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Procº nº 478/2002.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 21 de Junho de 2002 lavrou o relator decisão com o seguinte teor:-
'1. Não se conformando com o acórdão tirado em 27 de Junho de 2001 no
1º Juízo do Tribunal de comarca de Valongo que o condenou na pena única de doze anos de prisão pela autoria de factos que foram subsumidos ao cometimentos de um crime de tráfico agravado, previsto e punível pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, alínea c), ambos do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artº 6º da Lei nº 22/97, de
27 de Junho, e de um crime de detenção de substâncias explosivas, previsto e punível pelos artº 275º, nº 4, do Código Penal, interpôs o arguido A recurso, o qual veio a ser admitido para subir ao Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 5 de Dezembro de 2001, lhe negou provimento, o que motivou o mesmo arguido a daquele aresto interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na alegação adrede produzida, o aludido arguido concluiu, inter alia e para o que ora releva:-
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1 - É nulo todo o processado posterior ao interrogatório do arguido B na audiência de julgamento, por o interrogatório do mesmo ter sido efectuado sem a presença do público e dos arguidos, e o respectivo depoimento não ter sido comunicado publicamente aos arguidos, na presença do público, e o mesmo depoimento ter servido para ajudar à fixação da matéria de facto (fls. 677).
2 - Tal nulidade ocorre, face ao disposto nos arts. 321º, nº 1 e 343º, nº 4 do CPP e obriga à repetição do processado posterior ao cometimento da mesma.
3 - Aliás, a valoração do depoimento do co-arguido, nessas circunstâncias, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 32º, nº
1 e 2 da CRP.
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O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 8 de Maio de 2002, negou provimento ao recurso.
Pode ler-se nesse aresto, em dado passo, após se ter colocado em dúvida, em face dos elementos dos autos, se, no tribunal de 1ª instância, se procedeu, efectivamente, ao interrogatório de um dos arguidos sem a presença dos demais e fora da presença do público e, logo, se teria, na realidade, ocorrido factualidade subsumível à invocada nulidade:-
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Simplesmente ..., mesmo a existir tal nulidade, seria ela ‘uma nulidade do processo - e não de um acto processual -, cometida no decurso do julgamento, que, sanável, devia ter sido arguida antes que este tivesse terminado - artigo 120º, nº 3, alínea a), do Código de Processo Penal -, para poder ser considerada atendida’ (Ac. S.T.J. de 5.6.91 - BMJ 408.406).
Como aliás, se refere no próprio acórdão recorrido (fls. 757), e de novo se sublinha no parecer do MP junto do Tribunal da Relação do Porto (fls.
795).
Aliás, refira-se, não houve arguição nem reacção no tempo próprio (na altura era outro o patrono do recorrente), pelo ficou precludido o poder-dever de arguição, verificando-se o desencadear de toda uma sanação, caindo, por tardia, a agora sua impugnação.
Um posicionamento que vem constituindo jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, como aliás flui ainda dos Acs. do S.T.J. de 28.1.93 (proc. nº
43305) e de 10.7.97 (proc. nº 358/97), importando concluir-se que, a ter havido nulidade, a mesma tem de considerar-se sanada por renúncia tácita.
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Do acórdão de que parte acima se encontra transcrita recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, o mencionado o arguido, pretendendo, por intermédio do recurso, ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 327º, nº 2, e 343º, nº 4 do mesmo Diploma, quando interpretados no sentido efectuado pela decisão recorrida.
O recurso foi admitido por despacho proferido em 3 de Junho de 2002 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Sublinha-se, em primeiro lugar, que é, desde logo, duvidoso que, aquando da motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o ora impugnante tenha, efectivamente, suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade reportada aos normativos ínsitos nos artigos 327º, nº 2
(naquela motivação escreveu-se, então, ‘nº1’), e 343º, nº 4, do diploma adjectivo criminal, pois que, como deflui das supra transcritas «conclusões», o que, em rectas contas foi defendido foi que a valoração de um depoimento efectuado por um co-arguido na audiência de julgamento sem a presença dos demais e fora da presença do público e sem que desse depoimento se desse conhecimento, em público e perante os demais arguidos, traduzia uma actuação jurisdicional desarmónica com a Lei Fundamental.
Vale isso por dizer que o que foi brandido como inconstitucional pelo ora recorrente foi acto jurisdicional (alegadamente consistente nessa valoração) e não qualquer dimensão interpretativa incidente sobre normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional que serviu de suporte a essa actuação do tribunal, pelo que, logo por aqui, se não deveria tomar conhecimento do objecto do recurso.
2.1. Independentemente dessa questão, o que é certo é que, como manifestamente resulta do relato supra efectuado, a ratio juris do decidido no aresto ora intentado impugnar - no tocante à invocada nulidade que decorreria da circunstância de, alegadamente, se ter procedido ao interrogatório de um arguido sem a presença dos demais arguidos e do público e sem a posterior dação de conhecimento desse mesmo interrogatório - não repousou numa qualquer interpretação dos artigos 327º, nº 2, e 343º, nº 4, do Código de Processo Penal, mas sim na norma que resulta da alínea a) do nº 3 do artº 120º do mesmo corpo de leis. E isso porque foi entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça que, ainda que se aceitasse ter ocorrido, a existir tal circunstancialismo, nulidade, ela seria perspectivável como uma nulidade de processo, consequentemente devendo ser arguida no decurso da audiência de julgamento, a fim de ser poder ser considerada e atendida, e isto sob pena de, não tendo havido lugar à arguição, se dever considerar sanada a nulidade cometida, justamente o que, in casu, sucedera.
Significa isto que não foram minimamente convocados como suporte normativo da decisão vertida no acórdão de 8 de Maio de 2002 os preceitos dos artigos 327º, nº 3, e 343º, nº 4, do Código de Processo Penal.
2.2. Por outra banda, o aresto pretendido submeter à censura deste Tribunal, seja porque modo for, nunca afirmou que a fundamentação da matéria de facto atinente ao ora recorrente se estribou no depoimento do seu co-arguido e cujo interrogatório alegadamente foi efectuado sem a presença dos demais co-arguidos e do público, pelo que, neste particular, se não vislumbra que tivesse havido aplicação dos indicados normativos com a dimensão interpretativa que, pelo impugnante é (e pela primeira vez tão só explicitada no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional) tida como desconforme com a Lei Fundamental.
Não se congregam, por isso, na situação sub specie, os elementos pressupositores do recurso a que alude a alínea b) do nº 1 do artº 70º da lei nº
28/82, motivo pelo qual do respectivo objecto se não toma conhecimento'.
Da transcrita decisão, estribado no nº 3 do artº 78º-A da Lei nº
28/82 veio reclamar para a conferência o arguido A, sem que tivesse, sequer, aduzido quaisquer fundamentos para suportar a sua reclamação.
Ouvido sobre esta, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto em funções junto deste Tribunal propugnou no sentido do seu indeferimento.
Cumpre decidir.
2. É obviamente improcedente a vertente reclamação.
Assim, e independentemente da circunstância de saber se a reclamação para a conferência, nos termos do citado nº 3 do artº 78º-A, tem sempre que ser fundamentada com a exposição das razões porque se discorda da decisão lavrada nos termos do nº 1 do mesmo artigo (cfr. o Acórdão deste Tribunal nº 293/2001), o que é certo é que, como na decisão ora sub iudicio se salientou, o acórdão prolatado no Supremo Tribunal de Justiça pretendido impugnar não se suportou, em termos de ratio decidendi, numa interpretação das normas contidas nos artigos
327º, nº 2, e 343º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal, mas sim na norma vertida na alínea a) do nº 3 do artº 120º do mesmo diploma adjectivo, para além de, de todo em todo, não ter afirmado que a fundamentação da matéria de facto concernente ao arguido, por algum modo - ainda que inter alia -, ter resultado do depoimento do um co-arguido que teria sido efectuado sem a presença dos demais co-arguidos ou do público, pelo que, neste particular, nunca se poderia afirmar que aquele aresto tivesse lançado mão de uma interpretação normativa que, aquando da formulação do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, foi, pelo recorrente, questionada do ponto de vista da sua compatibilidade com a Constituição.
De onde, inequivocamente, falecer, in casu, um dos requisitos do recurso esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, justamente o que consiste na aplicação, na decisão judicial desejada colocar sob censura, da norma (ou normas) cuja desarmonia com o Diploma Básico se pretende que seja apreciada por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa,10 de Julho de 2002- Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa