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Proc. n.º 316/03
1ª Secção Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam no Tribunal Constitucional:
1. A. requereu no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ao abrigo do artigo
449.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Penal (CPP) a revisão do acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo de Ponte de Sôr, que o condenou a uma pena de dezasseis anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado.
O STJ não admitiu a revisão do acórdão pois entendeu que:
“os novos factos e os novos meios de prova apresentados pelo recorrente não suscitam grandes dúvidas sobre a justiça da condenação do recorrente pelo que a revisão não é admissível com fundamento naqueles” (...)“ o recurso ainda teria de ser rejeitado nos termos dos art. 414º, n.º 2 e 420º, n.º1, aplicáveis “ex vi” do art. 4º, todos do C.P.P”.
2. É desta decisão que o interessado, ao abrigo do artigo 70º n.º1 alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), interpõe recurso, pretendendo que se julgue inconstitucional a norma do artigo 127º do CPP por violação do princípio da salvaguarda de garantias de defesa em processo penal consagrado no artigo 32º n.º 1 da Constituição.
Alega:
“porquanto, não obstante conjugada com a prova pericial e produzida nestes autos, partilha as mesmas reservas sobre a (falta de) credibilidade das testemunhas ouvidas no processo principal. Esta questão da inconstitucionalidade insere-se na excepção à regra de dever ter sido suscitada durante o processo pois ao interessado não foi exigível que antevisse a possibilidade de violação da norma no caso concreto, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da decisão”.
O STJ não admitiu, nos termos do artigo 76º n.º 2 da LTC, este recurso, pois considerou que a decisão recorrida não aplicara a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada (artigo 127º do CPP), não cumprindo, por isso, os requisitos previstos pelo artigo 70º n.º 1 alínea b).
Com efeito, ponderou o STJ que o recurso de revisão fora rejeitado por duas razões distintas, a saber:
1- falta de conclusões da motivação;
2- inadmissibilidade por os novos factos e os novos meios de prova apresentados pelo recorrente não suscitarem graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.
Ora, segundo o despacho reclamado, o recorrente só impugna a decisão do Tribunal no que concerne à segunda, pelo que o eventual provimento do recurso no Tribunal Constitucional não pode interferir com a decisão no que toca à primeira razão que, entretanto, transitou em julgado.
Considerou-se, por isso, que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional
“ constitui um acto inútil, cuja prática não é permitida pelo disposto no art.
137º do CPC, não podendo pois, o recurso ser admitido”.
3. É na sequência deste despacho que o interessado reclama para o Tribunal Constitucional.
Relativamente ao fundamento que não se via aplicada, na decisão, a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada, o recorrente questiona como foi feita a apreciação dos novos meios de prova por ele entregues sem se ter aplicado o artigo 127º do CPP, bem como o foram alguns depoimentos se não se recorreu ao referido artigo.
No tocante a ter transitado em julgado a “1ª razão”, defende que o prazo para recorrer do acórdão, por força da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, foi interrompido e ainda não decorreu; acrescenta que “ só a parte dispositiva da sentença e não a sua fundamentação poderá estar viciada” e
“tal “razão” (...) não constitui decisão de qualquer questão autónoma e, assim, não constitui caso julgado material ou formal”. Entendeu ainda que o requerimento de interposição de recurso obedece à “forma” imposta pelo art. 451, n.º 2 do CPP, e encontrava-se devidamente motivado e segundo forma legal exigida.
Argumenta que o recurso foi sujeito a despacho inicial onde se apreciou o cumprimento dos requisitos formais de admissibilidade, questão regulada pelo art. 687º n.º 3 do CPC. Logo, se se entendesse de outra forma, defende que devia ter sido concedido um prazo para corrigir/completar o requerimento, e não lhe parece certo que, feitas diligências de prova, o recurso seja rejeitado por falta de conclusões. Segundo ele “ a questão assenta unicamente na inexistência de um “título” para a parte da motivação pelo qual se conclui essa mesma motivação”.
Refutando o terceiro argumento apresentado, o da inutilidade do recurso para o Tribunal Constitucional, refere que esta resultará do pressuposto de ter transitado em julgado a “1ª razão” de rejeição do recurso, o que no seu entender, se não verifica.
Adianta ainda que o recurso para o Tribunal Constitucional tem toda a utilidade, porque caso se mantenha a decisão que condenou o arguido, será feita às custas dos direitos de defesa do mesmo, que nunca terão sido salvaguardados, já que entende que as alegações de falta de credibilidade das testemunhas assentam em juízos meramente subjectivistas, até porque os testemunhos não ficaram gravados o que não permitiu ao STJ o reexame da matéria de facto afectando o valor do acto de produção de prova e a decisão do recurso.
Ouvido nos termos do n.º2 do artigo 77º da LTC, o Ministério Público sustenta que a presente reclamação deve ser indeferida já que não se mostra delineada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa relativamente aos preceitos que constituem “ratio decidendi” do acórdão.
O recurso interposto pelo Recorrente, previsto na alínea b) do n.º1 do artigo
70º da LTC, cabe das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Com efeito, o recurso de fiscalização concreta reporta-se ao controlo da constitucionalidade de normas e não de decisões, o que implica imputar a desconformidade com o texto constitucional a uma norma ou à sua interpretação e não à própria decisão judicial.
No caso presente, e independentemente de se apurar se a norma invocada foi aplicada no acórdão recorrido, verifica-se que o Reclamante pretende discutir a valoração e apreciação da prova produzida, o que está fora do âmbito do recurso de constitucionalidade.
É o que se alcança do extenso relato supra referente aos termos do requerimento de interposição de recurso e aos do requerimento da reclamação.
Ora, porque não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa impõe-se concluir que não se mostram verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 70º da LTC.
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação, condenando o Reclamante nas respectivas custas. Taxa de justiça: 15 UC
Lisboa, 25 de Junho de 2003 Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos