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Proc. nº 697/2003
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A., impugnou, junto do Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa, acto de liquidação de imposto sobre bebidas alcoólicas. Os autos foram remetidos para o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa
(fls. 45). Nas respectivas alegações a impugnante sustentou o seguinte:
VI - A ER [entidade recorrida] responsabiliza a Impugnante nos termos do n° 1 do art. 20° do DL 52/93. Não foi durante a circulação da mercadoria que houve irregularidade, mas após o terminus da operação de circulação, a qual foi regularmente concluída com a entrega e depósito da mercadoria no entreposto fiscal, de destino.
VII - A interpretação que a ER faz do n° 1 do art. 20° do DL 52/93, resulta distorcida e desviada do seu fim e colide com os princípios da legalidade e da justiça, incorrendo na inconstitucionalidade material do mesmo preceito, por violação dos arts. 266° e 268° da C.R.P.
O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, por decisão de 6 de Junho de
2001, julgou a impugnação improcedente.
2. A., interpôs recurso da decisão de 6 de Junho de 2001 para o Tribunal Central Administrativo. Nas alegações de recurso, a recorrente sustentou o seguinte:
I - A decisão recorrida não realizou a operação de aplicação do direito aos factos o que importaria aplicar o dispositivo dos arts. 55°, 58° e 59°, aos factos provados relevantes para o caso. É de concluir pela total falta de fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida – importando a sua nulidade, por aplicação do art. 668°, 1 b) do CPC. II - A não se concluir pela nulidade da decisão, nos termos do art. 668°, n° 1 h) do CPC, sempre se concluiria por erro de julgamento pois, dos factos provados não se extrai, sem mais, a conclusão da não violação dos preceitos em causa, por absoluta falta de justificação de direito. III - Quanto ao erro de direito na liquidação, pela interpretação ilegal e inconstitucional que a ER faz do art. 20°, nº 1 do DL 52/93, a decisão recorrida limita-se a aderir à posição da ER, sem oferecer qualquer justificação de facto ou de direito. Ocorre novamente nulidade por aplicação do art. 668°, 1 h) do CPC ou se assim não se entender, por erro de julgamento por insuficiência de matéria de facto para a decisão emitida. IV - A não permissão da produção de prova requerida pela recorrente (depoimento testemunhal), impediu-a de estabelecer a prova factual quanto à efectiva entrega da mercadoria e a conclusão perfeita da operação de transporte e de circulação, nos termos e para os efeitos dos arts. 20°, 1, 15° e 13° do DL 52/93. V - Os deveres impostos à Administração pelos arts. 55°, 58° e 59° da LGT, conjugados com o nº 2 do art. 266° e 268° da CRP impõem-se imediata e efectivamente à Administração na sua gestão diária da coisa pública. Ocorrendo nulidade da liquidação por inconstitucionalidade, deve a sentença ser recorrida. VI - Estes princípios da legalidade, da boa fé, da justiça e da proporcionalidade não são meramente formais. Abrangem o dever de a administração ter em conta os reflexos práticos da actividade administrativa que levar a cabo, salvaguardando resultados injustos ou manifestamente desproporcionados. Ocorreu violação dos arts. 55°, 58° e 59° da LGT e do imperativo constitucional do nº 2 do art. 266°. Errou a sentença recorrida, ao considerar que não ocorreu tal violação. VII - A interpretação literal que a ER e a sentença fazem do nº 1 do art. 20° do DL 52/93, resulta desviada do seu fim e colide com os princípios da legalidade e justiça. A irregularidade da operação ocorreu depois de concluída a circulação. VIII - Ocorre inconstitucionalidade material do art. 20°, nº 1 do DL 52/93, por violação dos princípios da legalidade, justiça e proporcionalidade, previstos nos arts. 266°, 2 e 268° da CRP , tal como a ER e a sentença recorrida a interpretam.
O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 14 de Janeiro de 2003, aderiu aos fundamentos da decisão então recorrida, acrescentando o seguinte:
Sempre se dirá, contudo, mais o seguinte: Como se provou, a impugnante é o depositário autorizado nº --------------, detentor de entreposto fiscal de armazenagem de bebidas alcoólicas nº ---------, sito n- ---------------, e, nessa qualidade expediu ela em 12/06/98, 22/6/98 e
30/6/98, três partidas de bebidas alcoólicas, em regime suspensivo do imposto, para o entreposto fiscal nº -------------, da empresa B., em Vila Real de Santo António. As bebidas alcoólicas estão sujeitas ao IEC, estando a sua circulação entre entrepostos, ao tempo dos factos, em regra, sujeita ao regime de suspensão regulado pelo Dec-Lei n° 52/93, de 26 de Fevereiro. Como decorre do art.º 18° daquele diploma legal, a circulação dos produtos sujeitos a IEC, operava-se ao abrigo de um DAA (Documento Administrativo de Acompanhamento), que é um documento administrativo que acompanha todos os produtos sujeitos a IEC que circulem em regime de suspensão do imposto. O DAA é o instrumento que possibilita o controlo da situação fiscal desses produtos sendo emitido em cinco exemplares (art.º 19° nº 2), a saber: - o exemplar nº 1 destina-se ao expedidor; o exemplar n° l-A destina-se à estância aduaneira de expedição; o exemplar n° 2 destina-se ao destinatário da mercadoria; o exemplar n.º 3 destina-se a ser reenviado ao expedidor para apuramento; o exemplar n.º 4 é destinado à estância aduaneira de destino das mercadorias. Quando o destino for o território nacional, o exemplar n.º 3, destinado a ser reenviado ao expedidor, para apuramento, será visado pela DGA - seu n.º 3. Por força do que dispõe o art.º 19° nº 3 e nº 6 al. b), só quando o exemplar n.º
3 é devolvido ao expedidor devidamente visado pela estância aduaneira de destino, certificando que a mercadoria foi regularmente recebida, é que se considera o regime de circulação em suspensão do imposto apurado. Nesse sentido, o destinatário deve enviar ao expedidor, para efeitos de apuramento, o exemplar n.º 3 até ao dia 15 do mês seguinte ao da recepção (art.º
19° n.º 4) e, em caso de não apuramento, o expedidor deve informar a sua estância aduaneira de controlo no prazo de dois meses a contar da data de expedição (art.º 19° n.º 8). Mantendo-se a situação de não apuramento pelo prazo de três meses, a Alfândega liquidará o IEC a pagar e imputará a dívida ao expedidor, caso não haja prova de que a mercadoria foi efectivamente recebida de forma regular no destino (art.º 19°n.º 9). Enquanto a mercadoria não for recebida regularmente no destino, riscos ligados à circulação do produto são cobertos pelo depositário autorizado expedidor (art.º
15° n.º 3), só podendo a sua responsabilidade ser libertada quando for feita prova de que os produtos foram regularmente recebidos no destino, sendo essa prova feita através da apresentação do exemplar n.º 3 devidamente visado (art.º
15.º n.º 6). E é aqui que está o cerne da questão debatida nos autos. De acordo com o art.º
15° n.º 5, a regularidade da recepção da mercadoria prova-se, nomeadamente, através da apresentação do exemplar n.º 3 do DAA, o que significa que, sendo a enumeração exemplificativa, possa existir outra forma de provar a regularidade da recepção. A outra forma admissível, terá que consistir sempre na prova cabal que à mercadoria foi dado um destino previsto na lei com o conhecimento da Alfândega a quem a lei atribui o “poder-dever” de controlar e fiscalizar os produtos sujeitos a IEC, qualquer que seja a situação em que eles se encontram (produção, circulação ou armazenagem) . No caso, não se provou que hajam sido apresentados à Alfândega os documentos necessários, e que a Alfândega tivesse tido conhecimento da chegada da mercadoria ou do destino que lhe foi dado cfr. matéria da alínea D) do probatório. E não pode dizer-se que esses factos se ficaram a dever a negligência da Alfândega, como erradamente invoca a recorrente na matéria da sua conclusão V. Na verdade a Alfândega de Faro só procedeu ao registo da liquidação n.º
99/900012 imputando a respectiva dívida à impugnante depois de ter verificado o seguinte:
1.º - A impugnante encarregou do transporte das bebidas C., D. e E., respectivamente, para cada uma das partidas de bebidas, para serem entregues na B., na Rua ----------------------, n.º --- em Vila Real de Santo António, sendo este o local da descarga e entrega;
2.º - Que decorrido o prazo legal para apuramento das expedições em causa, e sem que o tivesse sido feito quanto ao DAA n.º 10033/98, e de apuramento inexistente quanto aos DAA n.º 10031/98 e n.º 10032/98, por o carimbo aposto nestes dois
últimos DAAs, supostamente da Estância Aduaneira de Vila Real de Santo António, não ser autêntico, tendo tal facto sido participado ao Ministério Público, junto do Tribunal desta Comarca. Face a este quadro fáctico, num juízo de normalidade, não pode dizer-se que esses factos se ficaram a dever a negligência da Alfândega, porquanto, a mercadoria não tem que ser apresentada fisicamente à Alfândega, efectuando-se a sua apresentação por via documental, e segundo a lei vigente à prática dos factos, no prazo de 48 horas após a sua recepção. Ora, porque não há funcionários da Alfândega de Faro em serviço permanente em qualquer entreposto fiscal, a presença de um funcionário no armazém do receptor da mercadoria só seria possível se a Alfândega tivesse tido conhecimento prévio de que a mercadoria iria aí chegar, o que não se provou que haja ocorrido. Destarte, é forçoso concluir que a mercadoria em apreço não foi regularmente recebida, pois não se prova que a mercadoria foi recebida no Entreposto Fiscal da B. por qualquer outro meio para além dos dois DAAs, forjados e estão, por isso, carecidos de qualquer valor documental e jurídico, sendo que quanto ao n.º
10033/98, não foi sequer remetido ao expedidor. Ora, em regime de suspensão de impostos especiais de consumo (IEC), a não devolução do exemplar n.º 3 do documento administrativo de acompanhamento (DAA), determina desde logo apuramento do regime, sendo responsável pelo pagamento do montante liquidado, nos termos das disposições dos artigos 1.º do DL 104/93 de
5/4 e 19.º n.ºs 6 e 9 do DL 52/93 de 26/2, o expedidor. Neste conspecto, a impugnante, como depositário autorizado expedidor, é sujeito passivo do imposto liquidado.
Consequentemente, foi negado provimento ao recurso.
3. Requerida a aclaração do acórdão de 14 de Janeiro de 2003, aclaração indeferida por acórdão de 13 de Maio de 2003, foi interposto recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
A., recorrente nos autos, notificado do douto acórdão de fls. 206 a 212, vem requerer a V.Exa. admissão de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 75°A da Lei N°13-A/98, de 26/2. Para efeitos do mesmo preceito, indica-se que o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70°, estando em causa a inconstitucionalidade da norma contida no nº 1 do art. 20° do DL 52/93 de 26/2, por ofensa aos princípios constitucionais previstos nos arts. 266°, n° 2 e 268° da Constituição da República Portuguesa, conforme invocação anteriormente expressa nas seguintes peças processuais: Alegações de recurso para o TCA, de 30/10/2001 (vide Conclusão VIII) e Alegações de direito produzidas por requerimento de 3/5/2000.
Junto do Tribunal Constitucional a recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
a) O comportamento do recorrente foi condicionado pela informação das autoridades aduaneiras da Alfândega do Jardim do Tabaco, que desconheciam a revogação do estatuto de entreposto fiscal concedido às instalações da B.; b) A informação deste acto revogatório devia ser divulgada imediatamente, designadamente, através do sistema de informação comunitário SEED. c) A imputação de responsabilidade ao expedidor, prevista no art. 20°,1 do DL
52/93, aparece associada à culpa ou ao dolo do expedidor das mercadorias e garante da boa circulação das mesmas. d) Se se conhece o infractor, se se prova que o expedidor agiu com diligência, que é alheio à prática da infracção e que esta não teria ocorrido se as autoridades não tivessem omitido deveres de informação elementares não pode ser imputada a responsabilidade ao expedidor, com base no art. 20° do DL 52/93. e) Do mesmo modo, não podem ser omitidos os efeitos da conduta, no mínimo, grosseiramente negligente das autoridades aduaneiras. f) Com efeito, tal preceito não pode ser interpretado em termos literais que levem a concluir que a responsabilidade fiscal pertence sempre ao expedidor, independentemente da licitude ou ilicitude do seu comportamento, do comportamento de terceiros ou da violação grosseira do dever de agir por parte da Administração. g) Interpretação daquele preceito não temperada com os princípios da justiça, da imparcialidade, da legalidade e da proporcionalidade e do respeito de interesses legítimos de terceiros de boa fé colide com o art. 266° da CRP.
O representante da Fazenda Pública contra-alegou concluindo o seguinte:
1ª) No âmbito do presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 70º da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, a recorrente vem discutir matéria de facto, questionar o mérito da causa e invocar erro de julgamento, questões que devem estar excluídas do âmbito do recurso.
2ª) Com efeito, a recorrente não assaca qualquer vício de inconstitucionalidade ao acto normativo constante do art. 20 n° 1 do DL n° 52/93, mas antes à interpretação que dele terá sido feita pela Administração e tribunal recorrido.
3ª) Acontece que a norma em causa nem sequer consta implícita ou explicitamente da fundamentação de direito do acórdão recorrido, não sendo a questão de inconstitucionalidade, tal como invocada, relevante para a decisão objecto de recurso.
4ª) Mas caso não se considere bastante a falta dos requisitos supra referidos para o não conhecimento do recurso, vejamos, em termos de conteúdo, o que se oferece dizer sobre a alegadada inconstitucionalidade material da norma em causa:
5ª) Ao contrário do que pretende demonstrar a recorrente, não resulta da referida norma do art. 20° n° 1 do DL 52/93 a necessária associação da responsabilidade pelo pagamento do imposto à responsabilidade pela prática da eventual irregularidade ou infracção ocorrida durante a circulação dos produtos sujeitos a IECS.
6ª) Inversamente, de tal norma e de todo o regime legal associado e, em especial do art. 19° n° 9 do mesmo diploma ao abrigo do qual foi efectuada a liquidação em causa, a regra é a da responsabilidade objectiva do expedidor, ou seja independente de culpa.
7ª) Pretendeu-se, assim, responsabilizar directa e objectivamente o expedidor pelo pagamento do IEC com a finalidade de que seja o próprio a ter um especial cuidado a averiguar a idoneidade dos destinatários para quem expede produtos em suspensão do imposto, tendo em conta as necessidades de controlo da utilização do regime de suspensão do IEC e respectivas garantias do Estado, de forma a assegurar a efectiva cobrança do imposto devido.
8ª) Assim, a responsabilidade do depositário autorizado expedidor pelo pagamento do IEC, como objectiva que é, caracteriza-se por não depender de culpa do agente, em virtude de se basear no facto de o expedidor ter como contrapartida o benefício de poder produzir, transformar, deter, receber ou expedir produtos em suspensão do imposto, sendo o mesmo apenas exigível no momento da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos.
9ª) Ainda, quanto ao âmbito de aplicação do art. 20º n° 1 no processo e, por remissão deste, do art.15° n° 3, ambos do DL 52/93 e começando pelo último, a lei prevê que “os riscos inerentes à circulação intracomunitária serão cobertos pela garantia prestada pelo depositário autorizado expedidor, tal como previsto no artigo 13.° ou eventualmente, por uma garantia prestada pelo transportador”.
10ª) No caso em apreço, tratando-se de uma operação de circulação nacional não houve lugar à prestação de garantia, pelo que não poderia haver responsabilização de uma entidade garante mas do próprio depositário autorizado expedidor nos termos previstos na lei. Pelo que foi apenas este o âmbito de aplicação (quer pela Alfândega, quer pelos tribunais que não puseram em causa a sua actuação) do art. 20º n° 1, o [sic]
11ª) Pode ainda referir-se que apesar da consagração da possibilidade de prestação de uma garantia por parte do transportador, os Estados membros acolheram um regime que, embora admitindo a responsabilização de outros intervenientes, privilegia a do depositário autorizado expedidor por ser de antemão a que melhor e mais facilmente acautela a realização dos créditos tributários.
12ª) Com efeito, tal norma literalmente transposta de uma directiva comunitária para o direito nacional (art. 20º n° 1 da Directiva n° 92/12/CEE, do Conselho, de 25/2/92) e aplicada nos termos referidos corresponde ainda ao cumprimento de uma imposição constitucional, por força do disposto no art. 8° da CRP que estabelece a recepção do direito comunitário no direito português, sobre o qual deve aquele prevalecer, ainda de acordo com o princípio do primado do direito comunitário.
13ª) Pelo que, ao actuar como actuou, em conformidade com a lei nacional e comunitária no âmbito do regime aplicável, não incorreu a Administração, nem o Tribunal recorrido em qualquer violação dos princípios constitucionais da justiça, imparcialidade, legalidade e proporcionalidade, como pretende a recorrente para efeitos de assacar a inconstitucionalidade material da norma controvertida.
A recorrente respondeu à questão prévia suscitada pela entidade recorrida, concluindo o seguinte:
Concluindo: Verifica-se que a norma do art. 20°, nº 1 do DL 52/93 é inconstitucional pois não respeita os princípios de justiça, legalidade, imparcialidade e proporcionalidade e respeito dos legítimos interesses que os arts. 266° e 268° da CRP impõem à Administração e garantem aos cidadãos administrados pois não se pode concluir que a responsabilidade pelo pagamento da dívida é do expedidor de boa fé O Tribunal Central Administrativo aplicou a sindicada norma, porque é esta que permite a responsabilização do expedidor e ao abrigo do qual a Alfândega e as instâncias seguintes concluíram pela responsabilidade da recorrente, embora o Acórdão do TCA não o tenha expressado na sua conclusão final.
Cumpre apreciar.
II Fundamentação Questão prévia
4. A entidade recorrida nos presentes autos suscitou a questão prévia consistente na circunstância de a recorrente não imputar o vício de inconstitucionalidade a uma norma jurídica mas sim à própria decisão. A recorrente pronunciou-se no sentido da improcedência da questão prévia suscitada.
5. Nos presentes autos a recorrente impugna a liquidação de imposto efectuada, invocando como fundamento da sua pretensão um dado circunstancialismo factual, consistente, designadamente, em não ter sido informada pelas autoridades alfandegárias da revogação do estatuto de entreposto fiscal concedido às instalações da B.. Nesse contexto invoca a “conduta, no mínimo, grosseiramente negligente das autoridades aduaneiras”. Desse modo e desde logo, não é a norma que resulta do artigo 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 52/93, de 26 de Fevereiro (cujo teor é o seguinte: Sempre que, no decurso da circulação, seja cometida uma irregularidade ou uma infracção em território nacional que torne exigível o IEC, este será cobrado pela DGA junto da pessoa singular ou colectiva que se constituiu garante do pagamento do imposto em conformidade com o n° 3 do artigo 15º ...), que a recorrente impugna, mas sim uma alegada interpretação feita pelas instâncias deste preceito da qual resulta a liquidação de imposto efectuada. Porém, a recorrente sempre que procurou delinear a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada procedeu a uma descrição de um conjunto de factos, concluindo que o pagamento do imposto na situação descrita seria inconstitucional. Nunca identificou com um mínimo de precisão a dimensão nomativa concretamente acolhida que considera inconstitucional. Tal estratégia processual é particularmente patente nas alegações de recurso apresentadas junto do Tribunal Constitucional. Com efeito, a recorrente, depois de enumerar os factos que considera relevantes, refere os pressupostos de responsabilidade fiscal, concluindo pela inconstitucionalidade da responsabilização nos casos em que esses pressupostos não se verificam. Ora, os pressupostos da questão de inconstitucionalidade sustentada pela recorrente assentam em matéria de facto que não cabe evidentemente ao Tribunal Constitucional averiguar. Por outro lado, a matéria de facto e a respectiva qualificação jurídica dada como assente pelo tribunal a quo diverge do que a recorrente sustenta. Na verdade, a recorrente invoca factos que consubstanciam, na sua perspectiva, dolo ou negligência da Administração Aduaneira, sustentando, concomitantemente que agiu com a diligência suficiente, ao passo que o Tribunal Central Administrativo, no trecho do aresto transcrito supra, afasta expressamente tal entendimento. Esta linha argumentativa da recorrente é reiterada na resposta à questão prévia, onde mais uma vez não identifica com um mínimo de rigor a norma que considera inconstitucional. Nesta medida, verifica-se que a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente implicaria a discussão de matéria de facto, o que se traduz na imputação do vício de inconstitucionalidade à própria decisão e não a uma norma ou dimensão normativa aplicada nos autos. Uma questão com estes contornos não constitui objecto idóneo de um recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, objecto que somente pode ser constituído por normas jurídicas. De facto, não compete ao Tribunal Constitucional, no âmbito do recurso interposto, proceder à averiguação da ocorrência ou não dos factos alegados nem
à discussão de qualificações jurídicas dos factos dados como provados, matéria que se situa exclusivamente no plano infraconstitucional. Procede, portanto, a questão prévia suscitada pela entidade recorrida, pelo que não se tomará conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
III Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 14 de Abril de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos