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Processo nº 262/02
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu o Relator a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
'1. A, com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Abril de 2001, que lhe indeferiu ‘o pedido de apoio judiciário, na nomeação do patrono’, ‘por inconformada com a interpretação da lei vertida nesse acórdão, que entende ferida de inconstitucionalidade’, limitando-se a requerer a ‘sua admissão, nos termos e para os efeitos previstos na Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as legais consequências’.
2. Depois, ‘respondendo ao convite efectuado pelo Exmº Senhor Conselheiro Relator, nos termos dos nºs 5 e 6 do artº 75º-A, da lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro’, veio confirmar ser aquele o acórdão recorrido e que o ‘recurso foi interposto nos termos do disposto no artº 70º, nº 1, alíneas b) e f) da lei do Tribunal Constitucional’, acrescentando ainda o seguinte, que por comodidade, se passa a transcrever:
‘8º - A tudo acresce o facto da questão de inconstitucionalidade e ilegalidade das normas aplicadas, no que toca à interpretação que delas se fez na decisão recorrida, terem sido já suscitadas não só no requerimento inicial do pedido de nomeação de patrono, como também nas Alegações e Conclusões de recurso interposto da decisão da 1ª instância, a fls. 367 e 408 e segs. dos autos.
9º - Com efeito, aí se referem, expressamente, os art°s 2°, 13° e 20° da Constituição vigente, bem como os art°s 6°, 7°, 15°, 16°, 17°, 19° e 23° do D.L.
387-B/87 de 29/12, como tendo sido violados na interpretação e sua aplicação vertida na decisão em crise, pelo ,menos, implicitamente.
10°- Assim a decisão em crise, violou os princípios constitucionais do estado de Direito, da igualdade, do acesso ao direito e aos Tribunais, bem como os princípios da legalidade e proporcionalidade, ínsita na Constituição.
11°- Ao denegar o pedido de apoio judiciário formulado pela requerente, atenta a factualidade dos autos, prejudicou o mesmo no que toca ao acesso ao direito e aos tribunais, por motivo da sua situação económica, quando, atento o disposto no art° 23° do D.L. 387-B/87, os rendimentos líquidos disponíveis da recorrente e o elevado valor a acção, não obstante o disposto no art° 342° do C. Civil, a impetrante foi discriminada e prejudicada.
12°- Desta sorte, deveria interpretar-se a norma prevista no art° 23° da Lei de Apoio Judiciário, conjugada com os art°s 2°, 13° e 20° da Constituição, no sentido de que, a recorrente atentos os fundamentos de facto e de direito alegados reunia os requisitos para o pedido da nomeação de patrono lhe ser deferido atenta a prova produzida e ao princípio da legalidade, igualdade e acesso ao direito e aos tribunais - art°s 2°, 13° e 20° da Constituição que, a assim não ser seriam violados.
13° - Assim, a decisão em apreço, está ferida de inconstitucionalidade e ilegalidade, porquanto na interpretação e aplicação da lei aí vertida, pelo menos, implicitamente, face aos factos alegados, à factualidade considerada assente, ao elevado valor da acção (cerca de 25.000 contos), aos documentos juntos aos autos, interpretou o art° 23°, n° 2 do D.L. n° 387-B/87 de 29/12, de um modo tal que considera satisfeito o poder-dever do juiz mandar investigar os factos alegados pela requerente do patrocínio, como deferimento da promoção do MºPº.
14° - Ora, não obstante o cumprimento do aí ordenado, com a junção de 12 documentos, o certo é que ao juiz competiria, ademais no domínio do apoio judiciário, instrumento essencial à garantia e defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, in casu, o acesso ao direito e aos tribunais, promover as investigações que entender ser pertinentes, não obstante o disposto no art° 342° do C.Civil, que aqui conjugado com o art° 23° n° 2 da Lei do Apoio Judiciário e com os art°s 2°, 13° e 20° da Constituição.
15°- Nestes termos, o acórdão recorrido deveria ter interpretado e aplicado o art° 20° da Constituição, tal como os seus art°s 2° e 13°e ainda os art°s 6°,7°,
19° e 23° nº 2 do D.L. 87-B/87 de 29/12, no sentido de que, o acesso ao direito e aos tribunais, direito fundamental da recorrente para ser, efectivamente garantido, exigia que o juiz, se o entendesse, mandasse investigar os factos alegados pela requerente do patrocínio, sob pena de deverem ser considerados provados os mesmos, não se limitando ao mero deferimento da promoção do Mº Pº quanto a tal matéria, até por que, em sede de nomeação prévia de patrono, como é o caso dos autos, o Mº Pº, não tem intervenção e visto do processo’.
3. Da transcrição feita retira-se, se bem se compreende o articulado, que as normas infraconstitucionais questionadas são as do Decreto-Lei nº 387-B/87, de
29 de Dezembro, que a recorrente identifica, nomeadamente a do artigo 23º (que é a mais repetidamente citada), sendo nuclear a afirmação da recorrente de que
‘deveria interpretar-se a norma prevista no art° 23° da Lei de Apoio Judiciário, conjugada com os art°s 2°, 13° e 20° da Constituição, no sentido de que, a recorrente atentos os fundamentos de facto e de direito alegados reunia os requisitos para o pedido da nomeação de patrono lhe ser deferido’.
4. Acontece que, ao contrário do que invoca a recorrente, a questão de inconstitucionalidade dessa norma – ou doutras do mesmo diploma legal – não foi por ela suscitada perante o tribunal de relação, em termos processualmente adequados, de modo a obrigar aquele tribunal a pronunciar-se, como exige o nº 2 do artigo 72º, da Lei nº 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de
20 de Fevereiro. Além de que não se demonstra que tais normas tivessem sido sequer aplicadas no acórdão recorrido, embora este se movesse no quadro do pedido de ‘concessão de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono’. Na verdade, e como se alcança do acórdão recorrido, apenas se considerou a factualidade decorrente dos elementos constantes dos autos para se chegar à conclusão de que ‘não tendo a A feito prova de ter encargos com a aquisição da morada de família, não podem os mesmos, apesar de alegados, ser considerados’, acrescentando-se a seguir:
‘É princípio processual básico que quem alega um direito tem alegar e provar os factos constitutivos desse direito - art. 342 do C.Civil. Não basta alegar factos; é necessário prová-1os - secundum alegata et probata parties. Assim competia à requerente A fazer prova dos encargos que tem mensalmente com casa de morada de família, e não ao Tribunal mandar investigar da exactidão da alegação dos mesmos’. Daqui decorre que foi no campo do ónus da prova – e daí a invocação do artigo
342º do Código Civil – que se buscou a solução tomada no acórdão recorrido e este aspecto escapou à pretensa censura jurídico-constitucional avançada pela recorrente. Portanto, e em suma, o quadro normativo apontado pela recorrente não chegou a ser aplicado no acórdão recorrido, não havendo, assim, aplicação das normas pretensamente arguidas de inconstitucionalidade pela recorrente. De outro lado, nas alegações de recurso apresentadas pela recorrente – e era esse o articulado apropriado para o fazer – não se suscita verdadeiramente nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a citar os artigos identificados do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, a par das normas dos artigos 2º, 3º, 20º da Constituição, para sustentar que ‘a recorrente atentos os fundamentos de facto e de direito alegados reunia os requisitos para o pedido da nomeação de patrono lhe ser deferido atenta a prova produzida e ao princípio da legalidade, igualdade e acesso ao direito e aos tribunais’. Fê-lo nestes termos, na alínea J) das conclusões das alegações e reportando-se à decisão da instância:
‘J) Daí que a decisão em crise tenha violado de uma forma ostensiva o disposto nos artºs 6º, 7º, 15º, 16º, 17º, 19º, 22º, 24º, 25º e 50º do D.L. 387-B787 de
29/12, ao indeferir o pedido de Nomeação de Patrono e do mesmo modo violou também os princípios constitucionais do Estado de Direito da legalidade da igualdade, da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais previstos, nomeadamente nos artºs 2º, 13º e 20º da Constituição vigente, ferindo de inconstitucionalidade a decisão recorrida, na interpretação que, ao menos implicitamente fez dos citados preceitos constitucionais’ Esta é uma censura restrita à decisão, pela forma como ela teria incorrido na violação das normas do citado Decreto-Lei nº 387-B/87 e dos princípios constitucionais aí invocados, o que feriria ‘de inconstitucionalidade a decisão recorrida’, mas não é um modo processualmente adequado de suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa. Como quer que seja, falta o pressuposto processual específico da aplicação de norma arguida de inconstitucionalidade durante o processo, pelo que não pode tomar-se conhecimento do presente recurso (e esta conclusão serve também para o invocado fundamento da alínea f), do nº 1, do artigo 70º, que, aliás, nem sequer tem razão de ser, pois nunca é de ilegalidade que aqui se trata).
4. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno a recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em cinco unidades de conta'. B. Dela veio a recorrente 'legal e tempestivamente, nos termos e para os efeitos previstos no artº 78-A nº 3 da LTC reclamar para a Conferência a fim de que sobre a matéria em apreço recaia um acórdão da conferência por não se conformar com o doutamente decidido, dando como reproduzido para todos os legais efeitos tudo quanto já antes disse, tendo considerado adequadamente suscitada a questão da inconstitucionalidade'. C. Veio responder o 'representante do Ministério Público junto deste Tribunal' defendendo que a 'presente reclamação é manifestamente improcedente, não curando sequer a reclamante de questionar os fundamentos da decisão impugnada' e limitando-se ela 'a reiterar precedentes posições processuais, sem pôr em causa, de forma inteligível e concludente, a pretendida verificação dos pressupostos do recurso'. C. Cumpre decidir.
É evidente que, não tendo a reclamante adiantado nenhumas razões para contrariar a posição tomada na Decisão reclamada, para demonstrar estarem verificados os pressupostos processuais específicos do recurso de constitucionalidade de que se serviu, e pretendendo apenas que 'sobre a matéria em apreço recaia um acórdão da conferência', não há motivo para alterar o decidido quanto ao não conhecimento do recurso de constitucionalidade. Com o que não pode proceder a presente reclamação. D. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, e condena-se a recorrente em custas, com a taxa de justiça fixada em
15 unidades de conta. Lisboa, 10 de Julho de 2002- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa