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Processo n.º 402/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, o Partido Socialista reclamou, em 23 de maio de 2012 (fls. 2 a 9), ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 08 de maio de 2012 (fls. 11 e 12), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 27 de abril de 2012 (fls. 103 e 106), com fundamento na falta de suscitação processualmente adequada de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa e na ausência de dimensão normativa da questão colocada.
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação, nos termos que ora se resumem:
«(…)
8. De referir que apenas está aqui em causa a decisão do Presidente do STJ que não admitiu o recurso de inconstitucionalidade da decisão de não admitir recurso para a conferência - sendo que a decisão de inconstitucionalidade, também invocada, do n° 1 do artigo 202° da Lei Orgânica n° 4/2000, de 24 de agosto, quando interpretado no sentido de admitir a competência instrutória da CNE no âmbito dos processos por contraordenação -, está em apreciação na 5ª secção do STJ, e vai merecer recurso autónomo.
9. Centremo-nos, pois, na parte do despacho do Senhor Presidente do STJ que não admitiu o recurso da decisão da 5a Secção do STJ, sendo certo que, e perfilhando o entendimento do Venerando Conselheiro, o STJ decide em instância única, quando estejam em causa decisões condenatórias do Senhor Juiz Conselheiro que dirige a entidade administrativa: Comissão Nacional de Eleições.
10. Resulta claro, seguindo a tramitação do processo que aqui nos ocupa, que o arguido não suscitou anteriormente a questão da inconstitucionalidade, porquanto só após a decisão condenatória — que não esperava de todo - é confrontado com a impossibilidade de recurso, pelo que se verifica o efeito surpresa da aplicação da norma e falta de momento anterior para suscitar a inconstitucionalidade de normas em causa, por se tratarem de normas adjetivas, que, diga-se, não foram invocadas no despacho de que agora se reclama.
11. A inconstitucionalidade das normas foram invocadas na reclamação dirigida ao Presidente do STJ, cujo texto está transcrito supra no ponto 4 da presente reclamação, em que é invocada a inconstitucionalidade do por violação do art. 13°, n° 1, da C.R.P., que, como é consabido, no seu sentido positivo, exige um tratamento semelhante para situações semelhantes.
12. Em sede de reclamação (transcrita supra no ponto 4) foram apresentadas situações em concreto que comprovam situações em tudo semelhantes, admitindo o art° 73°, n° 1, a), do RGCO, como regra geral, um duplo grau de jurisdição para a aplicação de coimas superiores a €249,40, razão pela qual, a decisão do STJ ofende tal princípio que, na hipótese das coimas superiores a este montante serem aplicadas pela Comissão Nacional de Eleições, não exista a possibilidade duma segunda apreciação jurisdicional.
13. Termos em que, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art. 70º, atento o efeito surpresa, requer-se que seja admitido recurso para o Tribunal Constitucional, revogando-se desta feita a o despacho/decisão do Exmo. Senhor Presidente do STJ, ao não garantir o duplo grau de jurisdição.
14. De referir, por último, que desconhecemos as normas que sustentam a decisão de não admissão do recurso, na medida em que não foram invocadas em tal despacho, mantendo o reclamante que está em causa a violação do princípio da igualdade (13°, n° 1, da C.R.P) ao ser recusado o recurso da decisão do STJ, uma vez que este decide em primeira instância, tudo conforme requerimento supra transcrito.»
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos.
«8. Vejamos, então, se o ora reclamante suscitou verdadeiramente uma questão de constitucionalidade normativa, que o STJ devesse ter conhecido.
Na sua reclamação para o Presidente do STJ (cfr. nº 4 da mesma reclamação), o Partido Socialista limita-se a referir o seguinte:
“Até porque, e admitimos que esse tem sido o cuidado do STJ ao admitir o recurso para a Conferência, a não ser assim, estaremos perante uma flagrante violação do princípio da igualdade, artigo 13º da CRP, uma vez que coloca os arguidos em clara desigualdade, perante situações exatamente iguais”.
No entanto, uma tal formulação não tem, na aceção exigida por este Tribunal Constitucional, uma verdadeira dimensão normativa, limitando-se a referir uma pretensa violação do art. 13º da Constituição.
9. No seu recurso para este Tribunal Constitucional (cfr. nº 6 da sua reclamação) o Partido Socialista refere-se à “declaração de inconstitucionalidade da interpretação normativa do nº 1 do art. 202º da Lei Orgânica 4/2000, de 24 de agosto”, bem como a uma pretensa violação do princípio da igualdade, já anteriormente apreciado neste parecer.
Com efeito, a primeira questão constava já do recurso apresentado para o Plenário das Secções Criminais do STJ (cfr. conclusões O e P, a fls. 54, 85 dos autos).
No entanto, tal dimensão normativa não integrou a ratio decidendi da decisão do STJ, que rejeitou esse recurso para o Plenário das Secções Criminais, uma vez que tal recurso não foi admitido por despacho, de 30 de março de 2012 (cfr. fls. 90-93 dos autos), do Ilustre Conselheiro Relator, por o mesmo ser inadmissível, em face do art. 11º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal
10. Por outro lado, também tal dimensão normativa não integrou a ratio decidendi do despacho de 8 de maio, que apreciou e rejeitou o referido recurso de constitucionalidade.
Com efeito, este despacho considerou, designadamente, que:
“O reclamante, no entanto, não invocou qual a norma ou dimensão normativa que tenha sido aplicada na decisão recorrida e que considera inconstitucional.”
O ora reclamante refere, no entanto, que esta questão está ainda em apreciação na 5º secção do STJ, e vai merecer recurso autónomo (cfr. fls. 7 dos autos).
11. A única questão em apreciação centra-se, pois, exclusivamente num problema que o arguido define da seguinte forma (cfr. fls. 7 dos autos), reconhecendo, aliás, que não suscitou anteriormente esta questão de constitucionalidade:
“10. Resulta claro, seguindo a tramitação do processo que aqui nos ocupa, que o arguido não suscitou anteriormente a questão da inconstitucionalidade, porquanto só após a decisão condenatória – que não esperava de todo, é confrontado com a impossibilidade de recurso, pelo que se verifica o efeito surpresa da aplicação da norma e falta de momento anterior para suscitar a inconstitucionalidade de norma em causa, por se tratarem de normas adjetivas, que, diga-se, não foram invocadas no despacho de que agora se reclama.
11. A inconstitucionalidade das normas foram invocadas na reclamação dirigida ao Presidente do STJ, cujo texto está transcrito supra no ponto 4 da presente reclamação, em que é invocada a inconstitucionalidade do por violação do art. 13º, nº 1 da C.R.P., que, como é consabido, no seu sentido positivo, exige um tratamento semelhante para situações semelhantes.”
12. Ora, não se crê de acolher a argumentação apresentada.
Por um lado, a questão relativa ao princípio da igualdade não tem uma verdadeira dimensão normativa, como se referiu já.
Por outro lado, não colhe o argumento de a rejeição do recurso interposto da decisão condenatória da 5ª Secção do STJ, confirmativa da decisão da CNE, constituir uma “decisão surpresa”, uma vez que o recurso do Partido Socialista, para o Plenário das Secções Criminais do STJ, foi considerado inadmissível, ao abrigo do art. 11º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal, que o reclamante deveria conhecer e cuja aplicação deveria, por isso, ter devidamente acautelado.
(…)
16. Ora, não parece, em face destes apertados critérios, que a argumentação do ora reclamante, quanto a um pretenso caráter insólito da decisão do STJ, proferida no caso dos autos, mereça acolhimento.
17. Pelo exposto, crê-se que a presente reclamação não deve merecer deferimento por parte deste Tribunal Constitucional.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A título prévio, saliente-se que este Tribunal apenas conhecerá da reclamação relativa ao despacho proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 08 de maio de 2012, que expressamente se cingiu à apreciação da admissibilidade do recurso de constitucionalidade quanto à segunda questão identificada no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade. Quanto à primeira questão ali identificada, será apreciada em processo de recurso autónomo, cuja admissão cabe apreciar ao Juiz-Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, quanto à segunda questão, deve notar-se que a mesma não assume uma verdadeira natureza normativa. Com efeito, o ora reclamante limitou-se a considerar que “A decisão do Presidente do STJ violou o disposto no artigo 13° da lei Fundamental, como sendo o princípio da igualdade”. Sucede que, conforme resulta do artigo 277º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de questões relacionadas com a inconstitucionalidade de “normas jurídicas” e não já da inconstitucionalidade das próprias decisões jurisdicionais, enquanto tais. Aliás, o ora reclamante nem sequer identificou – em sede de requerimento de interposição de recurso constitucional – qual teria sido a norma jurídica cuja interpretação teria implicado uma desconsideração do princípio da igualdade, o que denuncia a ausência de natureza normativa da questão colocada. Só isso bastaria para que a admissão do recurso de constitucionalidade fosse rejeitada.
Porém, acresce ainda que o ora reclamante nem sequer suscitou, de modo a que o tribunal recorrido dela tivesse podido conhecer, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa (artigo 72º, n.º 2, da LTC). Pelo contrário, resulta dos autos que o recorrente se limitou a alegar, na reclamação que apresentou perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que:
«Até porque, e admitimos que esse tem sido o cuidado do STJ ao admitir o recurso para a Conferência, a não ser assim, estaremos perante uma flagrante violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13° da CRP, uma vez que coloca os arguidos em clara desigualdade, perante situações exatamente iguais».
Como é evidente – e, aliás, bem notado pelo despacho reclamado – tal não configura uma suscitação de qualquer inconstitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado. Para que tal ocorresse, forçoso seria que o ora reclamante tivesse identificado a concreta norma jurídica que reputava de inconstitucional, bem como a específica dimensão interpretativa que conduziria a uma antinomia face à Lei Fundamental. Não o logrou fazer, porém.
E nem sequer se invoque – como pretendeu o ora reclamante – que a decisão recorrida se afigurou como surpreendente. Bem pelo contrário, o recurso interposto para o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça já havia sido julgado inadmissível, pelo Juiz-Relator, com fundamento na alínea b) do n.º 3 do artigo 11º do Código de Processo Penal (CPP). Ora, quando o reclamante deduziu reclamação, ao abrigo do artigo 405º do CPP, para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça já tinha conhecimento de tal fundamentação, pelo que bem podia ter suscitado a sua inconstitucionalidade perante este último. E, ainda assim, não o fez.
Nada justifica, portanto, que o mesmo fique dispensado do ónus de prévia suscitação da inconstitucionalidade normativa que sobre ele impendia, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, pelo que mais não resta do que indeferir a presente reclamação.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 26 de setembro de 2012. – Ana Guerra Martins – Vítor Gomes – Rui Manuel Moura Ramos.