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Proc. n.º 738/03 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A., com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fls. , pedindo a verificação da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 37º n.ºs 2, 3, 5 e 6 do Código Cooperativo, 56º n.º 1 alínea d) e 58º n.º 1 alínea a) do Código das Sociedades, com a interpretação de que a nulidade de processo disciplinar com vista à exclusão de sócio cooperador, objecto de deliberação pela assembleia geral da cooperativa no sentido de tal exclusão, não acarreta a nulidade da deliberação, mas apenas a sua anulabilidade.
O recurso foi admitido no STJ e os autos remetidos a este Tribunal.
Notificado para alegações, concluiu o recorrente:
'1 - A interpretação vertida no acórdão recorrido relativamente às normas contidas no artº 37º n.ºs 1 a 6 do Código Cooperativo e às normas do artº
56º n.º 1 alínea d) e do artº 58º n.º 1 alínea a) do Código das Sociedades, considerando meramente anulável a deliberação de exclusão do recorrente, viola, materialmente, os princípios constitucionais, a saber: (i) do Estado de Direito democrático (ii) da Justiça, da Legalidade e da Igualdade, (iii) do Sector Cooperativo, seu desenvolvimento, e do Interesse Público (iv) da perenidade do vínculo cooperativo, (v) do Direito de Defesa, Contraditório e Audiência e (vii) do processo equitativo.
2 - O entendimento destas normas conforme aos princípios constitucionais acima melhor explicitados deve levar à revogação do Acórdão recorrido e à declaração de nulidade da deliberação de exclusão do ora recorrente, com o prosseguimento da acção tendo em vista a realização de audiência de discussão e julgamento e prolação de sentença de mérito, com o que V. Exas farão a necessária Justiça.
3 - Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido em conformidade com o exposto.'
Contra-alegou a recorrida B., suscitando a questão prévia do não conhecimento do recurso por não ter sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma perante o Tribunal da Relação de Lisboa e o Supremo Tribunal de Justiça; defende, ainda, que o recurso não merece provimento.
Notificado o recorrente para se pronunciar, querendo, sobre a questão prévia suscitada pela recorrida veio dizer que:
- 'a questão da inconstitucionalidade associada à deliberação de exclusão do recorrente e ao respectivo procedimento disciplinar, tem sido assunto constantemente suscitado nos presentes autos';
- 'nalguns casos tal inconstitucionalidade foi suscitada de forma mais directa e incisiva, noutros mais ténue';
- 'o ónus a cargo do ora recorrente deve ser considerado cumprido, não podendo relevar para efeitos de admissibilidade e conhecimento do presente recurso, qualquer eventual menor rigor na sua invocação, sob pena de subverterem as regras do jogo e a descoberta da verdade material inerentes à Justiça e ao Estado de Direito'.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - O recurso foi admitido no Tribunal 'a quo', o que, nos termos do artigo 76º n.º 3 da LTC, não vincula o Tribunal Constitucional.
De todo o modo, importa realçar o que, nesse despacho de admissão se escreveu. E aí se disse:
'............................................................................................................
Apesar de não se ver, nas conclusões (?) das alegações do recurso que interpôs para a Relação, expressa referência à inconstitucionalidade das normas citadas, na interpretação que delas fez a sentença de 1ª instância, e não obstante não ter sido tal inconstitucionalidade sustentada nas contra-alegações que o recorrente apresentou no recurso de revista, certo é que as menções, posto que vagamente concretizadas, que se surpreendem a fls. 112 (n.º 41) e 118/119, e a fls, 186 (n.º 15) e 191 (n.º 1V), nas alegações e contra-alegações referidas nos levam a considerar verificado - favorabilia amplianda, odiosa restringenda - o requisito legal enunciado na al. b) do n.º 1 do art. 70º da Lei do TC.
.............................................................................................................'
A questão que a recorrida suscita radica, precisamente, no facto de, segundo ela, o recorrente não ter suscitado a inconstitucionalidade das normas em causa durante o processo, como o exige o artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC.
Será assim ?
Pressuposto do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC é o da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, durante o processo.
Tal suscitação deve verificar-se perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de modo processualmente adequado, nos termos estabelecidos no artigo 72º n.º 2 da LTC.
É assim irrelevante que a suscitação tenha ocorrido no recurso interposto de decisão de 1ª instância para a Relação, quando o recurso de constitucionalidade vem interposto de acórdão do STJ sobre recurso de acórdão da
2ª instância.
Neste caso, releva apenas a suscitação da questão de constitucionalidade feita perante o STJ, de modo que este Tribunal se possa aperceber que, na ponderação da solução de direito do recurso, se confronta com aquela questão e a deve resolver.
E, para tanto, impõe-se que o recorrente tenha concretizado e substanciado a alegação de inconstitucionalidade de uma determinada norma ou interpretação normativa.
Quando, no recurso para o STJ, o recorrente para o Tribunal Constitucional figure como recorrido, exige-se que, confrontado com a pretensão do então recorrente de aplicação ao caso de uma norma ou interpretação normativa
(aplicação que é, então, plausível, na decisão do recurso), ele suscite, em contra-alegações, a questão de inconstitucionalidade.
É desde logo de assinalar que o acórdão recorrido não aprecia qualquer questão de constitucionalidade reportada às normas (ou interpretações normativas) agora em causa ou a quaisquer outras.
E se tal não é decisivo para concluir que não foram suscitadas questões de constitucionalidade normativa, sempre será de ponderar se a
'omissão' não se deverá, precisamente, ao modo como a parte (não) suscitou essas questões.
Ora, da leitura das contra-alegações do ora recorrente, apresentadas junto do STJ - em recurso em que a então recorrente sustentava a mera anulabilidade da deliberação da assembleia geral da B. (e, consequentemente, a caducidade do direito de impugnação por parte do cooperador), - verifica-se, com efeito, que se não mostra suscitada a questão de constitucionalidade das normas em causa, interpretadas em termos de se dever qualificar o vício que inquina uma deliberação tomada na sequência de um processo disciplinar eivado de nulidades insupríveis como de mera anulabilidade.
Na verdade, limitou-se, então, o ora recorrente a alegar, depois de fazer relevar a preterição de determinadas formalidades (no caso, com acento especial na falta de uma proposta de exclusão devidamente fundamentada, pois 'os demais cooperadores (...) têm o direito de saber que o processo foi legalmente conduzido, com respeito pelos formalismos indicados, e que existe um comportamento violador, a título grave e culposo de normas que regulam a cooperativa), que:
'14 - Sendo que tal desiderato apenas é passível de ser atingido com a elaboração da proposta de exclusão, devidamente fundamentada, a ser submetida
à assembleia, cumpridos que sejam os anteriores formalismos legais.
15 - Sob pena de se entender doutra forma, ocorrer a violação de princípios constitucionais elementares tais como o do Estado de Direito, da Justiça, da presunção de inocência e os inerentes ao cooperativismo.'
E na conclusão IV das referidas contra-alegações escreveu:
'É nula a deliberação de assembleia geral de uma cooperativa, que exclui um cooperador sem que tenha sido precedida de um processo escrito onde conste a prova produzida, a defesa do arguida, a realização efectiva das diligências requeridas e essenciais para descoberta da verdade, incluindo a sua documentação - tal como foi considerado provado - , a proposta de exclusão, tudo nos termos do art. 56º n.º alínea d) do CSC (por estarmos face a normas inderrogáveis em que está em causa o próprio interesse público que se evidencia no estímulo e apoio à actividade de cooperativas e, até mesmo princípios constitucionais como o do Estado de Direito, da Justiça, que se traduz em que o vínculo do cooperador à Cooperativa se não desfaça de uma forma que não seja séria e garantística (...).'
Entende o Tribunal que esta não é o modo adequado da suscitação de questão de constitucionalidade das normas em causa, sendo certo que - e apenas no que concerne à norma do artigo 56º n.º 1 alínea d) do CSC - a pretensão do recorrente se dirige à aplicação deste normativo de direito infraconstitucional por se estar perante a violação de normas imperativas e inderrogáveis.
Em suma, pois, não se mostra verificado o pressuposto processual de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em12 Ucs.
Lisboa, 20 de Abril de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida