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Proc. n.º 96/01
2.ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, dizendo-se inconformados com o acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 25 de Janeiro de 2001, que julgou procedente o recurso jurisdicional interposto pelo ora recorrido A., identificado nos autos, e revogou a sentença de 1ª instância, dele recorrem para este Tribunal Constitucional, pretendendo que este aprecie a constitucionalidade das normas do Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho.
2. O recorrido interpôs recurso contencioso de anulação do despacho da Direcção de Serviços da Caixa Geral de Aposentações, de 6 de Janeiro de 1998, que, sob o fundamento de o mesmo haver dado entrada na Caixa fora do prazo estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho, lhe indeferiu o pedido da concessão de pensão de aposentação formulado ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, alterado sucessivamente pelos Decretos-Leis n.os 23/80, de 29 de Fevereiro, 118/81, de 18 de Maio e 363/86, de
30 de Outubro.
Como causa de pedir o recorrente alegou, em síntese, que o acto administrativo enfermava de violação de lei, dado que o referido Decreto-Lei n.º
210/90, ao estabelecer um limite temporal para o exercício do direito à atribuição da pensão de aposentação, fez discriminação em razão do território de origem e da nacionalidade do pretendente da pensão de aposentação, padecendo de inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa (doravante designada apenas por CRP).
3. Por sentença de 20 de Setembro de 1999, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa negou provimento ao recurso contencioso. Em fundamentação desta decisão escreveu-se aí:
«1. Objecto do presente recurso é a resolução da entidade recorrida de 6/1/98 que indeferiu o pedido do recorrente de concessão da pensão de aposentação, com o fundamento que ele havia sido formulado fora do prazo estabelecido pelo D.L. n.º 210/90. Entende o recorrente que tal resolução enferma de vício de violação de lei por falta de base legal, dado que o D.L. n.º 210/90 ao estabelecer um limite temporal para o exercício do direito à atribuição de pensão de aposentação fez discriminação em razão da nacionalidade, padecendo da inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP.
[...] Como é jurisprudência uniforme, quer do STA, quer do T.C., o princípio da igualdade apenas impõe que se dê tratamento igual a situações substancialmente iguais, não proibindo a diferenciação de tratamento baseada na diversidade das situações reguladas; proíbe, sim, o arbítrio – ou seja, as diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável segundo critérios objectivos – e a discriminação – isto é, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas exemplificativamente no n.º 2 do art. 13º da CRP (cfr., v.g., Ac do STA de 29/4/93 in AD. 383º - 53, Ac do STA de
3/7/97 in AD 433º - 27, Ac do T.C. n.º 260/90, de 3/10, in BMJ 400º - 141 e Ac do T.C. n.º 450/91, de 3/12, in BMJ 412º -71). Com o D.L. nº 362/78 o legislador visou atribuir a qualidade de pensionista a ex-funcionários das províncias ultramarinas que haviam perdido a qualidade de nacionais (se assim não fosse poderiam ingressar no quadro geral de adidos e não se justificava este regime – cfr. art. 17º, n.º 1, al. a), do D.L. n.º 294/76, de 24/4) em consequência da independência dos respectivos territórios coloniais. Entendeu-se, pois, que seria justo que os servidores da Administração Pública dos ex-territórios ultramarinos que haviam perdido a nacionalidade portuguesa e que, consequentemente, estavam impedidos de ingressarem no quadro geral de adidos ou de beneficiar do regime geral da aposentação pudessem excepcionalmente requerer a sua aposentação pelo seu passado tempo de serviço. São essencialmente desiguais as situações em que se encontram os funcionários e agentes das ex-províncias ultramarinas que conservaram ou que perderam a nacionalidade portuguesa. Na verdade, enquanto que aos que mantiveram a nacionalidade portuguesa a lei assegurou a sua integração no quadro geral de adidos (cfr. D.L. n.º 33/75, de 22/1 e 294/76, de 24/4), aos que a perderam (por força do D.L. n.º 308-A/75,de 24/6, perdiam-na, em princípio, os indivíduos nascidos ou domiciliados em território ultramarino tornado independente) foi dada a possibilidade de obterem uma pensão de aposentação com regime especial e excepcional, de modo a reparar as situações de desprotecção social derivadas da descolonização, bastando para este efeito que contassem 5 anos de serviço e tivessem efectuado os respectivos descontos. E a entender que os funcionários e agentes que haviam conservado a nacionalidade portuguesa também podiam obter a pensão de aposentação prevista no D.L. n.º
362/78, não requerendo o ingresso no quadro geral de adidos, parece-nos evidente que o D.L. nº 210/90 não deu um tratamento desigual a situações essencialmente iguais, dado que a possibilidade de apresentação de novos requerimentos cessou em relação a eles nos mesmos termos em que cessou em relação aos que haviam perdido tal nacionalidade. Assim, não se pode afirmar que do D.L. n.º 210/90 tenha resultado a invocada discriminação em razão da nacionalidade, visto que ele é aplicável a todos os funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas que podiam requerer a pensão de aposentação ao abrigo do D.L. n.º 362/78, independentemente de terem conservado ou perdido a nacionalidade portuguesa. Quanto ao facto de os funcionários e agentes portugueses que não prestaram serviço nas ex-províncias ultramarinas não estarem sujeitos a um limite temporal para requererem as respectivas pensões de aposentação ao contrário do que passou a suceder com os que se encontravam na situação do recorrente, cremos que o estabelecimento desse limite temporal também nunca poderia violar o princípio da igualdade, por não se estar perante situações substancialmente iguais que exigissem um tratamento igual. Efectivamente, aqueles funcionários portugueses não foram abrangidos pelo regime excepcional estabelecido pelo D.L. n.º 362/78, estando sujeitos a condições mais exigentes quanto aos requisitos da idade e do tempo de serviço (cfr. art. 37º, do Estatuto da Aposentação) para que lhes seja concedida a pensão de aposentação. Portanto, porque do D.L. n.º 210/90 não resultou um regime discriminatório resultante de um tratamento desigual de situações substancialmente iguais, não se verifica a alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade. E, sendo assim, improcede o invocado vício de violação de lei».
4. Inconformado com o decidido em 1.ª instância, A. recorreu para o Tribunal Central Administrativo, tendo, aí, obtido ganho de causa, com o fundamento de que o disposto no Decreto-Lei n.º 210/90 violava os princípios contidos nos art.os 13º e 63º, n.º 1 da CRP e, consequentemente, o acto contenciosamente recorrido padecia de violação de lei.
Sobre o thema litis discreteou assim o acórdão recorrido:
«[...] O legislador elaborou o D.L. n.º 363/86, de 30/10, movido por razões de justiça e da igualdade, consagrando que a pensão de aposentação prevista no D.L. n.º
362/78 poderia ser requerida a todo o tempo não sendo possível concluir que se trata de uma “medida de carácter temporário” (cfr. o preâmbulo do D.L. n.º
210/90). Com efeito, o direito à aposentação consagrado pelo D.L. n.º 362/78, e legislação complementar, para os ex-funcionários da Administração Ultramarina, que nessa altura eram cidadãos nacionais, constitui um regime jurídico de natureza excepcional, que visou atribuir uma protecção social “a todos os que reunissem os requisitos legais para o efeito.” O art. 63º/4, da CRP, impõe que todo o tempo de trabalho releva para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, sendo igualmente certo que o princípio da igualdade referido no art. 13º da mesma constituição proíbe as “desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional” (cfr. ac. do TC, no douto parecer do Digno M.º P.º). Da aplicação do disposto no DL n.º 210/90, de 27/6, resulta que os funcionários ali referidos ficam sujeitos na apreciação dos seus pedidos de aposentação a um limite temporal. Se houverem solicitado a pensão de aposentação após 1/11/90, como foi o caso do ora recorrente, o seu pedido será indeferido por extemporaneidade. Esta situação não é compaginável com os supra citados preceitos constitucionais, na medida em que a motivação constante do preâmbulo desse D.L. não só não é juridicamente correcta na análise das razões da existência do regime excepcional de aposentação para aqueles ex-funcionários, como não contém qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional que justifique a introdução desse limite temporal no nosso ordenamento jurídico. Com efeito, passa a fazer tábua rasa do tempo de serviço prestado no Estado, que não relevará para efeitos de protecção social na velhice – se o pedido de aposentação não tiver sido formulado “atempadamente” e discriminar os mesmos ex-funcionários, todos eles com direito à aaposentação, consoante o momento temporal em que foi formulado o pedido de aposentação à CGA. Violando, neste último aspecto, o princípio da igualdade “enquanto estabelece uma discriminação inaceitável e sem fundamentação fáctica suficientemente demonstrada, entre os funcionários com direito à aposentação (...) que a requereram antes de 1/11/90 e os funcionários com esse direito mas que a requereram depois dessa data” (cfr. parecer do Digno MºPº). Em suma, o disposto no D.L. n.º 210/90 é violador dos princípios contidos nos art.os 13º e 63º/1 e 4 da CRP, pelo que inquinaria o acto recorrido do vício de violação de lei, não podendo a douta sentença recorrida manter-se na nossa ordem jurídica».
5. É deste acórdão que os referidos recorrentes interpuseram recurso ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (doravante LTC) e na al. a) do n.º 1 do art.º
280º da CRP, agindo o Ministério Público ao abrigo do disposto no n.º 3 de ambos estes artigos.
6. Nas suas alegações, ambos os recorrentes refutam o juízo de inconstitucionalidade tirado pelo tribunal a quo.
Sintetizando os fundamentos da sua discordância, concluiu assim o Ministério Público:
«1º Não viola o princípio da igualdade nem o direito à segurança social o estabelecimento, pelo direito infraconstitucional, de um prazo de caducidade para o exercício, por cidadãos de nacionalidade estrangeira, do direito à obtenção da pensão de aposentação, decorrente do exercício de funções na antiga administração ultramarina.
2° Na verdade, revelando-se o prazo concedido para o exercício de tal direito como inteiramente proporcionado e adequado ao seu efectivo exercício, constitui o seu estabelecimento mero condicionamento ao direito fundamental em causa, não se configurando a previsão do aludido prazo de caducidade como solução discriminatória, arbitrária ou lesiva do princípio da igualdade.
3° O enorme lapso temporal decorrido entre o momento em que a lei criou o dito prazo de caducidade - relativamente a um direito que originariamente podia ser exercitado sem dependência de prazo - e aquele em que recorrente efectivamente tratou de o exercer, afasta, em absoluto, qualquer possível lesão de expectativas, atingidas de forma excessivamente onerosa com a previsão da dita limitação temporal.
4° Termos em que deverá proceder o presente recurso».
Por seu lado, a recorrente Caixa Geral de Aposentações formulou as seguintes conclusões:
«1ª. O Decreto-Lei n.º 210/90 só seria inconstitucional - por violar o direito à segurança social - se o prazo por si fixado para a apresentação do requerimento de aposentação fosse desadequado e desproporcionado, em termos de dificultar gravemente o exercício concreto do direito à pensão ou - por violar o princípio da igualdade - se estabelecesse distinções discriminatórias, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional, em suma, se constituísse medida arbitrária.
2ª. Considerando que o prazo - de cerca de 4 meses - fixado pelo Decreto-Lei n.º
210/90 se seguiu a um outro de mais de 10 anos, resultante de sucessivas prorrogações do prazo inicial (de duração inferior ao daquele diploma), conclui-se que não era desadequado, nem desproporcionado, pelo que não violou o direito - social - à segurança social cujo exercício condicionou, mas não restringiu.
3ª. A disciplina que o legislador reservou para os destinatários dos Decretos-Leis n.ºs 362/78, 23/80, 118/81 e 210/90 - diferente da prevista no Estatuto da Aposentação para os subscritores da CGA, quer quanto ao prazo para requerer a aposentação, quer quanto aos requisitos cujo preenchimento é exigível aos interessados para o acesso à mesma [na concepção que vem obtendo acolhimento na jurisprudência: tempo de serviço mínimo - inicialmente de 15 anos, depois de
5 anos - com descontos para aposentação, sem dependência de se acumular tal requisito com incapacidade absoluta reconhecida por junta médica ou com limite de idade para o exercício de funções (70 anos)] - está em consonância com a especificidade da situação daqueles (os quais não se encontravam já vinculados à função pública, não estando sujeitos aos direitos e obrigações do estatuto de funcionário público, além de que não colheriam qualquer benefício com a não dedução imediata do pedido de pensão).
4ª. Acresce que, sendo o direito de requerer uma pensão ao abrigo do regime excepcional do Decreto-Lei n.º 362/78 - de natureza eminentemente assistencial - essencialmente distinto do direito à aposentação de um funcionário público - de carácter estatutário -, não faz qualquer sentido chamar à colação a ideia de igualdade.
5ª. Não faz, igualmente, qualquer sentido considerar que o referido princípio da igualdade é violado por, alegadamente, o Decreto-Lei n.º 210/90 estabelecer uma discriminação inaceitável e sem fundamentação fáctica suficientemente demonstrada entre os funcionários com direito à aposentação, porque a requereram antes de 1 de Novembro de 1990, e os funcionários sem esse direito, porque a requereram depois dessa data.
6ª. Na verdade, uns (os «privilegiados») e outros (os «discriminados») - que são, afinal, os mesmos, na perspectiva, neutra, da legislação que nos ocupa – puderam requerer, em condições de perfeita igualdade, também temporal, uma pensão ao abrigo do Decreto-Lei n.º 362/78. Se alguns optaram por não exercer tempestivamente o direito que lhes era concedido, apenas de si se podem queixar. Assim, pelos fundamentos aduzidos, deverá declarar-se que o Decreto-Lei n.º
210/90, de 27 de Junho, não é inconstitucional. Assim, deve proceder o presente recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida quanto ao julgamento da questão da constitucionalidade».
7. O ora recorrido A., ao contrário, defendeu o juízo de inconstitucionalidade formado pelo tribunal a quo e o não provimento do recurso com base nos fundamentos expressos no acórdão recorrido, aduzindo ainda que «a nova regulação jurídica introduzida pelo Decreto-Lei n.º 210/90 atinge os efeitos jurídicos “gerados” no passado, relativamente aos quais os cidadãos ex-funcionários públicos têm a legítima expectativa (de acordo com o princípio
“pacta sunt servanda” aqui também aplicável) de não serem com arbitrariedade perturbados legislativamente» e que «esta forma de retroactividade doutrinariamente denominada “inautêntica” na senda das novas tendências da jurisprudência constitucional alemã (que distingue aqui a Rechtsfogenbelzogenheit da Rückwirkungsverbot) – in “Direito Constitucional” de J. J. Gomes Canotilho, Almedina, ed. 1991, págs. 382) verifica-se sempre que um diploma legal pretende vigorar para o futuro (eficácia “ex nunc”), mas acaba por
“tocar em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidos no passado mas ainda existentes (retroactividade referente a efeitos jurídicos”)», ofendendo, assim, o princípio do Estado de direito densificado nos princípios da segurança e da confiança jurídica.
Com os vistos dos senhores juizes cumpre decidir.
B – A fundamentação
8. A questão decidenda
Muito embora os recorrentes aleguem, no seu requerimento de interposição de recurso, pretender a apreciação da constitucionalidade das normas constantes Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho, sem efectuar qualquer distinção das mesmas, o certo é que o objecto do recurso não as abrange a todas. Na verdade, apenas constituiu ratio decidendi do acórdão recorrido a norma que se extrai da conjugação dos seus artigos com o disposto no artigo único do Decreto-Lei n.º 363/86, de 30 de Outubro, no sentido de ficar revogado o disposto neste último diploma quanto à não sujeição a qualquer prazo do requerimento para se pedir a pensão de aposentação nos termos do Decreto-Lei n.º 362/78, e de essa revogação entrar em vigor em 1 de Novembro de 1990, com o que se definiu um marco temporal para o exercício do direito à atribuição da dita pensão. Assim sendo, a questão de constitucionalidade decidenda traduz-se em saber se a norma que estabeleceu limites temporais para o exercício do direito à obtenção de pensão de aposentação nos termos do Decreto-Lei n.º
372/78, de 28 de Novembro, revogando anterior norma que não sujeitava esse pedido a qualquer prazo, ofende o princípio da igualdade consagrado no art.º
13º, o direito à segurança social reconhecido no art.º 63º, n.º 1 e o princípio da tutela da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito assumido pelo art.º 2º, todos os preceitos da CRP.
9. Entendendo que “ o Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, veio instituir a atribuição de pensões de aposentação aos antigos funcionários e agentes da ex-administração pública ultramarina que não ingressaram no quadro geral de adidos”; que “constitui uma medida de carácter temporário e excepcional, destinada a acudir a situações de carência decorrentes da descolonização”; que a “utilização desta medida, inicialmente fixada em seis meses, foi objecto de várias prorrogações, a última das quais, por tempo indeterminado, pelo Decreto-Lei n.º 363/86, de 30 de Outubro” e que “assim, durante mais de 10 anos os referidos funcionários e agentes tiveram oportunidade de requerer a aposentação, podendo concluir-se que todos os destinatários daquele diploma tenham já disposto da oportunidade de beneficiar daquela medida de protecção social” – palavras do seu exórdio - o referido Decreto-Lei n.º
210/90 dispõe o seguinte:
“Artigo 1.º É revogado o Decreto-Lei n.º 363/86, de 30 de Outubro.
Art.º 2.º As pensões de aposentação previstas no Decreto-Lei n.º
362/78, de 28 de Novembro, requeridas até à data da entrada em vigor do presente diploma vencem-se a partir do mês seguinte ao da recepção do respectivo requerimento no serviço competente.
Art.º 3.º O presente diploma entra em vigor no dia 1 de Novembro de
1990”.
Ora, este Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, tendo em conta
“a impossibilidade de ingresso no quadro geral de adidos, por não reunirem para tal as condições legalmente exigidas, de agentes da antiga administração ultramarina, que, no entanto, reúnem as condições de facto para a aposentação” e
“que os agentes assalariados ou em regime similar, com mais de 70 anos, regressados dos antigos territórios ultramarinos, não podem ingressar no quadro geral de adidos”, instituiu, no seu art.º 1º, n.º 1, o direito de requerer a pensão de aposentação (cuja fixação e pagamento ficaram a cargo da Caixa Geral de Aposentações, de acordo com o art.º 3º do mesmo diploma), dispondo pelo seguinte modo:
“Artigo 1.º - 1- Os funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas poderão requerer a pensão de aposentação desde que contem quinze anos de serviço e hajam efectuado descontos para aquele efeito, ainda que não fossem já subscritores na data da independência do território em que estavam colocados”.
O direito de requerer a pensão de aposentação aqui prevista está configurado, deste modo, como uma medida excepcional, já que é facultada com base em diferentes e menos exigentes pressupostos, no que tange ao tempo de serviço e idade, dos previstos na lei geral (cfr. artigos 46º, 35º, 36º a 39º,
5º e 6º do Estatuto da Aposentação).
Note-se, de resto, que o diploma em causa não exclui a possibilidade de os ex-servidores da Administração ultramarina poderem obter a aposentação dentro dos requisitos estabelecidos na lei geral (Estatuto da Aposentação).
Como se assinalou no Acórdão deste Tribunal n.º 354/97, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1997, “em direitas contas, o que o legislador fez foi abrir aos servidores da Administração Pública dos ex-territórios portugueses do ultramar que reuniam as condições para a aposentação, mas que, por força das circunstâncias em que ocorreu o processo de descolonização, se viram privados do direito à respectiva pensão [...].E com isso, o que procurou foi colocá-los em situação idêntica à daqueles que, tendo exercido funções semelhantes às suas, a mudança histórica não privou desse direito”.
Na verdade, estavam nesta situação os servidores da ex-Administração ultramarina que pudessem ser integrados no Quadro Geral de Adidos, dado que sempre poderiam exercer o seu direito à aposentação, nos termos da lei geral.
Para o requerimento de atribuição da pensão o diploma estabeleceu, no seu art.º 6º, o prazo de 120 dias seguintes à sua entrada em vigor.
Este prazo veio, porém, a ser sucessivamente alterado e até abolido.
Assim, pelo Decreto-Lei n.º 23/80, de 29 de Fevereiro, as pensões de aposentação passaram a poder ser requeridas dentro dos cento e oitenta dias seguintes à sua entrada em vigor (art.º 2º).
Anote-se, ainda, aqui, - por tal evidenciar a excepcionalidade da aposentação prevista naquele diploma - que este Decreto-Lei, alterando o n.º 1 do art.º 1º daquele Decreto-Lei n.º 362/78, reduziu ainda mais, quando em confronto com a lei geral, os anos de serviço e de tempo de descontos necessários para a obter, descendo-o de quinze para cinco.
Pelo Decreto-Lei n.º 118/81, de 18 de Maio (art.º 2º), o requerimento de tais pensões passou a poder ser feito ainda até 30 de Setembro de 1981.
E pelo Decreto-Lei n.º 363/86, de 30 de Outubro (artigo único) a pensão de aposentação, nos termos daquele Decreto-Lei n.º 362/78, passou a poder ser requerida a todo o momento, devendo-se esta posição do legislador, segundo o preâmbulo do diploma, a que “por razões de justiça e equidade, as medidas de protecção social que o Governo decretou devem aproveitar a todos os que reúnem os requisitos legais para o efeito”.
Foi esta possibilidade de requerimento a todo o tempo da pensão de aposentação instituída pelo art.º 1º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 362/78 que o Decreto-Lei n.º 210/90, aqui sob sindicância constitucional, revogou, com efeitos a partir da sua entrada em vigor, designada para o dia 1 de Novembro de
1990.
10. A temática das pensões de aposentação relativas a cidadãos não nacionais, como é o caso, dado que o requerente da mesma é um cidadão angolano, já foi objecto de diversas decisões deste Tribunal.
Entre elas cabe notar, desde logo, o Acórdão n.º 72/02, publicado no Diário da República, I Série-A, de 14 de Março de 2002, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do art.º 82º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro (Estatuto da Aposentação), enquanto estatuidora da condição da cidadania portuguesa para a constituição ou manutenção da situação jurídica da aposentação, por violação do princípio constante do art.º 15º n.º 1 da Constituição, que estabelece o princípio da equiparação de direitos entre estrangeiros e apátridas que residam ou se encontrem em Portugal e os nacionais.
De referir são, ainda, os Acórdãos n.os 354/97 (já referido) e
392/97, publicado no Diário da República II Série, de 14 de Outubro de 1997, e Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, págs. 181, que se pronunciaram no sentido da conformidade à Lei fundamental, precisamente, do art.º 1º, n.º 1 do referido Decreto-Lei n.º 362/78 (na redacção constante do Decreto-Lei n.º
23/80), entendido no sentido de, para além dos requisitos aí previstos, não ser exigível a cidadania portuguesa para a obtenção da pensão de aposentação.
Mas a questão agora em análise não contende com a conformidade constitucional dos requisitos substantivos estabelecidos para a atribuição do direito à aposentação segundo o disposto no citado Decreto-Lei n.º 362/78.
Do que se trata agora é de saber se será legítimo ao legislador infraconstitucional estabelecer limites temporais, traduzidos na estatuição de um verdadeiro prazo de caducidade, ao exercício, por cidadãos actualmente de nacionalidade estrangeira, do direito à pensão de aposentação, configurada como decorrência do exercício de funções na antiga administração ultramarina e da realização de descontos para aquele efeito, depois de antes haver admitido a todo o tempo o exercício de tal direito.
11. Do parâmetro constitucional do princípio da igualdade.
Como se viu, o acórdão recorrido entendeu que a norma em causa cuja constitucionalidade se sindica violava o princípio da igualdade na medida em que
«passa a fazer tábua rasa do tempo de serviço prestado ao Estado, que não relevará para efeitos de protecção social na velhice – se o pedido de aposentação não tiver sido formulado ‘atempadamente’ - e discriminar os mesmos funcionários, todos eles com direito a aposentação, consoante o momento temporal em que foi formulado o pedido de aposentação à CGA», «violando, neste último aspecto, o princípio da igualdade ‘enquanto estabelece uma discriminação inaceitável e sem fundamentação fáctica suficientemente demonstrada, entre os funcionários com direito à aposentação (...) que a requereram antes de 1/11/90 e os funcionários com esse direito mas que a requereram depois dessa data’».
Mas esta conclusão não merece o acolhimento deste Tribunal Constitucional.
O princípio da igualdade tem sido objecto de um vasto tratamento doutrinário e jurisprudencial, mormente deste Tribunal. Ora, uma característica de tal princípio que foi sempre acentuada foi a de que ele não opera diacronicamente, possibilitando a utilização como elemento de comparação ou tertium comparationis do antes e do depois.
Atendo-nos ao mais recente dos arestos deste Tribunal que, com pormenor e extensão, - até recenseadores - o abordou, é de referir o que sobre ele se disse no Acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República I Série-A, de 17 de Junho.
Escreveu-se, então, aí, o seguinte:
«Não é necessário recordar em todas as suas dimensões a abundante jurisprudência constitucional nesta matéria (uma resenha dessa jurisprudência pode encontrar-se in Martim de Albuquerque, Da igualdade. Introdução à jurisprudência, Coimbra,
1993, pp. 167ss).
O Acórdão n.º 319/00 (in AcTC, 47º vol., pp. 497ss), apoiando-se no Acórdão n.º
563/96 (in AcTC, 33º vol., pp. 47ss), procedeu a uma síntese da jurisprudência constitucional relativa ao princípio da igualdade. Assim:
“[O] Tribunal Constitucional teve já a oportunidade de se pronunciar diversas vezes sobre as exigências do princípio constitucional da igualdade que, no fundo, se reconduz à proibição do arbítrio, proibição essa que, naturalmente, não anula a liberdade de conformação do legislador onde ele a não infrinja. Assim por exemplo no acórdão n.º 563/96 [...] publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º, pág. 47 e segs., foram assim descritas:
‘1.1.- O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido pelo artigo 13.º da Constituição da República que no seu n.º 1 dispõe, genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o n.º 2, por sua vez, que ‘ninguém pode ser privilegiado beneficiado prejudicado privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas instrução situação económica ou condição social’.
Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional global (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125), o princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. ob. cit. pág.
129), o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da ‘atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa administrativa ou jurisdicional
(artigo 18º n.º 1 da Constituição)”(cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 186/90, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de
1990).
Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr. entre tantos outros e além do já citado Acórdão n.º 186/90 os Acórdãos n.os 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.
1.2.- O princípio não impede que tendo em conta a liberdade de conformação do legislador se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento
‘razoável racional e objectivamente fundadas’, sob pena de, assim não sucedendo,
‘estar o legislador a incorrer em arbítrio por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes’, no ponderar do citado Acórdão n.º 335/94. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J.C. Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).
Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio negativo de controlo” ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira ob. cit. pág. 127 e, por exemplo, os Acórdãos n.os 157/88, publicado no Diário da República I Série, de 26 de Julho de 1988, e os já citados n.os 330/93 e 335/94 - sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial (tertium comparationis). A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminando o arbítrio (cfr. a este propósito Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327; Alves Correia O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989 pág. 425 e o Acórdão n.º 330/93).
Ora, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual de direito igual (cfr. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, pág. 381 e Alves Correia, ob. cit., pág. 402), o que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da ‘diferença’, de modo a que recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação.
O n.º 2 do artigo 13.º da Constituição da República enumera uma série de factores que não justificam tratamento discriminatório e assim actuam como que presuntivamente - presunção de diferenciação normativa envolvendo violação do princípio da igualdade -, mas que são enunciados a título meramente exemplicativo: cfr., v.g., os Acórdãos n.os 203/86 e 191/88, publicados no Diário da República II Série, de 26 de Agosto de 1986 e I Série, de 6 de Outubro de 1988, respectivamente, na esteira do parecer n.º 1/86 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 1.º, pág. 5 e segs., maxime a pág. 11. A intenção discriminatória (...) não opera, porém, automaticamente, tornando-se necessário integrar a aferição jurídico-constitucional da diferença nos parâmetros finalístico, de razoabilidade e de adequação pressupostos pelo princípio da igualdade’».
Ora, tendo em conta a exposta compreensão do princípio da igualdade, não pode evidentemente ter-se como discriminatória, abusiva ou desprovida de fundamento material bastante a diferença de tratamento jurídico dispensada a quem exerce o direito de fazer valer as suas pretensões jurídicas perante a Administração, dentro do prazo pré-estabelecido normativamente, e quem o faz para além desse prazo. Na verdade, estando os sujeitos colocados na mesma posição jurídica quanto à sujeição ao prazo, e impondo-se este, em regra, por razões de certeza e segurança jurídicas a todos os sujeitos (aqui relacionadas com a assumpção de obrigações de pagamento pecuniário), existe razão material para justificar a diferença de tratamento, no que respeita à atendibilidade da sua pretensão formulada perante a administração, por parte daquele que o faz fora do prazo relativamente ao outro que o deduz dentro dele. Sendo os mesmos, para todos os interessados, os requisitos do direito à aposentação possibilitada pelo referido Decreto-Lei, neles se incluindo o elemento normativamente predeterminado do prazo, é evidente que é substancialmente diferente a situação daquele que o exerce dentro dos limites temporais e a daquele que o faz fora deles. Consequentemente, diferentes devem ser os efeitos jurídicos quanto à possibilidade de fazer valer os respectivos direitos perante o competente órgão administrativo. Do mesmo passo, se têm de haver como materialmente diferentes as situações dos interessados que exerçam o seu direito à aposentação a coberto do Decreto-Lei n.º 362/78 relativamente às dos outros que se aposentem nos termos da lei geral. São regimes jurídicos substancialmente diferentes. Enquanto o primeiro corresponde a um direito que o legislador criou para “atender às especiais condições de facto [que se deixaram referidas] com a submissão a diferentes requisitos de acesso e com uma regra de caducidade própria de um regime peculiar”, sendo por isso um regime excepcional, o segundo consubstancia o regime geral. Aliás, não está excluído que o interessado que não exerça o seu direito nas condições especiais estabelecidas em tal diploma possa vir a exercê-lo nos termos do Estatuto da Aposentação, desde que satisfaça as condições aqui estabelecidas para todos os servidores (ou ex-servidores) sujeitos ao regime geral.
Mas a violação do princípio da igualdade foi ainda equacionada nos autos numa outra perspectiva - a de proibição de discriminação em razão do território de origem e da nacionalidade (art.º 13º, n.º 2 da CRP), tendo a sentença da 1ª instância concluído, relativamente a tal matéria, depois de considerar ter o legislador do D.L. n.º 362/78 visado “atribuir a qualidade de pensionista a ex-funcionários das províncias ultramarinas que haviam perdido a qualidade de nacionais”, “serem [são] essencialmente diferentes as situações em que se encontram os funcionários e agentes das ex-províncias ultramarinas que conservaram ou que perderam a nacionalidade portuguesa”, porquanto àqueles que a conservaram a lei havia assegurado a sua integração no quadro geral de adidos [e por essa via o acesso ao regime geral], não sendo essa situação obviamente possível em relação aos funcionários que a haviam perdido.
Não tem este Tribunal que questionar a correcção da interpretação do direito ordinário que foi feita pela sentença de 1ª instância. E admitida ela nos termos que se deixaram referidos, terá de concluir-se, tal como ela o fez, serem as situações jurídicas substancialmente diferentes e, consequentemente, diferente, também, poderia ser o seu tratamento.
Mas a mesma conclusão haverá de tirar quem interprete - como parece ser o melhor sentido - o preceito do art.º 1º do referido D.L. n.º 362/78 na acepção de abranger todos os ex-funcionários e agentes da administração das ex-províncias ultramarinas, que não pudessem requerer a sua integração no quadro geral de adidos, e de, por essa via, obter o acesso ao regime geral de aposentação. Na verdade, no preceito não se efectua qualquer destrinça entre cidadãos nacionais e não nacionais, exigindo-se apenas, como pressupostos específicos do regime excepcional instituído no diploma, que as pessoas fossem
“funcionários e agentes da administração das ex-províncias ultramarinas”,
“contarem quinze anos [depois, cinco, como já se disse] de serviço e houvessem efectuado descontos para aquele efeito, ainda que não fossem já subscritores na data da independência do território em que estavam colocados”. De resto, mesmo em relação aos cidadãos nacionais, não deixava de se poder verificar a hipótese da não integração no quadro geral de adidos: bastava que o funcionário a não requeresse.
Entendida assim a norma, nem sequer será possível descortinar, dentro do regime excepcional de aposentação instituído, qualquer diferença de tratamento entre as pessoas em razão do território e da nacionalidade que possa ser subsumível às referidas categorias subjectivas constantes do n.º 2 do art.º
13º da CRP.
12. Do parâmetro constitucional do direito à segurança social.
Considerou, ainda, o acórdão recorrido que a norma em causa ofendia o disposto nos n.os 1 e 4 do art.º 63º da CRP, na medida em que deles resulta que todos têm direito à segurança social e que todo o tempo contribui para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez e o Decreto-Lei n.º 210/90 “passa a fazer tábua rasa do tempo de serviço prestado ao Estado”.
Decorre do art.º 63º, n.º 1 da CRP que o direito à segurança social se configura como um direito fundamental universal de natureza social. Todos têm direito a ele e, consequentemente, tendo em conta o disposto no n.º 4 do mesmo artigo, o direito a verem supridas “todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho” (princípio da protecção integral do sistema de segurança social). Entre as prestações, cujo fornecimento o Estado deve assegurar em satisfação de tal direito, contam-se, seguramente, face ao disposto nos n.os 4 e 5 daquele art.º 63º da CRP, na redacção ao tempo do Decreto-Lei n.º 210/90, as pensões de velhice e de invalidez - em cujo tipo se inclui a pensão de aposentação aqui em causa instituída pelo referido Decreto-Lei n.º 362/78, bem como a constante do regime geral - estabelecendo-se neste n.º 5, introduzido na revisão constitucional de 1989 (sempre, em momento anterior ao da publicação da norma cuja constitucionalidade se questiona), que
“todo o tempo contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”. Ao prescrever por este modo, o que o legislador constitucional quis afirmar foi o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e de invalidez, dentro da duração exigida na lei para o acesso e o cômputo da respectiva pensão, somando-se os tempos de trabalho e respectivos descontos prestados em diversas actividades e, porventura, diversos organismos da segurança social. De resto, a probabilidade da ocorrência de uma situação deste último tipo configurava-se como bastante frequente no período anterior à Constituição de 1976, por razões relacionadas com a circunstância de a segurança social ser levada a cabo por diferentes caixas de previdência e de os trabalhadores por conta de outrem poderem mudar do ramo de actividade abrangido por cada uma delas. Ainda hoje tal situação poderá ocorrer quando o trabalho seja prestado, em momentos distintos, na actividade privada e na função pública.
Não obstante se estar em presença de um direito fundamental social, em sentido estrito, “isto é direito[s] cujo conteúdo principal típico consiste em prestações estaduais sujeitas a conformação político-legislativa” (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, 2.ª edição, 2001, págs. 371), o certo é que, como adverte este Autor, “apesar de estarem sujeitos a um regime constitucional diferente, mormente quanto à determinação do seu conteúdo (cfr. op. cit., págs. 377 e segs.), eles não constituem uma categoria de natureza naturalmente distinta dos direitos, liberdades e garantias”. Sem necessidade de se ter de tomar posição quanto à questão de saber se a esse direito à segurança social não deverá ser reconhecido um conteúdo mínimo à face da Constituição, “pela sua referência imediata à ideia da dignidade da pessoa humana”, não pode deixar de olhar-se para o direito à pensão de aposentação, seja nos termos previstos na lei geral (Estatuto da Aposentação), seja nos termos excepcionais, como são os que estão definidos no referido Decreto-Lei n.º
362/78, como correspondendo a uma realização das imposições constitucionais estabelecidas no âmbito de tal direito social, até em termos de concretização da
“própria estrutura fornecedora das prestações que o Estado deve criar” apontada pela Lei Fundamental. Nesta perspectiva, estamos perante “direitos subjectivos [tornados] certos” por via do poder de conformação conferido ao legislador democrático para estabelecer autonomamente a forma, a medida e o grau em que entendeu concretizar as imposições constitucionais respectivas (aqui com inclusão de uma certa estrutura da prestação já definida pela Lei Fundamental) e não perante direitos cujo conteúdo esteja determinado no seu essencial pela Constituição, como acontece com o regime típico dos direitos, liberdades e garantias. Mas, não obstante essa sua natureza, não se segue daí que o regime do direito à segurança social esteja à mercê do legislador infraconstitucional, visto “não ser total” a sua liberdade de conformação, sendo que, no caso do direito à aposentação, essa liberdade se acha mais constrangida, dada a injunção decorrente do art.º 63º, n.os 4 e 5 da CRP quanto à estrutura das prestações (a necessária para acudir às referidas situações de carência) e até quanto ao procedimento da sua determinação (cômputo do tempo de trabalho).
“Por isso, como escreve José Carlos Vieira de Andrade (op. cit., págs. 386), os preceitos constitucionais relativos aos direitos sociais também servem de padrão positivo de controle da constitucionalidade das leis”, sendo “uma das hipóteses
[de violação] de mais fácil verificação a da inconstitucionalidade resultante da violação do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio”, a qual poderá acontecer “quando uma lei organize ou regule prestações em cumprimento das imposições constitucionais ligadas ou decorrentes da consagração de direitos sociais e, ao fazê-lo, restrinja injustificadamente o âmbito dos beneficiários, em manifesta contradição com os objectivos da norma constitucional, por força do hábito ou de uma intenção discriminatória”. Acontece, todavia, que nem o regime especial da aposentação que aqui está em causa, nem o regime geral estabelecido no Estatuto da Aposentação, deixam de obedecer àquela regra de relevância de todo o tempo de serviço e de realização de descontos. Dentro de cada um dos regimes de aposentação, todo o tempo de serviço é tomado em conta, para o cálculo da pensão. A necessidade de tempos mínimos de serviço e de realização de descontos, constante do art.º 1º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 362/78, na sua redacção originária e na resultante do referido Decreto-Lei n.º 23/80, apenas está assumida como pressuposto para que possa ser requerida a pensão no regime especial aí previsto, não se excluindo que a pensão deva ser calculada em função do tempo de serviço e descontos efectivamente prestados.
Por outro lado, também no regime geral, a pensão é sempre calculada em função do tempo de serviço e descontos realizados, como decorre do disposto nos art.os 46º, 35º, 36º a 39º, 5º e 6º do Estatuto da Aposentação.
Não se vê aqui qualquer violação dessa injunção constitucional.
E do mesmo passo não se vê qualquer violação do direito à segurança social quando olhada a norma cuja constitucionalidade se questiona na sua dimensão de instituição de um prazo de caducidade. Em primeiro lugar, porque o legislador não alterou, em quer que fosse, o conteúdo de tal direito, continuando o mesmo a ter as faculdades que antes detinha. O que o legislador fez foi apenas, retomando o princípio-regra anteriormente seguido, sujeitar a um prazo de caducidade o exercício do direito que apenas pelo diploma anteriormente emitido poderia ser exercido a todo o tempo.
Mas sendo assim, e admitida a “liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade, ainda que limitadas, que constitutem características típicas da função legislativa” (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, op. cit., págs. 392), então a questão redundará em saber se essa liberdade de conformação relativa ao prazo não afectará o princípio da protecção da confiança dos cidadãos na manutenção do regime jurídico até então em vigor, que encontra consagração no princípio do Estado de direito afirmado no art.º 2º da CRP.
Ora, independentemente do que abaixo se dirá a propósito da análise desse parâmetro de constitucionalidade especificamente convocado pelo ora recorrido, o que aqui cumpre acentuar é que é necessário que o prazo instituído não seja desadequado ou desproporcionado ao exercício do direito, porquanto uma situação deste género derivaria numa intolerável arbitrariedade legislativa. Na verdade, prazos curtos que funcionalmente dificultem gravemente o exercício do direito, - dimensão essa que terá de ser sempre equacionada em função da natureza do direito fundamental em causa e do modo da sua prática realização – não podem deixar, pelo seu reflexo, de constituir uma limitação desproporcionada ao exercício do direito. No caso da legislação em apreço não poderá sustentar-se estarmos perante uma hipótese de prazo desporporcionadamente curto para o exercício do direito. Aliás, no caso sub judicio, importa considerar o prazo em que o recorrente pretendu exercer o direito, dado que apenas a consideração deste, sob o ponto de vista constitucional, poderia ter reflexos úteis sobre a admissibilidade da pretensão do recorrente. Ora, nesta perspectiva não pode deixar de constatar-se que o aqui recorrido não só dispôs de cerca de 6 anos úteis para requerer o benefício, computados os diversos prazos concedidos durante os cerca de 12 anos decorridos desde a criação do regime, como apenas exerceu o direito mais sete anos após a entrada em vigor da norma impugnada. Considerado um tal enquadramento, não pode afirmar-se que foi o prazo com a duração que foi fixada que obstou ao exercício do direito. Assim sendo, não poderá concluir-se pela inconformidade ao parâmetro constitucional do art.º 63º, n.os 1, 4 e 5 da norma aqui questionada.
13. Do princípio da tutela da confiança
Mas, como acima se deixou relatado, o recorrido questiona a constitucionalidade do estabelecimento do referido prazo para se requerer a pensão de aposentação com base na violação do princípio da tutela da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no art.º 2º da CRP, alegando que «a nova regulação jurídica introduzida pelo Decreto-Lei n.º 210/90 atinge os efeitos jurídicos
‘gerados’ no passado, relativamente aos quais os cidadãos ex-funcionários públicos têm a legítima expectativa (de acordo com o princípio “pacta sunt servanda” aqui também aplicável) de não serem com arbitrariedade perturbados legislativamente» e que «esta forma de retroactividade doutrinariamente denominada “inautêntica” na senda das novas tendências da jurisprudência constitucional alemã verifica-se sempre que um diploma legal pretende vigorar para o futuro (eficácia “ex nunc”), mas acaba por “tocar em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidos no passado mas ainda existentes
(retroactividade referente a efeitos jurídicos)». São abundantes os casos em que este Tribunal tem analisado a questão da
(in)conformidade constitucional de alterações feitas ao regime jurídico que atingem situações de facto do passado, de leis que atingem situações
(duradouras) constituídas antes da entrada em vigor da nova lei, não obstante esta dispor apenas para o futuro (cfr., entre muitos, e sobre matéria não penal, os Acórdãos n.os 287/90 e 232/91, publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, vols.17º, págs. 159 e segs. e 19º, págs. 341 e segs.; 299/95 e 499/99, publicados no Diário da República II Série , respectivamente, de 22 de Julho de 1995 e 12 de Fevereiro de 2000). Tendo por pano de fundo a apreciação da constitucionalidade das normas do n.º 2 do art.º 65º do Regime de Arrendamento Urbano e do n.º 3 do artigo 3º do respectivo diploma preambular, enquanto determinando que o disposto naquele preceito, quanto à contagem do prazo de caducidade, não se aplicava às acções que se encontrassem pendentes em juízo à data da entrada em vigor da Lei n.º
24/89, de 1 de Agosto, escreveu-se no Acórdão n.º 486/97, publicado no Diário da República II Série, de 17 de Outubro de 1997, relativamente a essa temática:
«A norma aplica-se, assim, às relações jurídicas de locação 'já constituídas' que subsistiam 'à data da sua entrada em vigor', em conformidade com o que se prescreve na parte final do n.º 2 do artigo 12º do Código Civil. Trata-se, por conseguinte, de uma norma retrospectiva - ou, se se preferir, de um caso de retroactividade inautêntica. Uma norma retrospectiva é uma norma que prevê consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantêm nessa data (cf. o Acórdão n.º 232/91, publicado nos Acórdãos citados, volume
19º, páginas 341 e seguintes). Uma lei retrospectiva não levanta o problema da retroactividade da lei. Coloca, porém, como se anotou - e semelhantemente ao que acontece com as leis retroactivas que não sejam leis penais, nem leis restritivas de direitos liberdades e garantias - a questão da eventual violação do princípio da confiança, que vai ínsito no princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2º da Constituição. Mas essa violação só se verifica, se a lei atingir 'de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm que respeitar' (cf. Acórdão n.º 365/91, publicado nos Acórdãos citados, volume 19º, páginas 143 e seguintes), ou seja, 'a ideia de segurança, de certeza e de previsibilidade da ordem jurídica' (cf. citado Acórdão n.º 232/91). E tal sucede, quando os destinatários da norma sejam titulares de direitos ou de expectativas legitimamente fundadas que a lei afecte de forma 'inadmissível, onerosa ou demasiadamente onerosa'. Nos dizeres do citado Acórdão nº 232/91 [relativo ao caso da actualização das pensões por acidentes de trabalho determinada pelo art.º 3º do Decreto-Lei n.º
668/75, de 24 de Novembro], 'uma norma retrospectiva só deve ser havida por constitucionalmente ilegítima quando a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada. Num tal caso, com efeito, a confiança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer sobre a medida legislativa que veio agravar a situação do cidadão. E isso porque, tendo tal confiança, nesse caso, maior 'peso' ou 'relevo' constitucional do que o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o conflito se resolva daquela maneira.’». Por seu lado, escreveu-se no Acórdão n.º 156/95 (Diário da República 2ª série de
21/06/1995), sobre a existência e a conteúdo jurígeno deste princípio da tutela da confiança na nossa Constituição:
«Tem este tribunal, aliás, na esteira de uma jurisprudência já perfilhada pela Comissão Constitucional, defendido que o princípio do Estado de direito democrático (proclamado no preâmbulo da Constituição e após a revisão constitucional de 1982 consagrado no seu artigo 2.º) postula ‘uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas’, razão pela qual ‘a normação que por sua natureza obvie, de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica’
(cf. o Acórdão n.º 303/90 publicado no Diário da República 1ª série de 26 de Dezembro de 1990)».
E alinhando pelo mesmo pensamento disse-se no Acórdão n.º 222/98 de 04/03/1998
(publicado no Diário da República 2ª série de 25 de Julho de 1998) mais o seguinte:
«Sequentemente... o princípio do Estado de direito democrático há-de conduzir a que ‘os cidadãos tenham, fundadamente, a expectativa na manutenção de situações de facto já alcançadas como consequência do direito em vigor’. Todavia, isso não leva a que seja vedada por tal princípio a estatuição jurídica que tenha implicações quanto ao conteúdo de anteriores relações ou situações criadas pela lei antiga, ou a que tal estatuição não possa dispor com um verdadeiro sentido retroactivo. Seguir entendimento contrário representaria, ao fim e ao resto, coarctar a «liberdade constitutiva e a autorevisibilidade do legislador características que são típicas ainda que limitadas» da função legislativa (cf. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa, p. 309). Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a protecção de expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador também ele democraticamente legitimidado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam ‘tocadas’ relações ou situações que até então eram regidas de outra sorte. Um tal equilíbrio, como o Tribunal tem assinalado, será postergado nos casos em que, ocorrendo mudança de regulação pela lei nova, esta vai implicar nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações. Nesses casos impor-se-á que actue o subprincípio da protecção da confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de direito democrático, por forma que a nova lei não vá, de forma acentuadamente arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança que todos têm de respeitar».
Ora, perante uma tal dimensão significante do princípio da tutela da confiança, entende este Tribunal não merecer a sua protecção a definida estatuição de prazo para o exercício do tipo de direito social em causa, quando, como é o caso, a avaliação da gravosidade da frustração das expectativas na manutenção das posições conseguidas ao abrigo das leis anteriores deve ser efectuada perante o decurso de um prazo de mais 7 anos, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 210/90 até à data da formulação do pedido de atribuição da pensão.
Na verdade, naquele balanceamento, não pode esquecer-se a natureza do direito à aposentação previsto inicialmente no Decreto-Lei n.º 362/78 e posteriormente alterado pelos outros identificados diplomas legais. Assim, cabe notar que este direito à aposentação foi sempre entendido pelo legislador como uma medida excepcional, relativamente ao regime geral estabelecido para a passagem à situação de aposentado em que são seus pressupostos a qualidade de subscritor da Caixa Geral de Aposentações decorrente do facto de serem
“funcionários e agentes que, vinculados a qualquer título, exerçam funções, com subordinação a direcção e disciplina dos respectivos órgãos, na Administração Central, Regional e Local, incluindo federações ou associações de municípios e serviços municipalizados, institutos públicos e outras pessoas de direito público e recebam ordenado, salário ou outra remuneração susceptível, pela sua natureza, de pagamento de quota”, a prestação de um determinado número de anos de serviço e o pagamento das respectivas quotas (cfr. art.os 1º, n.º 1, 46º, 35º a 39º, 5º e 6º do Estatuto da Aposentação). Na óptica do legislador, tratou-se de instituir um instrumento excepcional para “acudir a situações de carência decorrentes da descolonização”, de modo a certo leque de ex-funcionários e agentes da administração ex-ultramarina “não ficarem privados de protecção social”, como já acima se acentuou. Uma tal excepcionalidade em relação ao regime geral decorre, desde logo, do facto do tempo de prestação de trabalho e de descontos ser muito inferior ao previsto na lei geral da aposentação e de ter sido previsto para situações em que os funcionários não podiam ingressar no quadro geral de adidos e por essa via a beneficiar do regime geral.
Por outro lado, não pode obnubilar-se que o direito à atribuição da pensão de aposentação, com excepção do que aconteceu com o Decreto-Lei n.º
363/86 que tornou a sua dedução possível a todo o tempo, só foi concedido, em todos os demais diplomas que se deixaram identificados, durante prazos certos, respectivamente, por ordem cronológica, de 120 dias, de 18/05/81 até 30/09/1981, de 180 dias e de 27/06/90 a 1/11/1990.
Deste modo, a característica que um tal direito assumiu, desde o início da sua conformação legislativa e sobre a qual os seus beneficiários poderiam construir as suas expectativas de manutenção de regime, foi, precisamente, sempre, o de um direito temporário ou precário.
Só com o Decreto-Lei n.º 363/86 se poderá sustentar a pertinência de uma outra diferente visão das coisas, ao facultar-se o exercício do direito a todo o tempo. Dada, todavia, a constante e repetida atitude anterior do legislador no sentido de sempre ter fixado um prazo para o exercício do direito, nunca seria de atribuir a esta nova atitude a natureza de uma posição dogmática irrenunciável na manutenção do instituto e sobre ela alimentar fundadas expectativas na conservação de situações de facto já alcançadas como consequência do direito em vigor.
Finalmente, não poderá deixar de sopesar-se, para aferir da pertinência da tutela constitucional ao abrigo do princípio da confiança, que o direito em causa, conquanto possa ser havido como um direito subjectivo à face das normas de direito substantivo que o regem, não é ainda um direito a beneficiar de uma aposentação já atribuída, um direito já reconhecido ao pagamento de prestações, mas apenas um direito a ver apreciada a sua situação dentro daquele quadro normativo.
Ora, atentas todas estas características de tal direito não é de ter por intolerável, inadmissível ou arbitrária, sob o ponto de vista do princípio do Estado de Direito democrático e do princípio da justiça nele também ínsito, a alteração legislativa no sentido de o exercício do direito ficar sujeito a um prazo, quando o exercício deste apenas ocorre cerca de 7 anos depois de extinto o prazo supervenientemente previsto na norma sindicada, como acontece no caso sub judicio. No mesmo sentido decidiu entretanto o Acórdão nº 467/03.
C – A decisão
14. Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional a norma que se extrai da conjugação dos artigos
1º, 2º e 3º do Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho, com o disposto no artigo
único do Decreto-Lei n.º 363/86, de 30 de Outubro, no sentido de ficar revogado o disposto neste último diploma quanto à não sujeição a qualquer prazo do requerimento para se pedir a pensão de aposentação nos termos do Decreto-Lei n.º
362/78, e de essa revogação entrar em vigor em 1 de Novembro de 1990, data consubstanciante do termo do exercício do direito.
b) Conceder provimento a ambos os recursos e ordenar a reforma da decisão recorrida em função do precedente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 12 de Novembro de 2003 Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos