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Processo nº 563/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Ministério Público veio, 'nos termos dos arts 70º, nº 1, al. a), 72º, nº 1, al. a) e 3, 75 da L. 28/82 de 15/11, na redacção introduzida pela L. 85/89 de
17/11, (...) interpor recurso para o Tribunal Constitucional da sentença de
17/05/01', do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto (2º Juízo), 'em que foi recusada por inconstitucionalidade a aplicação das normas dos arts 1º, nº 3 e 23, al. c) da Tabela de Emolumentos do Registo Comercial na redacção da Port.
996/98 de 25/11'.
2. Nas suas alegações conclui assim o Ministério Público:
'1º - Os emolumentos devidos pela realização pelos serviços notariais e de registo de uma tarefa de administração pública do direito privado têm, de um ponto de vista estrutural, carácter inquestionavelmente bilateral ou sinalagmático, já que traduzem a prestação de um serviço aos utentes, consubstanciando a fé pública e segurança associada à outorga em escritura notarial ou na efectivação do acto de registo.
2º - O carácter bilateral da taxa não implica uma estrita correspondência económica entre o valor da prestação imposta ao particular e o custo do serviço que constitui contraprestação do ente público – podendo, porém, no caso de ocorrer 'desproporção intolerável' entre ambos, resultar violado o direito fundamental que, porventura, seja actuado ou realizado mediante a prestação do serviço público em causa.
3º - O carácter bilateral da taxa não impede que no seu montante possam ser repercutidos os custos globais de instalação e funcionamento dos serviços que visam a administração pública do direito privado, fazendo partilhar pelos utentes (e não pela generalidade dos contribuintes) tais custos globais, em função da relevância económica dos actos que praticam.
4º - Na específica situação dos autos, não constitui 'desproporção intolerável' a liquidação de emolumentos no valor de cerca de 15.000 mil contos, quando está em causa a celebração de acto de registo de emissão de 2.992.500 obrigações, no valor nominal de 10 euros.
5º - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em consonância com o juízo de constitucionalidade da norma desaplicada na decisão recorrida'.
3. Apresentou contra-alegações a recorrida M..., S. A., sociedade comercial com sede em Amarante, concluindo deste modo:
'1ª. - Alguns dos ‘emolumentos’ que estão consagrados na Tabela de Emolumentos aprovada pela Portaria 996/98 de 25/11 , nomeadamente os do nº 3 do artigo 1°, não correspondem a meras ‘taxas’, mas antes substancialmente a ‘impostos’ ou
‘contribuições especiais’, -- equiparáveis aos impostos para efeitos da aplicação das exigências constitucionais quanto ao procedimento e à forma de criação e definição de impostos.
2ª. - É que a sua estrutura revela que os montantes do tributo (os montantes a cobrar coactivamente) variam consoante a ‘capacidade contributiva’ de cada contribuinte: uma vez que o seu valor em concreto determina-se pela relação directa com o ‘valor económico do negócio privado’ que se pretende levar a registo.
3ª. - Ainda que não estivéssemos perante um verdadeiro imposto, estamos sem dúvida perante uma ‘taxa fiscal’.
4ª. - Ora um tal tributo está sujeito ao mesmo procedimento legislativo de criação e configuração exigido para a criação e definição de impostos.
5ª. - Existe claramente, no caso dos autos, uma desproporção entre o montante dos emolumentos, que é de Esc. 15.000.000$00, e o serviço público que foi prestado em concreto (tal facto resulta até corroborado pelo Ministério Público, nas suas doutas Alegações, quando afirma que o montante pago é
‘inquestionavelmente elevado’ ).
6ª. - Para estarmos perante uma mera ‘taxa’ teria de existir uma certa relação de proporcionalidade entre o ‘montante cobrado’ e o valor objectivo da
‘prestação de serviço efectuada’ concretamente (que no presente caso, não representa mais que uma intervenção de escassos minutos).
7ª. Tal ‘equilíbrio e proporcionalidade’ são constitucionalmente exigidos: fazem parte dos princípios do Estado de Direito e pertencem à chamada Constituição material.
8ª. - Nos presentes autos tal ‘correspectividade económica’, em bases de certa proporcionalidade, não se verifica manifestamente: pelo que podemos concluir que com este específico ‘emolumento’ não se está a pagar o serviço concreto que foi prestado(com os diversos custos que a ele estão ligados).
9ª. - Bem pelo contrário, tais emolumentos traduzem uma relação meramente
‘abstracta’ entre o serviço público efectuado e o montante pago. Pelo que são ou têm de ser tratados como verdadeiros impostos !
11ª. - De todo o modo, a estatuição normativa deste tipo de imposição, este
‘tributo’ específico assim configurado na sua substância, carece de ser consagrada por um acto formal legislativo, -- e não o poderá ser por mero regulamento, por mera Portaria assinada unicamente pelo Ministro da Justiça (que
é o que acontece com a Portaria 996/98, 25 de Novembro, emanada expressamente do
‘Ministério da Justiça’ e ‘Assinada em 15 de Novembro de 1998’ pelo ‘Ministro da Justiça, José Eduardo Vera Cruz Jardim’ - cfr DR, I Série B, nº 273/98, pág.
6.542).
12ª - Não cabe, de facto, ao Ministro estabelecer outros critérios de tributação
- ou ‘taxação’ por actos prestados pelos serviços do seu Ministério- que não seja com base numa lei prévia habilitante (o art. 112° nºs 6 e 7 da CRP impõem até que a ‘integração’ ou o regulamento inovador, ‘independente’, deverá revestir a forma de ‘Decreto-Regulamentar’) e, sobretudo -- para o que aqui primeiramente se discute -- que não sejam critérios materiais que se cinjam à obediência estrita de uma certa ‘correspectividade económica’ entre o valor objectivo do serviço público prestado e o valor que resulte em concreto da imposição do tributo.
13ª - A ausência de uma tal correspectividade económica mínima -- entre valor da prestação efectuada e tributo -- terá de ser legitimada por acto legislativo formal: não é permitida através de um mero regulamento, de uma mera Portaria.
14ª - Como é o que acontece no caso presente, em que pelo acto de registo que apenas envolveu uns simples 5 a 10 minutos de realização (feito pelo funcionário e assinado pelo Conservador, consistindo em mera cópia e transcrição de dados fornecidos pelo particular, como melhor se verá a seguir) se impôs um tributo que resultou -precisamente porque se quebrou absolutamente a 1igação entre
‘valor objectivo do serviço (em monopólio) prestado’ e valor da ‘taxa’ cobrada
-- em 15.000.000$00 !!!
(por serviços de escassos minutos, repita-se !)
15ª- Um Ministro não pode por si criar receitas estaduais deste tipo: com critérios ‘livres’, desligados da objectividade dos custos e valores do serviço efectuado, com ‘percentagens’ ou ‘taxas’ (‘stricto sensu’) estabelecidos a seu bel prazer, e incidindo ‘livremente’-- sem limite, à mercê da total opção do próprio Ministro -- sobre os índices de capacidade concreta contributiva do particular que entenda estarem subjacentes ou envolvidos no negócio privado que, segundo a lei, deve ser objecto de registo. A Constituição não o permite (... ‘não o permite’, quanto à ‘competência’ e quanto à ‘forma’ dos actos normativos).
16ª - Para uma tributação assim totalmente desligada dos valores da prestação concreta do serviço público que se efectua, necessária a sua previsão e consagração através da forma e (procedimento) de acto legislativo !!
17ª - Pelo que, a sua criação só pode ser feita por Lei ou Decreto-Lei autorizado, uma vez que tal matéria é matéria de competência relativa da Assembleia da República - artigo 165°, nº 1 alínea i) e artigo 103° nº 2 da C.R.P.: que é o que finalmente acontece com o Decreto-Lei agora aprovado pelo Conselho de Ministros em 28/Outubro/2001, para entrar em vigor a partir de
01/Janeiro de 2002'.
4. Cumpre decidir, sem vistos. A propósito da norma do artigo 5º da Tabela de Emolumentos Notariais, na redacção do Decreto-Lei nº 387/83, de 2 de Novembro, decidiu o Tribunal Constitucional, em plenário, pela não inconstitucionalidade, concluindo 'pela caracterização do emolumento previsto no artigo 5º da Tabela de Emolumentos Notariais, segundo a redacção do Decreto-Lei nº 397/83, de 2 de Novembro, como taxa, não exigindo, por conseguinte, prévia credencial parlamentar, por não se tratar de matéria abrangida pela reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição da República, na versão então vigente' (fê-lo no acórdão nº
115/2002, publicado no Diário da República, II Série, nº 123, de 28 de Maio de
2002) A doutrina desse acórdão é transponível para o presente caso – conquanto se se trate de normas distintas – dada a similitude das situações, pelo que há que repetir aqui o mesmo juízo de não inconstitucionalidade, com o consequente provimento do recurso ( cfr. recentes acórdãos nºs 210/2002 e 265/2002, inéditos).
5. Termos em que, DECIDINDO, concede-se provimento ao recurso, com a consequente reformulação da decisão recorrida, em consonância com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 3 de Julho de 2002- Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto (sem prejuízo da declaração de voto que juntei ao Acórdão nº
115/2002, tirado em plenário) Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa