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Proc. n.º 231/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Inconformada com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Janeiro de 2003, que decidiu negar a revista que havia interposto de um anterior acórdão da Relação de Lisboa, a A. (ora reclamante), recorreu dela para o Tribunal Constitucional, tendo, para o efeito, apresentado um requerimento com o seguinte teor:
“A A., nos autos à margem indicados que move a B. e outros, notificada do douto acórdão que negou provimento ao recurso de revista por não considerar violados quaisquer princípios constitucionais, anunciados pela Recorrente, por violação das normas estatuídas nos artºs 2°, 12°, n° 2, 13°, n° 1, 18°, n° 2 e3, 62°, n°
1 e 207° da CRP, e não podendo conformar-se com ele, vem, respeitosamente, interpor recurso para o Tribunal Constitucional. que, sobe imediatamente, e nos próprios autos e tem efeito suspensivo (cfr. artºs 70°, n° 1 b), artºs 72°, n° 1 b) e nºn2, 75°, n° 1 e 75A, n° 1 e 2, e art.º 78°, n° 3, todos da lei Orgânica do Tribunal Constitucional e art.º 687°, n° 1 do CPC ex vi do art.º 69° da referida LOTC. Assim e porque tempestivo, requer a V. Exa. se digne considerá-lo admitido e deferir-lhe os ulteriores termos.
2. Na sequência, e ao abrigo do disposto no artigo 75º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional, proferiu o relator do processo já neste Tribunal, em 31 de Março de 2003, despacho/convite solicitando à recorrente que desse “cabal cumprimento ao disposto no artigo 75º A da LTC”.
3. Notificada deste despacho/convite, a recorrente veio apresentar alegações.
4. Por parte do Relator foi proferido novo despacho, em que julgou deserto o recurso, decisão que se escudou na seguinte fundamentação:
“Verificando-se que o requerimento de interposição do recurso não indicava, ao contrário do que é exigido, todos os elementos previstos no artigo 75ºA da Lei do Tribunal Constitucional, foi a recorrente, por despacho do relator, de 31 de Março de 2003, convidada “a dar cabal cumprimento” ao disposto naquele artigo. Decorrido o prazo legal para cumprimento do referido despacho, verifica-se que a recorrente apresentou Alegações do recurso, não respondendo ao convite do relator. Nestes termos, de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 75ºA e no n.º1 do artigo 78º [B], ambos da Lei 28/82, de 15 de Novembro, julgo deserto o recurso. Restituam-se as Alegações à recorrente”.
5. Inconformada com esta decisão a recorrente veio, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, reclamar para a conferência, alegando o seguinte:
“1° - No requerimento de interposição de recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, que o admitiu, motivou-se o mesmo na circunstância de o douto acórdão, que negou provimento ao recurso de revista, não ter considerado violados quaisquer princípios constitucionais, anunciados pela Recorrente, nomeadamente as normas estatuídas nos artºs 2°, 12°, n° 2, 13°, n° 1, 18°, n° 2 e 3, 62°, n°
1 e 207° da CRP. Assim e porque,
2° - quer os articulados da Recorrente, nas várias Instâncias, quer o próprio douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, se referem detalhada e especificamente aos princípios constitucionais que a Recorrente considera violados, o douto despacho do Excelentíssimo Conselheiro Relator convidando a dar cabal cumprimento ao disposto no art.º 75°-A da Lei do Tribunal Constitucional foi interpretado no sentido de apresentar alegações, o que foi feito tempestivamente, nas quais se concluía que:
“ I - O direito de retenção a que se refere a al. f) do art. 755° do CC, aditado pelo DL 379/86 de 11 de Novembro de 1986, na parte em que ele estende o regime de retenção prevalente sobre a hipoteca a todos os contratos promessa, por força do disposto no n° 2 do art. 759° do CC, abre caminho a abusos e fraudes de prova diabólica para os bancos lesados. II - Tal como concebido na disposição em crise, o direito de retenção abala por completo a harmonia do sistema e põe em causa a certeza e a segurança jurídicas. III - Trata-se de disposição que introduz um factor de desequilíbrio entre a bondade da pretendida protecção do consumidor, quando bem podia e devia condicionar tal protecção à obtenção do consentimento prévio do credor hipotecário para a válida celebração da promessa... IV- Aquela disposição viola os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade ou da proibição do excesso, e da defesa dos direitos patrimoniais do credor hipotecário (cfr. arts.12°, n° 2, 13°, n° 1, 18, n° 2 e 3 e 62°, no 1 da CRP), pelo que não pode ser aplicado por força do disposto no art. 207º da CRP. V -In casu, a ora Recorrente não foi parte, nem por qualquer forma teve conhecimento prévio ou interveio na acção que reconheceu o direito de retenção, com isso se violando os princípios do contraditório e da proibição da indefesa, que são valores fundamentais constitucionalmente protegidos' Deste modo,
3° - sob pena de denegação de justiça, deve entender-se o epíteto 'alegações' como lapsus calami e, em qualquer caso, considerar que estão reunidos os requisitos legais para conhecimento do mérito, dando-se sem efeito o douto despacho que julgou a deserção”.
6. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado daquela reclamação, veio responder-lhe nos seguintes termos:
“1 - A presente reclamação carece obviamente de fundamento.
2- Na verdade, a recorrente foi expressamente convidada a dar integral cumprimento aos requisitos formais a que a lei condiciona a cognoscibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
3- Não tendo cumprido o ónus de completar o requerimento de interposição do recurso, nada dizendo na sequência de tal despacho.
4.- Não sendo obviamente possível vir agora invocar a produção de 'alegações' numa fase processual manifestamente imprópria - e sendo evidente que os elementos que constavam de tais alegações não podem naturalmente ser sequer considerados, já que tal peça processual nem sequer foi junta aos autos”.
Pelos restantes recorridos não foi apresentada resposta.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II - Fundamentação.
7. No despacho reclamado decidiu o Relator, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 75º-A e no n.º1 do artigo 78º-B, ambos da Lei 28/82, de 15 de Novembro, julgar deserto o recurso, porquanto, decorrido o prazo legal para cumprimento do despacho/convite proferido ao abrigo do n.º 6 daquele artigo 75º-A, a recorrente não apresentou qualquer resposta, optando antes pela apresentação de alegações.
A ora reclamante vem contestar esta decisão alegando, simplesmente, que “deve entender-se o epíteto «alegações» como lapsus calami e, em qualquer caso, considerar que estão reunidos os requisitos legais para conhecimento do mérito do recurso”.
Mas, sem razão.
Com efeito, que não se trata de mero lapsus calami, ao contrário do que a reclamante alega no ponto 3. da reclamação, resulta, claramente, do teor da própria reclamação, onde a reclamante expressamente reconhece que “o douto despacho [...] foi interpretado no sentido de apresentar alegações, o que foi feito tempestivamente [...]” (sublinhado nosso).
O que a recorrente pretendeu – e, efectivamente, fez – foi apresentar alegações e não dar resposta ao convite para completar o requerimento de interposição do recurso, através de um documento a que, por mero lapso de escrita, teria chamado alegações. Mas, como é evidente e a recorrente não pode ignorar, actuando com um mínimo de diligência, uma coisa é responder a um convite para corrigir o requerimento de interposição do recurso, que, ao contrário do que é exigido, não incluía todos os elementos requeridos pelo artigo 75ºA da Lei do Tribunal Constitucional e outra, bem diferente, é a produção de alegações, na sequência da notificação para o efeito a que se refere o artigo 78º-A, n.º 5 da LTC.
E, como se ponderou no Acórdão n.º 246/01 (disponível na página Internet do Tribunal: endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), igualmente desta secção, “não está na disponibilidade da recorrente determinar se o seu recurso prossegue ou não, ou se e quando lhe compete apresentar as alegações; é a lei que o determina”. E, no caso, não havia efectivamente lugar à sua apresentação, porque a lei comina com a deserção o não cumprimento do despacho de convite para que se complete o requerimento de interposição de recurso (n.º 7 do artigo 75º-A da Lei n.º 28/82).
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Junho de 2003- Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida