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Proc. n.º 582/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Por decisão do Tribunal Judicial de Famalicão, de 4 de Junho de 2002, foi a ora recorrente, A., condenada:
- na pena de 8 anos de prisão pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos
26º do Código Penal e 21º, n.º 1, e 24º, als. b), c) e j), do Decreto-Lei n.º
15/93, de 22 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro;
- na pena de 6 anos de prisão pela prática, em co-autoria, de um crime de associação criminosa, previsto e punido pelos artigos 26º do Código Penal e 28º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro. Efectuado o cúmulo jurídico, foi a ora recorrente condenada na pena única de 10 anos de prisão.
2. Inconformada com esta decisão a arguida recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 18 de Dezembro de 2002 (fls. 4796 a 4863) e no que à ora recorrente se refere, decidiu conceder parcial provimento ao recurso, condenando-a à pena de 9 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 26º do Código Penal e
21º, n.º 1, e 24º, als. b), c) e j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro.
3. Na sequência desta decisão a arguida veio aos autos para, ao abrigo do disposto nos artigos 380º, al. b), do Código de Processo Penal e 669º do Código de Processo Civil, pedir a sua aclaração. Alegou, fundamentalmente, que tendo sido condenada em 1ª instância nas penas de 8 anos de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado e na pena de 6 anos de prisão pelo crime de associação criminosa, e tendo o Supremo Tribunal de Justiça afastado a possibilidade de condenação pelo crime de associação criminosa, não poderia condená-la na pena de 9 anos de prisão sob pena de violação do princípio da proibição da reformatio in pejus.
4. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 5 de Fevereiro de 2003, decidiu, no que à ora recorrente diz respeito, fixar a sua pena em 8 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, n.º 1, e 24º, als. b), c) e j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, tal como, nesta parte, havia decidido a 1ª instância.
5. Novamente inconformada a arguida voltou aos autos, agora para, ao abrigo dos artigos 379º, alínea c) do Código de Processo Penal e 668º do Código de Processo Civil, requerer a nulidade daquela decisão. Fê-lo através de um requerimento que tem o seguinte o teor (fls. 4900 a 4901):
“1 – A arguida no recurso interposto recorreu da medida da pena que lhe foi aplicada.
2 – Dos vários fundamentos invocados, há a referir a não atenuação especial da pena prevista nos artigos 72º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 73º do CP.
3 – Na verdade, o acórdão condenatório dá como provada a ascendência do réu marido (B.) sobre a arguida (A.).
4 – No acórdão do STJ, e quanto à medida da pena, abordada no ponto 6 a fls. 63 o Tribunal aprecia única e exclusivamente a questão da aplicação do DL n.º
401/82, omitindo por completo o fundamento supra invocado, sendo certo que nenhum dos co-arguidos levantou tal questão e como tal a sua apreciação não podia ser remetida para estes.
5 – Foi pedida a aclaração do referido acórdão, por se entender ter este violado o princípio da reformatio in pejus – artigos 97º, n.º 4 e 409º da C.P.P.
6 – O Tribunal entendeu assistir razão à recorrente e fixar-lhe a medida da pena em 8 anos de prisão. Contudo e salvo o devido respeito não ponderou as outras razões aduzidas no recurso ora interposto, designadamente o facto de a arguida ter actuado sob o ascendente do co-arguido, companheiro desta, B.. Isto porque:
7 – O Tribunal refere apenas que não se lhe podia aplicar o regime da lei dos jovens, DL supra citado, pois que a grande maioria dos factos foram praticados quando esta tinha 21 anos de idade. Contudo, não explicita os motivos de facto e de direito que levaram o tribunal a não ter em consideração a circunstância atenuante prevista nos artigos 72º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 73º do CP. Circunstância esta mitigada com o facto da recorrente ser primária, ter à data da prática dos factos 21 anos de idade, ter a seu cargo 5 filhos menores (uma delas bastante doente, a precisar de cuidados médicos diários), a sua imagem ser positiva no meio onde está inserida, os documentos médicos juntos aos autos serem comprovativos do seu estado de saúde demonstrarem que a arguida se encontra bastante debilitada e o facto de se ter apurado que a arguida desde a detenção do companheiro não praticou qualquer acto ilícito.
8 – O acórdão é, assim, nulo, uma vez que não se pronunciou sobre questão que foi suscitada e que, salvo o devido respeito, devia apreciar (artigo 379º n.º 1 al. c) do CPP e art. 668º al. d) do CPC.
9 – A entender-se de forma diferente há omissão de pronúncia, o Tribunal faz uma errada interpretação das referidas normas, interpretação que contende com a possibilidade de defesa da arguida violando desta forma os artigos 32º n.º 1 e
205º da CRP.
10 – Violação que expressamente se invoca, e só agora, uma vez que, não poderia anteriormente ter conhecimento da mesma”.
6. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 30 de Abril de 2003 (fls. 4926 a 4931), decidiu indeferir a arguida nulidade, o que fundamentou nos seguintes termos:
“No acórdão principal deste Supremo Tribunal não se teria tomado em conta, na medida da pena, o ascendente do marido da requerente e também arguido, bem como outros elementos de natureza pessoal, nomeadamente, ser primária, número de filhos menores, a sua imagem positiva no meio em que vive. O que não corresponde à realidade, como se vê não apenas de fls. 63 do acórdão – ponto IV, 6.1 e 6.2 – como de fls. 65 e 66 – ponto V -, que se convida a ler. Relembrando um ponto preciso:
«A verificação de três agravantes – alíneas b), c) e j) do citado artigo 24º - não pode deixar de se reflectir na severidade da pena, posto que se trate de uma pessoa vivendo em certa dependência do marido, o principal responsável pela dimensão e gravidade dos actos delituosos de tráfico. As quantidades de droga, a sua qualidade perniciosa, do conhecimento de toda a gente, o enriquecimento repentino, são factores não minimizáveis. A personalidade revelada, ainda que formada em meio característico de uma minoria étnica, por isso de certa discriminação (consentida ou não), perfila-se como de adesão a um «negócio» como outro qualquer em que sobreleva a tudo a obtenção de lucros».
Não se verifica, pois, a arguida nulidade. E também não se aceita a verificação de qualquer desconformidade constitucional de «última hora», na interpretação seguida. A medida da pena foi fixada de acordo com os parâmetros legais e atendeu-se a todos os elementos de facto que havia que ponderar (claro que com critério diferente do da ora requerente)”.
7. Notificada desta decisão a arguida veio requerer a sua aclaração (fls. 4936 e
4937), requerimento que foi indeferido por decisão de 30 de Junho de 2003 (fls.
4988, v.).
8. Desta decisão foi interposto recurso de constitucionalidade, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“A., supra identificada, não se conformando com o douto acórdão proferido por este Tribunal em 2003-6-30, integrado pelo acórdão de 2003-04-30, por referência aos acórdãos proferidos em 2003-02-5 e 02-12-18, em que se invoca a nulidade do acórdão principal e se suscita a inconstitucionalidade na aplicação do artigo
379º al. c) do C.P.P. em conjugação com os artigos 72º, n.º 1 e n.º 2 al. a) e
73º do C.P. e 32º e 205º da CRP vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1 – O recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Setembro.
2 – Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma incita no artigo
379º al. c) do CPP, na interpretação acolhida na decisão recorrida, isto é, se existiu omissão de pronúncia, por não se ter tido em conta as disposições dos art.s 72º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 73º do CP. Tal norma, com a interpretação com que foi aplicada, viola os artigos 32º e 205º da C.R.P. Assim,
3 – A arguida no recurso por si interposto do acórdão condenatório proferido em
1ª instância, recorreu da medida da pena que olhe foi aplicada.
4 – Dos vários fundamentos invocados, há que referir a não atenuação especial da pena prevista nos artigos 72º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 73º do CP.
5 – Na verdade, o acórdão condenatório dá como provada a ascendência do réu marido (B.) sobre a arguida (A.).
6 – No acórdão do STJ, e quanto à medida da pena, abordada no ponto 6 a fls. 63 o Tribunal aprecia única e exclusivamente a questão da aplicação do DL n.º
401/82, omitindo por completo o fundamento supra invocado, sendo certo que nenhum dos co-arguidos levantou tal questão e como tal a sua apreciação não podia ser remetida para estes.
7 – Foi pedida a aclaração do referido acórdão, por se entender ter este violado o princípio da reformatio in pejus – artigos 97º, n.º 4 e 409º da C.P.P.
8 – O Tribunal entendeu assistir razão à recorrente e fixar-lhe a medida da pena em 8 anos de prisão. Contudo e salvo o devido respeito não ponderou as outras razões aduzidas no recurso ora interposto, designadamente o facto de a arguida ter actuado sob o ascendente do co-arguido, companheiro desta, B.. Isto porque:
9 – O Tribunal refere apenas que não se lhe podia aplicar o regime da lei dos jovens, DL supra citado, pois que a grande maioria dos factos foram praticados quando esta tinha 21 anos de idade. Contudo, não explicita os motivos de facto e de direito que levaram o tribunal a não ter em consideração a circunstância atenuante prevista nos artigos 72º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 73º do CP. Circunstância esta mitigada com o facto da recorrente ser primária, ter à data da prática dos factos 21 anos de idade, ter a seu cargo 5 filhos menores (uma delas bastante doente, a precisar de cuidados médicos diários), a sua imagem ser positiva no meio onde está inserida, os documentos médicos juntos aos autos serem comprovativos do seu estado de saúde demonstrarem que a arguida se encontra bastante debilitada e o facto de se ter apurado que a arguida desde a detenção do companheiro não praticou qualquer acto ilícito.
9 – Veio posteriormente a recorrente arguir a nulidade do acórdão por entender que o mesmo não se pronunciou sobre questão que foi suscitada e que, salvo o devido respeito, devia apreciar (artigo 379º n.º 1 al. c) do CPP e art. 668º al. d) do CPC.
10 – Dizendo que existiu omissão de pronúncia, que o Tribunal fez uma errada interpretação das referidas normas, interpretação que contende com a possibilidade da arguida violando desta forma os artigos 32º n.º 1 e 205º da CRP.
11 – Violação, que expressamente se invocou, em tempo, e que não poderia anteriormente ter conhecimento da mesma, no requerimento em que arguiu a nulidade do acórdão proferido pelo STJ, designadamente a 03-02-17.
12 – O recurso sobe imediatamente, nos autos, e com efeito suspensivo”.
9. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso. É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
“[...] 9. Cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76º, n.º 3, da LTC). De acordo com o requerimento de interposição do recurso, que supra já transcrevemos integralmente, a recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade “da norma [ínsita] no artigo 379º al. c) do C.P.P., na interpretação acolhida na decisão recorrida, isto é, se existiu omissão de pronúncia, por não se ter tido em conta as disposições dos arts. 72º, n.º 1 e 2 al. a) e 73º do CP”, por entender que “tal norma, com a interpretação com que foi aplicada, viola os artigos 32º e 205º da CRP”. A verdade, porém, é que, como vai sumariamente ver-se, não pode conhecer-se do objecto do recurso. Com efeito, como o Tribunal Constitucional tem afirmado, repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, recai sobre o recorrente o ónus de indicar (durante o processo e no requerimento de interposição do recurso), de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) “tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º
269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”. Ora, no caso dos autos, é evidente que a recorrente não foi capaz, no requerimento de interposição do recurso, de identificar, nos termos claros e perceptíveis que vêm sendo exigidos por este Tribunal, uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa susceptível de ser objecto do recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor. Por outro lado, tendo em consideração o princípio da limitação dos actos contido no artigo 137º do Código de Processo Civil, não se justifica sequer, no caso concreto, lançar mão do convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso a que se refere o n.º 6 do artigo 75º-A da LTC. Com efeito, compulsados os autos, verifica-se que a recorrente também não foi capaz de, antes de proferida a decisão recorrida, formular, nos termos claros e perceptíveis antes referidos, a exacta dimensão normativa do artigo 379º, alínea c), do Código de Processo Penal que entendia ser inconstitucional. Concretamente, não foi capaz de fazê-lo no requerimento de arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro - única peça processual em que, antes de proferida a decisão recorrida, se refere a uma alegada inconstitucionalidade de certa interpretação do citado preceito. Para o constatar, basta a simples leitura daquele requerimento, que supra já transcrevemos integralmente. Ora, a não identificação pela recorrente, antes de proferida a decisão recorrida, da exacta interpretação normativa do artigo 379º, alínea c), do Código de Processo Penal que entendia não dever ser aplicada, por inconstitucional, obsta, por si só, a que se possa agora conhecer do objecto do recurso. Acresce que ao nunca identificar, em termos claros e perceptíveis, a exacta interpretação normativa do preceito referido que considera inconstitucional, a recorrente coloca ainda o Tribunal numa situação de verdadeira impossibilidade de verificar se se encontra preenchido outro dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC; ou seja: saber se a decisão recorrida utilizou, como ratio decidendi, a exacta dimensão normativa do artigo 379º, alínea c), do Código de Processo Penal que a recorrente entende ser inconstitucional. Aliás, no caso concreto, a dúvida sobre se o artigo 379º, alínea c), do Código de Processo Penal foi efectivamente aplicado numa interpretação normativa coincidente com aquela que a recorrente entende ser inconstitucional – mas que nunca identifica exactamente – é particularmente pertinente, na medida em que o Supremo Tribunal de Justiça expressamente refere, no acórdão em que julga improcedente o requerimento de arguição de nulidade da sua anterior decisão, que não deixou de considerar, na sua decisão sobre a medida concreta da pena, os factores sobre os quais, na perspectiva da recorrente, alegadamente não se pronunciou. [...]”
10. Inconformada com esta decisão, a recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que fundamenta nos seguintes termos:
“1 - Do despacho de indeferimento do recurso ora interposto, decorre que a recorrente não indicou de forma clara e perceptível o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional, designadamente do artigo 379, al. c) conjugado com as disposições dos arts. 72, n.º 1 e 2 al. a) e 73 do C.P.
2 - Ou seja, não explica de que forma é que a interpretação dada destes artigos colide com os arts. 32 e 205 do C.R.P. Ora
3 - No fundo existiu uma falta de concisão da motivação do recurso interposto. Assim sendo, e ao contrário do referido na decisão sumária, deveria ao abrigo do disposto no número 6 do artigo 75-A da LTC a recorrente ser convidada a corrigir ou a aperfeiçoar a motivação apresentada.
4 – Na verdade dispõe o n.º 5 da referida norma “Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias.
5 - Pelo que atento o disposto no artigo 32 da C.R.P, onde se refere expressamente que “São asseguradas todas as garantias de defesa dos arguidos”, o facto de não se dar à recorrente a possibilidade de corrigir as deficiências na motivação apresentada, implica uma clara diminuição das suas garantias de defesa. Tanto mais que
6 – O Tribunal Constitucional decidiu, que são inconstitucionais as normas do n° 1 do artigo 120 do C.P.P - quando interpretadas no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido (Acs. 193/97, 43/99 e 417/99) e sem que previamente seja feito o convite ao recorrente para aperfeiçoar as deficiências (Ac. de 99.01-19, proc. n.º
46/98. 1 ª Secção. Isto por se entender que o direito ao recurso assume expressamente a natureza de garantia constitucional de defesa (art. 32 n.º. 1 da C.R.P).
7 – Termos em que, requer seja revogada a decisão supra referida sendo a requerente convidada no prazo legal a proceder ao aperfeiçoamento da motivação apresentada, explicando de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional
[...]”.
11. Notificado para responder, querendo, à reclamação apresentada, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
“[...] 1. A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2. Na verdade, a razão determinante do não conhecimento do objecto do recurso radicou – não apenas no facto de a recorrente não ter especificado adequadamente, no requerimento de interposição do recurso, a dimensão normativa que considerava inconstitucional -, mas no facto de não ter suscitado, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade, quanto a normas ou interpretações normativas, convocáveis para a dirimição do caso.
3. E sendo evidente que o despacho-convite não é o meio adequado para permitir à parte suprir a falta de pressupostos processuais quanto ao recurso, decorrentes da estratégia adoptada – e do incumprimento dos ónus que sobre si recaíam em fases anteriores à interposição do recurso de constitucionalidade.”
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
12. Na decisão sumária reclamada considerou-se que a recorrente não havia sido capaz de formular, nos termos claros e perceptíveis que vêm sendo exigidos por este Tribunal, uma questão de constitucionalidade normativa, susceptível de integrar o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. A constatação de uma tal deficiência, quando constante apenas do requerimento de interposição do recurso, conduz, em princípio, a que seja proferido um despacho de aperfeiçoamento, nos termos do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC. No caso dos autos, porém, atento o princípio da limitação dos actos contido no artigo 137º do Código de Processo Civil, considerou-se que não se justificaria o prolação de tal despacho, uma vez que “(...) compulsados os autos, verifica-se que a recorrente também não foi capaz de, antes de proferida a decisão recorrida, formular, nos termos claros e perceptíveis antes referidos, a exacta dimensão normativa do artigo 379º, alínea c), do Código de Processo Penal que entendia ser inconstitucional”, o que obsta, só por si, a que possa conhecer-se do objecto do recurso.
A recorrente vem reclamar desta decisão. Fá-lo, porém, em termos que revelam que não entendeu o seu verdadeiro fundamento normativo.
Com efeito, a razão porque, decisivamente, se concluiu pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso não foi, ao contrário do que refere, a falta de explicitação, no requerimento de interposição do recurso, da forma como a interpretação dada ao artigos 379, al. c), do Código de Processo Penal, colide com os artigos 32º e 205º da Constituição, ou a falta de concisão da motivação do recurso interposto. Foi, diferentemente, a constatação de que não estava preenchido um dos pressupostos de admissibilidade do recurso – a suscitação, de modo processualmente adequado, durante o processo, da questão que pretende ver apreciada.
Em suma: a ratio decidendi da decisão reclamada não se encontra num vício do requerimento de interposição do recurso, susceptível de ser corrigido na sequência de um despacho de aperfeiçoamento, mas num vício anterior - a não identificação, antes de proferida a decisão recorrida, nos termos claros e perceptíveis que vêm sendo exigidos pelo Tribunal Constitucional, da exacta dimensão normativa do artigo 379º, alínea c), do Código de Processo Penal que a recorrente entendia ser inconstitucional - logicamente insusceptível de ser ultrapassado pela resposta a um despacho de aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Assim sendo, e pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantém inteira validade e em nada é infirmada pela presente reclamação, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que a recorrente pretendeu interpor.
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 23 de Setembro de 2003
Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida