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Proc. nº 635/2000
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. C..., Lda., impugnou, junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra, 'a determinação da matéria colectável, a sua qualificação e quantificação e o valor determinado, relativamente ao exercício de 1991, para efeitos do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, bem como a liquidação de IRC e juros compensatórios dela resultantes'. A impugnante pediu a anulação parcial da liquidação de IRC, a anulação total da liquidação dos juros compensatórios e a anulação da determinação da matéria colectável no que respeita à não aceitação das amortizações resultantes da reavaliação realizada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 49/91, de 25 de Janeiro.
O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra, por decisão de 4 de Junho de 1998, julgou a impugnação parcialmente procedente, anulando, consequentemente, parte da liquidação de IRC e a totalidade dos juros compensatórios.
O Representante da Fazenda Pública interpôs recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, da decisão de 4 de Junho de 1998.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 5 de Julho de
2000, considerou que o Decreto-Lei nº 49/91, de 25 de Janeiro [emitido ao abrigo do artigo 201º, nº 1, alínea a), da Constituição], diploma que consagra 'o regime das reintegrações e amortizações, que são componentes dos custos atendíveis para efeitos de determinação da matéria colectável de IRC' é organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 106º, nº 2, e 167º, nº
1, alínea e), da Constituição. Em consequência, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo que a impugnante não podia proceder às amortizações que efectuou no exercício de 1991, na sequência da reavaliação então realizada, não podendo, portanto, tais amortizações ser consideradas custos daquele exercício. Em face desse entendimento, foi concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a impugnação.
3. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição dos artigos 7º, nº 2, e 8º, nºs 1, alínea b), e 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 49/91, de 25 de Janeiro.
Junto do Tribunal Constitucional o Ministério Público alegou, tirando as seguintes conclusões:
1º Os princípios da legalidade tributária e da reserva de lei fiscal, embora impliquem que deva necessariamente constar da lei editada ou autorizada pela Assembleia da República a definição dos elementos ou pressupostos referentes à determinação da matéria colectável para certo imposto, não postergam a possibilidade de, na definição de tal matéria, o legislador se socorrer de conceitos abertos ou indeterminados (recebidos de outros sectores do ordenamento jurídico) ou de certos aspectos, de índole estritamente técnica, serem regulamentados através de normação secundária, editada pelo Governo.
2º Não se situa no âmbito da reserva de lei atinente à definição e delimitação da matéria colectável, em sede do I.R.C., o estabelecimento das regras técnicas a que deve obedecer a reavaliação para efeitos de reintegração e amortizações, a realizar em certo ano fiscal, dos elementos do activo imobilizado corpóreo das empresas.
3º Termos em que deverá proceder o presente recurso.
A recorrida não contra-alegou.
Cumpre decidir.
II Fundamentação
4. As normas impugnadas têm a seguinte redacção: Artigo 7º do Decreto-Lei n.º 49/91, de 25 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 360/91, de 28 de Setembro Regime fiscal das reintegrações
1 - O regime fiscal das reintegrações dos elementos reavaliados ao abrigo deste diploma regular-se-á pelas disposições sobre reintegrações e amortizações do Código do IRC e pelo Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro.
2 - As reintegrações dos elementos do activo imobilizado só poderão calcular-se sobre os valores resultantes da reavaliação prevista neste diploma nos seguintes termos: a) Para os sujeito passivos cujo período de tributação coincida com o ano civil, a partir do exercício de 1991, inclusive; b) Para os sujeito passivos cujo período de tributação em curso em 31 de Dezembro de 1990 termine no 2º semestre de 1991, a partir desse mesmo período inclusive; c) Para os sujeito passivos cujo período de tributação em curso em 31 de Dezembro de 1990 termine no 1º semestre de 1991, a partir do período de tributação imediatamente seguinte, inclusive.
Artigo 8º do Decreto-Lei n.º 49/91, de 25 de Janeiro Custos ou perdas não dedutíveis
1 - Não são dedutíveis para efeitos fiscais os seguintes custos e perdas: a) O produto de 0,4 pela importância do aumento das reintegrações anuais resultantes da reavaliação; b) A parte do valor líquido contabilístico dos elementos inutilizados ou destruídos que tenham sido reavaliados ao abrigo deste diploma, na parte que corresponde à reavaliação efectuada, observando-se, na parte restante, o disposto no nº 1 do artigo 10º do Decreto Regulamentar nº 2/90.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se como aumento das reintegrações anuais: a) No caso de elementos não totalmente reintegrados, o montante que se obtém aplicando ao acréscimo do valor do imobilizado proveniente da reavaliação as taxas de reintegração utilizadas no respectivo exercício; b) No caso de elementos já totalmente reintegrados à data da reavaliação, o aumento das reintegrações anuais correspondente à dotação que vier a ser contabilizada em cada exercício.
O Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 5 de Julho de 2000, considerou que 'o Decreto-Lei nº 49/91, de 25 de Janeiro, ao permitir reavaliações, vem regular o regime das reintegrações e amortizações, que são componente dos custos atendíveis para efeitos de determinação da matéria colectável de IRC'. O tribunal entendeu também que 'essa matéria colectável é a base de incidência deste imposto (...), pelo que as normas que prevêem a forma como este é calculado, designadamente actos administrativos que regulem custos a considerar, constituem normas de incidência objectiva, estando, como tal, sujeitas ao regime previsto no citado artigo 106º, nº 2, da Constituição'.
Em consequência, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu que as normas dos artigos 7º, nº 2, e 8º, nºs 1, alínea b), e 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 49/91, de 25 de Janeiro, são organicamente inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 167º, nº 1, alínea i), e 106º, nº 2, da Constituição, na redacção de 1989. Nessa medida, recusou a sua aplicação, concedendo provimento ao recurso e revogando a decisão recorrida.
5. A determinação da matéria colectável, no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, rege-se pelo disposto nos artigos 15º, 16º,
23º e 27º a 29º do respectivo Código. Nos termos de tais preceitos, a matéria colectável obtém-se grosso modo pela dedução dos prejuízos e benefícios fiscais aos proveitos ou ganhos, sendo o lucro tributável constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas no período em causa, determinados com base na contabilidade.
De acordo com o artigo 23º, nº 1, alínea g), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento são qualificadas como custos ou perdas.
Os métodos de cálculo das reintegrações e amortizações são definidos pelo artigo 28º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, consagrando o nº 1 desse preceito o método das quotas constantes como método regra.
O artigo 29º do mesmo diploma determina o modo de aplicação do método das quotas constantes, fixando a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo de exercício. Tal quota resultará da aplicação das taxas de reintegração e amortização aos valores constantes das alíneas a), b) e c) do nº 1 do mencionado artigo 29º, sendo tais taxas fixadas por decreto regulamentar que estabelece o regime dessas reintegrações e amortizações.
Do que acaba de se referir, importa salientar que o artigo 29º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas remete para decreto regulamentar a definição do regime das reintegrações e amortizações dos elementos do activo sujeitos a deperecimento.
Ora, o regime das reintegrações e amortizações consta do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro, que, entre outras matérias, define as condições gerais de aceitação das reintegrações (artigo 1º), a valorimetria dos elementos reintegráveis ou amortizáveis (artigo 2º), o período de vida útil dos elementos do activo imobilizado (artigo 3º) e os métodos de cálculo das reintegrações e amortizações (artigos 4º e ss).
É este o quadro geral em que se insere a questão de constitucionalidade objecto do presente recurso.
6. Entretanto, o Decreto-Lei nº 49/91, de 25 de Janeiro (alterado pelo Decreto-Lei nº 360/91, de 28 de Setembro), veio permitir e regular a reavaliação dos elementos do activo imobilizado corpóreo das empresas, após a entrada em vigor do novo sistema de tributação, visando um desagravamento fiscal para o ano de 1991. O artigo 7º remeteu para o Código do IRC e para o Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro, a definição do regime fiscal das reintegrações dos elementos reavaliados e o artigo 8º previu a não dedutibilidade de certos custos ou perdas.
Uma vez que, de acordo com o estipulado no Decreto-Lei n.º 49/91, de
25 de Janeiro, a reavaliação podia incidir sobre bens já reintegrados, ou seja, sobre elementos cujo período máximo de vida útil já havia decorrido, este diploma veio permitir que as reintegrações e amortizações dos bens reavaliados após o decurso do período máximo da sua vida útil (elementos já reintegrados ou amortizados, portanto) fossem consideradas custos do exercício de 1991, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
É esta precisa dimensão normativa que o Supremo Tribunal Administrativo considerou organicamente inconstitucional, pois em face do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [artigo 32º, nº 1, alínea d)] e do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro (artigo 3º, nº 5), não são aceites como custos ou perdas para efeitos fiscais as reintegrações ou amortizações praticadas para além do período máximo de vida útil, ressalvando-se os casos devidamente justificados e aceites pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. Tratando-se de uma dimensão, na perspectiva do Supremo Tribunal Administrativo, inovadora e relativa a matéria de incidência do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, o Governo necessitava de autorização parlamentar para emitir o diploma, autorização que não foi concedida.
7. O Ministério Público, nas alegações de recurso apresentadas, considera que a hipótese dos autos suscita a questão de saber se será possível ao legislador, na definição da matéria colectável, socorrer-se de conceitos indeterminados ou abertos que remetam para outros institutos ou que permitam a regulamentação de certos aspectos, de índole estritamente técnica (nos quais se inclui a enumeração das reintegrações e amortizações que, de acordo com critérios contabilísticos, são consideradas custos dedutíveis), através de normas contidas em decreto-lei ou em regulamento. À questão formulada, o Ministério Público responde afirmativamente, referindo que o princípio da legalidade e a reserva de lei em matéria fiscal não exigem que a Assembleia da República tome 'posição expressa sobre regras de índole estritamente técnico-contabilística, de natureza essencialmente e obviamente ‘secundária’, atinente aos modos contabilisticamente aceitáveis de operar as reintegrações ou amortizações de bens sujeitos a deperecimento'.
Na perspectiva do Ministério Público, a mera enumeração das reintegrações e amortizações susceptíveis de serem consideradas custos para efeito de determinação da matéria colectável no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas consubstancia, pois, um aspecto do regime das reintegrações e amortizações abrangido pela remissão a que procede o artigo 29º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (preceito que, como se salientou, remete a definição do regime das reintegrações e amortizações para decreto regulamentar).
8. Terão as normas sub judicio, na realidade, uma mera natureza técnica relacionada com os modos de avaliação? O princípio da legalidade em matéria fiscal não impede que determinados aspectos de regime estritamente técnicos sejam objecto de regulamento (ou de decreto-lei), nomeadamente por remissão expressa da lei parlamentar (ou de decreto-lei autorizado). Na verdade, as questões especificamente contabilísticas, relacionadas com o cálculo e a determinação das despesas e do lucro da empresa, apresentam uma complexidade técnica dificilmente compatível com o grau de clareza que a lei fiscal, para exercer eficazmente a sua função de garantia, deve revestir, para além de que não compete ao direito fiscal regular todos os aspectos contabilísticos das sociedades comerciais (cf., neste sentido, Carlos Pamplona Corte-Real, Curso de Direito Fiscal, vol. I, 1982, p. 74 e ss.; Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 1998, p. 32 e ss.; e, ainda, José Manuel Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 1972, pp. 63, nota 2, 175, nota 2, e 176, onde o Autor, a propósito do regime das isenções, admite ser 'perfeitamente lícito deixar depois
à Administração a possibilidade de, mediante regulamento ou mesmo simples acto administrativo individual, concretizar ou conceder ou não aqueles e fixar a quota tributária dentro dos limites legais'; quanto à relevância das 'leis comerciais' nas 'questões tributárias', cf. Saldanha Sanches, A quantificação da obrigação tributária, 1995, p. 305 e ss; cf., por último, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 756/95 – D.R., II, de 27 de Março de 1996 - , onde o Tribunal considerou constitucionalmente legítima a utilização de conceitos indeterminados em matéria fiscal).
Assim, é constitucionalmente admissível que a lei fiscal remeta para diplomas regulamentares a definição de determinados aspectos técnicos de regime que exprimem apenas um saber no qual o Direito se apoia e que não exige qualquer decisão valorativa. É o que acontece quando o artigo 29º, nº 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (norma que, de resto, não integra o objecto do presente recurso de constitucionalidade), remete para decreto regulamentar (Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro) a definição do regime das reintegrações e amortizações. A qualificação das reintegrações e amortizações, em abstracto, como custos dedutíveis resulta do próprio Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (cf. artigo 27º, com as excepções do artigo 32º). O Decreto-Lei n.º
49/91, fazendo como que uma explicitação da regulamentação em vigor, vem somente submeter ao regime fiscal geral das reintegrações e amortizações as reintegrações e amortizações decorrentes de reavaliações realizadas após o decurso do período de vida útil dos elementos reavaliados. Este diploma não cria, portanto, uma nova categoria de custos. Apenas procede à aplicação de uma categoria de custos prevista na lei a uma certa espécie de casos O Decreto-Lei n.º 49/91 não trata, portanto, da definição da norma de incidência ou da determinação do seu objecto, isto é, não trata do critério definidor do tipo de deduções à matéria colectável.
As normas do Decreto-Lei nº 49/91, referindo-se a aspectos contabilísticos da determinação dos custos e do lucro do exercício (nas palavras do recorrente 'aspectos (...) de índole estritamente técnica, ‘secundária’ ou executiva atinentes à elaboração da conta de ganhos e perdas'), mais não serão do que normas técnicas não inovadoras, que integram o regime das reintegrações e amortizações, cuja definição o artigo 29º, nº 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, remete para decreto regulamentar. O que se deixa dito aponta já para a conclusão de que as normas do Decreto-Lei n.º 49/91, de 25 de janeiro, não são organicamente inconstitucionais, porque, não criando qualquer nova categoria de custos, apenas integram numa categoria já prevista os valores atribuídos às reintegrações e amortizações após uma reavaliação dos elementos já reintegrados ou amortizados, utilizando, por força disso, critérios correctivos do valor dos elementos reintegrados ou das amortizações efectuadas de natureza puramente técnica. Assim, estes valores ainda são meras concretizações contabilísticas do conceito de custos por reintegração ou amortização, não ultrapassando o conteúdo essencial daquele conceito. E isto, não só porque a sua consideração como custos pode ser admitida segundo um critério de razoabilidade, já que se pressupõe que o valor originariamente atribuído ao elemento reavaliado era inadequado para efeitos fiscais, como também não há dúvida de que os custos em causa se referem à reintegração ou amortização, isto é, são calculados em função do valor necessariamente dispendido naquelas funções (sobre a pertinência do critério de razoabilidade na definição dos custos para efeitos fiscais, cf. Saldanha Sanches, Manual ... cit., p. 254 e ss).
9. No entanto, mesmo que se considere, na linha do Supremo Tribunal Administrativo, que a mera enumeração das reintegrações e amortizações que integram a noção de custos não tem uma natureza puramente técnica ou contabilística, sempre haverá de concluir pela não inconstitucionalidade das normas desaplicadas. Com efeito, dever-se-á inquirir se a qualificação como custos das reintegrações a que se refere o Decreto- Lei nº 49/91 não se ancorará num outro preceito do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, independentemente agora da natureza técnica das normas daquele diploma, na medida em que o artigo
32º, nº 1, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (preceito, sublinhe-se, cuja conformidade à Constituição não está em causa no presente recurso), segundo o qual não são aceites como custos as reintegrações e amortizações praticadas para além do período máximo de vida
útil, ressalva os casos especiais devidamente justificados e aceites pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. De acordo com tal disposição legal, as reintegrações e amortizações realizadas para além do período máximo de vida
útil dos elementos do activo corpóreo imobilizado não são excluídas em absoluto da qualificação como custos, pois podem ser considerados custos aquelas amortizações e reintegrações que se enquadrem nos casos especiais devidamente justificados e aceites pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
Ora, se é legalmente consentido à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos aceitar justificadamente casos especiais de reintegrações e amortizações realizadas após a vida útil dos elementos, bem poderá dizer-se que nada obsta a que o Governo, órgão hierarquicamente superior da Administração Pública, a quem compete dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado [artigo 199º, alínea d), da Constituição] e, portanto, a quem a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos deve obediência hierárquica, defina, por decreto-lei, uma dada categoria de casos especiais, devidamente justificados (veja-se o preâmbulo do Decreto-Lei nº 49/91), em que se admite que as reintegrações e amortizações decorrentes de reavaliações realizadas para além da vida útil dos elementos reavaliados sejam consideradas custos para efeito de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
De acordo com a perspectiva enunciada, admitir-se-á que o Decreto-Lei nº 49/91 se inscreve na lógica da excepção prevista no artigo 32º, nº 1, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, assim não integrando praeter legem o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, nem formulando um critério autónomo de determinação dos custos dedutíveis, cuja enumeração continua, portanto, a constar exclusiva e taxativamente do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Desse modo, o Decreto-Lei n.º 49/91 é substancialmente equiparável ao exercício da faculdade concedida pelo artigo 32º, nº 1, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
10. Porém, poder-se-ia argumentar, embora esta questão não integre, como se sublinhou, o objecto do presente recurso de constitucionalidade normativa, que o próprio artigo 32º, n.º 1, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas colectivas, seria violador do princípio da tipicidade tributária. Contudo, e como já se mencionou, o Tribunal Constitucional já considerou legítima do ponto de vista constitucional a técnica legislativa que se traduz na utilização de conceitos indeterminados em matéria fiscal. Com efeito, no citado Acórdão n.º 756/95, para cuja fundamentação agora se remete, o Tribunal entendeu que o princípio da tipicidade tributária, concretizado no princípio da determinabilidade, não inviabiliza certas cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados, conceitos tipológicos, tipos discricionários e certos conceitos que atribuem à Administração uma margem de valoração, os chamados preceitos poderes (neste sentido, cf., também, Cardoso da Costa, ob. cit. pp. 63, nota 2, e 175, nota 2). Por último, não se deixará de registar a circunstância de no caso se estar perante uma norma da qual resulta um desagravamento da situação fiscal do contribuinte, e em que, portanto, a segurança jurídica não é afectada. Em todo o caso, estaria fora de questão a necessidade de uma cobertura parlamentar por aquele preceito de uma certa latitude da Administração na definição como custos das amortizações e reintegrações.
11. Conclui-se, pois, pela não inconstitucionalidade orgânica das normas dos artigos 7º, n.º 2, e 8º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 49/91, de 25 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 360/91, de 28 de Setembro.
III Decisão
12. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao recurso, determinando a reforma do acórdão recorrido de acordo com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 23 de Maio de 2001 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa