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Proc. n.º 406/03 TC - 1ª Secção Rel.: Consº Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Nos autos de recurso supra identificados, em que é recorrente A., foi proferida a seguinte decisão sumária:
1 - A., identificado nos autos, recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 1693 e segs..
No requerimento de interposição de recurso, diz pretender a apreciação da constitucionalidade 'das normas dos arts. 165º n.º 1 CPP (ou dos ars. 524º n.º 1 e 706º n.º 2 CPC, aplicáveis ex vi art. 4º CPP) com a interpretação com que forma aplicada na douta decisão recorrida, por forma a não admitir, por considerar tempestiva, a junção aos autos pelo Arguido, na pendência do recurso para o Tribunal da relação do Porto, de duas certidões supervenientes, destinados a provar factos por si alegados em sua defesa na Contestação' que violariam o disposto no artº 32º n.º 1 da CRP, e ainda 'da norma do art. 410º n.º 2 al. c) CPP com a interpretação com que foi aplicada na douta decisão recorrida, por forma a considerar que não ocorreu erro notório na apreciação da prova, por violação do princípio in dubio pro reo, quando, constatando no texto da decisão proferida que existe dúvida quanto à veracidade do que o Arguido alega em relação aos episódios (ameaças e agressões) do conflito existente entre si, por um lado, e a sua ex-mulher e familiares desta, por outro, se decidiu contra o Arguido, dando tais factos como não provados'.
O recurso foi admitido no tribunal 'a quo' e remetidos os autos a este tribunal.
Cumpre decidir, tendo em conta que o despacho de admissão do recurso não vincula este Tribunal, nos termos do artigo 76º n.º 3 da LTC.
2 - É jurisprudência pacífica deste Tribunal o entendimento de que os recursos de constitucionalidade previstos no artigo 70º n.º 1 da LTC são recursos que visam a apreciação da constitucionalidade de normas (ou de uma sua interpretação) e não das próprias decisões judiciais.
E não é o facto de, na interposição do recurso, o recorrente indicar, formalmente, a norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada que, só por si, basta para se concluir que o recorrente impugna uma interpretação normativa e não a própria decisão enquanto subsume à norma uma determinada situação (momento aplicativo da norma).
Ora, no que concerne à norma do artigo 410º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, manifesto é que a impugnação do recorrente não se dirige, substancialmente, à norma (ou à sua interpretação), mas à decisão que a aplica.
Com efeito, o que o recorrente questiona é a circunstância de o tribunal não ter considerado como erro notório na apreciação da prova o não se terem dado como provados determinados factos alegados pelo recorrente; isto mesmo se assinala no acórdão da Relação do Porto quando se diz que o recorrente
'pretende, essencialmente, sobrepor a sua apreciação da prova à do tribunal 'a quo'; não há nessa decisão, implícita, a suposta 'interpretação' que o recorrente lhe imputa, antes nela se entende que, com base na 'análise dos elementos de prova especificados pelo recorrente e revista a transcrição da gravação magnetofónica das declarações e depoimentos colhidos na 1ª instância, em cotejo com a materialidade assente como provada e não provada e com a fundamentação de tal juízo, oferecida no aresto recorrido' se não descortina 'o alegado erro de julgamento da matéria de facto, não merecendo qualquer reparo a decisão dos juízes do colectivo'.
Tanto basta para, nesta parte, se não conhecer do objecto do recurso.
3 - Já no que respeita à norma do artigo 165º n.º 1 do CPP (as normas invocadas do CPC não foram aplicadas) entende-se que a questão é simples, por manifestamente infundada.
Com efeito, a intempestividade da junção de documentos supervenientes, na fase de recurso para a relação, está directamente conexionada com os termos em que a lei regula os recursos em processo penal, particularmente, no que concerne à reapreciação da matéria de facto.
A decisão em 2º instância, sobre matéria de facto, não significa um segundo julgamento no sentido de se deverem apreciar novos elementos de prova. O juízo do tribunal de recurso tem por objecto a decisão de 1ª instância, com a possibilidade, em certos casos, de 'renovação' da prova (não de apresentação de novos elementos da prova - novas testemunhas, novos documentos) com os mesmos elementos probatórios que serviram de base à decisão recorrida.
Escrevem, a propósito, Simas Santos e Leal Henriques ('Recursos em Processo Penal', 3ª ed., pág. 58):
'Ao estatuir que 'sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença (isto é, de uma decisão que conhece, a final, do objecto do processo) abrange toda a decisão', o art. 402º, consagra no seu n.º 1, o princípio do conhecimento amplo.
O objecto legal dos recursos é, assim, a decisão recorrida e não a questão por esta julgada; com o recurso abre-se somente uma reapreciação dessa decisão, com base na matéria de direito e de facto de que se serviu ou podia servir a decisão impugnada, pré-existente, pois, ao recurso'. (sublinhado nosso).'
Ora, a Constituição (maxime, artigo 32º n.º 1), se assegura o direito ao recurso, deixa, no entanto, ao legislador ordinário uma margem de livre conformação na regulação do recurso, não impondo, de modo algum, que esta se traduza na permissão de um segundo julgamento da questão decidida em 1ª instância.
Nesta lógica se compreende, sem vício de inconstitucionalidade, a proibição de junção de documentos supervenientes com vista a alterar a matéria de facto dada como provada em 1ª instância.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se:
a) Não conhecer do objecto do recurso quanto à norma do artigo 410º n.º 2 alínea c) do CPP, por se não tratar de uma questão de inconstitucionalidade normativa;
b) Julgar manifestamente infundado o recurso quanto à norma do artigo 165º n.º 1 do CPP.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs.'
2 - Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, dizendo, em síntese, concordar com o não conhecimento da suposta questão de constitucionalidade da norma contida no artigo 410º n.º 2 alínea c) do CPP, mas discordando da decisão na parte em que julgou manifestamente infundada a questão da alegada inconstitucionalidade da norma do artigo 165º n.º
1 do CPP.
Na sua resposta, o Exm.º Magistrado do Ministério Público sustenta que a reclamação deve ser indeferida.
Cumpre decidir.
3 - Na sua reclamação limita-se o reclamante a alegar que 'é perfeitamente inconcebível (...) que se prive o arguido do uso de um documento que o beneficia e que só nessa altura pode ser obtido', e que 'uma tal ficção nem mesmo no processo civil é possível'.
Nada, pois, do que o reclamante alega infirma o que, a este propósito, se deixou dito na decisão sumária.
Não deixará, no entanto, de se acrescentar, e tal como o Exm.º Magistrado do Ministério Público sustenta, que o arguido não fica desprovido de meios de defesa, podendo fazer valer uma decisão judicial superveniente, que o beneficia, incompatível com a decisão que o condenou definitivamente, através do recurso de revisão, nos termos previstos no artigo 449º alíneas a), b) e c) do CPP, sendo certo que o princípio constitucional em causa (garantias de defesa do arguido) se basta com a previsão de uma meio procedimental idóneo para o arguido efectivar essas garantias.
4 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 17 de Julho de 2003 Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida