e integral, assim se observando, também, o disposto no artigo 12º, n.º 4, da mesma Lei Orgânica n.º
2/2003.
Deste modo, não se encontram, quanto a estes elementos, quaisquer obstáculos impeditivos da deduzida pretensão.
5. Dos três elementos submetidos a apreciação do tribunal
(denominação, sigla e símbolo), só a denominação da coligação poderia ser objecto de controvérsia, como aliás consta de uma exposição junto aos autos pelo Partido Socialista (fls. 22 e segs.). E poderia sê-lo por duas razões:
A) Por se utilizar a palavra “PORTUGAL” na sua composição;
B) Por a expressão “FORÇA PORTUGAL” poder consubstanciar uma associação abusiva da Coligação à campanha da selecção nacional de futebol no evento desportivo “Euro 2004”.
6. Quanto à primeira razão, está em causa a proibição de a denominação se basear “no nome de uma pessoa ou conter expressões directamente relacionadas (…) com qualquer instituição nacional (artigo 12º, n.º 2 da LOP).
Importa começar por referir que a Constituição (artigo 51º, n.º 3)
é, no que respeita à denominação dos partidos – o preceito não se refere a coligações partidárias, mas não se duvida da aplicação extensiva desta norma às coligações (contrariamente, p. ex., à do n.º 4 do mesmo artigo 51º cuja transposição exige outra modulação) e o Tribunal tem-no incluído nas referências normativas com que escrutina a legalidade desses elementos das coligações – menos exigente do que o artigo 12º da LOP. A Constituição só proíbe explicitamente que os partidos utilizem denominações que contenham expressões directamente relacionadas com quaisquer religiões ou igrejas ou emblemas confundíveis com símbolos nacionais ou religiosos, não fazendo referência a
“pessoas” ou a “instituições nacionais”.
Do artigo 12º, n.º 2 da LOP o que pode estar em causa é o segmento normativo que proíbe a adopção de expressões directamente relacionadas com qualquer instituição nacional (de salientar que a lei não faz referência a
“palavras” mas a “expressões”).
É duvidoso o conceito de instituição, que pertence a vários domínios do pensamento, designadamente o filosófico, o sociológico e o jurídico, e assume vários sentidos (instituições-pessoas, instituições-regra, insituições-mecanismos, instituições-coisas, …). Como diz Adriano Moreira (in POLIS, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado ..., tomo 3, p. 578 ), na forma mais perfeita a “instituição” corresponde a “uma ideia de obra ou empresa que se realiza e dura no meio social, interiorizando um quadro de recursos humanos e materiais ao seu serviço que exerce a temporalidade das gerações e tende para a personificação”.
Atendendo à teleologia do preceito, interessa um conceito funcional que impeça a apropriação, para efeitos de combate político, de determinados elementos de identificação e de coesão colectivas, evitando que o eleitorado seja induzido a confundir um partido ou coligação com essas instituições.
Ora, apesar de a palavra “Portugal” corresponder ao nome da República Portuguesa (artigos 1º e 2º da CRP), a pessoa de direito internacional é a República Portuguesa e a pessoa colectiva de direito interno é o Estado. Estas serão instituições, mas aquele nome, em si mesmo, não o é. A sua utilização, antecedida da palavra “FORÇA” – que simultaneamente, em dupla leitura, remete para um objectivo e para uma noção de parte –não é de molde a induzir o eleitorado, segundo o padrão do destinatário com o mínimo de discernimento político, a esquecer-se de que está perante uma mera proposta partidária e a aceitar a ideia de que a força política assim denominada se identifica com o todo nacional.
Consequentemente, neste contexto, a inclusão da palavra “Portugal” não torna ilegal a denominação da coligação cuja anotação se pretende.
7. Quanto à possibilidade de aproveitamento da denominação para retirar dividendos por associação com a dinâmica da campanha a favor da selecção nacional de futebol no evento desportivo “Euro 2004”, não se vislumbra, no presente caso, qualquer possibilidade de enquadramento desse facto nas causas de recusa da anotação das coligações eleitorais.
Desde logo, porque não consta que a expressão contida na denominação em presença
seja ou se encontre registada como sinal distintivo do dito evento desportivo.
Por outro lado, porque embora seja certo que em termos publicitários e de propagando política pode haver mecanismos de simbiose, parasitismo ou de sinergia entre diversas campanhas ou eventos, a verdade é que, também neste domínio da escolha da denominação das coligações partidárias, a regra é a da liberdade e aquela possibilidade não figura no elenco dos elementos a que a lei manda atender no momento da verificação da legalidade da denominação adoptada.
Deste modo, também quanto à denominação da coligação não há obstáculo impeditivo da deduzida pretensão.
8. Nestes termos, decide-se: a) Nada haver que obste a que a coligação formada pelo Partido Social Democrata (PPD/PSD) e pelo Partido Popular (CDS-PP), com o objectivo de concorrer às eleições para o Parlamento Europeu a realizar no dia 13 de Junho de
2004, use a denominação 'FORÇA PORTUGAL', a sigla 'PPD/PSD . CDS-PP' e o símbolo que consta do anexo ao presente acórdão, do qual faz parte integrante; b) Ordenar a anotação da referida coligação.
Lisboa, 20 de Abril de 2004
Vítor Gomes Gil Galvão Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida