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Proc. n.º 396/04 Plenário Conselheiro Benjamim Rodrigues
A – O relatório
1. O Presidente da Assembleia de Freguesia de Gaula, do concelho de Santa Cruz, requer ao Tribunal Constitucional, de acordo com o disposto no art.º
25º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de Agosto, por carta que nele deu entrada em 26 de Março de 2004, a apreciação da constitucionalidade e da legalidade de um referendo local, a submeter aos cidadãos eleitores da Freguesia de Gaula, concelho de Santa Cruz, tendo como objecto a seguinte pergunta: “Concorda com a retirada de todas as unidades industriais de transformação (britadeiras, centrais de asfalto e de betão e outros equipamentos do género) existentes no Vale do Porto Novo - Gaula ?”.
2 - O requerimento foi admitido por despacho, de 26 de Março de
2004, do Presidente do Tribunal Constitucional do seguinte teor:
«Não se verificando irregularidades processuais e tendo em conta que, apesar de se me afigurar muito questionável que a matéria se integre nas competências dos
órgãos da freguesia, se poderá considerar não existir inconstitucionalidade ou ilegalidade manifestas, vão os autos à distribuição».
Em cumprimento deste despacho o processo foi distribuído no mesmo dia.
3 - O requerimento está instruído com os seguintes documentos:
a) Proposta de Referendo Local; b) Acta de reunião da Junta de Freguesia de Gaula que apreciou a proposta de referendo; c) Requerimento do Presidente da Junta de Freguesia de Gaula dirigido ao Presidente da Assembleia de Freguesia de Gaula; d) Edital - Convocatória para a 2ª Sessão Extraordinária da Assembleia de Freguesia de Gaula – Ano 2004; e) Oito cartas de convocação dirigidas a membros de Assembleia de Freguesia de Gaula; f) Acta de reunião da Assembleia de Freguesia de Gaula que apreciou a proposta de referendo apresentada pela Junta de Freguesia de Gaula; g) Ofício n.º 984, da Direcção Regional do Comércio, Indústria e Energia.
4 - Com base nestes documentos consideram-se assentes os seguintes factos com interesse para a decisão:
a) Por deliberação, tomada por unanimidade, da Junta de Freguesia de Gaula, concelho de Santa Cruz, de 1 de Março de 2004, foi aprovada a proposta apresentada à Junta de Freguesia de Gaula pelos seus Presidente, Secretário e Tesoureiro, respectivamente, A., B. e C., de apresentação à Assembleia de Freguesia de Gaula de uma proposta de referendo local, com vista a serem chamados a pronunciarem-se os cidadãos eleitores recenseados na Freguesia de Gaula, concelho de Santa Cruz, tendo como objectivo a seguinte pergunta:
“Concorda com a retirada de todas as unidades industriais de transformação
(britadeiras, centrais de asfalto e betão e outros equipamentos do género) existentes em Vale do Porto Novo - Gaula?”.
b) Por carta datada de 12 de Março de 2004, o Presidente da Junta de Freguesia de Gaula requereu, nos termos do art.º 14º, n.º1, alínea a), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, ao Presidente da Assembleia de Freguesia de Gaula que este convocasse uma sessão extraordinária desta assembleia de freguesia para apreciação da proposta de referendo acabada de referir.
c) A Assembleia de Freguesia de Gaula aprovou, na sessão extraordinária de 22 de Março de 2004, por maioria de cinco votos a favor e de quatro contra, a proposta de referendo local apresentada pela Junta de Freguesia, do teor abaixo transcrito, a submeter aos cidadãos eleitores da Freguesia de Gaula, tendo como objectivo a pergunta referida na alínea a).
d) Os votos dos deputados da assembleia de freguesia contra a aprovação da proposta basearam-se, “essencialmente, na necessidade do Governo regional dar resposta ao volume de obras públicas que estão em curso por toda a região” e os votos a favor “no facto de [...] todas as unidades industriais de transformação localizadas no Vale do Porto Novo não possuírem, por um lado, qualquer tipo de licenciamento ao nível da exploração e localização” e “por outro lado [no de que] o desenvolvimento de uma freguesia, localidade ou região nunca poderá estar acima da qualidade de vida dos cidadãos e do ambiente, considerando ainda matérias enquadráveis no âmbito das atribuições e competências das freguesias - artigo 14º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro - (protecção da comunidade)”.
e) Os processos de licenciamento industrial referentes às unidades de transformação instaladas no Porto Novo, freguesia de Gaula, concelho de Santa Cruz, encontram-se pendentes na Direcção Regional de Comércio, Indústria e Energia.
5 - Pelo Decreto do Presidente da República, n.º 19-A/2004, de 8 de Abril, foi fixado o dia 13 de Junho de 2004 para a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal.
Cumpre assim conhecer do pedido.
B – A fundamentação
6 - O art.º 8º, da referida Lei Orgânica n.º 4/2000, prescreve que “não pode ser praticado nenhum acto relativo à convocação ou à realização de referendo entre a data de convocação e a de realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, eleições do governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, dos deputados ao Parlamento Europeu, bem como de referendo regional autonómico ou nacional”. Por seu lado, dispõe-se no art.º 33º, da mesma Lei, que “o referendo deve realizar-se no prazo mínimo de 40 dias e no prazo máximo de 60 dias a contar da decisão da fixação” (n.º 1). Dispõe, por sua vez, o art.º 32º, da mesma Lei Orgânica, que “notificado da decisão do Tribunal Constitucional de verificação da constitucionalidade e legalidade do referendo, o presidente da assembleia municipal ou de freguesia que o tiver deliberado notificará também, no prazo de dois dias, o presidente do
órgão executivo da respectiva autarquia para, nos cinco dias subsequentes, marcar a data de realização do referendo”. Ora, sendo assim, constata-se que sempre este referendo ficará juridicamente inviabilizado por os actos relativos à sua convocação ou à sua realização, entre eles se contando os actos futuros de fixação da data do referendo e a sua realização, terem forçosamente de ocorrer, atento o estipulado naqueles artigos
32º e 33º, ou entre a data de convocação e a de realização da eleição dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal ou então fora do prazo máximo de 60 dias a contar da decisão da fixação. Deste modo verifica-se que o referendo local nunca poderá realizar-se sem violação dos limites temporais estabelecidos no referido art.º 8º da Lei Orgânica n.º 4/2000. Consequentemente, o mesmo padece de ilegalidade.
C – A decisão
6 - Destarte, atento tudo o exposto, decide o Tribunal Constitucional pronunciar-se pela ilegalidade do referendo local que, na sua reunião de 22 de Março de 2004, a Assembleia de Freguesia de Gaula, concelho de Santa Cruz, deliberou apresentar à apreciação deste Tribunal.
Lisboa, 14 de Abril de 2004
Benjamim Rodrigues Vítor Gomes Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Gil Galvão Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Carlos Pamplona de Oliveira Bravo Serra Paulo Mota Pinto Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida